O último Outono escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 2
Parte I - O meu destino é encontrar a felicidade.


Notas iniciais do capítulo

- Primeiramente, gostaria de pedir desculpa pela demora com o capítulo. É que ando enrolado com as coisas, e a inspiração não surge todo dia.



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Não consigo sentir minhas pernas, os ossos de meus braços parecem estar sendo corroídos há ponto que nenhuma morfina faça efeito. Abro os olhos sorrateiramente depois de um inacabável pesadelo, a enxaqueca explodindo dentro de meu crânio. Percebo que qualquer movimento mínimo que faço exige um grande esforço, a ponto de me deixar cansado só de levantar o dedo. Minha visão está um pouco embaçada e depois de coçá-la, consigo enxergar claramente o lugar onde estou. Era um local similar a salas de internações médicas, com paredes pintadas de azul piscina. Viro minha cabeça de lado e observo um homem negro com vestimentas sociais sentado no banco ao meu lado.

“Sidnei? Que merda que tá acontecendo... E porque eu tô tão debilitado e morto numa maca de hospital? E que merda você tá fazendo aqui?” Gritei com as poucas forças que me restavam, assim que identifiquei que aquele homem era meu terapeuta.

“É como eu imaginei garoto, você realmente estava doente fisicamente. Ninguém da sua idade cairia com aquele soco, exceto se apresentasse graus de desnutrição altos, ou doença física. Perdoe-me...” Proferiu o terapeuta, num tom extremamente deprimente. Seus olhos castanhos expressavam um clima de velório relevante.

“Oi? Eu estou com câncer? Eu tô careca? Mas que merda de doença é essa?! Eu não posso morrer desprezado e sozinho aos dezesseis anos...”.

“Não que sua doença seja menos pior que o câncer. É um vírus que corrói os ossos até que se perca a mobilidade de seu corpo por completo. Não há cura, porém quando bem tratada, ela é erradicada e seus efeitos colaterais são mínimos. Na maioria das pessoas, é passada geneticamente, pulando de uma à quatro gerações. Seus pais descobriram isso ano passado, mas esconderam de você porque... Bom, tinham medo que você se suicidasse e não pudesse terminar a escola. Sua mãe dobrou os turnos de trabalho na empresa para conseguir comprar os remédios, que você sempre pensava ser antidepressivos. Seu pai pediu demissão da firma somente para cuidar de você, pois não suportaria ver seu filho vomitando sangue na privada quando chegasse em casa. Eles te amam mais do que tudo, Benjamin.”

Deixando pequenas gotas de lágrimas escorrerem de meus olhos, tomando coragem para responder a Sidnei. “Então tudo irá acabar assim... Eu simplesmente deixarei de existir no mundo?”

“Você está longe de ter um estado terminal da doença ainda. E mesmo que seu estado clínico piore, você dificilmente iria morrer, só perderia os movimentos de alguns músculos. O que é tão deprimente quanto.”

“Merda, merda, merda!” Xinguei, deixando socando a maca com minhas mãos. A essa altura lágrimas de raiva escorriam pelo meu rosto. “Então tudo irá acabar assim, Sidnei? Eu serei um fracasso par o resto da vida? Vou ficar vivendo na mesmice de um hospital todos os dias de minha existência entediante? Eu não merecia isso.”

“Isso é um balde de água fria em você, já que nunca teve prazer pela vida e passou os últimos anos trancando num quarto. Conheço milhares de pessoas que tiveram o mesmo sentimento de arrependimento que você.”

“Pra mim, tanto faz mesmo. Eu iria morrer de qualquer jeito. Agora, onde está minha família e meus amigos?”

“Seu amigo Leonardo passa todas às 24 horas do dia nesses corredores, prometendo que não iria te abandonar até que você tivesse alta. Ele está parecendo um zumbi que não dorme, eu acho. Seus pais e sua irmãzinha vem aqui todos os finais do dia, e hoje provavelmente não será diferente. Aquela sua paixonite, Sarah, só veio aqui no primeiro dia de internação. Acho que ela terminou com o Leonardo, já que não vejo eles se falando pelo telefone.”

