Oneirataxia escrita por venus


Capítulo 5
Teen Idle


Notas iniciais do capítulo

bom, acho que todo capítulo vai começar com um "desculpa a demora, amores".
mas enfim, tenho um comunicado importante para vocês:
vou viajar durante um mês e não pretendo postar nenhum capítulo. sei que levo umas três semanas (ou mais) para atualizar a fanfic, mas desta vez é possível que o tempo de espera dure mais.
espero que gostem :)
(a ideia de fazet um POV da Alfie foi sugerida pela leitora Julie, na verdade)
está bem próximo do final p



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/485245/chapter/5

Mavis encara seu reflexo no líquido escuro da xícara, que tremeluz quando ela suspira pesarosamente. Um vapor cheiroso e cálido se desvanece no ar, como a fumaça de um vulcão. Mavis gosta de vulcões. Gosta da sua crosta marrom feita de lava seca, do fluído viscoso e laranja que ele contém e secretamente, gosta do desespero que causa quando entra em erupção. Vulcões são intimidadores e belos ao mesmo tempo, espalhando terror e beleza pela terra, acarretando medo e admiração quando o magma fervente começa a transbordar pela cratera.

De uma certa forma, Mavis é um vulcão. Não por ser intimidadora e bela, mas por estar em constante erupção, jorrando felicidade, raiva, tristeza, melancolia e dor.

— O que você fez semana retrasada foi inaceitável, Mavis. — a dra. Suri encerra o seu sermão com esta frase, ajeitando os óculos caídos na ponta do nariz.

— Sinto muito. — diz ela. Sua mãe a obrigara elaborar um pedido de desculpas dramático e cheio de arrependimento, porém Mavis se esquecera de metade dele. Além do mais, a dra. parece satisfeita ao ouvir aquelas singelas palavras.

— Tudo bem. — e dá um sorriso compreensivo.

Mavis sentia-se sufocada pelas lembranças que a sua mente lhe remetia. Havia muitas memórias naquela sala. Ela queria fugir, assim como fizera vinte e um dias atrás. Porém, se sua mãe descobrisse, provavelmente recolheria as chaves do carro e lhe tiraria o direito de sair com Topher e Grape durante a semana.

Certamente, há algumas coisas a serem esclarecidas aqui. Mavis tem amigos reais agora. Contudo, deixemos os detalhes para depois e sigamos adiante na história.

— Como está Aiden? — pergunta a dra. Suri, séria. Ela tinha abandonado seu tom infantil ao entrar nesse assunto.

Ao invés de responder, Mavis mira a terapeuta, cética. A mulher parecia ter envelhecido anos durante aquelas semanas. Seu cabelo está mais opaco e os fios grisalhos parecem capim. Substituíra os aros redondos dos óculos por uns retangulares com estampa de onça. O blazer amora exibe metade dos seus braços enrugados, expondo as manchas escuras nas mãos e deixando sua magreza mais evidente.

— Mavis?

Ela resolve dizer alguma coisa, porque os adultos têm essa mania de relacionar o silêncio dos adolescentes com pensamentos suicidas, ou com crises existenciais mentais, ou com lamentações sobre suas aparências.

— Ele se foi. — e logo em seguida, dá um gole no chá, para engolir a angústia.

— Bom, — inicia a dra. Suri, analisando a expressão da paciente. As sobrancelhas retas, a boca formando uma linha reta e os olhos neutros denotam indiferença. Portanto, ela resolve ser bastante sincera. — já estava na hora.

Mavis imagina Aiden mostrando o dedo médio para a dra. Pensa que se o imaginasse ali, talvez trouxesse-o de volta. Porém a poltrona ao seu lado permanece vazia e silenciosa.

— Vamos falar sobre outra coisa. Que tal... Que tal me contar sobre alguma coisa interessante que aconteceu nesses dias em que você esteve, ahn, ausente.

Não acontece nada de interessante em Quillensdale, ela quer dizer, porém não se atreve.

— Dois dias atrás anunciaram o tema do baile. — suspirou. — É meio adiantado para começar os preparativos, mas como todo mundo fica animado por causa disso...

