“Finalmente uma manhã de paz”

Ele não sabia ao certo que horas são, mas ainda deveria ser cedo, desde que chegaram a Angra era a primeira manhã que Félix acordava e Niko ainda estava abraçado a ele, ele ainda dormia. Ele o aconchegou novamente pra ter certeza que ele não fugiria.

“Aposto que o Carneirinho acordou mais cedo, mas não se levantou por que eu pedi ontem...Eu sei que criaturas mirins dão trabalho, mas pelo meno um dia ele poderia deixar que a Adriana fizesse seu trabalho aqui em Angra. Praticamente ele deu férias pra ela e pra caseira...Não Félix, não seja egoísta...ele nunca vai criar aqueles meninos nas mãos das empregadas, ele quer participar...ele sempre me fala isso...eu sei o que ele quer que eu faça...que eu participe...Pelas barbas do profeta, por quê eu não o conheci há alguns anos atrás? Olha como ele dorme gostoso...”

“Eu sei a resposta, há alguns anos atrás eu jamais proporia a ele essa viagem, eu iria querer pagar todos seus mimos e realizar todos seus desejos, mas nessa viagem eu aprendi que os desejos dele não tem preço e minha vida inteira eu só consegui realizar as vontades daqueles que estavão ao meu lado através do dinheiro...eu nunca tive ninguém como ele...até quando eu vendia cachorro quente ele estava lá...até hoje eu penso que não tem como retribuir o que ele fez...ele foi me buscar em casa pro Natal...eu não queria admitir para a Márcia, mas eu tinha certeza que ele iria desaparecer; afinal quem iria querer um falido como amigo...e ainda tinha que aguentar a Marcia insinuando que eu estava afim dele...Bom ela estava certa...olha a gente aqui...eu nunca me senti tão bem...Nossa como ele dorme gostoso...acho que nunca tive tempo de reparar nisso lá em São Paulo porque ele sempre está com pressa, restaurante, crianças, crianças, restaurante e eu no final da lista. Eu nem posso cobrar mais atenção...mas eu adoro quando ele faz algo pra mim como agora...eu sempre quis vê-lo acordar assim com calma, sem brigas, vendo esse rosto lembrando que ontem a noite foi tão bom...o vinho ajudou ele ficar mais alegre...preciso comprar mais vinhos em São Paulo...melhor eu não tenho dinheiro pra isso, vou pedir ajuda da Mami Poderosa...não, eu não posso embebedá-lo, mas de vez em quando um bom vinho ajuda...só por ele que eu não estraguei tudo ontem, ele fala em bondade só que até hoje ele é o único que vê bondade em mim, quando ele fala no Eron eu nem sei...sim eu sei...eu tenho ciúmes dele...eu gosto tanto dele...eu gosto tanto...só que quando eu tento me expressar eu acabo brigando...mas até aqui a lacraia vem me assombrar...que horas são? Nossa ainda é muito cedo, talvez ele nem tenha acordado a primeira vez ainda...bom é muito cedo pra mim...”

Ele sorri.

“Ele disse que é comigo que ele quer estar...eu só acredito porque ele está aqui quietinho nos meus braços. Acho que eu não quero mais voltar pra São Paulo...eu sempre disse pra ele que queria sair de São Paulo e ele me dizia tantas coisas, que o que importava era eu gostar dele, que pra onde eu for ele vai.”

“Ele quis dizer que pra onde eu for todos vão, o Carneirinho, criatura carneirinho mirim e mini carneirinho, ele sorri pra mim como a Mary Jaine, tão bonitinho...não Félix, não viaja, seu pai vai vender essa casa e não tem o que ser feito. Melhor não brigar com ele por causa disso...ele já vai brigar comigo por causa do Niko...ele é tão quentinho, olha isso...eu sempre frio e ele tão quentinho aqui, só ele pra me aquecer...vai ser um divisor de águas – antes do Niko, depois do Niko. Só que eu não vou desistir do Niko...meu pai vai me odiar...bom ele já me odeia...só que antes eu era infeliz, agora eu tenho esse rapaz devorador de géleia...Nossa são quase oito horas e ele não acordou...E se eu trouxer café pra ele aqui, será que ele vai gostar? Que pergunta Félix?! Se eu trouxer qualquer coisa com geléia junto ele vai amar...Quem sabe um dia ele vai gostar de mim como gosta dessas comidinhas...”

– Nikooo, Carneirinhoooo...

– Tudo isso por dez quilos de salmão? E o atum não tem desconto? – E ao invés de acordar, Niko se remexia mais e mais...

– Carneirinho, acorda! Nossa é uma realização eu ser a pessoa a te falar isso! Talvez realmente tenha alguém lá em cima que goste de mim.

– Hãh? Acordar, nossa que horas são?

– Sete e meia, viu só? Hoje eu consegui acordar cedo e veja o que a d. Maria me ajudou a preparar pra você.

– Nossa Félix, que lindo, está chovendo?

– Não gostei da piada, eu devo ter sambado no santo sepulcro. Deixa eu levar essa comida embora, acho que o Jayminho vai se divertir mais com todo meu esforço.

– Eu não entendo porque eu nunca posso fazer uma piada, qualquer coisa você já vai ficando...bem, depois eu que sou geniosa! – E eles caem na risada.

