Já faz um mês que fugi. Tenho viajado pela Europa, conhecendo melhor o continente mais antigo do planeta. Estou em um pequeno restaurante holandês, tomando um café forte para me manter acordado para ir em frente, sempre me mantendo longe da América. Tomo um gole de minha xícara fumegante, e quando olho novamente para a frente, a imagem brilhante e trêmula de Hazel está me encarando, através de um portal iluminado - uma mensagem de Íris. Sorrio de leve. Sinto falta de Hazel, mas não posso voltar para nenhum acampamento - e por enquanto para nenhum ponto dos Estados Unidos.

–Nico!- exclama Hazel. Ela começa a sorrir, está realmente feliz por me ver. - Onde você está? Por ande andou? Por que fugiu?

Suspiro. Não quero falar sobre Percy com Hazel, por medo de perder minha única família. Mas não há saída agora. Agora, tudo que posso fazer é contar para ela, e não há saída para essa situação.

–Hazel. Quanto tempo. No momento, estou na Holanda, perto de Amsterdã. Por onde andei? Europa afora, pegando frio e comendo comidas exóticas do Oriente. Por que fugi? Uma questão mais delicada. Hazel, sabia que cedo ou tarde eu teria que te contar isso. Eu sou gay. E sou, ou era, apaixonado por Percy, e decidi fugir para não sofrer mais vendo ele com outra pessoa. Foi por isso que eu fugi.

Hazel sorri. Talvez esteja feliz que tenha obtido suas respostas, ou quem sabe tenha lembrado de algo bom que lhe aconteceu nos últimos meses. A mensagem de Íris some, e no lugar dela está Hazel, mostrando um sorriso maior do que a segundos atrás. Ela se senta ao meu lado e me abraça com força, e fico sem reação por alguns segundos- passei tempo demais sem contato humano físico- mas a abraço em seguida. Ela se senta, e começa a tagarelar sobre como é bom eu não ter medo de contar algo para ela, e como ter uma sexualidade diferente não me faz diferente. Após alguns minutos, saímos para caminhar pela cidade. É uma cidade pequena, e pegamos um trem até Amsterdã, onde estou hospedado em um hotel pequeno na parte mais antiga da cidade. Hazel passa a noite no hotel comigo.

Na manhã seguinte, Hazel acorda cedo. Quer me levar de volta para a América, mas recuso - não posso ver Jackson novamente, muito menos com a loira que o roubou de mim. É certo dizer que ela o roubou? Ele nunca foi meu. Por que insisto em chamá-lo de meu? Afasto esse pensamento da cabeça. Minha irmã viajou até aqui para me ver, e não vou deixar que ela fique aqui sozinha por uma ausência psicológica minha.

Enquanto tomo banho e me visto, Hazel vai comprar algo para comermos numa padaria próxima. Ela volta com alguns pães e uma garrafa de suco de laranja, e arruma tudo em uma mesa que há no quarto. Sento-me ao seu lado silenciosamente, com meu pensamento voltado para os acampamentos. Como será que estão os semideuses? Vivendo normalmente ou sofrendo ataques frequentes? Será que Percy e Annabeth já se casaram? Não sei. Espero que não. Passo um de meus braços pelos ombros de Hazel, e a puxo para mais perto de mim. Ela, então, me abraça timidamente. Essa é minha irmãzinha, feliz, bondosa e tímida. Após comermos apenas um pequeno pão cada um, juntamos tudo que está na mesa e nos deitamos novamente na cama desarrumada.

–Hazel.- chamo ela baixinho. Seus olhos cor de mel se viram para mim, curiosos. - Eu vou voltar com você.

Ao dizer isso, arranco um sorriso inigualável de tão belo que é. Hazel se levanta rapidamente e junta sua pouca bagagem, incluindo nela os outros pães comprados. Damos as mãos, e assim que contamos até três, nossos corpos se desfazem em frio e sombras, indo em direção ao Acampamento Meio-Sangue.

~*~

Abro os olhos novamente. Estamos ao pé da colina Meio Sangue, e Hazel está sentada no chão ao meu lado. Ajudo-a a levantar, e olho para o topo da colina. Não há mais volta. Subimos juntos até o pinheiro de Thalia, e chegando lá, sou rapidamente segurado contra a árvore. Não entendo o que acaba de acontecer, até conseguir focar um par de olhos verdes esmeralda me encarando raivosamente.