“Nossa, você é um excelente observador Sidnei, e pelo menos existem pessoas que se importam comigo. Mas, enfim, por quanto tempo eu permaneci desacordado?” Eu realmente estava curioso para saber por quanto eu dormi, pois eu poderia simplesmente ter passado um ano na terra dos pesadelos sem saber.

“Por volta de uma semana, não sei dizer ao certo.”

“Isso é interessante. Então estamos no outono já?”

“Exato. Por quê?”

“Nada não, só irei viver intensamente minha época favorita do ano. Isso é uma promessa definitiva de felicidade.” Pronunciei, com a maior sinceridade do mundo.

***

Eu nunca havia visto Leonardo tão mórbido como naquela manhã. Assim que ele entrou na minha sala de internação, sua pele pálida e as olheiras de quem não dormia há mil anos ganhavam destaque nos olhos azulados. Estava vestindo uma camisa azul desbotada, jeans e all star, como se a vida não tivesse relevância em questões de aparência. O cabelo estava extremamente ensebado, lhe caindo até as sobrancelhas numa franja.

“Fico feliz que você não tenha morrido, cara.” Comentou, logo após se sentar na cadeira de visitas.

“Eu também não ia querer morrer.” Respondi, ironicamente. “E também fico feliz que você dedique tanto o seu tempo aqui no hospital, mas não precisava disso cara...”.

“É lógico que precisava! Eu só queria ter certeza que nós ainda éramos amigos... Mesmo depois daquele chute. Sério cara, eu não iria conseguir viver num mundo em que eu matei meu melhor amigo.”

“É, eu também não iria conseguir viver com esse sentimento de culpa. Mas, sinceramente cara, não precisa provar nada a ninguém desperdiçando seu tempo comigo. Gosto de ter atenção das pessoas, todo ser humano gosta, mas não pode deixar de viver sua vida por culpa minha. Daí eu que iria me sentir culpado.”

“Não estou vivo quando as pessoas que eu gosto estão mortas.”

“É uma frase bem inteligente pra você dizer” Ironizei, soltando uma risada sarcástica.

“Não se esqueça que você reprovaria no colegial se não fosse minhas colas em matemática, Ben.”

“Tem razão. Mas e então, o que você tá fazendo da vida agora?” Perguntei, embora na maioria das vezes não gostasse de saber da vida das pessoas.

“Não sei ao certo. Me demiti da banda e espanquei o Julius com um pedaço de ferro, quando ele disse que não deveria me importar com um babaca inútil igual você. Eu explodi na hora e quase fui preso. Não falo com a Sarah desde aquele dia, então acho que nós terminamos. Aliás, posso te contar um segredo entre eu e ela?”

“Pode sim, acho que não é um problema.”

“Pois bem, então... Nós nunca fizemos sexo nesse um ano de namoro. Sério, te juro! Isso até parece uma coisa de outro mundo hoje em dia, mas é verdade.”

“O que?! Então Leonardo Di Angelo, o sonho de consumo de toda garotinha mimada da cidade, é virgem?” Perguntei, soltando um gargalhada. Isso realmente é engraçado, embora Leonardo esteja me encarando com uma cara de ‘Você é um babaca e não precisa saber da minha vida sexual’.

“É lógico que não. Já fiz essas coisas com minha antiga namorada, e de certo modo, chegava até a ser chato. Porque só rolava sexo, nada de paixão, carinho, entende? Não que eu quisesse um Romeu e Julieta na minha vida. Mas é que às vezes você percebe que relações sexuais não são o auge da vida, e que você pode fazer isso com qualquer uma, mas a felicidade não vem de qualquer uma. É meio clichê isso, mas quando parei pra pensar nas coisas, fiz um acordo que eu só tiraria a virgindade da Sarah quando ela estivesse afim.” E então Léo soltou sua risada sedutora sem mostrar os dentes, capaz de fazer o homem com mais testosterona no mundo virar gay.

