The Last Taste - Season 1 escrita por Henry Petrov


Capítulo 24
By The Light Of The Moon


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal. Esse foi o maior capítulo até agora, desculpa se passei do limite, mas tentei restringir bastante a descrição pra não ficar muito grande. Ficou enorme, mas ficou legal. Tem um pequeno detalhe nesse capítulo que é bom lembrar para o fim da história. Ainda tenho saudades de vocês, não têm me respondido :(
Mas tudo bem. Pelas exibições, sei que tem gente lendo. Menos do que eu gostaria, mas tem. Bom, é só isso. Boa Leitura (:



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Senti um cheiro de verduras, como manjericão. Eu estava deitado em algo macio e fino, que me espetava em todo o corpo. Levantei rápido enquanto todos se levantavam aos poucos. Estávamos de volta à clareira na Floresta de Lilith. Todos ofegavam e respiravam fundo, confusos e angustiados. Por todos, eu digo eu, Hanna, Sophie e... Só.

–Devolve!

Sophie gritou para o nada. Ela começou a andar pela clareira, enquanto vociferava para as árvores.

–Devolve agora! Devolve minha faca!

–Faca? Que faca, Sophie? - Hanna perguntou, confusa

–Esta aqui?

Aquela voz horrenda estava de volta. Wendell apareceu, sentado com a sola dos pés coladas, como um índio em uma pedra. Ele segurava na mão a mesma adaga que levou a vida de Joe. Sophie correu e pulou sobre a pedra.

–Devolva!

Wendell reapareceu em pé, próximo ao limite da clareira.

–Não vamos nos apressar. - ele falou, mexendo as mãos rápido, até que a faca desapareceu. - Não é sua nem minha.

–Mas eu achei!

–Eu também achei.

–Você é roubou de mim!

–Você roubou de um morto. Onde estão seus modos?

–De quem vocês estão falando?

Hanna quebrou o ping-pong de Sophie e Wendell. Sophie suspirou e a respondeu, impaciente.

–Essa faca, essa que ele roubou de mim, – ela deu ênfase no “roubou”, olhando para Wendell raivosa – é a Lâmina de Cain.

Hanna arregalou os olhos.

–Você deixou derrubar. - Wendell retrucou

–Onde? Na cela onde você me prendeu?! - ela apontou o dedo na cara de Wendell – Eu repito: me devolve! Agora, Wendell!

–Eu meio que mereço ela, sabe? - Wendell comentou, enquanto andava em volta da clareira. -Você não cumpriu sua parte do trato.

–Você matou um homem inocente! - gritou ela de volta – Isso não é o bastante?

–Eu vou ficar com ela até que você o faça. - Wendell finalizou. - Resolvido!

–Alguém pode me dizer o que tem de tão importante em uma faca? - perguntei, cansado de ser o último a saber das coisas.

–Cain a fez. - Hanna contou. - Aquele cara que matou o próprio irmão, Abel, porque tinha inveja da intimidade dele com Deus? Pois é. Ele fundiu essa adaga com Graça, Poder e Humanidade. Ele a usaria como barganha caso Deus quisesse puni-lo pelo que fez com Abel, mas Deus recusou. Essa faca, Peter, é a única coisa capaz de matar um Anjo. Ela pode matar e destruir qualquer tipo de ser ou substância, exceto por Arcanjos e Deus.

–E Cavaleiros Do Inferno. - completou Sophie. - Para os desatualizados, eles são como os Arcanjos são para Deus. Acima deles, só o próprio Lucífer. Agora me devolve!

–Fique, não preciso dela. - Wendell derrubou a faca com descuido. Sophie correu para apanhá-la. - Todos os Arcanjos estão mortos ou presos em cavernas que só podem ser abertas com a destruição de selos centenários, estou muito bem sem ela.

Ele riu e desapareceu no ar, em um gás verde que se dissipou com velocidade. Sophie limpou o sangue de Joe com a blusa e enfiou-a em uma bainha próxima a calça.

–Não vi você vestindo isso em Anakyse. - comentei

–É mágica. - ela respondeu. - Só aparece quando preciso usar. Vamos, temos que quebrar a maldição dos lobos.

Continuamos pela floresta, mas Hanna ficou para trás. Quando me aproximei, ela estava com os olhos bem abertos, encarando o chão. Ela ofegava.

–Hanna? O que foi? - perguntei

–Lucy. - respondeu ela. - Ela não foi com a gente para a caverna de Wendell e tampouco está aqui.

Olhei para Sophie e ela soltou a bomba.

