A vida seguia, não havia como fugir, por mais que ele tentasse, nada impedia o tempo de passar. Quarta seu pai havia saído do hospital, as revelações de Pilar sobre o passado e o passado da mãe de Paloma só vieram a piorar a situação. César deitado no quarto pensando como seria tudo a partir daquele momento, inválido, morando de favor na casa da ex-esposa e a maior parte de seus bens na mão de uma vigarista que agora estava na cadeia...

– Papi, com licença, posso entrar? – Félix tentava alguma aproximação, nada tirava da sua cabeça que a responsabilidade era sua, era seu dever cuidar do pai, queria como nunca poder mostrar a seu pai que ele estava mudando.

– Você já entrou Félix...não precisa nem disfarçar...além de quase cego agora sou um inválido, aposto que nenhum dos seus desejos de vingança chegaram no estado que estou agora...Parabéns, você consegiu.

– Papi, por favor, eu vim aqui ver se está tudo bem...mas se o senhor preferir eu venho depois...mas se precisar de algo, por favor me chame. Hoje eu ficarei em casa com o senhor...Eu conversei com a mami, além das enfermeiras que virão ajudá-lo eu estarei aqui para o que o senhor precisar.

– Félix, vá embora. – César estava impaciente e tudo que ele menos queria naquele momento era conversar.

O filho pediu licença ao pai e saiu, pelo menos não haviam brigado pensava. Havia tanto a ser resolvido, mas uma coisa de cada vez. Ainda que César não pensasse assim.. Nos próximos dois dias ele evitou Félix o quanto pôde e lhe incomodava que ninguém mais além de Félix fosse visitá-lo. Na verdade, ninguém que ele quisesse conversar o havia visitado ainda. Paloma ocupada com o hospital assim como Luthero. Pilar não era bem vinda, ainda não havia aceitado o ex-motorista...enfim, somente Félix insistia em conversar com ele e lhe fazer compania...mas aquele filho, bom aquela pessoa não era quem ele esperava...nunca havia sido.

Félix, em contra partida, estava desconsolado com aquela situação, sempre havia visto seu pai altivo, disposto e agora, agora era uma tristeza sem fim, não era o AVC o problema, não era a Aline, era a situação de isolamento que ele mesmo havia se colocado. Já era sexta a noite...desde quarta-feira ele não via Niko, nem sabia como havia aguentado tanto tempo sem vê-lo ou falar com ele, não precisava de mais nada. Só queria sentar-se com ele, conversar, rir um pouco, quem sabe segurar sua mão. Isso já seria o suficiente para confortá-lo.

Era difícil sair de casa para ele, a todo momento imaginava que César poderia chamá-lo. Como o pai conseguia ficar com as enfermeiras e calado era uma grande questão, tantas pessoas estranhas cuidando dele e o próprio filho não sabia como se aproximar e quando tentava seu pai o afastava novamente. Pedir para Niko ir a mansão também não seria adequado, imaginava que se seu pai soubesse dos dois sem alguma preparação para isso o pior poderia acontecer. E magoar ou deixar constrangido seu carneirinho estava fora de cogitação. Ele poderia aguentar.

– Félix, querido, como você está? – Era Pilar que foi a biblioteca procurá-lo.

– Ah, mami, estou aqui organizando as finanças do restaurante do Niko e tudo mais. Não sei até hoje como aquela criatura conseguiu manter o restaurante, bom eu sei, ele cozinha muito bem...mas é desorganizado... Quando eu achei que havia acabado lá veio ele me dar outro monte de papéis pra analisar. – Ele revirou os olhos e sorriu, era bom estar ocupado no final.

– Fazem dois dias que você não sai de casa e o Niko não vem aqui. Está tudo bem?

– Sim mami, está. É que eu estou tentando ficar mais em casa porque se o papi precisar estou por perto. O Carneirinho entende.

– Filho, não pare sua vida por causa do seu pai. Ele não pararia a dele por você. O que eu quero dizer é...bom...você precisa aprender a se dividir entre o Niko e seu pai, se você quer realmente assumir os cuidados em relação a seu pai, isso não significa se afastar do Niko. Ou você vai esperar seu pai mudar de opinião em relação a... bom você sabe mais do que eu...

Félix balançou a cabeça em sinal de concordância, não havia como negar, mas era tão difícil aceitar a realidade.

O celular de Niko apontou um sms de Félix: " Carneirinho, posso ir ai jantar hoje com você?" E a reposta positiva foi o suficiente para que o moreno entrasse pelo salão do restaurante:

– Féélix, se você já estava aqui por quê me perguntar? Niko sorria enquanto preparava mais um pedido...

– É que eu queria saber se você estava disponível... - e ele tentava imitar a carinha de Niko quando queria alguma coisa, mas ele sabia que não podia atrapalhar os negócios do seu amado, afinal ele trabalhava muito para dar uma vida confortável para seus filhos.

– Está tudo bem?

– Não, acho que eu imaginava que seria mais simples, mas acontece que eu estava enganado...acho que sempre estou enganado no final.

A feição de Niko mudou repentinamente enquanto Félix comia. Ele permaneceu em silêncio finalizando os pedidos.

– Carneirinho, que foi? Você estava tão sorridente...falei algo errado?

