O Jogo do Cristal escrita por Rumplestiltskin


Capítulo 2
Capítulo 2




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Estacionado junto a uma pequena casa branca de aspecto rústico, estava uma carrinha cinzenta com um logótipo vermelho. A frase “Mudanças em toda a América” estava escrita a preto e em letras bem longas fazendo com que, ao longe, se soubesse do que se tratava.

Um grupo de cerca de quatro homens ajudava a família Dixon a instalar-se. Caixas, malas e mobília eram descarregados cautelosamente da carrinha para o jardim e do jardim para o interior da casa.

Não era a primeira vez que Alana se mudava. Depois de a mãe os ter abandonado, era ela ainda uma criança, Alana e o pai estiveram sete anos em Espanha até que, um dia, decidiram regressar. O pai de Alana, apesar de ser um homem ainda novo, nunca se tornou a casar. Tinha decidido mudar-se para Frame’s Hallow para ali abrir o seu segundo negócio no ramo da restauração.

“Quando acabarmos aqui vamos imediatamente para o café. Há muito trabalho a fazer antes da abertura.”

“Sam, tem calma. Parece que é a primeira vez que o fazes.”- disse rindo.

Era raro Alana tratar o progenitor por «pai». Não se prendia por uma questão de respeito, mas sim por afinidade. Tinham pouca diferença de idades (20 anos) e davam-se extremamente bem, como se fossem irmãos.

“Não é, mas fico sempre ansioso. Já sabes.”

“Sim, ao ponto de passares mais tempo no café do que em casa.”

“Não sejas ciumenta. Ele será o teu irmão mais novo.”

Estava um dia agradável de sol e somente uma ligeira brisa cortava aquele ar seco. A rapariga deitou-se de barriga para cima na relva do jardim da frente. Já só faltavam meia dúzia de caixas para levar para dentro. Respirou fundo e puxou para cima a manga da camisola: aquilo ainda lá estava. Não sabia explicar como mas há uns dias atrás aparecera-lhe, no pulso direito, um estranho pentágono. Já tinha feito de tudo para a apagar mas parecia que quanto mais a esfregasse, mais ela se notava até que acabou por desistir de a remover.

“Mor…”

“Hum?”- fez Alana. Parecera-lhe que alguém lhe sussurrara ao ouvido. - “Deve ser do calor.”- pensou.

“Morre…”

“Quê?” – levantou-se apressadamente e olhou para os arbustos que balançavam ao sabor da brisa. Por breves instantes pareceu-lhe que uma coisa negra tinha passado entre eles.

“Então miúda? Pronta para ir trabalhar mais um pouco?”

“Pronta.” – Respondeu voltando costas e entrando no carro.

Dois vultos apareceram envoltos numa névoa preta no exacto lugar onde Alana tinha estado deitada. Trajavam ambos um manto preto e, um deles, segurava um bastão de madeira branca.

“Eu sabia que ela acabaria por vir, Kala! Ainda está entusiasmada com a ideia de mudança, está a gostar do ambiente pacífico e camponês aqui da zona… Mas vai acabar por mudar de ideias e odiar este sítio.”

“Sim, velho amigo. Tenho a certeza de que eu e a rapariga nos daremos muito bem. Será um prazer enorme destruí-la.”

*

Ao final da tarde, o espaço que, dali a um par de dias seria um café, estava irreconhecível. O café era bastante simples: tinha grandes janelas de vidro das quais se podia ver o lago que há mais de mil anos ali nascera. O interior pintado de um branco ligeiramente a descair para o creme conferia grande serenidade e luminosidade ao local em si. O tampo das mesas de vidro, que alternava entre o verde-claro e o azul turquesa, e o preto das cadeiras davam-lhe um aspecto jovem e cuidado. As casas de banho ficavam no limite direito do local, enquanto a cozinha ficava do lado oposto. Um balcão de madeira com pedra mármore branca ostentava todo o tipo de objectos à espera de ser arrumados. Era quase meia-noite quando os dois finalmente deixaram tudo arrumado.

“Custou mas foi!”- exclamou Sam limpando o suor da testa com a costa da mão.

“Sim, acho que já não aguentava mais um dia assim.”

“Não me digas que estás a ficar velha?”- brincou Sam. Foi até ao frigorífico, tirou duas cervejas e entregou uma a Alana.-“A um novo começo.”

“E que a vida nunca nos falte com trabalho nem com cerveja.”

“Assim é que é falar.”- concordou Sam dando um golo na sua bebida.

“Estava a pensar ir até ao lago dar um mergulho.”

“Vai. Eu espero-te aqui. Aproveito e dou um retoque nisto.”

“Perfeccionista. Como sempre.”- riu Alana pousando a garrafa em cima do balcão.

A água do lago era de um verde marinho devido à vegetação que havia no seu fundo. Um pequeno cais entrava uns metros pelo lago a dentro onde havia um barco a remos a ele atracado. Alana tirou a t-shirt, as calças e desapertou os sapatos. Foi até à beira do cais e respirou fundo. Aquele ar límpido e selvagem entrava-lhe nos pulmões quase como se lhe purificasse o sistema respiratório. Deu um pequeno impulso com os pés e mergulhou na água. Embora soubesse que estava fria, ela não o sentia devido ao calor que tinha passado durante toda a tarde.

Quando voltou à superfície, sacudiu os cabelos e respirou fundo novamente. Há imenso tempo que não se sentia tão livre.

“Natura quae in natura. Aqua, fons vitae, indigni estis qui ardet.”

A aparente calma água do lago começou a borbulhar fortemente e um remoinho surgiu no meio do lago, sugando para ele tudo o que conseguia. Alana apercebeu-se da situação e tentou nadar até ao cais. O líquido, outrora calmo e sereno, tentava agora engoli-la. A rapariga sentia a temperatura a subir cada vez. Nadava freneticamente contra o remoinho mas quanto mais lutava, mais forte ele se tornava. Os seus braços e pernas estavam cansados e sabia que, se desistisse…

“Vou morrer.”- Pensou.

Revertere!”- sussurrou alguém junto das árvores.

De súbito, toda aquela agitação cessou. Alana nadou até à margem do lago, deitando-se sobre as pedrinhas que nela se encontravam respirando com dificuldade. O que teria sido aquilo?


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Notas finais do capítulo

“Natura quae in natura. Aqua, fons vitae, indigni estis qui ardet.” - "A Natureza tira, aquilo que a Natureza dá. Água, fonte da vida, queima aqueles que de ti não são dignos." (TRADUÇÃO NÃO LITERAL)

"Revertere." - Reverter.



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