–Wendell a levou.

–E agora?! - Hanna exclamou.

–Agora não podemos fazer nada, Hanna. - Sophie respondeu. - Se Wendell a pegou, ela já deve estar morta a este ponto.

–Nós fomos levados por Wendell. E estamos bem. - Hanna retrucou

Sophie ergueu uma sobrancelha.

–Nem todos nós, Hanna. - Sophie lembrou

Hanna engoliu seco.

–E o que você recomenda que façamos? - Hanna perguntou, dando de ombros. - Seguimos em frente como se nada tivesse acontecido?

–Eu acho que a última coisa que ela quereria era que largássemos tudo para ir atrás dela. -falei. - Isso a deixaria irritada. Muito irritada.

–Chame ele de novo! - Hanna mandou – Chama, Sophie!

–Eu não posso chamá-lo por causa disso! - respondeu Sophie – Principalmente quando se fala de espíritos. Existe uma lei que diz que não podemos nos intrometer nos negócios de Espíritos de Wendell. Não podemos reclamar uma alma. Em troca disso, ele deixa a Floresta de Lilith “em paz”, não incomoda quem passa por lá.

–Ele incomodou a gente! Duas vezes! - revidou Hanna

–É, mas na primeira precisávamos dele e da segunda tínhamos uma dívida com ele. - Sophie respondeu. - E ele só atendeu meu chamado por quê não tem nenhuma lei dizendo que não podemos chamar ele se aquele duende roubar algo que é nosso.

–Então podemos dizer tchau para Lucy? - perguntei – Damos ela como morta?

–Viva até que se prove o contrário. - respondeu Hanna. - Seguiremos em frente, mas vamos esperar algum sinal de que ela esteja bem. Lucy não está morta. Não pode estar.

Olhamos um para o outro, concordando com a solução de Hanna. Sem falar nada, seguimos em frente. Sophie sacou a adaga para abrir caminho entre a mata.

A mata era alta e o clima não colaborava. Era quente e úmido, nos dando uma sensação esquisita. Haviam mosquitos e besouros aparecendo de todos os lugares. Em cima das folhas, sobre nossos braços e nas costas de nossas mãos. A Lua acima de nós fazia o trabalho horrível de iluminar a floresta. Chegou a um ponto que percebi que estava sendo indelicado e pedi para que Sophie me deixasse abrir o caminho. Ela mordeu o lábio enquanto me entregava a faquinha.

–Não lembro dessa matagal todo quando viemos aqui mês passado. - comentei

–Por quê não viemos por aqui mês passado. -Sophie respondeu – Estamos indo atrás de lobos e eles ficam a oeste da Floresta de Lilith.

–Não é um pouco idiota? - perguntei – Estamos caçando lobos que se transformam toda noite, à noite. E se algum lobo atacar a gente? Você principalmente, Sophie, que está sendo caçada por eles? Como que vai ser?

–Eles se prendem dentro de cavernas. - Sophie contou. - Só saem pela manhã. Foi feito um acordo com eles que eles podem viver dentro da Floresta e se alimentar de qualquer ser durante do dia, mas durante e a noite, não podem matar nem um mosquito. Ou então, eles são presos, mortos, amordaçados e coisas do gênero. Então a noite é o melhor momento, pois estão presos e não podem nos machucar.

–É duro ser um lobo por aqui, não é? - comentei

–Já foi pior. - retrucou Sophie.

Continuamos a adentrar a mata escura. Aquilo tava mais pra Mangue do que pra Floresta. O cheiro de pântano e de fezes era enorme ali. De vez em quando, ouvíamos o farfalhar de algum animal passando pelos arbustos densos. A lua já estava próxima do horizonte quando chegamos a uma clareira, onde o cheiro e a mata cessavam.

Havia uma alta árvore, cheia de folhas verdes, que saíam de galhos escuros e robustos. Ela se sustentava em uma enorme pedra, onde algumas de suas folhas caíam como um lençol sobre a rocha e suas raízes desciam até o chão. Havia um cheiro diferente ali. Era um cheiro mais ameno e simples, de ervas e coisas do tipo. Em volta de nós, a floresta estava escura e silenciosa. Graças a árvore, seguir em frente não era uma opção.

–Pra que lado? - perguntei

–Em frente.

Olhei confuso para Sophie. Ela seguiu até a pedra, onde afastou a cortina de hera que a cobria. Atrás das folhas não havia a superfície cinzenta da pedra, havia um túnel escuro.

–Eles sabem se esconder muito bem. - falou Sophie.