– Sabe Carneirinho, é tanta mudança que eu nem sei se consigo absorber isso ainda...

– Eu posso comprar um alguns absorventes pra você, que tal?

– Eu aqui querendo abrir meu coração e você com esse papo! Com quem você anda saindo? – mais risos. – Sério, obrigado por vir, eu nunca vou conseguir explicar quanto isso é importante pra mim. Mas uma coisa eu consigo falar hoje, eu queria te pedir desculpa pelo meu egoísmo, eu nunca imaginei que ainda era tão egoísta...

– Tudo bem Félix, estamos sobrevivendo.

Mas o moreno queria explicar-se. Ele realmente não imaginava que iria ficar tão incomodado com as crianças, só que não era isso na verdade:

– Carneirinho, eu sinto muito por querer competir com as crianças pela sua atenção. Toda hora eu preciso me lembrar que não é porque eu fui criado pelas empregadas que esses meninos vão ser criados desse jeito. Daqui a pouco eles vão acordar e tudo começa de novo, por um lado é ótimo, mas por outro eu gostaria muito de passar um dia todo com você e seria só pra ter sua companhia como agora...pronto, falei!

– Ah Félix, eu também gostaria, muito...tem horas que pra mim também não é fácil ser pai de duas crianças e ter uma pessoa ciumenta assim como você. Bem que você poderia maneirar um pouco...quem sabe daqui um tempo eu consigo me organizar melhor e tentamos algo só nós dois.

– Bom se eu te conheço, isso vai acontecer daqui uns 20 anos...mas se você quiser tentar algo antes posso pedir ajuda pra mami poderosa...

– Acho que prefiro a opção de 20 anos... – Na sua primeira viagem, Niko já havia percebido que ia ser impossível passear sem aqueles três juntos...

– Ainda temos até quinta aqui. Vamos tentar não brigar até lá?

– Não Félix, não! Vamos tentar não brigar mais! Eu sei que perde um pouco da emoção, mas podemos começar a pensar em outras coisas além de brigar não é? Eu já estou com um problema dessa viagem...

– Qual? – Félix parecia surpreso.

– Vamos comer, depois eu te explico se der tempo. Nossa, eu adoro essa géleia aqui, como você adivinhou?

Já em São Paulo, Pilar não conseguia convencer César a se acalmar com a viagem de Félix:

– César, seu filho está bem, o que mais lhe preocupa?

– Pilar, se ele foi para a minha casa em Angra com outro homem aproveitar o carnaval eu o deserdo. Eu não estou brincando, só não posso deserdar a família toda dele porque o Jonathan é um bom rapaz. De qualquer jeito, o que as pessoas vão dizer?

– César, as pessoas vão dizer o que tiverem de dizer, você se preocupou com as pessoas quando me traiu com a Aline? Meu Deus, mesmo que seu filho esteja com outro homem ele nunca vai deixar de ser nosso filho. O Félix já sofreu o suficiente.

– E a Paloma? A Paloma não sofreu? – A voz de César era arrastada e ele não fazia a mínima questão de tentar se esforçar um pouco.

– Não vamos misturar as estações, até a Paloma reconheceu que o Félix mudou. Eu, particularmente, prefiro ver nosso filho feliz do que aquela pessoa amargurada que de uma certa forma nós fingiamos que estava tudo bem...

– Até o hospital ele abdicou...grande mudança, nem competência para arrumar um emprego ele teve depois que saiu do hospital...inútil...mas também quem daria emprego para uma bicha...meu filho...

– Eu venho aqui te fazer um pouco de companhia e é essa a conversa que tem...pois bem, fique aqui sozinho...e a propósito, se hoje o Félix não consegue nenhum emprego a altura do conhecimento dele, foi por sua causa. – E Pilar saiu pisando firme, apesar do desapontamento não lhe saia da cabeça que a melhor coisa era Félix sair do armário para seu pai, ela tinha certeza que a viagem para Angra iria aproximar muito mais aqueles dois e não o contrário.

Aquele pensamento era o mesmo de seu filho a quilômetros de distância, foram necessários alguns dias para que ele entendesse que Niko não viria sozinho, mas o quê fazer? Ainda não lhe saia da cabeça fazer alguma viagem só os dois, mas deixar as crianças ao cuidados de Adriana começava a lhe soar um pouco estranho. Também pensava, quem sabe um dia sua mami pudesse ajudar desde que seu papi poderoso ficasse isolado na casa...Ele não gostava de pensar qual seria a reação do pai ao ver Niko e as crianças. No meio daquele turbilhão de pensamentos ele tentava aproveitar o final do domingo com aqueles três, alguma coisa lhe dizia que aqueles dias iriam lhe fazer muita falta.

Já na segunda-feira Félix não encontrou Niko na cama ou na cozinha, para sua surpresa ele havia saído cedo e sozinho para ir ao Mercado de Peixes já na cidade de Angra, Félix nem deixou a d. Maria explicar direito para começar a ficar nervoso, como o Carneirinho saiu e não lhe avisou? A rodovia Rio Santos era muito perigosa e Niko não dirigia tão bem quanto ele pensava.

Celular? Niko havia deixado em casa.

Carro? O marido da d. Maria, o senhor João havia saído para a cidade também.

Literalmente ele se sentiu ilhado e preocupadissimo com essa saída de Niko, o que afinal ele foi caçar no mercado de peixes?