Dança com Demônios. escrita por zRainbow Dash


Capítulo 5
Qanah'hyr.




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Os dias que se seguiram foram longos e frios.

Os primeiros flocos de neve caiam de um céu pálido quando os habitantes da masmorra se deram conta do desaparecimento do homem que Khani matou. Khain e Bella haviam prometido não tocar naquele assunto mais, para que ninguém soubesse do ocorrido.
Claro, eles poderiam ter dito que o homem atacou Bella e Khain a protegeu. Talvez o vissem até como herói, mas algo a mais aconteceu naquele dia e aquilo ninguém mais poderia saber. Khain havia levado o corpo do homem, que se chamava Lothur, até o lago e dado seu corpo para Bael.

Bella não havia entendido bem o motivo daquilo tudo e Khain não explicou, mas ela prometeu que aquilo ficaria entre os dois e Khain não se preocupou com isso.

Porém, o clima na ilha estava denso.

O frio havia chegado sem prévio aviso e, cada vez mais, todos na ilha se olhavam com certo receio. O homem havia desaparecido, dois homens haviam sido mortos anteriormente e, segundo alguns rumores, criaturas errantes foram vistas nas extremidades da floresta, andando como homens e desaparecendo nas sombras as árvores.

Khain nunca havia presenciado um clima tão hostil naquele local. Todos estavam preocupados, com medo de serem os próximos a desaparecer ou a serem encontrados com as tripas reviradas. No início, a culpa caiu sobre os novos habitantes que haviam chegado, mas logo a culpa passou a cair sobre todos.

Habel voltou a agir de forma natural, para o alívio de Khain e eles voltaram a se falar normalmente. Bella, porém, tornou-se muito reclusa após o ocorrido. Quanto aos machucados, ela havia dito que caiu de uma árvore enquanto tentava pegar algumas frutas, mas ninguém pareceu muito confortável com isso, mas não houve mais perguntas ou insistências no assunto.

Agora que Bella não parecia muito confortável em andar por aí e conversar, Laura pareceu aproximar-se mais dos garotos e principalmente de Khain.

As medidas de segurança não mudaram. Gaer parecia estar prezando ao máxmo pela liberdade na masmorra, mesmo que os próprios habitantes da ilha estivessem se tornando cada vez mais fechados para qualquer estímulo ou interação social.

O vento assobiava entre as frestas das janelas e portas da masmora, correndo entre as paredes frias e úmidas erguidas com pedra negra.

Khain e Laura caminhavam por um dos corredores da masmorra, indo para a cozinha. A garota parecia contente e Khain ficava feliz por vê-la assim. Ela não sabia nada sobre o que aconteceu com ele e Bella e sabia menos ainda sobre o beijo dos dois. Ela e Khain nunca haviam assumido nada e nunca haviam nem se beijado, porém, era de conhecimento (ou vontade) de todos, que os dois tivessem algo a mais. Eles eram muito amigos, claro, sempre foram, e isso causa estranheza nas pessoas em volta.

— Eu terminei o livro que você me emprestou. Aquele dos gigantes, sabe? – dizia Laura calmamente.

— E o que você achou? Gostou do Arien?

— Achei ele um fracote. – disse ela, fazendo uma careta rápida. – Eu entendo o lado dele, mas sabe, ele podia ser um pouco menos frouxo.

Khain ergueu uma sobrancelha. Sempre havia se identificado com Arien, porém achou melhor não comentar isso.

— Ele tinha seus motivos.

— As pessoas sempre tem seus motivos para não agir como deveriam. As vezes é difícil seguir em frente, mas a gente precisa.

— Isso é verdade. Ele é um bundão, igual eu. – comentou Khain. Em seguida, de uma piscadinha de leve. – É por isso que você gosta de mim e está fingindo não gostar dele.

Laura deu um tapinha de leve no braço de Khain e riu, porém não falou mais sobre aquilo. Apenas soltou um som de exclamação quando chegaram na porta da cozinha e, enquanto a empurrava para que entrasse, sussurou baixinho.

— Disseram que hoje teria frango com batatas. Mal posso esperar. Tô morta de fome.

