O começo do fim

Hoje me peguei relendo meu diário. Parece que foi ontem que tive aquele diálogo com André. Parece que foi ontem que escrevi no Sr. Depósito de Tristezas. Mal sabia eu que esse seria apenas o começo do fim.

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Hoje eu achei uma caixinha no sótão. Era do papai. Minha mãe já havia me falado da caixinha e me dissera que ele havia deixado várias coisas para trás. Ela nunca vira as coisas que ele deixou na caixa, só veria no momento certo. Segundo ela, papai sempre foi um homem muito misterioso. A caixinha estava empoeirada então peguei uma pano e a limpei. Conforme ia limpando a caixa letras formavam as seguintes palavras “Pensamentos ocultos”. Dentro dela havia várias cartas e algumas fotos antigas. Peguei a caixinha e a levei para o meu quarto. Sentei-me na cama e joguei as cartas no meu colo. As espalhei e entre um uni-duni-tê e outro escolhi uma carta para ler.

“Minha rotina está me cansando – George White 02 / 04 / 1999
Todo dia é a mesma coisa. Eu acordo, tomo meus remédios, olho para minha mulher na cama ainda dormindo. Vou até a cozinha e preparo o café. O dia sempre parece nublado para mim. Na verdade, meu humor nunca muda com o tempo, seja ele bom ou ruim. Vou até o quarto da pequena Annie e a vejo dormir. Ela parece um anjinho. Apenas quando está dormindo, claro. Espero que minha filha nunca passe pelo que passei. Espero que nunca se apaixone. Amor não existe. É uma mistura de embrulhos no estômago e uma ilusão que nosso cérebro cria e assim nos unimos a uma pessoa para continuar a espécie. Então você deixa seu filhote seguir caminho para fazer a mesma coisa. Quero cair fora. Isso não é meu mundo e eu não aguento mais. Se há um paraíso eu gostaria de conhecer e se a há um inferno eu quero saber se existe. Eu quero experimentar mais da vida para depois provar o suficiente da morte. Não quero que minha morte seja em vão. Não quero acreditar que minha vida toda foi resumida em alimentar bocas dentro de casa e trabalhar feito um cavalo. Se minha filha tiver sorte, talvez ela se case com algum empresário ou médico. Se ela for um pouco mais esperta que a mãe vai perceber que não se deve manipular os outros, muito menos um autista gênio... Barulhos e mais barulhos. Está tudo zunindo na minha cabeça. O tic-tac do relógio está me atormentando. Sabe o que esse tic-tac significa? A minha perda de tempo. Estou aqui desabafando mais uma vez. Isso faz parte da minha rotina estressante. Se eu dissesse tudo que gostaria na cara das pessoas eu seria taxado de ignorante, prepotente, rude, entre outros insultos “cruéis”. Todos tão complicados. As pessoas consideram isso a vida perfeita?! Não entendo. Alimentar a família, criar um peso nas costas, uma mulher chata... Isso é vida perfeita? É só uma questão de tempo até eu sumir.”

Quando terminei de ler a carta não demorou muito para que eu começasse a chorar. Eu já achava meu pai um imbecil. Agora o acho um monstro. Então para ele eu sempre fui um peso nas costas... O que diabos meu pai pensava mais?