O Jogo do Cristal escrita por Rumplestiltskin


Capítulo 3
Capítulo 3




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A floresta estava vazia àquela hora. Talvez por coincidência, talvez porque já se fazia escuro ou apenas porque as pessoas tinham demasiado receio de se aproximarem de um local como aquele ao escurecer. Os seres humanos têm medo dos próprios medos: medo que eles se tornem reais, medo de que estes os possam consumir, medo que se apoderem das suas vidas… Mas esquecem-se de quem controla esse medo, de quem o deixa apoderar-se das suas mentes e dos seus corações: nós mesmos.

“O que fizeste? Alguém te poderia ter visto.”

“Mas não viram, está bem?”

“Como podes ser tão imprudente, Phoebe?”- Repreendeu-a um rapaz de cabelos encaracolados que se instalara no cimo de uma árvore.

“E deixava-a ali para morrer afogada, Ethan?”- perguntou indignada, erguendo a cabeça até conseguir alcançar os olhos do rapaz.

Ethan e Phoebe eram amigos desde infância e, apesar de discutirem praticamente todos os dias, davam-se muito bem. Desde que ambos descobriram que possuíam um tipo de habilidade fora do comum, isso servia de mais um pretexto para gerar uma discussão.

“Ela tem o direito de saber o que é!”- exclamou a rapariga já sem paciência.

“E que lhe vais dizer? «Olha Alana, tu és uma Guardiã do Muralha?» – troçou Ethan.

“Parece-me uma boa ideia.”

“Não sejas ridícula.”

“Ridículo és tu por ainda estares a duvidar disto. Eu vi Ethan! Eu vi a marca. Ela tinha-a. Ninguém faria uma tatuagem daquelas.”

“Tanto quanto sabemos, pode ser fanática de algum clube de culturismo oculto ou até mesmo psicótica.”

“Porque é que te recusas a acreditar no óbvio? Porque é que és tão céptico?”

Antes que Ethan pudesse contra argumentar, um forte abanão sentiu-se, fazendo com que o rapaz caísse de costas da árvore.

“Muito maduro, Alice.”

“Apenas queria que vocês parassem de discutir. Não me parece que seja muito saudável.”

Os olhos de Ethan, normalmente cor de ouro negro, tornaram-se de um vermelho tão brilhante que era impossível fixá-los.

“Ethan, controla-te.”- pediu Phoebe.

Fogo.”- disse ele num tom de voz inaudível.

“Alice, corre!”

Uma onda de fogo surgira do meio do nada e cercou a Alice. As labaredas aumentavam em altura, tornando impossível a quem quer que fosse saltar por cima delas. O círculo tornava-se cada vez mais apertado e o calor no seu interior mais intenso.

“Ethan, para.”- suplicou Phoebe.

“Só quando ela pedir desculpa.”

“Pede-lhe desculpa.”

“Nunca. Não fiz nada de errado.”

“Ethan, por favor.”

“Por amor de Deus, tu controlas a água. Faz alguma coisa!”- pediu a rapariga tossindo compulsivamente.

Phoebe levantou-se e olhou para a amiga. Estava desmaiada. Ethan murmurava algo que ela não conseguia decifrar sem nunca perder o contacto visual com o círculo de fogo que se gerara.

Para trás!”- proclamou fortemente. Os seus olhos tinham adquirido uma tonalidade de azul turquesa e um potente jacto de água saiu dos seus cabelos atingindo Ethan fortemente na zona abdominal.

O rapaz foi projectado contra uns arbustos e o círculo de fogo desaparecera.

“Para a próxima que tentares matar alguém, usa métodos convencionais como uma pistola apontada à cabeça ou um punhal cravado no coração.”- disse secamente Phoebe.

*

UM ANO ANTES

Uma boa noite de sono. Era tudo o que ela precisava. Durante o dia estudava e ao final da tarde ainda frequentava o curso de Astronomia na faculdade de Ciências. Phoebe sempre fora o tipo de pessoa que anseia pelo conhecimento, cuja sede de saber algo novo, algo relevante, nunca escasseia.

