The Last Taste - Season 1 escrita por Henry Petrov


Capítulo 26
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Notas iniciais do capítulo

OOOOI MEU POVO BONITOOOO

Continuando nossa maratoninha de capítulos novos, tem uma apariçãozinha no fim desse capítulo que deve ser lembrada, ok?, porque eu pretendo falar disso lá pro fim. Enfim. Sem mais delongas, vamos ao capítulo. Espero que gostem. Era só isso. Boa Leitura (:



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Eu não sabia onde eu estava. Tudo que eu sabia, era que eu estava seguindo em frente. Em frente e em frente. A mala caiu do banco traseiro quando dei uma curva, fazendo barulho com o atrito grosseiro entre o pneu e a pista. Passei por árvores, casas e pessoas, que apontavam, com as bocas abertas e os olhos arregalados. Eu estava pouco me importando se estava fora do limite de velocidade, o carro não era meu. Aliás, aquele carro provavelmente não tinha nem uma placa de Wayland. Eu corria pelas ruas, sem pressa de chegar, sem demorar, sempre numa mesma velocidade exagerada. Eu não sabia para onde ia, só queria ficar naquele carro e esperar o cansaço me vencer.

Então, comecei a tomar um caminho escuro e com mato dos dois lados. Bati em uma parede no fim da rua. Saí do carro, peguei a mala e bati a porta atrás de mim. Segui pela rua, sem rumo. Era noite e a lua refletia no carro destroçado de Lucy, que eu não dava a mínima. Carreguei a mala pela rua. Poucas pessoas estavam na rua naquele momento. Minhas pernas me levavam, dobrando em esquinas e atravessando ruas, sem saber para onde iam.

Foi quando, à minha frente, eu a vi. Alta, imponente e rústica, com várias janelas, uma enorme varanda e uma porta de madeira, com o número 72 estampado em prata na frente. Inconscientemente, eu tomara o caminho de casa. Era o último lugar que eu queria ir. Tudo que eu queria era voltar para a minha velha vida e aquela casa já tinha sido tocada pela loucura que a Sra. Whitlight trouxera para nossas vidas. Porém, o cansaço estava cada vez maior e eu precisava parar e respirar. Ficar andando em círculos não me levaria a lugar nenhum. Confiante, entrei sem bater.

A casa estava escura. Na sala, estava tudo bem-arrumado, como se o corpo de minha mãe nunca tivesse estado ali, morto e sangrento. Deixei a mala ao lado do sofá e segui para o meu quarto. Porém, no corredor, consegui ver com o canto do olho, uma sombra me seguindo. Virei para ver quem era. A sombra da parede escondia seu rosto, mas a luz da lua exibia claramente a arma prateada que ele segurava apontada para mim. Soltei a mala, assustado e ergui as mãos. Aos poucos, a arma deslizou da mão do homem e caiu no chão. Ele se aproximou e seu rosto se iluminou na luz da janela.

–Peter?

O homem correu e me abraçou. Eu sei que depois de tanto tempo sem vê-lo, eu deveria retribuir o abraço, mas eu não estava com nem um pouco de vontade de ter um momento pai e filho.

–Onde você esteve, meu filho? - ele perguntou, colocando as mãos em meu pescoço. - Todos têm te procurado, polícia, escola, bombeiros, eu, sua mãe... Ah meu Deus, Peter.

–O quê? - perguntei

–Sua mãe. - ele falou. - Ela está...

–Morta. Sei disso.

Tirei suas mãos de meu ombro e saí para a sala, ligando as luzes.

–Como? - perguntou ele, enquanto eu ia para a mesa de bebidas.

–Eu vi os capangas saindo daqui. - falei. - Entrei e ela estava sangrando no carpete, me mandando ir embora.

Meu pai se calou por uns instantes. Enchi um copo de whisky e sentei no sofá, enquanto dava o primeiro gole. Sim, eu era menor de idade, mas meu pai não se importou.

–Então você sabe sobre Bella. - ele falou

–Bella? - perguntei, sem olhar para ele

–Ela morreu no incêndio. - contou meu pai. - A casa pegou fogo depois de um curto-circuito. Nenhum dos Jacksons sobreviveram.