A cozinha não estava muito cheia naquele dia. Nas mesas compridas, alguns grupos de pessoas acomodavam-se exporadicamente, com uma distância segura entre um grupo e outro.
Fetz e Habel estavam sentados já, em um canto, rindo alto e cantarolando as vezes. Eram os donos das únicas vozes que pareciam ecoar pelo salão. Estavam felizes, anormalmente felizes e Khain aproximou-se com cautela, feliz pelos dois terem feito as pazes. Quase não dava para perceber Bella sentada ao lado de Fetz, quieta como um túmulo.

— E ai, o que deu em vocês? – perguntou, já sabendo a resposta.

Fetz abriu um sorriso de uma orelha até a outra, olhou para Habel e ambos riram.

— Lemmy liberou um negocinho pra gente colocar no suco. Bebe ai. – disse, empurrando o copo na direção de Khain.

O garoto bebeu o líquido e sentiu um gosto forte queimando sua garganta. Seu primeiro impulso foi de cuspi-lo para longe, mas forçou-se a continuar bebendo. Sentiu o estômago quente e colocou o copo de volta na mesa, vazi.

— Você está macho hoje, hein? – disse Habel, puxando uma pequena garrafa velha debaixo da mesa e, de modo furtivo, enchendo novamente o copo, olhando para os lados como se contasse moedas de ouro.

Laura acomodou-se ao lado de Habel e Khain sentou-se ao lado dela, de frente para Bella. A garota ainda estava se curando dos machucados e os ferimentos eram evidentes em seu rosto. Khain balançou a cabeça em sua direção, cumprimentando-a.

— Oi. – respondeu ela, de forma nervosa e quieta.

Fetz imediatamente empurrou um copo na direção da garota.

— Acho que você tá precisando.

A garota olhou para dentro do copo e viu o líquido avermelhado em seu interior e, apesar de parecer relutante, virou seu interior goela a baixo.

— Nossa gente, tá todo mundo esquisito ultimamente, né? – disse Laura como se quisesse cortar o silêncio que ficou após verem Bella virar a bebida por completo e segundos.

Habel olhou para ela, com um sorriso de canto de boca.

— Você sabe o motivo disso, né? Todo mundo aqui sabe.

Fetz inclinou-se para a frente, encarando o amigo.

— Como assim? – perguntou, com a voz lenta.

— Ah, uma vez a Hilgris me contou sobre o povo da floresta. Os mais velhos não comentam muito, pois não acreditam naquilo ou tentam não acreditar, sei lá.

Agora foi Khain quem inclinou-se para a frente, perplexo. Gaer não havia contado para ele o que eram aqueles homens. Lembrou-se exatamente das palavras do velho “Eles são lembrançsa, Khain. Lembranças do passado dessa ilha.”

— Mas o que eles são? Ela te contou? – A voz de Khain saiu um pouco mais alta do que ele gostaria e, por isso, sentiu-se um pouco envergonhado, mas ninguém pareceu ligar.

— Lemmy disse pra mim que são demônios. Queria ver um de perto. – disse Bella, com a visão perdida ao longe.

Habel encheu outro copo com a bebida e deu um pequeno gole e, depois, passou o copo para Fetz.

—  Se são demônios, eu não sei, mas a Hilgris disse que, muitos anos atrás, eles saiam da floresta. Comiam carne dos moradores da masmorra, abriam o estômago deles e assavam, não sei. Só sei que ela não parecia muito confortável em falar deles. Parece que esses caras da floresta são totalmente negros. Não negros como o Huare, negros como a noite. E, da sua pele, sai uma fumaça esquisita com cheiro podre de carniça. Eles vinham até a masmorra e, toda vez que vinham, as pessoas tinham que se esconder. Se esconder muito bem ou dar um sacrifício. – a voz de Habel estava baixa e parecia quase um sussurro aos ouvidos de Khain. Talvez fosse só a bebida tornando a história mais macabra. – Eu acho que ela teve que dar o filho dela. A Hilgris não falou mais nada dessa parte.

— Mas eles faziam o que com o sacríficio? Eles vinham sempre? – perguntou Laura, que ainda não havia bebido. – Digo, se viessem sempre, não teria sobrado ninguém, né? Sabe, as pessoas acabam.

Fetz soltou um riso baixo enquanto engasgava com a bebida que levava aos lábios.

— O Khain ainda não te ensinou como se faz pra nascerem pessoas novas? Sabe, as pessoas não acabam se nascem mais. – dizia, enquanto o líquido vermelho escorria em seu queixo, entre soluços e risos. – Não botaram as coisinhas pra funcionar ainda?

