A Garotinha: Sherry escrita por Walter


Capítulo 20
Verdade


Notas iniciais do capítulo

"A suspeita sempre persegue a consciência culpada; o ladrão vê em cada sombra um policial." - William Shakespeare



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Acordo. Não sei exatamente onde estou, mas pelo menos estou vivo. Tudo está completamente escuro e eu não consigo enxergar absolutamente nada, nada mesmo. Sinto um cheiro muito forte de sangue, tão forte que chega a me dar náuseas... Mas, pela primeira vez eu não estou com medo. É como se eu conhecesse o lugar em que estou. Sinto como se estivesse em um lugar realmente familiar, um lugar conhecido. Então vejo a luz entrar por uma janela. Não sei se estou acordado ou dormindo mais... Meus sentidos estão meio que bagunçados. Eu não encontrei Sherry, não sei o que ocorreu com Alexander e sua filha Aléxia.

A luz do sol que entra pela janela ilumina o apartamento ainda mais. Vejo livros de pesquisa sobre uma mesa mais a minha frente. Tomo coragem e finalmente me levanto. As coisas parecem bem normais aqui. Olho ao meu redor e incrivelmente reconheço completamente tudo ali... Era o meu antigo apartamento. O apartamento que eu morei há muito tempo atrás, quando tinha acabado de sair da faculdade. Foi aqui onde eu a conheci... Vallery Linai. Não sei porque, mas esse nome agora fazia certo sentido. Vallery, claro... Tinha algo a ver com Varla, a menina que apareceu em Raccoon City e tentou me matar inúmeras vezes.

Por um segundo, não pude acreditar. Ando até a mesa que estou vendo, é a mesa da cozinha. As coisas estão normais ainda, exceto por uma forte luz que entra pela janela e ofusca os meus olhos me impedindo de ver o que há lá fora. As paredes continuam brancas, há caixas sobre a sala com objetos dentro delas... Lembro-me desse dia, era o dia em que eu iria me mudar e posteriormente conhecer Anette, minha esposa que morreu há alguns anos atrás. Mas... Porque eu estaria exatamente nesse mesmo contexto novamente?

Continuo andando pelo apartamento. Vejo algumas fotos que me lembram do meu período da faculdade. Vejo alguns amigos e vejo minha foto com Vallery, a minha ex-namorada. Terminamos uma semana antes desse dia por dois motivos: Eu iria me mudar e o segundo eu não me lembro bem... Decido ir até a cozinha e vejo uma panela com um espécie de chá fervendo. Agora me lembro, Vallery chegará logo e vamos tomar chá juntos, uma última vez. Vou até o armário cor de mogno, pego dois copos que ainda não foram embrulhados e os coloco em cima da mesa. O chá ainda ferve quando ouço batidas na porta.

–Will? Já chegou?

–Sim, Vallery... –respondo sem pensar.

Corro até a porta e a abraço. Ela me beija rapidamente e logo sorri.

–Uma última vez...

Eu assinto com a cabeça. Olho para a mulher de 22 anos à minha frente. Ela tem a pele branca, cabelos negros cacheados e é um pouco mais alta do que eu. Seus olhos são verdes, quase penetrando os meus e mostram a vida que pulsa de dentro dela. De alguma forma, eu gosto dela, mas sei que tive que terminar e que agora vou acabar com tudo de uma vez por todas.

Ela entra no apartamento, indo em direção à mesa.

–Poxa, você já arrumou suas coisas Will... Não achei que seria tão rápido.

–Ah... –me sinto nervoso. –Eu queria arrumar logo as coisas, pra não ter que demorar muito caso precise mudar o horário do meu voo. Deixo as coisas nas caixas pra que meus pais possam levar depois.

–Entendo...

Ela suspira, passando a mão na barriga um pouco grande. Começo a pensar se ela não estaria grávida e se eu seria o responsá... Sim. Aquele filho é meu, ou talvez filha. Eu tenho quase certeza, nós até planejamos o nome dela e será Varla. Ela será linda, muito linda. Mas...

–Will?

–Ah, desculpe. Eu só estava perdido em meus pensamentos.

–Ok... Eu só ia lembrar que vamos tomar nosso último chá juntos, não é?

