– Mami, será que ele sairá dessa?

Pilar não sabia muito bem o que dizer ao filho, por um lado era comovente ver a preocupação de Félix, por outro sabia que quando César voltasse pra casa nada haveria mudado em relação a Felix...

– Filho, a Paloma foi clara essa manhã, mesmo não sendo a especialidade dela, a opinião é a mesma da equipe médica. Ele vai sobreviver, mas terá sequelas. De que tipo, só o tempo dirá. O importante agora é torcer para que quando ele recobre a consciência o possamos levar pra casa logo...Filho, vamos tomar um café antes de ir pra casa? Acho que preciso de um bom café...

– Claro, mami, quer ir em algum lugar?

– Nâo querido, pode ser aqui no hospital mesmo.

Já no café...

– Félix, eu te chamei aqui por dois motivos que queria um lugar neutro pra conversar: um, que tal começar a atender o telefone? Hoje cedo morri de vergonha de ligar pro Niko... Que coisa esquisita meu filho...

– Ah, mami, até parece, daqui a pouco quem vai ser seu filho querido será o Niko... – Félix sorria, não poderia prometer atender o telefone, era impossível pra ele...

– Querido, então vou continuar ligando pro Niko! Pelo menos ele me atende...E eu não estou brincando. Félix arregalou os olhos, mas Pilar fingia que não era com ela – E continuando, a Paloma me contou que você recusou voltar para o hospital, querido, não era esse seu sonho? Voltar pra cá?

A única pessoa que sabia o que Félix realmente queria era ele mesmo pelo jeito, Pilar e Niko ainda não haviam entendido a transformação que ele estava vivendo:

– Mami, eu devo ter feito palito de dente da cruz pra ter que explicar isso de novo hoje...mas vamos lá...

– Estou aqui querido, diga.

– Mami, eu quero uma vida nova, aqui no hospital, bom quando eu venho aqui, tudo que eu vejo me faz lembrar de todos meus erros, tudo que fiz porque queria ficar no hospital e provar pro papi que eu era capaz...mas capaz de quê? Grande administrador eu fui, nem conseguia administrar as minhas finanças – olha só quando fui expulso de casa, só não fui parar na sarjeta por causa da Márcia...e depois o Niko que ajudou a senhora a me perdoar...Não mami, eu preciso de uma vida diferente, eu preciso me aceitar, vivi fugindo a vida inteira porque queria que o papi me aceitasse, tudo aceitei por ele, até estar com alguém que não amava por tantos anos. Nada disso resolveu nosso relacionamento...agora ele está lá e nem sei se quando acordar vai me reconhecer. – Félix abaixou a cabeça...já havia falado demais...

– Querido, eu não tenho problema de continuar te dando uma mesada até você se resolver, ou resolver o que precisa...mas não era bom você ter alguma ocupação? Não tenha seu pai como uma cruz...agora, depois do AVC vai ser muito mais pesado, e, talvez nada do que você faça mudará a opinião dele...Eu vi ontem como você ficou quando ele perguntou quem era o Niko, meu Deus, ele não é um amigo da família, pra mim ele é muito mais que isso , se a Márcia iniciou sua mudança, é o Niko agora que dá continuidade.

– Mami, o que a senhora esperava que eu dissesse ontem?

– A verdade meu filho, não fuja da verdade, lembra quando conversamos que só a verdade alívia nossa alma? Nâo te fez bem conversar com a Paloma e contar tudo?

– Sim mami, muito. ..Bem...A senhora me apoiaria se eu tivesse dito que ele era...bom...que ele seria...que ele é...meu namorado?! – Félix estava ruborizado, passando os dedos por entre a borda da xícara de café.

– Meu filho, eu te vi anos suportando um casamento de aparências que nunca te ajudou a ser feliz...quem seria eu pra te julgar agora se eu vejo que esse rapaz foi a melhor coisa que te aconteceu? E te digo mais, seu pai aceitando ou não, vocês tem a minha benção pra tentar.

– Ah mami...- Félix esqueceu que estava no café do hospital, algumas lágrimas foram secas com o guardanapinho da mesa – Mami, obrigado! Se eu pudesse te dava um abraço agora, mas vou borrar sua maquiagem – ele sorria enquanto se recompunha. – Mami, você poderia me esperar na sala da Paloma? Eu preciso fazer uma coisa...