–Nossa. - falei, erguendo as sobrancelhas. - Eles se importam em machucar pessoas ou não, são frias e sem piedade?

–Alguns sim. Alguns não. - respondeu Sophie, enquanto entravamos no túnel. - Depende de seus interesses. No caso, todos vão dar tudo o que puderem para me arrancar a cabeça.

–Deixa de drama, Sophie, ninguém vai te machucar. - falei.

–Você acha que é drama. - ela retrucou. - Eu acho que é fato.

Depois disso, não falamos mais nada. Eu estava com um pouco de pena de Hanna. Depois da morte de Joe, ela parecia tão... Fora. Ela parecia não estar conosco, sempre aérea e fora de foco. Seu pensamento sempre estava longe de onde estávamos. Isso se dava pela falta de Joe, que sempre estava ao seu lado, lhe fazendo sentir que não era um peixe fora d'agua, mas agora, sem ele, Hanna era uma ovelha em meio aos cachorros. Um anjo com dois demônios. Simplesmente não fazia sentido.

O desaparecimento de Lucy também não ajudava em nada, nem Sophie assustando a menina com suas teorias. Eu acreditava que Lucy estava desaparecida. E que nunca voltaria. Mas eu nunca diria isso na frente de Hanna, isso seria devastador e destruiria qualquer pingo de esperança para ela. O melhor amigo e provavelmente namorado e sua fada-madrinha, mortos e desaparecidos em menos de duas horas. Isso sim era um choque.

Eu, pelo outro lado, me sentia estranho. Eu não me reconhecia. Eu não parava de pensar nos outros, em Hanna, em Joe, em Sophie, em Lucy... Eu não era assim. Eu costumava ser egoísta, só pensava em mim mesmo e me colocava em primeiro lugar. “Amar é colocar as necessidades do outro acima das suas.”. Eu não conseguia admitir o amor. Para mim, era uma bomba-relógio, que se eu não tivesse cuidado, se não limpasse a pólvora a tempo, explodiria na minha cara. Amar estava fora do meu alcance e eu tampouco queria que estivesse. Mas parecia que tinha me alcançado e isso me aterrorizava. Pois Peter Roman não ama, Peter Roman brinca. Esse era o meu lema, o meu slogan. Mas isso agora parecia inútil, parecia mentira. Era mentira.

Começando por Sophie, que cada vez mais meu amor crescia. Depois vinha Hanna, que eu tinha medo de machucar. Então, tinha Joe, que eu sentia como se o conhecesse toda a minha vida e que tivesse perdido o meu irmão, meu melhor amigo, sendo que mal nos conhecíamos. Era como se cada sentimento dentro da minha alma fosse aumentado, pulasse para fora de mim e uma leve brisa se tornasse um forte tornado que levasse todo o meu ser pelos ares.

Sophie diria que era a Maldição do Selo, que, de algum jeito, esses sentimentos estourados me ajudariam a quebrar os selos. Como? Eu não parava de me perguntar qual era o verdadeiro propósito disso tudo. Eu estava tentando quebrar os selos a tempo para que eu e tudo relacionado a Lúcifer, incluindo Sophie, permanecesse intacto. Então eu parava e me lembrava de que o meu verdadeiro eu não se importaria com Sophie, mas sim comigo mesmo. Sophie era para ser só mais uma garota que passara na minha vida, como Bella, como Hanna.

Àquela altura, eu comecei a admitir que eu ainda gostava de Hanna. Por algum motivo, de algum jeito, toda aquela raiva e aquele nojo que eu sentia no início, quando ela voltou e me encontrou em Kraktus com Sophie, se tornaram afeto. Eu ainda não sabia se era amor, mais era um sentimento que com o tempo, só cresceria. Isso me aterrorizava muito, pois a última coisa que eu queria era destruir o que eu tinha com Sophie.

Sophie e eu éramos simplesmente o certo. O caminho correto a seguir, preto com preto. O normal. Eu gostava desse normal, era seguro e confortante. Eu gostava de estar ao seu lado, eu gostava de fazê-la sentir que não estava sozinha e de que estava tudo, relativamente, bem. Eu amava amá-la. Mas meus sentimentos por Hanna podiam crescer e destruir tudo isso.

Então eu voltava a parar e pensava “Como eu cheguei a esse ponto?”. Eu nunca tivera crises amorosas como essa, para mim era perda de tempo. Idiotice. Mas como eu disse, estava se tornando uma bomba-relógio e estava prestes a papocar na minha cara. E não ia ser nada bonito.