Khain achou engraçado, mas forçou-se a não rir, enquanto olhava para Laura, que cruzou os braços e encarou Fetz. Fetz, por sua vez, empurrou o copo na direção de Khain, que bebericou mais um gole. Sentiu seu rosto ruborizar instantâneamente. Bella soltou um soluço, enquanto levava a mão à boca. Talvez tivesse rido. Talvez.

— Eu não vou nem responder você, seu idiota. – Disse Laura, emburrada.

Habel empurrou a cabeça de Laura na direção de Khain.

— Tá na hora de vocês darem uns beijos, não acha não?

Khain foi para trás, evitando o rosto de Laura, enquato a garota virava-se para Habel, brava como nunca.

— PARA! – rosnou, encarando Habel com os olhos furiosos. – Se vocês querem tanto essa merda, beijem ele vocês mesmos.

Mas antes que qualquer um dos garotos pudesse responder, ouviu-se o barulho de vários talheres caindo sobre o chão ao mesmo tempo e, em seguida, o som da tigela cheia de sopa sendo derrubada da mesa com força.

Khain e os garotos viraram-se para olhar, assustados, e encontraram um homem segurando a cabeça de outro homem contra a mesa, com força. Era um homem de rosto cansado, com a barba por fazer e compridos cabelos negros, amarrados em uma trança. Haviam pequenas cicatrizes por todo o seu rosto e, na mão que segurava a cabeça do homem pelo couro cabeludo, crescia uma queimadura vermelha comprida, subindo pelo seu braço e escondendo-se sob a manga de sua blusa.

— Repete. Eu tô mandando. – dizia ele, enquanto forçava o rosto do homem contra a madeira da mesa. – VAI! REPETE!

O homem imobilizado era Tyrog, um sujeito forte, com as mãos cheias de calos do arado da pequena fazenda atrás da masmorra. Ele era bem maior que o homem que o segurava, com músculos grandes e ombros largos, porém, não parecia conseguir se soltar.

— Vai a merda. – disse da maneira que pôde, com sua bochecha contraída contra a madeira e um resto de sopa que ainda não escorreu totalmente da mesa para o chão.

Habel ergueu-se mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, Fetz já estava com o braço na frente do amigo, parando-o.

— Eu resolvo. – disse, liberando um leve odor de alcool entre as duas palavras.

O garoto caminhou em direção aos dois homens e, da cintura, puxou uma espada curta de dentro da bainha. A lâmina cintilou, iluminada pelas chamas, quando Fetz a apontou para o homem em pé.

— Seja lá quem você for, larga ele. – disse, com uma voz quase calma. Quase.

Ainda segurando o homem contra a mesa, respirou fundo.

— Eu sou Qanah’hyr, prazer, mas pode me chamar do que quiser. E você é? – sua voz era cansada e, talvez, um pouco entediada, como se o homem que segurava contra a mesa não fizesse esforço algum para sair dali.

Fetz deu um passo para a frente, ainda com a espada apontando para o homem, com a comprida mesa de madeira separando-os. As pessoas em volta do pequeno refeitório pararam o que estavam fazendo para observar, quietas e atentas. Um incômodo silêncio preencheu o local, até que Fetz o quebrou.

— Eu sou a lei.

Qanah’hyr soltou Tyrog e deu alguns passos para trás, enquanto o homem se levantava, desajeitadamente.

— Nossa moleque. Tão novinho e já com essas frases de efeito? - riu, colocando as mãos na frente do corpo e balançando-as. – Que perigoso.

Tyrog, porém, não deu tempo para que o homem continuasse com suas brincadeiras e pulou para cima dele com um urro de raiva. Era duas vezes maior que Qanah’hyr e, por isso, não teve problemas em empurra-lo para trás. O homem chocou-se violentamente contra a parede, batendo suas costas na pedra dura e lisa. Seus olhos estavam fechados, mas isso não o impediu de, com um rápido movimento, esquivar-se do soco que Tyrog tentou acertar em seu rosto.

Com um rápido e curto golpe de sua mão, Qanah’hyr acertou em cheio o pescoço do homem que o prendia contra a parede. Tyrog cambaleou para trás, sufocado e com os olhos esbugalhados pela falta de ar, enquanto o homem, em um movimento ainda mais rápido que o anterior, saltava, apoiando-se com a mão no ombro de Tyrog e, em seguida, acertando-o fortemente no rosto com seu joelho.