–Nico di Angelo, onde, em nome de Poseidon, você estava nos últimos trinta dias? - Pergunta Percy, irritado. Ele me solta, me abraçando logo em seguida. - Eu fiquei preocupado.

Sinto meu rosto corar. Abraço Percy timidamente, inspirando o máximo de seu cheiro que consigo. Quando ele me solta, porém, minha pouca felicidade que sinto se dissipa. Annabeth está vindo em nossa direção, seus cabelos loiros ondulando ao vento. Um ódio sem igual borbulha em meu estômago - não posso bater nela. Ela pode ter tudo que eu gostaria de ter, mas meu amado a ama, e não irei fazer nada que possa ferí-la, pois Percy ficaria irritado comigo, e não quero me distanciar mais ainda dele. Seus olhos cinzentos caem sobre mim, e se tornam frios.

–Até que enfim você voltou, di Angelo. Sabia que você atrasou meu casamento em um mês? Você deveria ter vergonha de se meter na vida amorosa dos outros desse jeito.

Enquanto ela fala mais coisas sobre como eu fui idiota em fugir, cerro os punhos cada vez mais fortes. quando, então, ela diz que “eu não deveria ter voltado”, não consigo me segurar. Puxo minha espada da bainha, desferindo um golpe em seu tronco que faz um corte profundo na região do ventre. O sangue começa a manchar sua camiseta laranja, e seu rosto bronzeado fica pálido. Todos à minha volta estão surpresos, inclusive eu.

O que eu acabei de fazer? Pensando nessa pergunta, solto minha espada no chão e saio correndo, me direcionando ao bosque do acampamento. Sinto lágrimas começarem a descer por meu rosto, e pouco depois ouço alguém correr atrás de mim e gritar meu nome. Paro de correr, me virando para a pessoa que me chamou - é Percy.

Mais lágrimas escorrem, e tento formular uma frase para dizer a ele. Não consigo. As palavras saem confusas, misturadas às lágrimas e à toda minha dor. Percy avança em minha direção e me preparo para receber um tapa ou algo do gênero, porém sinto apenas seus braços fortes e quentes me envolvendo. Encaixo minha cabeça na curva de seu pescoço e choro. Choro de maneira dolorosa, lavando todas as minhas dores desde a morte de Bianca. Percy se senta e me puxa para seu colo, murmurando “Está tudo bem” para mim, acariciando meu cabelo.

Aos poucos, paro de chorar. Percy apoia as costas contra uma árvore, comigo ainda em seu colo. Timidamente, saio de seu colo e me sento ao seu lado, observando as estrelas que iluminam a noite recém surgida. Ao longe, escuto gritos de várias pessoas, mas não entendo o que gritam. Porém, Percy parece entender. Ele se levanta e me puxa com ele, correndo em direção ao centro do bosque. Sigo ele, e após cerca de dez minutos paramos. Ele nos iça para uma árvore e se ajeita em um galho ao meu lado.

Ouço vozes perto de nós. Olho para baixo, e vejo cerca de quinze garotos armados procurando alguém - provavelmente eu. Ao longe, vejo uma massa de cabeças loiras atravessando a floresta. Filhos de Atena. Devem estar me procurando para vingar Annabeth. Será que ela morreu? Espero que sim.

A multidão loira continua se aproximando. Seus gritos começam a fazer sentido, e consigo entender suas palavras. Aparentemente, matei Annabeth Chase, e seus irmãos querem vingança. Até sentir um braço de Percy sobre meus ombros, não percebo que estou paralisado, gelado de medo e prestes a cair do galho onde estamos.

Os filhos de Atena chegam em nossa árvore. Sem olhar para cima, começam a discutir quanto a onde me procurar, sem imaginar que sua presa está apenas alguns metros acima de suas cabeças, observando e ouvindo tudo.

O frio começa a me incomodar - sinto a temperatura de meu corpo baixar lentamente. Me aproximo de Percy silenciosamente e envolvo seu corpo quente com meus braços. Ele me abraça também, me dando um beijo em minha testa. Porém, não consigo conter um espirro.
O espirro chama a atenção dos loiros. Todos olham para cima, e um deles sorri de modo malicioso. Vejo apenas um reflexo dourado em minha direção, e então a dor me preenche por inteiro. Coloco a mão no meu peito e sinto o sangue quente escorrendo. Ouço Percy me chamar , e então tudo escurece.