–Chegamos.

Sophie me tirou de meus pensamentos. Havíamos chegado ao fim do túnel. Era uma caverna, com alguns buracos no teto, por onde alguns feixes de luz passavam. Era grande para uma caverna, era quase uma cidade subterrânea. Haviam várias tendas, altas e de cor bege, cerca de 20 delas. No centro, haviam pequenos gravetos queimados. Ainda saía fumaça, indicando que alguém acendera uma fogueira recentemente.

–Deve ser aqui. - falei, pisando nos gravetos para parar a fumaça.

–Bem-vindos a Malahatch.

A poucos metros de distância, uma mulher falou. Ela usava um longo vestido verde e seu olhar era de medo. Seus olhos tinham cor âmbar, como os de um cachorro e seus longos cabelos loiros desciam em seu ombro em uma trança. Ela vinha do que seria uma rua entre as tendas. Eram tantas que criava uma viela entre elas, que ia até o fundo da caverna.

–Rainha Sophie. - ela falou. - O que a traz a nossas... Ruínas?

Sophie se mexeu inquieta.

–Viemos quebrar a maldição. - respondi por ela, confiante. - Viemos ajudá-los.

A mulher sorriu.

–Meu nome é Janel. - ela falou. - Sou uma das Lobas de Malahatch restantes.

–Restantes? - perguntei, franzindo o cenho

–O resto de nosso povo não sobrevive às Luas Cheias. - contou Janel. - Temos que nos prender e nos enfraquecer com Monkshood, ou então conseguimos nos livrar das correntes e masmorras e conseguimos fugir para a floresta, às vezes chegamos até a cidade, onde quebramos o acordo que juramos cumprir. Porém, geralmente é necessária uma quantidade significativa de Monkshood para manter alguns dentro da caverna e, às vezes, é demais. Já perdemos metade do clã com isso. Além de sermos amaldiçoados por causa de uma menina estúpida, ainda somos obrigados a viver como vermes, escondidos em cavernas.

–Eu não... - Sophie começou

–Poupe-me de suas desculpas. - Janel retrucou. - Já é muita audácia sua vir aqui, em nosso povoado, sendo que é por causa de vossa que estamos nesta situação. Vou ser bondosa e a deixarei ir com vida, Majestade. Mas não me dê tempo para mudar de ideia.

–É para isso que viemos aqui. - falou Sophie, se aproximando de Janel. - Para quebrar a maldição.

Janel piscou. Ela parecia estar em choque.

–Vossa Majestade sabe o que isso significa, certo? - perguntou Janel, ainda paralisada. - A Senhora deve morrer.

–Eu sei disso. - concordou Sophie

–Sabemos disso, mas ninguém vai morrer hoje. - falei, encarando a loira. - Vamos achar um jeito de quebrar essa maldição sem matar Sophie.

Ela nos observou por alguns instantes, como se analisasse as opções. Então, ela suspirou e se aproximou de nós.

–Sejam bem-vindos a Malahatch. - ela falou, apertando minha mão

–Peter Roman.

Ela apertou a mão de Sophie. Achei um tanto ofensivo e antiético. Ela deveria reverenciar a Rainha de Kraktus, mas nenhuma das duas parecia se importar com etiqueta. Quando ela chegou a Hanna, estremeci um pouco. Hanna estava muito séria e apertou a mão de Janel, sem falar nada.

–Você não tem nome? - ela perguntou

–Hanna. - ela falou. - Hanna Whitlight.

Janel arregalou os olhos. Hanna parecia surpresa e me olhou, assustada.

–Minha Senhora. - Janel falou, se levantando. - Esperamos tanto pela senhora!

Hanna piscou, atordoada.

–Desculpa, mas a rainha é ela. - Hanna apontou para Sophie

–A rainha deles. - Janel, ríspida, retrucou. - A nossa rainha tem sangue Whitlight.

–Conhece minha família? - perguntou Hanna

–Sim! Claro que conheço! Seu ancestral, foi nosso maior herói. Derrotou a Bruxa Melinda, nos clamou vingança. Não pode nos ajudar completamente, não nos ajudou a quebrar a maldição, mas foi ele que nos contou que ela, - Janel apontou para Sophie – deve morrer!

Sophie recuou.

–Ninguém vai morrer! - exclamei. - Vamos achar um jeito de consertar isso sem precisar machucar ninguém.

Janel suspirou.

–Tudo bem. - ela falou. - Vocês tem até o meio-dia de amanhã ou não terei um pingo de piedade ou misericórdia em fazer de vocês, jantar. Por enquanto, venham comigo.

