O último Outono escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 3
Parte I - A pior campainha do mundo.


Notas iniciais do capítulo

- Viu gente, eu consegui postar o capítulo mais rápido dessa vez. Me agradeçam dessa vez, e façam bom proveito.



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O primeiro dia de viagem para o interior havia começado completamente entediante, já que a única coisa que tínhamos a fazer era ouvir música no iPod (acabamos quebrando nossos celulares por precaução, para que ninguém nos rastreassem).

“Você deveria ouvir algo além de indie rock, Benjamin. Experimenta essas músicas eletrônicas” Comentou Sarah, me passando seus fones de ouvidos.

“Essas músicas são alegres demais para meu estado de depressão atual”, respondi, retirando os fones da orelha.

“Ah, claro. A gente tá cruzando o país só por causa de você e da sua doença inútil, e você ainda vem falar em ficar deprimido. Você é um grande merda cara, vai se ferrar.”

“Se você estivesse com uma doença rara nos ossos e fosse morrer sozinha sem alguém que te ama ao lado, também não ficaria alegre.”

“Com alguém que te ama você quer dizer: ‘alguma garotinha que tenha os mesmos gostos de merda que eu e fique se pegando comigo a madrugada inteira?’ Ai nossa, como você é nojento cara.” Sarah parecia ligeiramente irritada, botando o cabelo negro atrás da orelha ao me encarar. Queria não gostar dela, mas com todo aquele jeito sedutor, as coisas ficavam mais difíceis.

Eu já estava preparando uma resposta arrogante o suficiente quando Leonardo, ligeiramente irritado, virou-se de costas e começou a gritar com a gente. “Será que dá para os dois namoradinhos calarem a porra dessa boca? Eu quero dirigir em paz por pelo menos uma hora, antes da gente pegar definitivamente a rodovia.” Quando terminou de nos advertir, Leonardo sacou um maço de cigarros do bolso, jogando-o em minha cabeça. “Pra você morrer mais rápido, Ben.”

“Eu não sabia que nós tínhamos terminado, Leonardo.” Interferiu Sarah, enrolando as pontas de seus cabelos.

“Bom, não precisa esconder do Benjamin garota. Porque eu sei que vocês dois são loucamente apaixonados uns pelos outros, e não quero ser a muralha da china na relação de vocês.”

Por alguns instantes, comecei a suar frio, já que não queria que meus únicos amigos brigassem por minha culpa. Mesmo que eu amasse platonicamente Sarah, e que meu maior sonho no mundo fosse que ela ficasse comigo, agora as situações são diferentes. E eu não queria que ela ficasse comigo só porque estou morrendo. Seria como se toda minha vida, e até a serena morte, vivesse de uma plena ilusão.

“Pra mim tanto faz, Léo. No fundo, você foi o melhor namorado que eu já tive.”

“Felizmente posso dizer o mesmo de você.”

“Eu não quero meu pulmão fique tão estragado como meus ossos” Foi tudo o que eu pude dizer, para evitar que a conversa se tornasse ainda mais insuportável.

***

O sol já estava se pondo quando paramos em frente há um posto de abastecimento. Sarah estava dormindo no banco de trás, então aproveitei para cobrir suas coxas com meu casaco, antes de sair do carro.

“Você é tão meigo às vezes.” Comentou Leonardo, após abrir mais uma garrafa de refrigerante.

“Só com as pessoas que merecem.” Respondi, lançando uma risada sarcástica.

“Ah, claro. Será que tem como você ir até a loja de conveniências pegar comida e alguns acessórios pro resto da viagem?” Pediu Léo, sacando do bolso uma alta quantia de dinheiro e depositando-as em minha mão. Eu só assenti com a cabeça, me dirigindo até lá calmamente.

Por mais que eu conseguisse andar sem as muletas, minhas pernas tremiam constantemente junto com as mãos, o que fazia parecer que eu era um idoso com Mal de Parkinson. Ajeitei meus cabelos recém molhados pela garoa ao entrar na loja, onde comprei mais refrigerantes e alguns pacotes de biscoito. Encontrei um boné preto dos New York Yankees na prateleira ao fundo, ao passo que também haviam livros e revistas numa pequena estante ao lado. Segurei uma cópia do “Apanhador no Campo de Centeio”, uma das minhas obras literárias favoritas, para ser minha companheira nessa árdua viagem.

Quando cheguei ao caixa do posto, um pequeno atendente de pele indígena ficou me fuzilando com seus olhares de juízo de final. Depois de eu enfim ter pagado e embrulhado todas as minhas compras na sacola, aquele cara resolveu abrir diálogo.

“Você parece o garoto fugitivo que saiu no jornal esses dias.”

“É, você também parece o terrorista que matou todo mundo no Japão. E nem por isso eu estou te enchendo o saco.” Respondi, com extrema arrogância.