— Sim, sim... E qual é o tema?

— Vai ser alguma coisa do tipo... Inverno. — replica meio indecisa, porque não ouviu as palavras do diretor Hale. — O que é lógico, porque vai estar nevando na data. Bom, eles não têm muita certeza, porque é Setembro ainda e não tem como prever o tempo daqui a... três meses.

— Entendo. Parece ser um bom tema. Você vai com alguém?

A dra. Suri ergue uma sobrancelha e sua boca esboça um sorriso. Ela espera que Mavis diga que vai com Topher.

— Não sei. Acho que não pretendo ir ao baile.

— Era divertido na minha época. — ela sorri, como se estivesse relembrando os velhos tempos. Mavis imagina uma dra. Suri mais nova, com cabelos longos e castanhos e com o corpo esculpido e bronzeado, trajando um vestido colorido e rodopiando pelo salão no ritmo de uma música composta por trompetes e acordeões. — Bom, respeito a sua escolha, apesar de achar que você vai se arrepender.

Mavis dá de ombros.

— Você quer me falar sobre seus sonhos?

Não provavelmente seria a resposta certa.

Mavis não tinha sonhado na noite anterior; havia tido um pesadelo realístico e amedrontador. Acordara ofegante, com os pulmões numa busca desesperada por oxigênio e com os olhos lacrimosos arregalados. Estava tão assustada, que abandonou a sua cama e foi até o quarto de Iris, onde adormeceu encolhida no chão.

Na maioria das famílias, é a irmã menor quem vai até o quarto da maior quando tem pesadelos. Porém Iris é tão relaxada e tem uma vida tão pacata, que não se surpreende, não teme nada e não consegue fornecer ideias criativas para o cérebro, já que não saía com frequência daquele quarto.

E Mavis tinha três opções: enrolar-se no cobertor e voltar a dormir, entrar de fininho na cama dos pais e passar a noite lá, ou acomodar-se no carpete encardido do quarto de Iris. A terceira escolha parecia ser a melhor, uma vez que quando amanhecesse, seus pais não ficariam questionando o motivo de ter acordado durante a noite. E se perguntassem, poderia simplesmente dizer que ouvira Iris gritando enquanto sonhava e que resolvera acalmá-la. Deste modo, passaria imagem de boa irmã e não soaria tão infantil.

— Se você não quiser contar, tudo bem. — sentencia a dra., num tom calmo e respeitoso.

— Não, acho que é melhor não.

— E como foi a sua semana?

A pergunta pareceu pertubá-la. Contudo, ela começou a narrar os acontecimentos da terça passada até esta terça, com um tremor nas mãos e um brilho insano nos olhos.

×××

Na 17th Street há uma casinha tão pequena, que se você passasse correndo por ela, talvez nem notasse a construção castigada pela intempérie ou talvez visse apenas um sobrado vitoriano em ruínas. Pois bem, nessa casa habita uma família, que outrora fora feliz, mas que agora enrola-se num véu de tristeza e possui uma nuvem cinzenta chovendo apenas sobre si.

Enquanto Mavis conta a sua semana amedrontadora para a terapeuta, Alfie Dorothea está deitada em sua cama, a cabeça envolvida no travesseiro. Ele é rosa e grande, porém não consegue bloquear os sons vindos do andar de cima e isso a irrita profundamente. Consegue sentir um filete grosso de lágrimas escorrer pela sua bochecha. Um dia, ela viu na internet que lágrimas de felicidade caem pelo olho direito, enquanto lágrimas de tristeza desciam pelo esquerdo.

Seu olho direito estava seco.

Alfie pode ouvir a cabeceira da cama da mãe bater contra a parede. Isso indicava que ela já estava trabalhando à essa hora da manhã. E quando estava prestes a fechar os olhos para tentar dormir, pensa em um menininho de cinco anos, que também ouve o mesmo barulho e não o compreende. Ele possui uma barreira de inocência que o rodeia, porém esta vai se desvanescendo gradualmente à medida que o tempo passa. Alfie, que sempre tenta sustentar essa barreira, corre até o quarto de Gregory.