Já se passara quase uma semana desde que aquela marca se instalar no seu pulso. Aprendera rapidamente formas de a esconder, não fosse a sua mãe vê-la e zangarem-se por algo que nem ela conseguia explicar.

Vinte e três horas. Foi quando Phoebe abriu a porta do seu quarto e se lançou na cama, como alguém esfomeado se lançaria a um prato de comida suculenta e apetitosa. Os seus olhos pesavam-lhe e sentia a alma a começar a sua viagem de navegação até ao Reino Encantado dos Sonhos. Tratava-se de um mundo mágico, onde tudo o que ambicionamos de torna real e palpável mesmo diante dos nossos olhos.

Deitada de lado e agarrando inconscientemente a ponta da almofada, a rapariga adormeceu e sonhou. Um caminho unificado aparecera-lhe à frente. Não era o mesmo sonho do costume, onde ela se via a trabalhar na NASA ou noutra importante companhia, não. Aquilo era algo diferente, algo realmente real. Olhou em todas as direções e nada viu, a não ser um enorme vazio gelado. Prudente e desconfiada, começou a caminhar em direção ao desconhecido, expectante. Os seus passos soavam mais firmes e consistentes à medida que avançava; um pequeno feixe de luz provinha de uma fonte olvidada e distante. Phoebe sentia-se observada, como se milhares de olhares ocultos nas paredes gélidas do caminho não delimitado seguissem cada passo seu, criticassem cada movimento respiratório. Caminhava o mais rápido que conseguia sem querer correr até que um rasgão de luz quase a cegou.

O cenário mudou. O corredor sombrio e obscuro fora substituído por um portão enorme com a mesma cor que as nuvens que rodeavam o gigantesco e majestoso castelo. A rapariga deixou-se ficar imóvel e estática a contemplar tamanho luxo e sumptuosidade. Tudo naquele local emanava paz, calma e tranquilidade. A fortaleza erguia-se em cerca de sete andares (pelo menos, aqueles que Phoebe conseguiu contar), através de colunas coríntias, cujo capitel era tão rude quanto delicado. A arquitetura coríntia procurava reproduzir a delicadeza e a força da mulher, formada por membros graciosos e efeitos agradáveis.

Timidamente, a rapariga empurrou o pesado portão e entrou naquele local tão chamativo e tranquilo. Os jardins possuíam arbustos geometricamente aparados quase todos cor de lavanda. A entrada para o grande templo sagrado tratava-se de um arco fortemente adornado com figuras que Phoebe não sabia distinguir o que ou quem eram.

“A apreciar Eoron?”

A rapariga voltou-se sobressaltada. Diante dela aparecera um ser feminino diferente de qualquer mulher ou rapariga que ela alguma vez vira. Estava coberta com um fino vestido branco, transparente, que revelava todos os traços do seu corpo: as suas curvas perfeitamente geométricas, os seus seios perfeitos e redondos e as suas aréolas bem rosadas. No mamilo direito tinha um piercing e uma tatuagem (ou seria apenas uma marca estranha?) que ia desde o pescoço até à zona abdominal. Tratava-se de uma criatura portadora de uma beleza estranha, fora do vulgar. Possuía longos cabelos negros bem como asas nas costas. A sua pele cor de pêssego era limpa e pura, quase virgem se não fosse o grande arranhão que ia desde o ombro até ao cotovelo.

“Quem és tu?”

“O meu nome é Yellenia e sou uma ondina, um ser elementar da água. E tu deves ser a nova guardiã do poder Água. Sinto-me lisonjeada em ser eu a receber-te.”

“Ser elementar? Guardiã? O que significa isto? O que é isto?”- Phoebe só podia estar a alucinar. Desde quando é que magia era real? Desde quando é que era racionalmente possível existir algo assim na Terra? A sua mente estava definitivamente a pregar-lhe uma partida.