Ela se virou e seguiu pela viela. Fomos atrás de Janel. Eu observava cada um de seus passos, tentando prever algum ataque surpresa ou coisa do gênero. Mas nada me pareceu suspeito. Andamos por alguns minutos, até que uma tenda, maior que as outras, se tornou visível no fundo da caverna. Era alta e potente, caberiam cinco daquelas pequeninhas. Janel afastou a lona e entramos.

Estava quente e aconchegante lá. Havia uma enorme mesa de madeira que se estendia até o fim da tenda. Haviam várias pessoas sentadas nos bancos, todas tristes e com caras feias. Haviam várias taças de pratos de madeira, com uma sopa de frutinhas da floresta. Todos comiam, mas não pareciam ter um pingo de fome. A maioria das pessoas estavam machucadas, usavam longas faixas brancas, que iam de seu quadril até seu ombro. Alguns tinham a cabeça enfaixada, outros eram as pernas, a maioria era o peito. Sem falar nos arranhões e nos cortes, que eram fundos e visíveis. Devia doer muito uma transformação, imagine isso todo dia, toda noite. Era um inferno. Nas taças, havia um líquido escuro que não consegui distinguir o que era. Apesar dos ferimentos, algumas pessoas conversavam, a maioria sobre os ferimentos e sobre os remédios que estavam tomado para melhorar. Alguns tinham baldes no chão ao seu lado, de onde frequentemente tiravam um pano e passavam nos ferimentos descobertos.

–Esse aqui é o refeitório. - contou Janel. - E a enfermaria, se querem saber.

Janel bateu palmas e a conversa cessou. Todos ficaram observando-a, esperando suas palavras.

–Meus irmãos! - ela começou. - Finalmente, temos uma chance! A Rainha Sophie está aqui para nos ajudar a quebrar a maldição!

Todos bateram palmas e sorriram uns para os outros.

–Porém, há uma condição. - ela falou e as palmas foram diminuindo e os sorrisos desaparecendo. - Temos de encontrar outra solução. A morte de Rainha Sophie está fora de cogitação!

Muitos vaiaram. Poucos, muito poucos reprimiram as vaias, alegando, em meio aos “uuus”, que assassinato era coisa de bárbaros.

–Eles têm até amanhã ao meio-dia para encontrar uma solução. - continuou Janel. - Senão, Sophie será executada e estaremos livres!

As palmas e os sorrisos voltaram, acompanhados de vivas.

–De um jeito ou de outro, não nos transformaremos mais amanhã!

Risadas, vivas, gritos de felicidade ecoavam pela tenda. Sophie molhou o lábio, nervosa. Aquelas pessoas planejavam usar seu sangue para um ritual. Como você reagiria se estivesse no lugar dela? Nervosismo era pouco ao que ela passaria.

Janel nos convidou para sentar junto com os outros lobos e tivemos uma refeição a base de frutinhas colhidas na floresta. Confesso que fiquei um pouco irritado. A última coisa que eu precisava era de comida de coelho. Conversamos um pouco com os outros lobos, que pareciam estar confortáveis com nossa presença. Claro que haviam uns que nos olhavam torto, como se a qualquer momento fossem pegar nossos dentes e fazer uma coroa deles, mas nada que deveríamos nos preocupar. Como eu estava errado.

Já eram mais ou menos umas seis da manhã, por isso os Malahatch estavam em sua forma humana. Isso queria dizer que tínhamos cerca de quatro horas para encontrar uma maneira diferente de quebrar a maldição. Eles nos deram uma tenda reserva, onde haviam sacos de dormir e espaço o bastante para sentarmos e conversarmos.

–Então. - Sophie começou. - A maldição é baseada no meu sangue. Isso quer dizer que eles vão precisar do meu sangue, de um jeito ou de outro. O que temos que fazer é encontrar um jeito que não precisamos usar todo o meu sangue.

–E como vamos fazer isso? - perguntei

–Vamos pensar. - ela respondeu. - Meu sangue é a única conexão entre o presente dos lobos e o passado de Melinda. Então, só precisamos estabelecer uma conexão direta e os lobos estarão diretamente ligados a magia de Melinda que, com sorte, os curará.

–Ok. - concordei. - E como fazemos isso?

Sophie encarou o chão, pensativa.

–E se dessemos um pouco do seu sangue para cada um deles? - perguntou Hanna. - Cada um deles estaria conectado diretamente a você, Sophie. Logo, estariam conectados a Melinda e estariam curados.