O anjinho está deitado em posição fetal, mamando seu dedo polegar. Ela senta em sua cama — esmagando acidentalmente a sua perninha — e o abraça, ninando-o consoladoramente. Greg acorda indignado.

— Me larga, sua vaca.

Greg Abendroth, com sua pequena experiência de vida, já conhecia várias gírias de rua e xingamentos enfáticos. Começou a decorá-los quando a mãe os repetia consecutivamente na mesa de jantar, ao falar sobre as velhas metidas à gatonas que trabalhavam no cabelereiro.

— Ah, que droga! — ele aperta as mãos contra os ouvidos. — Ela está fazendo isso de novo. Por que você me acordou, Alfie?

Como não consegue verbalizar, sorri e o abraça em seguida, com mais força desta vez. Ele se debate em seus braços, ora estapeando a sua cabeleira dourada, ora mirando pontapés no vento.

Enquanto eles têm a sua típica briga matinal, a mãe grita e lança objetos de porcelana na parede. Quando percebem que Gretel poderia estar em apuros, cessam os golpes agressivos e ficam em silêncio para escutar melhor aqueles berros estridentes e paranoicos. Contudo, não fazem nada para acudir a mãe.

Há batidas na escada. E então, passadas rápidas no corredor. Resmungos mal-humorados e xingamentos sussurrantes. A mulher raquítica dá uma espiada no quarto da filha que está vazio e suspira pesarosamente.

— Ela passou a noite fora de novo. — faz uma pausa. — A mãe precisa dela e ela vai dormir com um vagabundo. Que tipo de filha faz isso, que tipo de filha deixa a mãe sozinha, que tipo de filha larga a mãe quando ela tem uns negócios pra resolver. Pruma menininha de quatorze anos ela é muito, muito... — busca adjetivos ofensivos em sua mente diminuta, porém não encontra nada.

— Greg! — berra ela. — Sua irmã esqueceu de você. Vai pra escola à pé. Se vira, cê já tem idade suficiente.

Como não recebe uma resposta de volta, adentra o quarto do filho e começa a resmungar de novo.

— Cês são uns malcriados. — e repete a sentença inúmeras vezes. — Que foi? O gato comeu a língua?

Gretel tem uma aparência horrível. Alfie contava à Greg que a mãe já fora uma moça muito bonita antes da partida do pai, só que ele não se lembrava. O menininho vê a mãe como uma criaturinha rosada e esquelética, cujos cabelos loiros são tão ralos, que seu couro cabeludo se expõe em alguns pontos. A única parte que Gretel cuida bem em si mesma, são as unhas. Aquelas unhas longas que podem ser confundidas com garras ou ganchos vermelhos e cintilantes. Ela sempre está formatando-as com uma lixa, ou utilizando um alicate para deixá-las mais quadradas.

— Hoje cês têm escola.

— Eu sei. — diz Alfie, no seu tom seco rotineiro.

— Então o que cês tão esperando?

— Por que você estava berrando?

— O desgraçado fugiu de novo, mas deixô uma TV comigo. Ele disse que ia voltá pra pega aquele trambolho e pra me pagá em dobro, mas ele nunca paga.

Alfie fica atônita por alguns instantes. Então sobe as escadas e vai até o quarto da mãe, onde encontra a cama toda bagunçada e mal-cheirosa e várias embalagens de plásticos vazias e amarfanhadas. Também há cacos de vidro, oriundos de garrafas de whisky, vodca e todas aquelas porcarias que a mãe ama. Ela pisa no chão como se este estivesse coberto por lava e vai saltando agilmente até uma televisão de muitas polegadas.

Alfie se surpreende com o tamanho do eletrônico. Seria possível que aquilo fosse uma presente para Gretel? Então ela se lembra que o homem voltaria para pegar a televisão e depois, provavelmente, sairia da vida das duas.

— Que é que cê tá fazendo? — a mãe chega ao segundo andar ofegante, apontando seu dedo magrelo acusadoramente para Alfie.

— Isso é roubado, sua trouxa. — rebate a filha. — A polícia vai chegar aqui antes do serviço social e você vai ver... Você vai perder a guarda do Greg.