Sangue espirrou para os lados, mas o homem não parou por aí. Continuou seu salto, esvoaçando sua capa e passando por cima de Tyrog, caindo sobre a mesa na frente de Fetz enquanto o garoto tentava contorna-la. Qanah’hyr estava baixando, com o rosto extremamente próximo da lâmina da espada que Fetz segurava. O cabelo caiu sobre o rosto, deixando à mostra um leve sorriso irônico em seus lábios pequenos.

Fetz, pareceu surpreso durante alguns segundos, mas logo seus olhos foram tomados pelo dever. Virou a espada de lado e tentou golpear o homem com a parte chapada da lâmina, mas Qanah’hyr era rápido e simplesmente avançou para cima do garoto, descendo da mesa e segurando a mão de Fetz que segurava a espada, espurrando-a para longe.

Khain e Habel, então, correram para cima do homem. Habel foi mais rápido em seu reflexo e, em poucos segundos, já estava junto dos dois. Qanah’hyr percebeu a investida e empurrou Fetz com força para cima do amigo. Fetz era um garoto forte, estava armado e tinha os pés firmes, mas ainda estava embriagado, perdendo assim o equilíbrio. Habel chocou-se com Fetz, mas Qanah’hyr, em um giro veloz de suas mãos, como em um passe de mágica, segurava a espada curta em suas mãos e a apontava para os garotos.

— Seu nome... – disse Qanah’hyr, claramente cansado, respirando de forma pesada e lenta.

Khain, porém, sem que Qanah’hyr percebesse, havia se esgueirado pelo canto da sala e agora estava atrás do homem. Em um ataque de oportunidade, avançou e agarrou-o por trás enquanto com a mão, segurava o braço do inimigo que empunhava a espada.

Mas Qanah’hyr, em um hábil movimento, segurou Khain pelo pescoço, abaixo-se e puxou o garoto, fazendo-o passar por cima de suas costas e cair estatelado no chão. Khain permacedeu deitado, durante alguns segundos, sem entender direito o que aconteceu e como aquele homem poderia reagir tão habilidosamente ao ataque. Não sentia dor, mas sentia-se confuso.

Qana’hyr deu alguns passos para trás, ainda empunhando a espada no ar, entre ele e os garotos, enquanto Khain erguia-se lentamente.

— Eu não quero confusão. Quero apenas que me deixem em paz. – resmungou, descendo a ponta da espada para o chão. Então, após respirar fundo, colocou a mão no bolso de sua roupa. Seus olhos se arregalaram, quando tirou a mão vazia do bolso e começou a tatear as próprias vestimentas.

Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Khain puxava de seu bolso uma pequena gaita azulada e olhava para ela com um falso espanto.

Era um objeto muito bonito, com algumas linhas douradas contornando suas extremidades. Um pequeno e simples desenho de um lobo correndo a decorava entre o azul escuro de sua parte de cima. O garoto jogou-a para cima e pegou-a de novo, enquanto os olhos arregalados de Qanah’hyr a seguiam por todo o percurso.

— Ops, olha o que eu achei. – comentou Khain, examinando o objeto em mãos.

— Devolva isso agora! – disse o homem, em um tom de voz raivoso. Seus olhos ainda fixos no objeto, enquanto Khain jogava a gaita novamente para cima e a pegava novamente no ar. – Devolva! Você não sabe o que é!

— Daqui parece uma gaita.-  retrucou Khain, em um tom desinteressado. – Vamos fazer assim, você coloca a espada na mesa, se afasta e eu te jogo a gaita, tá? 

O homem fechou os olhos e assentiu com a cabeça. Caminhou lentamente até a mesa, largou a espada sobre ela e se afastou. Fetz foi até ela, segurou-a e, sem qualquer floreio, a devolveu a bainha.

— Eu sou Fetz.

Khain jogou a gaita para o homem de forma delicada. Qanah’hyr segurou-a com as duas mãos, agarrando-a com força, como se fosse uma moeda de ouro para um mendigo. Segurou-a contra o peito durante alguns instantes e depois colocou-a no bolso com cuidado, fechando o zíper em seguida.

— Eu sou Khain e esse aqui é o Habel. Prazer. – disse Khain, virando-se de costas e voltando para a mesa onde Laura e Bella estavam sentadas ainda. Tyrog, que ainda estava se recuperando da falta de ar, cuspiu na direção de Qanah’hyr e saiu do aposento pela porta em passos firmes.