“Isso é inteligente e sentimental cara. Talvez você esteja certo.” Concordei, balançando a cabeça.

“Uhum. E então, eu tenho presente aqui no meu bolso que você vai adorar.” Comentou Léo, sacando do bolso um papel e um maço de cigarros sabor canela.

“Não pensei que você fumasse.”

“A nicotina e a cafeína são as únicas substâncias que andam me mantendo vivo ultimamente, mas prometo que vou parar com esses vícios quando sair do hospital. E então, abre logo o envelope.”

Abri o envelope com um pouco de dificuldade, já que minhas mãos andam sem força e trémulas. Nele, havia uma carta de Katharine e algumas fotos dela no parque de diversões da cidade. Havia uma garota com cabelo azul e um cara magricelo e alto ao seu lado nas fotos, muito similar ao tipo de galã que Léo é.

“Achei isso no site do The Park City, o que é uma garantia que Katharine ainda more no interior e trabalhe no parque de diversões do seu pai. Ela parece estar viva, então topa cair na estrada comigo? Só nós dois, sem que ninguém saiba, sem trabalho, sem pais controladores...”

“Isso seria um verdadeiro sonho de consumo, mas olha meu estado cara. Não posso simplesmente abandonar as pessoas agora, e morrer por aí na estrada.”

“Tá bom Benjamin, vai se foder. Você sempre pensa na felicidade dos outros, porém esquece da felicidade de si mesmo. Seja um filha da puta egoísta uma vez na vida pelo menos, como as pessoas realmente são contigo.” A essa altura, Léo levantou-se da cadeira e se dirigiu até a porta para se retirar.

“Eu vou precisar levar quantas roupas pra viagem?” Perguntei, antes que ele pudesse girar a maçaneta.

“Pode deixar que eu banco tudo.” Respondeu, virando-se de costas após soltar um sorriso malicioso.

Aquele certamente era o melhor amigo que já tive.

***

Uma, duas, três, quatro, cinco. Cinco injeções e nove comprimidos em menos de 24h eram suficientes para provar que meu primeiro dia de alta não estava sendo bom. Era a primeira semana de abril, e as folhas verdes estavam ficando alaranjadas para deixar as árvores nuas. O provável nome desse fenômeno se chamaria Outono, ou simplesmente Vida.

Eu havia ficado o resto daquela tarde toda olhando melancolicamente a fina garota que caía do lado oposto de minha janela. Só era interrompido por meu pai para tomar remédios, e de vez em quando levantava de muletas para ir ao banheiro. Ele apareceu na porta do quarto para avisar que iria buscar Laura no colégio, e arrogantemente, eu só lhe dei um aceno de mãos. Mal saberia ele que aquela seria a última vez que nos veríamos.

***

Eram exatas sete horas da noite quando ouvi o buzinar de um carro tocar lá em baixo, e sem nenhuma dúvida, desci as escadas lentamente em busca de meu destino. Leonardo estava sentado ao capô de seu carro preto tomando uma latinha de refrigerante, enquanto Sarah me observava pelo vidro com seus óculos escuros.

“Nossa, você tá horrível com esse pijama e essas muletas.” Comentou Léo, num tom sarcástico.

“Quando você está morrendo, não se importa muito com o jeito que se veste” Ironizei. “Mas, afinal, que merda a Sarah tá fazendo dentro do carro? Ela vai junto com a gente para o interior?”

“Hum... Vai sim. Porque ela não suportaria nunca mais te ver na vida. E a mesma coisa vale para você, certo?”

“Acho que você me conhece melhor do que eu imaginava, Leonardo.” Comentei, abrindo a porta do banco de passageiros. Sentei-me ao lado de Sarah, e por uns instantes nos encaramos com olhares que valiam por mil palavras, cientes de que aqueles seriam os momentos mais intensos de nossas vidas.


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Notas finais do capítulo

- Tá bom, talvez eu tenha eu tenha exagerado na "fofura" do Leonardo. Mas não pensem que ele é o príncipe encantado, viu?



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