— Cê só é uma vaquinha de quatorze anos bancando a boazinha. Cala a porra da sua boca, Alfriede. — ralha ela, com as orelhas vermelhas de ódio.

— Eu tenho dezesseis anos!

Gretel dá de ombros como quem diz "Dá na mesma".

A campainha toca no mesmo instante em que Alfie está abrindo a boca para iniciar outra discussão com a mãe, agora com o tema você-nem-sabe-a-idade-dos-seus-próprios-filhos. Não estou querendo proteger Gretel ou nada do gênero, mas acredito que ela não viu mais o tempo passar desde o momento em que seu marido atravessou a porta para nunca mais voltar.

Gretel dá uma espiada em seu quintal pela janela e vê uma mulher curvilínea vestida em um blazer apertado demais para seus braços gorduchos. Ela segura uma prancheta e traz uma maletinha de couro consigo, que lhe atribuíam um ar de importância. Gretel demora um tempo para perceber que já tinha visto aquela rechonchuda antes e demora mais ainda para lembrar-se que seu nome é Linda e que ela trabalha para o serviço social.

— O que foi? — pergunta Alfie se aproximando, ficando repentinamente estupefata. — Merda! Vou tentar arrumar a bagunça e você tenta enrolar ela.

Começa a esconder os cacos, as embalagens e todo aquele lixo debaixo da cama. Estica o cobertor e o lençol e espirra a essência de um perfume de farmácia no ambiente. Depois, desce as escadas e quando vê que a mãe está prestes a girar a maçaneta, repreende-a e manda Gretel esperar mais um pouco.

Em seguida, manda Greg trocar as roupas rapidamente e acrescenta, com um ar ameaçador.

— Vista-se bem. Seu futuro depende disso. — e ergue o polegar para a mãe, que abre a porta na mesma hora.

— Olá. — sauda Linda cordialmente, embora ainda lembrasse de sua visita anterior, que não fora nada agradável. Ela dá uma olhada rápida na casa com os olhos, até que concentre sua atenção em Alfie. — O que aconteceu com as suas mãos, querida?

Ela, que não tinha percebido nada de errado nas mãos, se assusta ao notar que estas estão vermelhas. Sangue escorre por cortes pequenos, porém profundos. Deveria ter se acidentado enquanto varria os cacos de vidro com os dedos para debaixo da cama.

— Devo ter me cortado lavando a louça. — mente descaradamente. — Com licença.

No caminho até o banheiro, encontra Greg, que veste uma camiseta polo azul desbotada e uma calça cáqui manchada de terra na área dos joelhos.

— Estou bem? — questiona ele, tremendo de medo.

— Sim. Só diga àquela mulher que estava brincando nos fundos quando ela chegou e que estava se divertindo muito.

Ele assente e ela prossegue seu trajeto. Sente sua pele arder enquanto passa um sabonete líquido de melão sobre os cortes. Quando mergulha as mãos na água fria — o aquecedor havia quebrado meses atrás —, a ardência se transforma em uma dor incessável. Seu sangue tinge a pia com um vermelho escarlate.

Ela para de apreciar as bolhas cheirosas que descem pelo ralo e limpa os ferimentos numa toalha rosa com textura de papelão.

— Alfriede! — chama a sua mãe, nitidamente impaciente. Quando alcança a sala de estar, ainda abanando as mãos para que a água escorra delas, depara-se com a seguinte cena:

Linda segurando uma seringa melequenta, Gretel tentando pegá-la de sua mão e Greg muito confuso com a situação.

— Achei que estivesse indo à uma clínica de desintoxicação. — suspira a mulher do serviço social, entregando-lhe o objeto oleoso.

— E eu tô! Faz tempo que não uso! Eu juro, juro por Deus, juro de verdade.

— É isso que vamos ver. — ela anota alguma coisa na prancheta. — Você sabe, sra. Abendroth, que se não estiver indo à Colchester semanalmente, perderá a guarda do seu filho. De novo.