O resto dos adultos, que em momento algum interferiram no que ocorreu, apenas voltaram a comer e conversar, como se nada daquilo tivesse ocorrido. Era normal que os novos habitantes da ilha fossem um pouco esquentadinhos, visto que não havia qualquer previsão de que deixassem o local para voltar para o mundo lá fora. Qanah’hyr esperou alguns segundos, talvez querendo dar uma distância entre ele e Tyrog e depois saiu pela porta, com a mão dentro do bolso.

— Nossa, aquilo foi muito maneiro! – comentou Habel, sentando-se ao lado de Khain.

Khain riu baixinho e encheu o seu copo com a bebida que estavam bebendo antes. Depois do primeiro gole, limpou o canto da boca com a manga da blusa.

— E olha que eu estava vendo três daquele cara. A bebida subiu rapidinho.

Laura sorriu. Estava com as bochechas muito coradas e os olhos distantes.

— Como que você fez aquilo então? – perguntou, pegando a garrafa e enchendo o próprio copo.

Khain olhou para dentro do próprio copo e observou o líquido ali dentro, depois olhou para Bella, que permanecia quieta, observando-o com seus olhos escuros. Seus olhares se cruzaram durante alguns segundos. Suas bochechas também estavam rosadas, um pouco mais que o normal, porém um pouco menos que as de Laura. Khain então voltou a olhar para o interior do copo, perplexo.

— É, Khain, como você fez aquilo? – perguntou Bella com a voz arrastada.

— Ah, foi fácil. Eu estava vendo três e achei que o mais seguro era atacar o do meio.

Nada de frango com batatas, para a decepção de todos. A janta foi a mesma sopa rala de aveia que haviam jantado no na noite anterior. Habel resmungou um pouco, porém comeu tudo como se não comesse há dias. Fetz parecia sem fome e largou metade no prato, mas Khain, Laura e Bella não reclamaram, apesar de nada satisfeitos.

A conversa durou a noite inteira, mas até se esqueceram do que conversavam antes do que aconteceu envolvendo Qanah’hyr. Apenas comentavam sobre o homem misterioso e sobre como Khain o roubou sem ninguém ver. O garoto não revelou seu segredo, apesar da insistência de todos. Aquilo, para Habel, Laura, Fetz e talvez Bella , foi um acontecimento incrível, mas desde a noite em que encontrou Bael, Khain iria demorar pra se impressionar novamente.

Após muito tempo jogando conversa fora, todos decidiram ir para seus quartos. Khain se despediu de todos, mas, quando foi beijar Bella na bochecha, ela tocou em seus cabelos e segurou-o durante um momento junto dela. Não foi muito tempo, algumas frações de segundo, mas Khain percebeu e ficou se perguntando se os outros também teriam percebido. Estão todos bêbados. Lembrou-se. Quando Bella o soltou, olhou diretamente em seus olhos por um momento menor ainda , virou-se e foi embora. Laura o beijou no rosto também, claro, mas sem qualquer floreio, foi embora também. Habel, por sua vez, olhou para Khain, depois olhou para Bella, que já estava no fundo do corredor e depois olhou para Laura que estava indo embora ainda e sorriu.

— Alguém vai dormir quentinho hoje. – riu, virando-se  após uma piscadinha e indo embora.

Khain não entendeu direito o comentário, mas não pensou muito sobre aquilo. Sua cabeça estava zonza e seu equilíbrio baixo. O mundo agia em câmera lenta enquanto ele caminhava pelo corredor em direção ao seu quarto.

Abriu a pesada porta de madeira, tirou a camisa e deitou-se. Estava cansado e seu raciocínio estava lento, por isso, sem pensar em mais nada, fechou os olhos e dormiu.

Acordou com o som de sua porta sendo aberta, um pequeno rangido nas dobradiças e, de frente para ele, estava Bella.

Ela usava uma camisola que Khain não conseguiu distinguir a cor. A luz vinha do corredor e, como o quarto estava escuro, impedia que o garoto enchergasse detalhes de Bella, apenas sua silhueta.

— Oi Bella. Que horas são? – perguntou ele, confuso. Ficou sentindo-se idiota por fazer uma pergunta dessas, mas a garota não respondeu. Não pareceu ouvir, apenas continuou encarando-o na soleira da porta. Então, fechou a porta atrás de si e começou a andar na direção do garoto.

— Não fale. – disse ela, enquanto se aproximava.