“Todas as tuas perguntas serão respondidas pelo Oráculo. Ele está à tua espera. Por favor, queres acompanhar-me?” – pediu Yellenia, fazendo uma ligeira vénia. Esperou que a rapariga tomasse a iniciativa de andar para que ela a acompanhasse. Talvez aquilo fosse sinal de cortesia ou talvez a ondina estivesse apenas à espera de uma oportunidade de a atacar nas costas.

Por dentro, a fortaleza era ainda mais estranha e maravilhosa do que vista do exterior. Um enorme lago cobria toda a superfície que deveria de ser o chão. Pedras brancas, quase como mármore, pousavam-se suavemente sobre a água límpida e transparente, originando os caminhos percorríeis por todo o castelo. As representações e os desenhos esculpidos nas paredes transmitiam uma forte noção de realismo e objetividade. Utilizavam imensos recursos a situações mágicas e mitológicas; o detalhismo era imenso, quase excessivo.

“Irás encontrar o Oráculo no fundo deste corredor, logo depois do Arco do Sol.”- disse, finalmente Yellenia.

“Não me vais acompanhar?”- perguntou a rapariga num tom chocado.

“Não, Guardiã. O Oráculo deseja encontrar-se sozinho contigo e a sua vontade deve ser respeitada.”- tornou a fazer uma pequena vénia e fez desapareceu em poucos minutos, por entre as nuvens e a água.

Phoebe engoliu em seco e continuou a sua caminhada até ao Arco do Sol. À sua frente, um majestoso altar erguia-se imponente e vil, corrompendo toda a pureza e tranquilidade da fortaleza. Ajoelhado em frente a ele encontrava-se uma figura de estatura média de pele branca como a neve.

“Vejo que chegaste na hora certa, minha irmã. Aproxima-te.”

Phoebe não sabia bem o porquê mas o facto era que aquele Oráculo transmitia-lhe muita paz e confiança, como se o conhecesse desde sempre e desde sempre estivesse destinada àquele lugar.

“O tempo escasseia e temo que desta vez não vá ser tão simples como a última.”- confessou-lhe o Oráculo assim que também ela se ajoelhou.

“Lamento, mas não estou a perceber.”

“Tu és uma Guardiã, Phoebe. Guardiã do poder Água e foste a primeira dos cinco a despertar.”

“A despertar? Dos cinco?”

“Sim. Despertas-te por ti mesma, hoje, ao teres vindo ao meu encontro. Estamos em Eoron, um lugar que outrora fora tão puro quanto a pureza divina. Um lugar onde todos os espíritos e criaturas viviam sob o mesmo céu, regidas pela mesma Natureza… Até que alguns espíritos e criaturas descobriram o mal nos seus corações, que habitou escondido e camuflado dentro deles durante milénios. Vimos-nos obrigados a separar os dois mundos e a construir algo que impedisse o Nékros, o mundo das criaturas e espíritos malignos, de Eoron, o local onde te encontras neste preciso momento.”

“E o que é que isto tem a ver comigo?”

“Agora, podes parecer que estás a sonhar, que nada disto é real mas vou-te dar algo para seguires. Um rumo que deves de tomar. Unir os cinco de vós. Água, Fogo, Terra e Ar.”

“E o quinto elemento?”

“O quinto elemento é o espírito, o sangue, o coração. O tempo escasseia, minha irmã. Deves de ir. Ainda não pertences aqui.”

“Mas, Oráculo, que devo eu fazer?” – perguntou Phoebe mas fora tarde de mais. Sentira que algo a sugara e a arrancara daquele local maravilhoso e encantado, como se a expulsassem. Num minuto estava em Eoron, e no minuto a seguir tinha sido projetada através de um sonho para o chão do seu quarto. Levou a mão à cabeça para a esfregar e olhou para o pulso direito: ainda lá estava aquele símbolo e agora doía-lhe. Levantou-se atordoada e caminhou até à cama. Em cima dela encontrava-se um papel velho, cor de café dobrado ao meio. Abriu-o. Desenhado nele estava um pentagrama e em cada ponta, um símbolo. Phoebe segurou-o com força e olhou para ele: um dos símbolos das pontas tinha desaparecido, sendo substituído pelo seu nome.

Era uma busca que estava prestes a começar.


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