Greg já tinha ficado duas semanas com uma família nova — um casal de negros cujo sobrenome ele tinha esquecido. Não fora uma experiência boa, apesar de ter se divertido bastante com o cão dos dois, Bobby. Mesmo que negasse, tinha sentido uma saudade imensa da irmã e temia nunca mais vê-la novamente.

— Então, Greg. — inicia Linda, tentando forçar uma sorriso. — Aconteceu alguma coisa na escola recentemente?

Ele dá de ombros.

— Ele faltou esses dias. — interfere Alfie, meio desesperada. — Ficou muito doente. Tipo, muito mesmo.

Linda examina a garota ceticamente. Primeiro, olha para sua camisola preta, que contrastava com o tom de pele alvo de Alfie. "Muito curta, muito decotada" parece pensar desaprovadoramente, enquanto a encara através dos óculos quadrados. Abre, novamente, aquele sorriso ensaiado que expõe seus dentes amarelos.

— Entendo, entendo. — e escreve uma série de palavras na prancheta. — Muito bem. Acho melhor vocês se sentarem, porque vamos conversar sobre coisas muito sérias.

×××

Nesse mesmo dia e nessa mesma hora, a dra. Suri repete essa frase, porém dirigindo-a à sra. McKiddie.

— Coisas muito sérias? — pergunta a jovem mulher, assustada.

— Sim, Allison. — concorda Margaret.

Mavis tenta ouvir a conversa, porém a porta que divide as duas salas parece absorver e bloquear o som. Só consegue enxergar a mãe sentada numa cadeira por uma fresta minúscula. Desiste de espiar a discussão das duas e resolve se entreter com outra coisa.

— Eu consegui conversar com Mavis. Ela estava bastante perturbada, pra falar a verdade.

A sra. McKiddie leva a mão ao peito, de preocupação.

— Mas não é o que vamos discutir hoje. — faz uma pausa dramática. — Consegui lhe dar um diagnóstico.

Allison não sabe se comemora ou se cai em prantos. Havia dois anos que Mavis se encontra com Margaret e a dra. nunca conseguiu lhe dizer a doença que a paciente possuía.

— Há alguns meses eu suspeitava que fosse um autismo fraquíssimo, ou uma síndrome de Asperger quase imperceptível. Porém, quando a sra. me contou sobre os novos amigos que Mavis andou fazendo e a superação do seu problema em se socializar, descartei as duas opções. Conversei com um psicólogo que trabalha em Colchester, aquele hospício que fica na cidade ao lado, e descrevi alguns sintomas que a sua filha apresentava. Então, ele deu o seu laudo, muito direto e específico: Mavis possui uma psicose rara, mas é séria.

— Séria? Mas quanto séria?

— Tão séria que possivelmente ela acabará ficando um grande período internada num hospício se não começar o tratamento imediatamente.

— Mas que sintomas sérios que Mavis apresenta?

— Ela era muito apática e fechada, mas acreditei que isso fazia parte de sua personalidade. Então, Mavis mencionou um tal de Aiden, que primeiramente pensei ser seu colega ou seu amigo ou seu namorado. Todavia, aos poucos fui percebendo que Aiden não era uma pessoa real. Ela já lhe falou sobre Aiden, sra. McKiddie?

Allison sacode a cabeça, porém torna a cavucar sua memória mais profundamente. Lembra-se de sua filha, de dez anos apenas, correndo atrás de alguém invisível e alegando estava brincando com seu amigo. Ela achara uma gracinha, porque era natural que Mavis tivesse um amigo imaginário àquela idade. A sra. McKiddie já tivera um, contudo se esquecera há muito tempo de seu nome, e da sua risada alegre, e de suas traquinagens inacabáveis. Começa a se preocupar um pouco, porque geralmente ela se lembra de tudo.

"Era só um amigo imaginário." pensa ela. "Ele nem era real."

— Não. Mas já a vi brincando com alguém invisível, quando era bem pequenininha.

— Entendo. — a dra. Suri demora alguns instantes para prosseguir. — Muito bem, o fato de ter um amigo imaginário me levou à pensar que ela tivesse autismo. Mas seu relacionamento com Topher e Grape me fez mudar de opinião. Hoje, porém, quando estava prestes a ignorar o laudo dado pelo dr. Seward, ela narrou a sua semana para mim e eu transcrevi tudo aqui. Quer dar uma ouvida?