Parou alguns passos de distância do garoto e o encarou. O garoto não conseguia ver praticamente nada por causa da escuridão, apenas a silhueta magra da garota, mas não se importou nem um pouco quando Bella se abaixou e o beijou. O garoto a segurou, mas quando colocou a mão no corpo quente da garota, ela estremeceu.

 Ainda estava machucada, tanto física quanto mentalmente e Khain não entendeu muito bem o motivo daquilo, mas estava gostando e esperou que ela também estivesse. Sentiu o forte gosto da bebida quando sentiu a língua da garota entrando em sua boca e rezou aos deuses que ela não estivesse fazendo aquilo apenas por estar bêbada. Fechou os olhos e deitou-se, enquanto ela ficava por cima do seu corpo.

Após uma noite cansativa, Khain acordou. Ainda estava nu, coberto com no amontoado de peles em que dormia, com o braço esticado, onde repousava Bella. Era dormia tranquilamente, deitada de lado, encolhida entre as peles, apoiada no peito do garoto. Seu braço estava dormente e uma pequena dor o incomodava próximo do cotovelo, mas não se importou. Permaneceu imóvel. Podia sentir o cheiro dela que, de alguma forma, o lembrava de café gelado, mas era bom. Muito bom.

Por Eltarys. O que nós fizemos. Fechou novamente os olhos. Foi uma noite inesquecível e o garoto terminou o trabalho fora da garota então, em teoria, não teria que se preocupar com o fato dela engravidar. Sentiu o gosto ruim do bafo matinal em sua boca e torceu para que a garota não acordasse naquele momento.

Não sabia exatamente por qual motivo a garota havia ido até ali e muito menos o porquê dela ter transado com ele. Foi a primeira vez de Khain e, quando olhou para baixo das cobertas e viu que havia respingado um pouco de sangue, descobriu que foi a primeira vez de Bella também. Sentiu-se um pouco mais confortável com isso, mas não sabia bem o motivo.

Ela se mexeu um pouco e Khain a olhou novamente. Era uma garota muito bonita e, com o braço livre, acariciou seu cabelo alaranjado, que contornava seu rosto como chamas. Havia um pouco de maquiagem em seus olhos, um contorno preto sombreando as pálpebras, com o desenho já saindo. Ao lado, um pequeno hematoma e, no queixo, um corte ainda não totalmente cicatrizado.

Ela resmungou alguma coisa e virou-se para o outro lado. Khain aproveitou e puxou seu braço, enquanto ela se agarrafa em um cobertor de peles e o usava como travesseiro.

O garoto se levantou e encontrou a roupa da garota jogava no chão, amassada. Era uma camisola lilás cheia de rendas e, ao lado dela, uma calcinha também lilás. Será que ela ficou frustrada de ter se arrumado toda e eu não ter visto nada? Se perguntou com pequeno sorriso no rosto enquanto pegava as roupas da garota do chão, dobrava e colocava em um canto, próximo as suas próprias roupas.

Precisava de um banho. Havia suado muito na noite anterior e sentia mal cheiroso e com o cabelo oleoso, por isso, vestiu-se e saiu do quarto, fechando a porta o mais lentamente possível para que a garota não acordasse com o barulho das dobradiças.

Suspirou e foi até o banheiro da masmorra, perguntando-se que horas seriam. Parecia cedo, pois não encontrou ninguém no caminho, mas não se importou com isso. Tomou um rápido banho de balde e quase congelou quando limpou o sabão com a água fria. Sem se secar, vestiu-se de qualquer jeito e foi até o estoque da cozinha, onde roubou um duas maçães e dois pães, guardando-os em um pequeno saco. Também encheu um copo com leite e segurou-o com cuidado enquanto caminhava de volta para o quarto.

Abriu a porta com cuidado, ainda preocupado em acordar Bella, mas ela já estava acordada. Estava vestindo a camisola, de costas para o garoto.

— Eu trouxe comida. – comentou, enquanto fechava a porta com o calcanhar do pé.

A garota se virou e o encarou. Estava com os um pouco olhos vermelhos e lacrimejando, que limpou com a mão rapidamente.

— Ah... – começou ela, mas pareceu perder-se nas palavras. Apertou os lábios e piscou, enquanto encarava Khain. – Acho que a gente precisa conversar.

O garoto se aproximou e sentou-se na sua pequena cama. Tirou os pães e as maçãs da sacola e olhou para Bella.