– Claro querido, quanto tempo você precisa?

– Não levo mais que meia hora, nos encontramos lá....

Minutos depois.

– Senhor Félix, o Doutor Eron não marcou hora com o senhor, eu não posso deixar o senhor entrar na sala dele assim.

– Sai da minha frente, melhor, faz um intervalo de dez minutos lá no café, faz de conta que você não estava aqui, criatura!

– Isso ainda vai sobrar pra mim... – a pobre da secretária saiu sem ter muito o que fazer.

Félix entrou na sala de Eron, batendo a porta e trancando a mesma, não queria ser interrompido...

– Félix??? Mas como você entrou aqui???

– Da mesma maneira que você entrou ontem no restaurante do Carneirinho, pela porta! Lacraia! – a conversa dos dois prometia ser tensa.

– Vou mudar a pergunta, você veio me perguntar como é ter o Niko como amigo da família por tantos anos? – Eron também sabia ser irônico, não tinha mais nada a perder mesmo... – eu nunca o escondi de ninguém seu quaquá!

– Escuta aqui você lacraia!, que eu tenho problemas com meu pai pelas minhas preferências todo mundo já sabe, agora isso não te dá o direito de a cada oportunidade tentar envenenar o Carneirinho contra mim...sabe por quê? Porque não vai funcionar – Félix só não esmurrava o Eron pois não queria que sua mami soubesse de tamanha baixaria, estava se controlando ao máximo...

– O restaurante do Niko é público e por sinal ele cozinha muito bem, por quê eu não iria mais lá? E quando eu for, por quê não colocar a conversa em dia? Afinal o Niko e eu tivemos um relacionamento, coisa que você não faz idéia do que seja...seu quaquá!

Era a gota que faltava...Félix agarrou o colarinho de Eron, não havia como ele ter se esquivado...

– Escuta aqui você! Pra sua informação o Niko está me ensinando, então é melhor você ficar longe...longe do meu namorado! Entendeu? Félix empurrou Eron de volta pra sua cadeira e saiu, furioso...

Eron ficou pasmo...havia percebido que perdera Niko naquele momento pra sempre...os olhos de Félix não deixavam dúvida de que ele iria lutar.

Félix voltou com Pilar pra mansão aliviado, naquela noite ligou para seu Carneirinho pra dizer que iria ficar em casa, mas quando parou o carro que sua mami saiu...

– Mami, a senhora falou sério quando disse que me apoiaria?

– Claro que sim, mas que pergunta!

– Eu quero ver o Niko de novo, nem precisa me ligar dessa vez...

– Filho, você está me perguntando se pode ir dormir na casa dele?

– Tchau Mami!

– Ei, pelo menos se arruma, toma um banho? – Pilar não se continha de tanto rir, no fundo estava feliz por ver que o filho estava se esforçando...

Félix só não sabia o que havia acontecido quando ele saiu da sala de Eron:

– Alô, D. Lucia?...Sim, é o Eron...não por favor, não desligue...Sim eu sei que a senhora não quer falar comigo, mas é importante...é pra ajudar o Niko...

Algumas explicações depois...

– A senhora já vinha pra São Paulo esse final de semana por causa do aniversário do Niko?...Não, ele não me convidou...mas eu entendo...quem sabe um dia. Bom, obrigado por me ouvir.

"Pronto...quero ver a família do Niko aceitar o passado do Félix...vamos ver quanto esse 'namoro' ainda vai durar...mesmo que ele não volte pra mim, com o Félix ele não fica!"

Após seguir as orientações de Pilar, Félix resolve ligar pra Niko:

– Carneirinho, sou eu...acho que mudei de idéia...posso dormir aí essa noite?

– Félix! Que pergunta?! Sim, pode, você sempre pode. Com exceção desse final de semana, meus pais chegam na quinta e pra eles seriam muita modernidade...

– Ah Carneirinho... Estou saindo...Te encontro na sua casa, tudo bem?

– Sim, se você chegar e as crianças estiverem acordadas, por favor dê uma ajuda pra Adriana...Assim que eu encaminhar tudo no restaurante e o movimento acalmar, eu saio daqui também.

“O Carneirinho nunca vai desistir de me ver um homem de família com filhos” Felix saia sorrindo, satisfeito, no fundo gostava daquela idéia.

–