A sra. McKiddie meneia com a cabeça.

— "Na sexta passada, nós ficamos de bobeira no estacionamento da escola. Matamos aula e depois fomos ao bosque que fica atrás da minha casa." A princípio, acreditei que esses "nós" fossem Topher e Grape.

— E não são?

— Não. Você vai ver a seguir. — ela põe seus olhos no papel e continua a ler seus garranchos em voz alta. — "Aiden levou um revólver e uma pistola. Ele me deu a pistola e disse para que atirasse em uma árvore. Eu, que não sabia atirar, pedi ajuda e ele o fez. Sabe, eu fui até bem para uma iniciante. Consegui acertar no alvo." Então, eu perguntei qual era o alvo e ela me respondeu assim: "Um jaguar."

— E-Ela só deve estar brincando. — gagueja a sra. McKiddie, tentando convencer a si mesma de que sua filha tivesse tomado algumas pílulas antes da sessão.

— Não é o que parece, como veremos no trecho a seguir. "Na segunda-feira, nós entramos na escola vestidos com camisolas legais que o Frank descolou pra gente. Levamos as armas também. O primeiro a atirar foi o Aiden. A bala pegou de raspão na orelha do Jared Bean. O desgraçado saiu correndo antes que eu pudesse alcançar ele."

— Ela estava sob efeitos de alguma coisa, dra. Não sei como você pôde acreditar nisso.

— Mavis não apresentava sintomas de nenhuma droga. Chequei seus antebraços, seus olhos, fiz algumas perguntas e ela pareceu normal. — Margaret pigarreia. — "Eu admito que tentei atirar em algumas das vacas que me perseguem o tempo todo, mas sempre errava a mira. Quando pus a pistola contra a cabeça de Kylie Benson, o corredor começou a encher de água e não parou até afogar todo mundo. Só restou Aiden e eu. E eu estava nadando até ele, quando ele se afastou. Foi mergulhando cada vez mais fundo, até sumir completamente da minha vista. Ele parecia saber para onde ir. Mas não tinha certeza se ele podia respirar debaixo d'água como eu, então tentei segui-lo." Ela diz essa parte chorando. "Como ele pretendia nadar 9,75 quilômetros, não pude acomapanhá-lo e pedi que voltasse. Mas acabei ficando sozinha. E então eu vi o jaguar, todo ensanguentado, mas muito vivo. Eu gritei por Aiden, mas ele já tinha desaparecido."

— Você só pode estar inventando tudo. É ridículo, Margaret. Nada disso poderia ter saído da boca da minha filha. Por que ela só lhe contou agora? Mavis nunca se abriria para uma psicóloga, já que ela nem conversa com a própria mãe!

— Concordo plenamente com você, sra. McKiddie. Peço que se acalme, por favor. É, isso tudo é muito... Ahn... Estranho, digamos assim. Mas mostra o quanto a doença de Mavis é séria e que precisamos tratá-la urgentemente.

A pequena mulher suspira pesarosamente.

— Quanto vai custar?

— Só preciso que compre um remédio e que ela se encontre comigo duas vezes por semana. As pílulas são baratas e acho necessário que nos vejamos mais. Posso te dar um desconto.

Allison McKiddie passa os dedos pelos seus cabelos opacos. Ela mal consegue pagar os exames mensais de Iris. Eu tenho muita pena da mãe de Mavis. Ela é uma mulher forte, porém o fardo que carrega em suas costas é capaz de quebrar sua coluna futuramente.

— Tudo bem. Posso pelo menos saber o nome da doença?

— Você provavelmente não vai reconhecer o nome. Talvez não ache muito conteúdo sobre ele em sites de psiquiatria; é pouco provável.

— Tudo bem. — repete em um tom paciente demais.

— Oneirataxia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

a música do título é da Marina And The Diamonds, que não tem muito a ver com o capítulo, mas eu não paro de ouvir (mentira, ouvi bastante mas enjoei q)
enfim..............
está meio grande e cheio de erros ortográficos, mas comentem pls
x