–Bella está bem. - contei, tomando outro gole. - Encontrei-a um dia desses, depois do incêndio.

–Não, Peter. - falou meu pai. - Nós fomos ao seu enterro.

Por um instante, desviei meu olhar da bebida. Eu tinha certeza que Bella estava bem, mas o fato de que houve um velório, houve um enterro, houve tristeza e dor sobre alguém que não morrera, era intrigante.

–Mas não era ela no caixão. - conclui, dando outro gole. - Tenho certeza disso.

–Como? - ele perguntou, confuso.

–É complicado.- respondi

–E você quer que eu me contente com isso? - perguntou ele. - Peter, você desaparece por meses, volta pra casa como se nada tivesse acontecido e quer que eu me contente com “é complicado”?

Não respondi.

–O que aconteceu? - ele perguntou, quase vociferando.

–Nada que vale a pena repetir. - falei, encerrando o assunto.

Sem falar mais nada, segui para o meu quarto. Meu pai estava visivelmente perturbado e a minha frieza o deixava pior. Eu não queira ser tão duro com meu pai, mas eu não tinha paciência para apoiá-lo ou falar sobre Bella ou minha mãe com ele. Eu estava destruído por dentro, mas não queria deixar isso vir á tona. Isso não viria á tona. Por isso, ao chegar no meu quarto, me joguei na minha cama (que por algum motivo, estava com colchas novas) e abri os braços. Passei uns momentos sentindo a quietude e silêncio daquele momento. Nossa... Eu me sentia tão relaxado. É uma coisa engraçada, você pode estar na casa da melhor pessoa do mundo, do tipo de pessoa que, se você quiser quebrar seus pratos com um martelo, ela não se importa, mas nada supera a sensação de estar na sua casa. É sempre aconchegante e te faz sentir seguro, por mais que eu não estivesse.

Sobre a escrivaninha, estava, por incrível que pareça, meu celular. Corri para ligá-lo e me assustei ao ver as quinhentas mensagens e as milhares de ligações perdidas. Vinham de várias pessoas, tinham até algumas da polícia, mas nenhuma tinha sido atendida. É impressionante como as pessoas são. Quando você está vivo, para todos os olhares, ninguém se importa com você. Você é só mais um menino de moletom sentado na sala. Quando você desaparece, até o Papa te liga, querendo saber cadê você. Sendo que o Papa estava pouco se importando quando eu estava de moletom, sentado na sala. As pessoas só dão valor as coisas quando as perdem. Eu disse “as pessoas”, no geral, isto é, não há ninguém no mundo que não seja assim. É normal, é uma característica do ser humano, a desgraça que se multiplica todos os dias. Sem querer, acabei adormecendo.

Passou-se a noite, até que acordei em meu quarto. Já era de manhã. Barulhos que vinham lá de baixo indicavam que meu pai estava tomando café. O relógio apontava seis e meia. Fui ao banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes. Desci as escadas e encontrei meu pai saindo pela porta com sua maleta escura. Fui para a cozinha.

Tomei o café da manhã de sempre. Eu podia dizer que tudo voltara ao normal, se a cadeira à frente de mim não estivesse vazia. Tratei de me apressar ao pegar a mochila e sair para o colégio. Sim, eu estava com saudades do colégio. Antes que me pergunte, eu não amava estudar, eu só tinha sentia falta do ambiente normal cheio de gente normal falando coisas normais com professores normais. Isto é, ninguém se transformando em lobo ou ninguém se jogando pelos ares. Aquilo era muito bom.

Porém, não havia ninguém nos corredores. Meu relógio apontava oito horas, então a maioria já estaria na sala. Fui ao meu armário e observei o papel com meus horários estampado na porta de metal. “Laboratório de Química – 8:00”. Respirei fundo e arranquei o papel, amassando-o em meu bolso. Com passos pesados, me dirigi ao laboratório, imaginando o rosto dos outros ao me verem vivo. Virei uma curva e entrei na primeira porta à direita.

–E lembre-se de Yancy, - falava o professor, - não deixem seus líquidos ferverem...

Eu deveria estar com a cara muito irritada para fazer aquele homem parar de falar. Costumava ser o mais tagarela da sala dos professores.

–Demais. - ele terminou enfim.