Lembro que, quando éramos namorados, saíamos praticamente toda semana e tomávamos chá em uma loja perto. Ela achava romântico, e eu mais saudável que outras bebidas, então sempre saíamos às tardes para tomar chá.

–Sim, desculpe.

Corro até o fogão e desligo. Pego o bule e preencho os dois copos que pus em cima da mesa. Volto na cozinha e pego o pote de açúcar de bolachas. Embora eu more sozinho, minha mãe sempre cobra organização, principalmente quando vem me visitar. O resultado disso tudo, é que tenho todo esse aparato para receber visitas.

Finalmente coloco tudo em cima da mesa, coloco açúcar no meu chá e vejo Vallery fazer o mesmo no dela. Pegamos algumas bolachas e ela toma alguns goles, mas eu não consigo tomar de jeito algum... O chá não entra.

–Então Will... Como vai ficar nossa querida Varla?

–Vallery, você sabe o quanto eu gostaria de cria-la com você. Mas eu não posso, eu não quero perder minha vida... E sabe, eu também não quero que você perca a sua. Se você realmente decidisse junto comigo, poderíamos continuar juntos e depois pensaríamos em um filho.

–William Birkin, eu já falei que não vou abortar minha filha! Isso é completamente improvável. Eu não vou abrir mão da vida dela, nem que eu perca a minha... Ela foi feita com amor, amor a você. Se você não é sensível pra enxergar isso e só enxerga seu próprio umbigo, então que se dane! Continuo amando você, mas não abro mão da vida dela.

Eu suspiro. De fato, não vou conseguir nunca convencê-la a abortar e além do mais já são três meses de vida. É lógico que ela deve ter criado uma ligação com a criança e queira tê-la seja lá como for.

–Vallery, Vallery... Queria que você compreendesse a situação. Sabe o quão melhor seria isso? Poderíamos continuar namorando, casaríamos um dia... mas você prefere assim? Sinto muito, mas eu irei embora. Mando grana pra você, o que ela ou ele precisar... Mas não vou criar junto com você, é querer de mais.

–Sabe, Will... –vejo lágrimas caírem do seu rosto, ela toma mais alguns goles do chá. –Quando eu comecei a namorar você, achei você mais pé no chão. Você abandonou a faculdade, fizemos besteira e agora tá aí, voltando pro colo dos seus pais e não querendo assumir suas responsabilidades. Pois bem! –Ela toma a última gota do chá. –Eu vou criar essa criança sozinha, não quero saber de sua ajuda... Acho que essa conversa aqui foi desnecessária...

Sinto-me um pouco mal, mas sei que logo as coisas ficarão bem. De alguma forma. Vallery se levanta e vai caminhando até a porta. Ela começa a andar mais devagar, até que segura na parede e respira fundo.

–William... ? –Ela se vira pra mim com uma expressão de terror.

–Sim?

–O que tinha nesse chá?

–Hã? Nada de mais, era só chá?

–Por favor... –ela está quase sem voz, o que me preocupa. –Do que era esse chá?

Respiro fundo e falo quase que sem pensar.

Nerium oleander.

–E que planta... é essa?

–Ela...

Estou envergonhado, mas temo que ela esteja realmente mal, então decido falar.

–Ela tem propriedades abortivas.

–O quê?!

Vejo uma lágrima cair do seu olho. Sinto a besteira que fiz... Ela desmaia no chão e então começo a gritar por socorro. Não sei mais o que fazer... Tiro o celular do bolso, alguns vizinhos de andar entram correndo no apartamento. Chamo a ambulância... Tudo começa a fica confuso, começo a ouvir um alto som de sirene enquanto o vídeo do hospital que mostrava o velório de Vallery Linai volta a minha mente. O som da sirene fica mais intenso e então abro os olhos, me deparando com uma menina alta, branca, de cabelos negros cacheados e com uma faca na mão parada diante de mim. Era Varla. Estamos em frente à mansão de antes, não consigo mais ver Alexander e Alexia. Somos só eu e Varla. Coloco-me de pé e pego a arma carregada. Dou alguns passos para trás enquanto vejo a garota caminhar em minha direção segurando a faca e sorrindo.

– Olá, papai. Eu disse que você me criou, sou sua filha. Você me fez e me matou... Agora, eu vou matar você!