— Eu sei que vai vir uma longa e terrível conversa. Sei que você vai falar que está arrependida e que não deveríamos ter feito aquilo. – Respirou fundo e olhou para as suculentas maçãs que agora repousavam em um de seus cobertores. – Eu sei de tudo isso, mas antes, senta aqui, vamos comer.

A garota foi até onde Khain estava sentado e sentou-se ao seu lado. Pegou um dos pães e o mordeu com vontade. O garoto também mordeu o pão dele e ali, em silêncio, fizeram seu café da manhã juntos. Khain virou-se e a olhou. Ela estava com o cabelo bagunçado, a maquiagem falhada e com sujeira nos olhos, mas mesmo assim a achou linda. Ela virou-se e o encarou quando percebeu que o garoto a encarava e olhou dentro de seus olhos esverdeados. Deu um gole no leite e deu o copo para Khain, que também deu um gole e colou o copo no chão novamente.

— Eu não ia falar nada daquilo. – disse, após engolir o pedaço de pão que tinha na boca. – Eu não me arrependo de nada da noite passada. Claro que a bebida deu um empurrãozinho, mas fico feliz que a minha primeira vez tenha sido com você.

Khain, perplexo, levantou as sobrancelhas.

— A minha primeira vez também foi com você, deu pra perceber, né? Eu descobri que não sou lá muito bom com essas coisas.

Bella riu e Khain sorriu diante daquilo.

— Foi ótimo. – disse ela, mordendo o último pedaço de pão. – Se você não falasse que foi a sua primeira vez, eu não adivinharia. Jurava que você e a Laura já tinham transado. Ou quase transado. Ou feito alguma das coisas que fizemos ontem. Sei lá.

Khain comeu seu ultimo pedaço de pão e sentiu um pedaço da casca arranhar sua garganta. Puta merda, a Laura.

— Eu e a Laura nunca tivemos nada. Nós somos amigos, e nunca nem nos beijamos, apesar de todo mundo achar que nós somos um casal. – retrucou Khain, bebendo mais um gole de leite para suavizar a dor na garganta.

Bella pegou a maçã mais próxima e a mordeu.

— Você nunca beijou ela? Então a primeira vez que você beijou também foi comigo? – perguntou ela, surpresa, arregalando os olhos.

Khain sentiu o rosto e as orelhas esquentarem, então desviou o olhar e deu mais um gole no leite.

 - Bom, eu queria dizer que não foi, mas foi.

Bella riu e quase se engasgou com o pedaço de maçã.

— Eu já tinha beijado antes. Beijei o Fetz e o Joseph, mas com ambos foi uma bosta. Com você, bom, eu não sei, tava bêbada. – disse, depois tossiu e bateu no torax. Quando viu que Khain não disse nada, continuou. – Tá, foi legalzinho. Quanto ao sexo também. Relaxa. Não tenho amigas pra falar mal do seu pênis.

Khain riu e mordeu sua maçã. Não que estivesse realmente preocupado se era bom ou não naquilo, mas ficou feliz em saber que Bella havia gostado. Também havia adorado, mas resolveu não comentar sobre isso.

— Então quer dizer que você beijou o Fetz? Por que ele e não eu?

Bella bufou e fingiu um olhar irritado.

— Ele nunca pareceu ter um casinho com outra garota, sabe?

— Então você me beijou e veio aqui transar comigo mesmo achando que eu tinha um caso com a Laura? – perguntou Khain, aproximando o rosto do rosto de Bella, que mastigava um pedaço de maçã.

— Sim. Você acha que eu ligo pra ela? – disse, com a boca cheia. Após engolir, continuou. – Eu realmente sempre te achei um cara legal. Sempre me diverti com você e sempre te achei bonitinho. Não, não transei com você para fazer birra com a Laura. É melhor a gente nem comentar sobre isso com o pessoal. Eu sempre achei você gente boa e, sei lá, depois daquilo que aconteceu na floresta, comecei a achar ainda mais. Achei que eu nunca mais iria querer ser tocada por alguém, mas você faz eu me sentir bem e eu tive vontade. Só isso. E se você quiser, a gente pode fazer mais vezes. Eu não vejo problema nenhum nisso.

Khain largou a maçã e se incliou para beija-la, mas ela se afastou e o empurrou, afastando-o.

— Agora não, eu tô comendo e nem escovei os dentes. Sai fora.


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