–Boa ideia, Hanna. - Sophie falou, levantando e saindo da tenda. - Vamos avisá-los que encontramos uma solução.

Ela saiu da tenda e Hanna foi logo atrás. Ouvi um grito abafado e corri para ver o que era. Eu não acreditei em meus olhos.

Dois homens, um de longos cabelos escuros e outro de longos cabelos claros, seguravam Hanna e Sophie pelas costas, com prisioneiras. Eles fechavam o braço em seus pescoços. Eles eram fortes demais para elas conseguirem se soltar. Sophie moveu as mãos, tentando fazer alguma magia, mas o loiro a parou. Em volta, haviam cerca de mais outros cinco homens, sem contar com Janel, que assistia tudo de braços cruzados.

–Você não vai nos machucar, rainha! - ele exclamou.

–Achamos uma solução! - gritei, correndo para soltá-las dos braços dos homens.

–Enquanto ela “funciona”, - falou o moreno – vamos mantê-las presas e você nos diz o que fazer.

–E o que aconteceu com eu ser rainha de vocês? - Hanna gritou para Janel

–Nossa rainha nunca confraternizaria com esses seres... - zombou Janel

Contorci o rosto, indeciso, pensando em como salvá-las. Hanna me olhou, como se dissesse: “tudo bem”. Concordei com a cabeça e os lobos segurara com mais força.

–Você, vem comigo. - falou Janel, enquanto os outros nos seguiam.

Ela me levou de volta a entrada de Malahatch. Porém, no lugar da fogueira, havia uma enorme mesa de pedra, onde haviam várias escrituras em volta. Havia um arco de madeira que passava por cima dela, deixando alguns galhos caindo sobre sua superfície cinzenta e lisa. Os cinco lobos se sentaram, fazendo um círculo entre o arco e a mesa de pedra. Eles ficaram de quatro, como lobos, encarando a pedra. Além disso, fazendo um novo círculo em volta do arco, haviam várias tochas, que já queimavam com um fogo crepitante e barulhento. A mesa ficava bem abaixo de uma entrada de luz, fazendo que os únicos raios solares que entravam na caverna, caíssem diretamente em sua superfície rochosa. Era o lugar perfeito para um sacrifício.

–Pronto? - Janel falou, olhando para mim.

–Sim.

Ela ergueu uma sobrancelha, esperando que eu continuasse.

–Precisamos do sangue de Sophie. - falei. - Uma gota será o bastante para cada um de vocês. Bebam e estarão livres. Não precisa disto tudo.

Janel apertou os olhos. Ela olhou para o loiro e ele se aproximou com Sophie. Janel sacou uma adaga de seu vestido e o apontou para Sophie. Um dos lobos trouxe uma das taças de madeira da Tenda-Mestre. Janel estendeu-a e Sophie pôs a palma de sua mão sobre a boca do copo. Rude, Janel fincou a adaga na mão de Sophie, que contorceu o rosto e mordeu o lábio, de dor. O sangue escorreu pela sua mão e caiu na taça, enchendo o copo. Janel puxou a faca e a mão de Sophie se curou logo. Ela pressionou-a, como se ainda pudesse sentir o sangue descer de suas veias. Janel olhou para o copo por alguns instantes e analisou o líquido vermelho. Por fim, ela o bebeu, tomando cuidado para não tomar mais do que um gole.

–E então? - perguntei

Janel parou por uns instantes, encarando Sophie. Então, ela derrubou o copo, como se tivesse perdido as forças. Janel se abaixou e começou a vomitar. No começo, era só o líquido verde habitual, até que se tornou vermelho e ela começou a regurgitar sangue. Ela não parava. Todos correram para ajudá-la, enquanto Sophie tapava a boca com espanto. Janel tossiu mais e mais, até que a coisa piorou de vez. Sangue escorreu de suas orelhas, olhos e narinas, como se tivesse transbordado. Ela gritava em uma dor alucinante. Então, simplesmente... Parou. Ela ficou de joelhos, tentando respirar.

–Janel? - perguntou Sophie, ofegante

Janel ergueu a cabeça para olhar para Sophie e começou a se tremer. Então ela se deitou no chão e começou a ter o que eu achei ter sido um ataque epilético. Ela se tremia cada vez mais, enquanto todos tentavam segurá-la no chão, para que parasse. Mas ela continuava e nada parecia impedi-la. Então, ela parou e seu corpo se secou, como se um tubo lhe tirasse todo conteúdo e só sobrasse um vácuo. Um cheiro insuportável subiu no ar e Janel foi desaparecendo, como uma rocha se despedaçando. Sophie e Hanna assistiam tudo, enojadas, enquanto os outros lobos tentavam juntar o pó que sobrou. Mas não havia mais nada para se juntar.