Dei de ombros e sai andando rapidamente, antes que o caixa realmente percebesse que eu era o garoto fugitivo. Assim que abri a porta do carro, observei uma cena inusitada: Leonardo estava cortando raspando a cabeça.

“Mas que merda é essa, Leonardo?! Você tá cortando todinho o seu cabelo? Que tipo de doença mental você tem...” Gritei, indignado com a situação. Tudo bem que ele poderia cortar o cabelo a hora que quisesse, mas porque logo agora, quando precisamos fugir?

“Eu acho que se você está no meu carro, tem que seguir as regras, e parar de bancar o revoltado ‘boca suja’ por um instante.” Ele continuou a cortar o cabelo liso, até que o mesmo ficasse ralo o suficiente para mal ser penteado. Depois, virou-se para mim e resolveu abrir a boca de novo. “Eu só queria mudar de visual, entende?”

“Tá bom, tudo bem. Mas porque não pagou um cabelereiro?”

“Sou habilidoso com as mãos. Acho que é por isso que as garotas gostam de mim.”

“Eca, isso chega a ser nojento às vezes, sabia?” Adverti, fazendo uma extrema cara de nojo para Leonardo. Ele só me fitou com os olhos pelo espelho do parabrisa.

“Realmente Benjamin, mas esse não é o nosso maior problema agora. Acho que a polícia está atrás de nós, já que sumimos sem dar notícias para nossos pais. O maior problema não é a gente fugir deles, com disfarces e tal, mas sim que as minhas fontes de dinheiro esgotem. É bem provável que meu pai bloqueie os cartões de crédito para me forçar a morrer de fome e voltar pra casa. Sinceramente, não quero acabar igual a um mendigo no meio da estrada... Mas todas as promessas são dívidas, por isso irei continuar com você e com Sarah, se ela aceitar seguir em frente. Já comprei roupas mais sociáveis para nós dois, e alguns óculos escuros, para não sermos identificados facilmente. E assim que chegarmos ao interior, estaremos seguros, já que não são permitidas exibições de desaparecimentos em rede nacional. No fim das contas, teremos nossa pequena aventura.” Leonardo proferia as palavras com uma frieza extrema, sem insegurança nenhuma. Era como se tudo já fosse uma certeza pra ele, enquanto pra mim, o medo dos erros tomava conta do psicológico.

“Você parece até um gênio do mal falando assim”, ironizei. “Mas e então, acha que a Sarah vai ficar conosco até o fim da viagem?”

“Ela tem duas escolhas: continuar com a vidinha de merda familiar dela, ou ser feliz com os melhores amigos. Acho que ela será um pouco egoísta com essa decisão, igual nós dois.”

“Às vezes é preciso magoar as pessoas para sermos felizes. Embora isso seja uma merda Leonardo, não vamos ser adolescentes pra sempre. Sério cara. Daqui há um mês eu vou voltar a ficar pior da minha doença, e posso morrer longe dos meus familiares. No final, tudo não passaria de momentos... E eu tenho medo.”

“Lógico que tem, eu também tenho. Porém, é melhor você pensar numa vida digna, do que numa morte digna. Não queria que você morresse num leito de hospital sem nenhuma aventura para contar.” E então ele me deu um tapinha nos ombros, dando-me a confiança de que tudo daria certo.

***

Depois de quase dois dias na estrada, enfim estávamos há poucos quilômetros de chegar ao interior. Meus cabelos cacheados estavam ralos agora, cobertos pela minha típica toca alaranjada. Os olhos protegidos por óculos escuros liam o livro que eu havia comprado, enquanto Sarah ficava dizendo como havia gostado do boné que eu dei pra ela. Eu e Leonardo também usávamos terno e gravata como ‘disfarce’, ao passo que ficamos algumas horas com um bom clima, sem nenhuma discussão evidente. Por mais que tivéssemos tudo pra discutir, já que:

1) Estávamos do outro lado do país com um doente dos ossos.

2) O doente dos ossos é afim da namorada do melhor amigo dele.

3) O melhor amigo dele terminou com a namorada.

4) O doente dos ossos sou eu.

“Vocês estão sentindo falta das suas famílias?” Perguntei, tentando quebrar o clima de silêncio. Queria saber que eu não era o único a sentir falta das minhas raízes.

“Um pouco. Ainda sinto mais falta dos meus cachorros.” Respondeu Sarah, tentando disfarçar a tristeza. Eu sabia que no fundo ela sentia falta dos pais, que eram excelentes pessoas.

“Só sinto falta da minha guitarra, da minha música, de ter alguém pra brigar sem ser você dois. Meu pai é um desgraçado que só pensa em dinheiro, e a mulher que me criou, bom... Ela não está mais nesse mundo. E é bem óbvio que eu odeio a vadia da minha madrasta.” Respondeu Leonardo, extremamente com raiva. Ele parecia falar sério agora.