Ela corre em minha direção, eu tento me esquivar, porém sou atingido pela faca na mão esquerda. Empunho a beretta e consigo acertar dois tiros, um no braço e outro no peito. Varla dá alguns passos para trás.

–Ah, papai... Já disse que você não pode fazer o que já está feito. Está vendo as marcas no meu pescoço? Eu fui sufocada por aquele chá antes de nascer. Obrigada!

Ela dá mais uma investida e consigo atirar na perna esquerda dela. Ela para o movimento.

–Tudo bem, se o senhor quer investir pesado, vamos investir pesado.

A expressão da garota muda. Começo a ver ficando rosa, mudando de forma. Varla começa a crescer e meu medo junto com o tamanho dela. Ela agora tem uns três metros, seu corpo está completamente deformado, ela está semelhante a um embrião humano. Vejo veias e sangue por todo o seu corpo.

–E então... –ouço uma voz monstruosa sair da coisa. –Gostou de me ver na forma original, papai?

Ela ri. O monstro caminha mais lentamente em minha direção, eu começo a atirar em tudo quanto é parte da coisa, não conseguindo saber no que e em como atirar. O que parece ser o braço desce em minha direção e não consigo me esquivar. A batida é muito forte e sinto todo o meu corpo doer consideravelmente. Levanto. Varla está decidida a me matar.

–Achando que eu era um personagem de um livro ou um demônio? Não William. Eu sou a sua verdade!

Sinto lágrimas rolarem meu rosto abaixo. Como esse mundo conseguiu invadir o meu subconsciente e arrancou meus piores medos e sofrimentos, eu não sei. Apenas sei que preciso enfrenta-los, ou então morrerei tentando. Por mim, por Sherry!

Corro até a porta da mansão, mas sou puxado pelo braço gigante da coisa. Pego minha beretta e descarrego no monstro. Procuro pelo pente restante na mochila, o monstro me joga contra uma árvore fazendo com que meu corpo doa ainda mais. Encontro o novo pente, carrego a arma. Tenho quinze tiros para liquidar o monstro. Começo a mirar no que parece ser a cabeça e atiro um atrás do outro. O monstro começa a sangrar, vejo sangue espirrando em todas as direções. Dou o décimo terceiro tiro e a coisa cai no chão. O corpo começa a se desfazer... Corro até a coisa, e me ajoelho respirando fundo, cansado.

–Varla... Vallery... Seja lá quem você seja... Me perdoe, por favor. Eu estava cego, eu não sabia o resultado... Eu fui um assassino, duplo assassino... Mas... se puder me perdoar...

Vejo o monstro se desintegrar por completo. Meus olhos derramam lágrimas, meu corpo inteiro dói. Decido ficar aqui por um tempo, chorando... Eu fiz tudo errado, completamente errado. Matei duas pessoas... Mas... Respiro fundo. Não posso ficar aqui. Não posso cometer um novo erro, preciso salvar Sherry, quem saiba assim eu me redima pelo que eu fiz.

Começo a caminhar em direção à porta da mansão esperando encontrar qualquer coisa horrível. Tiro o ultimo frasco de energético e tomo os mililitros restantes ali dentro. Sinto vigor, mas ele não veio do energético... Veio do meu desejo de me redimir, de salvar Sherry. Preciso salvar minha filha, agora que destruí outra.

Abro as portas da mansão, vejo Alexander ao lado de um corpo em uma cadeira de rodas e Aléxia caída ao lado da cadeira. Vejo a escadaria principal. O hall está iluminado por velas, e consigo ver algumas poucas coisas... Não vejo Sherry, mas sei que ela tem que estar aqui em algum lugar. Ou isso, ou Alexander vai me dizer. Tenho dois tiros restantes, mato ele se for preciso.

–Alexander Ashford...

Ele olha pra mim com a familiar expressão de desdém.

–Onde está Sherry?


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Notas finais do capítulo

William entra em algo que parece ser sua própria mente, entrando em confronto com si mesmo, seu passado e suas lembranças. Mediante a isso, algo surge diante dele que parece ser a sua verdade, uma verdade tão sombria a ponto de de matá-lo. A consequência disso é o surgimento de uma grande vigor, fazendo com que ele retome o projeto inicial: encontrar Sherry.



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