Eles se ajoelharam ao lado de onde Janel estaria e choraram. Sophie e Hanna estavam chocadas, uma se apoiando na outra. Sim, era um momento muito intenso e triste, mas não tínhamos tempo para isso. Porém, antes que eu conseguisse alcançar as duas para levá-las dali, um dos lobos me parou.

–Não só não funcionou, como matou nossa líder! - ele gritou. - Ela merece morrer!

Ele correu para Sophie e jogou-a em cima da Mesa de Pedra. Antes que eu pudesse correr, um lobo me amarrou pelos braços e pernas, me impedindo de me mover. Hanna sofreu o mesmo. Fomos colocados para fora do círculo de torchas, enquanto os lobos se ajoelhavam em volta da Mesa de Pedra. Sophie foi amarrada na pedra. A cena me lembrou Jesus quando teve suas mãos e pés pregados na cruz, mas isso é irrelevante. O lobisomem loiro Estava de pé, na mesa, segurando uma faca em suas mãos. Ele olhou para seus irmãos e gritou para o longe:

–Tragam a Pedra!

Da viela que dava na Tenda-Mestre, veio uma menina. Ela não parecia ter mais de 12 anos. Ela segurava uma almofada, onde repousava uma bela e redonda pedra branca, com vários segmentos que pareciam veias com sangue. Era branca, tão branca... Hanna começou a ofegar mais rápido.

–Hoje, meus irmãos! - gritou o loiro – Estaremos livres disto tudo!

Não houve vivas ou palmas, todos reverenciavam a mesa de pedra.

–Tudo o que nos falta é a morte. - ele continuou. - Eu só preciso tomar o sangue deste ser e estaremos livres! Traga a Pedra, Luana!

A menina subiu na mesa e ficou ao lado do lobo, perto de Sophie. Ele olhou para a pedra, então para Sophie, que puxava as cordas na esperança de que cedessem. Tentei me desvencilhar do lobo que me segurava, mas ele parecia persistente. Então, chutei seus... Inferiores e ele não teve outra escolha a não ser me soltar.

Corri em direção a mesa antes que o lobo fincasse a adaga no coração de Sophie. Passei pelas tochas e pelo círculo de lobos ajoelhados. Então, vários deles pularam em cima de mim, tentando me neutralizar. Eu não conseguia ver nada, eles haviam me soterrado. Eu socava e chutava, tentando achar uma brecha para escapar. Um dos lobos se juntou a seus amigos, só que esse tinha uma faca. Ele passou em mim e ouvi minha blusa rasgar e senti meu peito ser rasgado e cortado pelo facão que o lobo segurava. Dei uma cotovelada em seu queixo e pulei por cima de sua cabeça inconsciente, deixando os outros lobos para trás e pulando sobre a mesa de pedra, em direção ao lobo. Ouvi Sophie gritar meu nome enquanto eu o empurrava para longe dela.

Infelizmente, eu não fui forte o bastante, mas consegui chamar sua atenção. Caí fora da mesa e ele desceu, se aproximando de mim com a adaga. Pude ver Hanna, a poucos metros de mim, se agitar ainda mais

–Acho que você não vai me deixar matá-la, vai? - ele perguntou – Vamos ter que banhar a pedra com seu sangue mesmo!

–Banhar? - ouvi Hanna sussurrar

O loiro ergueu a adaga no ar, em posição de ataque. Eu estava caído e ele me prendia com as pernas, me impedindo de levantar. Então, a faca desceu.

–Não!

Hanna gritou e me assustei ao ver que o loiro parou quando a faca tocara minha blusa rasgada.

–Eu sei como salvá-los. - revelou Hanna. - Meu ancestral era Brendan Whilitght, certo? Ele contou para seus filhos o único jeito de salvá-los e esse jeito passou de geração em geração. Esse jeito sim, vai salvá-los!

Todos pararam e observaram Hanna. Eu não sabia se era verdade ou não, mas estava me salvando a vida e eu não tinha o luxo pra pensar nisso. O loiro se aproximou de Hanna e perguntou:

–Como?