“Eu pensei que você tivesse uma boa relação com sua família, Léo. Nunca me contou nada deles, então sempre achei que estivesse tudo bem...”. Eu realmente fiquei abismado com a forma como ele descrevia a família, com meu tom de voz extremamente tenso. “É, você também não me contou nada Léo...” Emendou Sarah.

“Gosto de manter as aparências na frente das pessoas, pois não é legal encher elas com seus problemas patéticos. No final, se você não ficar bem, ninguém fará o mesmo por você.” Léo estacionou o carro ao lado de uma calçada, parecendo extremamente exaustivo. Suas mãos brancas pareciam ainda mais pálidas e trémulas, ao passo que suas expressões faciais estavam irritadas.

“Essa conversa está me dando ânsia de vomito. Deem-me licença, por favor.” Indagou Leonardo, abrindo a porta do carro. Ele entrou num pequeno beco ao lado, e depois de vomitar, voltou ao carro. Durante o tempo em que ele esteve por fora, resolvi comentar o assunto com Sarah.

“Porque ele anda tão estranho assim, hein Sarah?”

“Esse não é o tipo de pergunta que eu consigo responder facilmente, Ben. Eu nunca soube que ele teria problemas pessoais, já que ele sempre andou tranquilo e sorridente. Mas desde aquela noite na festa, Leonardo não costuma ser o mesmo tipo de cara. Alguma coisa muito maior do que a sua doença andou atingindo ele.”

“E eu irei descobrir o que é.” Prometi, levantando as sobrancelhas.

Tivemos nossa conversa particular interrompida assim que Léo voltou para assumir o volante do carro.

***

O frio de fim de tarde já caia, e embora nós já estivéssemos na cidade, não parávamos de rodar com o carro sem destino. Eu já estava indignado com a situação, e quando ia abrir a boca pra reclamar, Leonardo estacionou em frente há uma pequena casa branca.

“Pelo o que eu me lembro, não era aqui que a Katharine morava.” Comentei, ainda confuso com a situação.

“Relaxa, Ben. Você nem sabe o que vou fazer ainda.” Tranquilizou-me Léo, com um enorme sorriso no rosto. Ele estava muito alegre para alguém que havia vomitado há algumas horas atrás.

Abri as portas do carro rapidamente, sacudindo minha gravata suja com farelos de biscoito. Ajeitei a gorro laranja em minha cabeça, e quando já estava perto de tocar a campainha, percebi que Sarah não havia nos acompanhado.

“Você não vem?” Gritei, para que ela pudesse ouvir lá de dentro.

“Não, vai que tem um velho pedófilo aí dentro. Não quero morrer aos dezessete anos, então boa diversão para vocês babacas.” Acenou, abaixando o vidro do carro.

“Ela é bem arrogante às vezes viu.” Comentou meu amigo, remexendo os lábios.

“Como se eu não estivesse me acostumado...”

A campainha foi atendida ao terceiro toque, e do outro lado estava uma garota branquela de franja. As sardas eram ressaltadas no rosto claro, o longo cabelo preto lhe caia pela cintura, ao passo que ela não usava calças. Sim, ela não usava calças! E a única coisa que me impedia de ver sua calcinha era uma camisa preta do Metallica que tampava até o início de suas coxas.

“Opa, e aí caras. Vocês devem ser Leonardo e Benjamin, os amigos da Katharine. Prazer, sou Agatha.” Cumprimentou a moça, estendendo o braço tatuado.

“Hum, maneiro o tigre no seu braço Agatha. Prazer, eu sou Leonardo, e o babaca constrangido ao meu lado é o Benjamin.”

“Virgens, a pior raça da terra. Não podem nem ver uma coxa magricela e branca que já ficam todos excitados. Hum, podem entrar caras.”

“Você não precisava dizer que eu estava constrangido, seu idiota.” Sussurrei aos ouvidos de Leonardo, dando-lhe um soco sem força no braço.

Entramos na casa rapidamente, sentando no sofá da sala de recepções. Era um lugar bem mobiliado, com alguns móveis rústicos. Haviam fotos de Agatha na parede da sala, a sua maioria ao lado de um homem com cabelos grisalhos, o provável pai da garota. Chegou da cozinha com uma bandeja que possuía cerveja, cigarros, café e sanduíches. Os colocou encima do colo de Léo, sentando-se no sofá a nossa frente com as pernas cruzadas.

“Vocês não fumam não?” Perguntou a garota sardenta, apontando para os cigarros.

“Acho que não...” Respondi, ainda envergonhado.

“Que bichinha vocês. Mas afinal, o que querem com a Katharine?”

Antes que eu e Leonardo pudéssemos pensar numa resposta decente, a campainha havia tocado, interrompendo a conversa. Naquele momento, não tive dúvidas: era Katharine.


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Notas finais do capítulo

Calma gente, ainda não foi hoje que a Katharine apareceu... Mas, estão ansiosos pra saber como ela é?



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