– É que você disse que sempre estava errado no final, não queria que você estivesse incluindo a gente nessa frase...mas e se você estiver certo? – por mais dramático que Niko fosse Félix já estava se acostumando.

– Carneirinho...se tem algo que é certo na minha vida é você, que é que eu vou ter que fazer pra você entender isso? – os olhos do moreno eram tão cheios de ternura, mas ás vezes não era suficiente para conter Niko.

– Não precisa fazer nada Félix, é meu jeito, desculpe. Acho que é o cansaço...e eu já estava acostumado a te ver todos os dias..- Niko ficou levemente ruborizado para a surpresa de Félix, por sorte ele era o único no balcão naquela noite.

– Você sentiu minha falta, Carneirinho? – Os olhos de Félix mostravam uma surpresa, como se fosse impossível alguém sentir a falta dele.

– Ai Félix...Qual o problema? – Niko lutava pra terminar logo os pedidos, ainda faltavam dois antes que ele encerrasse seu dia.

– Nenhum, na verdade, eu não achava que em dois dias você sentiria minha falta. Só isso, criatura.

– Quando tudo começa Félix, pra mim é aquela urgência, aquela vontade de estar perto todo o tempo. Bem verdade que em algum momento que não sarei quando, tudo esfriará e seremos bons amigos se antes disso nosso relacionamento não acabar. Mas agora, agora nesse exato momento eu sinto falta de você.

E o silêncio se fez presente enquanto Félix se esforçava para engolir o último pedaço de peixe do seu prato.

– Niko, você fala coisas tão bonitas que eu me sinto um analfabeto, eu nunca sei dizer nada assim pra você. Mas tudo que você me diz faz um bem enorme, você não faz idéia quanto. Acredita, criatura, que foi minha mãe que me fez ver hoje mais cedo que eu precisava te ver...

– Eu sei que nada deve estar sendo fácil, Félix, eu até pensei em ir na sua casa...mas como você não falou se sentiria bem se eu aparecesse por lá com seu pai nessas condições eu resolvi esperar...e que bom que você veio.

– Quando eu não puder vir, você conseguiria aparecer por lá? Mas se ele te tratar mal? Eu não vou suportar ele te tratando mal.

Niko sorriu, que pergunta mais óbvia aquela. Muitas vezes ele não entendia o comportamento de Félix...para ele era tudo tão mais díficil e todo o tempo ele precisava de afirmações, confirmações, qualquer coisa que o deixasse mais seguro...Niko sabia que ele fôra um privilegiado, quantas famílias não aceitam os filhos e filhas quando descobrem que eles não são exatamente daquela maneira que a sociedade aceita como aquilo que é normal.

– Quantoa a seu pai no dia que ele entender que estamos juntos, daí pensamos no que vamos fazer. Não pode ser pior do que eu já imagino... – e ele tentava passar um fundo de otimismo naquelas palavras. Eu só não quero que sua mãe me veja pelado de novo, ok? - E mais uma vez ele sorriu envergonhado, Félix entendeu que seria apenas uma visita, que nada além da visita, mas para ele era mais que o suficiente. Como podia só a presença daqueles caracóis encabelados lhe fazer tão bem.

Para Félix tudo aquilo era assustador, a vida inteira tentou agradar seu pai através de um vida cheia de mentiras e agora Niko falava dos dois na maior tranquilidade. Ele não fazia idéia de como seu pai poderia ser cruel, até porque até aquele momento Niko não acreditava que ele poderia ter sido tão malvado como fora.

Niko continuava, além dos pensamentos de seu amado:

– Aproveitando, esse domingo eu vou levar as crianças no zoo, você vai mesmo querer ir? Eu invento algo pro Jayminho e fazemos alguma coisa juntos outro dia, que você acha?

– Ai meu Deus, eu havia esquecido isso... – e ele põe a mão sobre a camisa na altura do peito como se algo lhe afligisse... – Eu nunca levei o Jonathan com a Edith no zoo e agora vou levar seus filhos com você...

– Félix, você não precisa ir. - por mais que Niko quisesse que ele fosse, não poderia insistir, seria mais fácil explicar para Jayminho que o tio estava ocupado.

– Acontece que eu quero ir, de verdade! Eu não faço idéia de como está o zoo, eu devo ter ido lá com a minha mãe e a Paloma criança ainda...mas se pra fazer parte da sua família eu preciso passar por essas provações, que venham os leões – será divertido, não?

– Vai ser ótimo! Chegue em casa por volta de uma hora, eu encontro você lá e vamos. Ufa, terminei!

– Terminou o quê, criatura?

– Os pedidos, agora posso comer! Estou faminto...mais faminto do que canso hoje.

Naquela noite cada um seguiu seu caminho, Félix não teve coragem de propor nada a Niko, de uma certa maneira ele via o amado tão cansado e ele sem uma ocupação, que o melhor seria deixá-lo descansar, Félix não via a hora de levá-lo para Angra, ele queria retribuir tudo de bom que o carneirinho havia lhe proporcionado nos últimos dias e deixá-lo descansar nos seus braços.

O cinema ficara combinado para o dia seguinte assim como um jantar especial na casa de Niko, tudo em Niko era especial para Félix, até se ele cozinhasse hot-dog e um sorriso iluminou aquele rosto na frente da mansão.