–Minha mãe. - ela contou. - Minha mãe me contava uma história quando eu era pequena. Eu achava que era conto de fada, mas agora eu sei que é verdade. Não é o sangue de Melinda que sela a maldição. É a pedra. Ela sim tem que ser destruída. Com a morte de Sophie, tudo que vão conseguir vai ser sair daqui! Continuarão se transformando toda noite. Se eu quebrar a pedra, vocês voltarão a se transformar na Lua Cheia.

–Você acha que não tentamos isso? - perguntou o lobo – Essa pedra brinca com o fogo! Não queima, não quebra!

–Por quê não é assim que se quebra. - ela respondeu. - A Pedra é alimentada pelo poder da sua dor, da dor de seu povo. Se ela for sobrecarregada, se destruirá!

–Então o que sugere? - ele perguntou

–Que liberte a mim e a Peter e deixe-me fazer o que eu tiver de fazer.

Levantei e nenhum dos lobos pareceu querer me impedir. Hanna veio até mim e o loiro gritou:

–Luana traga a pedra!

A menina veio, tímida, com a almofada em suas mãos. Hanna pegou-a e ficou de frente para mim. Seguramos as mãos e ela soltou a pedra no espaço entre nós dois. Em vez de cair, ela flutuou.

–O que vamos fazer? - perguntei

–Só concentre-se e tente passar seu poder para a pedra. A cada selo que quebramos, ganhamos o seu poder, a sua força. Somos mais poderosos do que anjos e demônios normais. Só se concentre e passe todo o seu poder para a pedra e ela se destruirá. - ela falou

Olhei para a pedra e fechei meus olhos. Tentei canalizar cada pingo de Poder dentro de mim. Senti aquele sentimento esquisito dentro de mim, subindo pelo meu corpo e passando pelas minhas veias. Porém, eu não senti chegar ao meu rosto. O sentimento saía pela minha mão. Experimentei abrir os olhos.

As “veias” da pedra estavam enormes, quase preenchiam todo o branco da pedra. O branco estava se tornando uma bola de luz e eu quase não conseguia enxergar. Então, um “boom” ecoou pela caverna e senti o chão tremer. A pedra explodiu e vários pedacinhos de brancos, como mini-cristais começaram a descer como neve pela caverna. Os lobos sorriram e e se abraçaram, pois sabiam que agora estavam livres. Hanna e eu rimos enquanto a última gota de cristal caía no chão.

Então eu senti. Algo me puxando por dentro, como se me virasse do avesso. Hanna pareceu sentir o mesmo. Era uma dor intensa, que vinha de todos os lados do meu corpo, como se meu sangue queimasse a parede das minhas veias e artérias. Eu não conseguia me mover e gritar parecia ser a única opção. Então, senti uma ventania entrar em mim e sair, levando consigo a dor.

Levantei, atordoado. Olhei para Hanna. Ela estava com a mão na cabeça, como se ela ainda doesse.

–Acho que isso quer dizer que quebramos o selo.

Ri de leve e sorrimos um para o outro. De repente, me lembrei: Sophie. Corri para a mesa e os lobos me ajudaram a desamarrá-la. Ela se levantou e me abraçou. Abracei de volta.

O resto do dia foi bem normal. Comemos mais algumas sopas com os lobos, rimos, dançamos e cantamos para celebrar mais um selo quebrado e a liberdade dos lobos. Eles fizeram o favor de pedir desculpas para nós por tudo que aconteceu. A mesa de pedra foi removida e a fogueira foi acesa. Todos estávamos felizes.

Ao anoitecer, Hanna se despediu de seus novos amigos. Eles disseram que deviam um favor a ela e sempre estariam lá sempre que precisássemos. Após o enterro de Janel, alguns dos lobos partiram de Malahatch, com a intenção de terem uma nova vida. Um desses lobos, foi o loiro, que partiu com uma mulher e Luana. Eram nada mais, nada menos que um pai de família que buscara tudo em seu poder para manter sua família a salvo. Não havia ressentimento.

Saímos de Malahatch dando “tchaus” e “até logos”. Foi um pouco cansativo e bem, bem infantil. Senti como se estivesse terminando um episódio de desenho animado. Enfim. Quando saímos pela pedra-árvore, já era dia. Sim, tínhamos passado dois dias em Malahatch.

–Hanna. - falei. Ela parou e Sophie também. - Acho que Joe merece um enterro. E um velório.

Ela deu um sorriso tímido e concordou com a cabeça. Sem falar mais nada, seguimos nosso caminho em silêncio. E assim se manteve, pois nenhum de nós teve coragem de quebrar o silêncio e a calmaria depois de dias tão tumultuados.


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