–Sr. Hanks. - cumprimentei. Ele deixou uma caneta cair. - Bom dia.

Sentei ao lado de uma menina loira. Ela usava os óculos do laboratório e o jaleco branco. Ela olhava fixamente para o professor. Joguei a mochila no chão, ao lado do nosso balcão de experimentos e apoiei os cotovelos na mesa. Então, resolvi olhar para a menina.

–O que você está fazendo aqui? - perguntei

–Como você pôde?

Hanna se virou para mim, incrédula. A sala toda soltou um “uau!”. Provavelmente por causa dos dois adolescentes desaparecidos a meses, estarem na escola discutindo como se nada tivesse acontecido. Todos prestaram atenção em nossa discussão.

–Pôde o quê, exatamente? - perguntei

Ela revirou os olhos.

–Jogar pro alto tudo que a gente lutou. - ela respondeu. - Jogar pro alto a causa pela qual nós desaparecemos.

Abri a boca pra contestar, mas ela me cortou.

–A causa pela qual Joe morreu.

Estremeci ao ver o tom de desafio em sua voz. Joe era mais uma lembrança daquele mundo esquisito. Eu odiei ouvir seu nome.

–Se veio aqui pra me chamar de volta, foi mal, viagem perdida. - peguei minha mochila e fui até a porta.

–Olha, dane-se o que a Sophie fez! - ela gritou. Parei para ouvir. - Ela errou? Errou! Mas ela fez isso porque ela estava ferida! Ela estava arrasada, ela não tinha nada pra se segurar! Se tudo aquilo que te dá sustento morresse, se tudo aquilo que te faz feliz ruísse, o que você faria?!

–Iria para casa e seguiria em frente! - gritei, virando-me para encará-la – Não sei se dá pra notar, mas é isso que eu estou fazendo! Sophie era o meu sustento, Sophie era o que me fazia feliz! E agora tudo ruiu e eu estou tomando meu próprio conselho e SEGUINDO EM FRENTE! Estou pouco me lixando para Deus, para os anjos, para os demônios, para o diabo que seja! Esses selos vão se quebrar? Talvez sim! Mas não serei eu a tentar.

Dei as costas para Hanna e saí da sala, irritado. Minha mente pipocava de raiva, eu sentia a raiva subir pelas minhas veias e entupir minhas têmporas. Andei pela cidade, desnorteado. Perdi a minha mochila em algum lugar. Passei o dia todo andando pelas ruas, parando em restaurantes e lanchonetes, até ficar perdido. Eu não sabia onde eu estava. Já era quase noite. Ninguém notou que eu era o menino desaparecido e que tinham que avisar a polícia quando entrei em um parque.

Eu não conseguia acreditar na audácia de Hanna, achar que me enfrentar no meio da escola mudaria alguma coisa. Ela queria que eu voltasse. No fundo, bem lá no fundo, eu também queria voltar, queria mais do que conseguia admitir. Mas voltar significaria mostrar que eu perdoara Sophie, que nada acontecera e isso com certeza não era o que tinha acontecido. Parte de mim, ainda amava Sophie. A outra, estava confusa pelo que eu sentia por Hanna. O resto, estava uma bagunça. Eu não sabia se eu amava de verdade quem eu achava que amava, não sabia se eu sentia falta de verdade da pessoa que eu perdera, eu não sabia o que eu sentia, estava uma bagunça de sentimentos, todos empilhados sem uma ordem. Era como se alguém brincasse de aumentar e diminuir minhas reações, me fazendo amar alguém que eu deveria gostar e odiar alguém que eu deveria simplesmente não gostar.

Porém, ainda havia algo bem mais perigoso.

Ferro. Um cheiro de ferro. Eu me sentia dentro de um carro, respirando aquele cheiro de metal fortíssimo. Não era metal. Era diferente. Era... Era sangue. O sangue que corria pelas veias de todos que passeavam no parque, o sangue correndo rápido e quente nas veias daqueles que faziam caminhadas, corridas e coisas do gênero. Eu ouvia o riso de crianças, ao meio da fofoca de duas senhoras, tudo isso misturado ao cheiro de sangue o batimento de seu coração. Minha boca encheu-se d'água e me senti estranho. Era algo que puxava dentro de mim, revolvia meu estômago, como se algo tentasse me puxar de dentro pra fora. Eu não sabia o que era aquilo. Raiva? Ânsia?

Fome. Essa era a palavra. Uma fome voraz, que queimava por dentro do meu corpo, como uma brasa incandescente, pedindo por comida. Mas não era comida que ela queria. Era o sangue. Eu senti meus caninos se alongarem e senti um batimento perto de meus olhos. No lago, vi as veias se realçarem em minhas bochechas e meus olhos tomarem um tom escuro. Engoli seco, tentando parar aquilo, ao mesmo tempo tentando esconder o rosto dos humanos. Mas era muito forte. Eu quase conseguia sentir o gosto de sangue em minha boca, o líquido deslizando pelos meus lábios, aquele sentimento de poder...

Então, como uma tomada, meu cérebro se desligou. Agora tudo que funcionava era meu estômago, minha boca, meus braços... E meus poderes. Senti o Poder fluir pelo meu corpo, abri a boca, exibindo as presas para os visitantes do parque. Eles fugiram, aterrorizados, levando as mãos a boca enquanto corriam. Uma moça tropeçou em seu cadarço e caiu no chão, de costas. Um rosnado veio da minha boca, como um lobo chamando sua presa. A menina levantou e correu, mas fui mais rápido. Em poucos instantes, minhas presas cravaram seu pescoço e eu senti o sangue jorrar de suas veias, espirrando em minha boca e meu queixo. Com a mesma facilidade com que foi pega, a menina tombou no chão, os olhos vidrados e sem um único sinal de vida. Lambi o sangue que restava em meus lábios, passando a língua entre os dentes... Saboreei aquele gosto enferrujado. Sorri e corri, atrás de mais.

Não sei quantas pessoas eu matei. Não sei quantas fugiram. Não sei quantas conseguiram sobreviver à mordida. Só sei que quanto mais eu matava, mas eu me sentia com mais fome. Era como um buraco, que eu cavava procurando uma saída, mas ficava cada vez maior e eu me sentia cada vez mais isolado. Lembro do sangue ensopando minha roupa, lembro da poça vermelha se espalhando pela calçada... Eu queria mais, mais, mais!

Então, eu corri para uma espécie de playground e eu o vi. Um menino, de talvez nove anos, cabelos loiros e encaracolados, estava no banco, caído ao lado da mãe. Ele tinha duas fendas em seu pescoço, assim como sua mãe.

A tomada voltou. Eu ouvia o palpitar de apenas um coração. Mas dessa vez era o meu. Uma voz ecoou em minha mente, doce, bondosa e aconchegante.

“E nos momentos mais sombrios, é para lá que voltarás. No momento em que estiveres mais perdido, é o que procurarás. É o que no fim dos dias, te salvará do eterno julgamento. Humanidade. Tua alma é feita de dor e sofrimento, mas teu coração é feito de amor e força. É isso que, no fim, restarás quando tudo acabar. É o que te salvarás daquilo que mais teme.”

Aqueles verbos conjugados daquele jeito, aquele amor ao falar da humanidade...

–Deus? - perguntei, esperançoso

Infelizmente, nada me respondeu.

“O que mais teme”. Eu sabia o que eu temia. Mas eu tinha certeza que estava bem longe disso. Porém, a cada dia que se passava, eu sabia que estava chegando perto. Eu sabia que a cada dia, eu estava mais indefeso, mais vulnerável. Um dia, ela me alcançaria. Um dia, eu me sentiria tão sozinho como já estive. Um dia, a Solidão estaria comigo. E isso eu não aguentaria, viver sem ninguém, como alguém que já esgotou todas suas chances de perdão, de amizade, de ser feliz, de ser amado. Era meu maior medo. Errar demais para consertar.

Foi então que olhei em volta. O parque parecia um filme de guerra. Várias pessoas caídas, carrinhos de bebê, cachorros grunhindo, na esperança de sobreviver, sangue espalhado em todos os lugares... E fora tudo culpa minha.Meus olhos tinham certeza do que viam. Mas minha mente não acreditava que eu tinha feito aquilo. Eu não acreditava que eu, apesar de tudo, seria capaz de causar tanta dor.

E eu não gostei de saber do que eu era capaz.


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