Chiptune Works! - Random Events escrita por Shirodan


Capítulo 4
Track 3 - People Collide I




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Esses momentos onde você se vê na frente de uma porta e não sabe se chega abrindo a porta ou batendo na porta são realmente cruéis.

As portas em si podem ser vistas como coisas relativamente cruéis, pelo fato de elas trancarem ou destrancarem, de acordo com a vontade de alguém. Também há situações onde se tranca a porta e joga-se a chave fora.

Todas as portas podem ser usadas como um instrumento do mal. Isso inclui as portas no sentido figurado, as tão faladas “portas do seu coração”. Se bem que isso não me interessa de forma alguma, sério. É um conhecimento completamente descartável, esse de que as pessoas se abrem ou se fecham para as coisas.

Quero dizer, eu não tenho muito o que falar sobre isso. E acho que nem muita gente nesse mundo consegue falar sobre isso de forma lógica e compreensível. Geralmente se fala sobre as consequências que não me interessam, nunca se fala sobre o porquê de alguém aparentemente trancar as portas de seu coração.

Também tem aquela coisa de que as pessoas não aceitam não saber tudo sobre os outros, então se você é reservado e só conta da sua vida pra quem você confia, você é visto como alguém que trancou seu coração/se despiu de seus sentimentos.

Enfim, essa porta é difícil de desvendar. Por isso que eu nem vou tentar.

Vou simplesmente entrar lá e falar o que eu tiver que falar, sem me importar com relações e socialização. Até porque, essa é a minha essência.

Enquanto eu ainda estava com a mão na maçaneta, uma garota cujos cabelos presos e de tamanho eram pintados de azul, abre a porta e olha fixamente pra mim, e então fala:

“Suponho que você queira saber onde é o Clube de Música? É só virar à direita. De nada.”

E é por isso que eu não gosto de me relacionar com as pessoas. Quero dizer, ela nem esperou eu dizer nada. Ou será que ela que é mal educada?

Sei lá, não me interessa. Da última vez que eu falei que alguém era mal educado, todo mundo ficou contra mim, então eu não sei o que é de fato má educação ou boa educação. Talvez ela só estivesse seguindo um processo lógico como eu. Até porque, muita gente deve parar por aqui pedindo informações sobre outros clubes de música.

Então é natural que se tenha tal comportamento. Mesmo que isso me assuste e que eu não goste disso, é natural.

Mesmo assim, eu tenho que priorizar minha filosofia de ir pra casa depois da escola, então é melhor que eu fale alguma coisa.

“... E-Eu quero me ju-juntar ao... Clube de Chiptune... Mu-Music...”

Provavelmente eu pareço uma daquelas pessoas que são tímidas e que têm vergonha de existirem. Ou alguém que não fala muito com os outros, o que eu realmente não faço.

Pra falar a verdade, eu falei aquilo enquanto olhava pra baixo. É tão difícil falar com os outros que chega a doer quando eu tenho que falar com alguém, de fato. Afinal de contas, eu nunca sei quais serão as respostas das pessoas pras coisas que eu falo.

A garota, com um olhar de surpresa, me puxa pelo pulso pra dentro da sala e fecha as portas rapidamente. Creio que também ouvi um barulho de fechadura sendo trancada.

Sinceramente, não é como se eu fosse fugir dali. Eu acho.

A sala, que tinha um ar de desleixo e animação, me pareceu levemente interessante. Mas, eu não vejo nada que seja propício pra criação de músicas. Tudo que tem aqui é um sofá, uma prateleira, duas caixas no chão é uma mesa grande. Se você quer fazer chiptuning, tem que ter ferramentas e computadores.

Talvez eles fossem um clube de apreciação de chiptune music, e não um clube que faça música de fato.

Sentados no sofá, estavam um garoto e uma garota, que eram aparentemente alguns senpais do terceiro ano. Eles estavam lendo coisas completamente diferentes, e estavam sentados em posições completamente diferentes. Ele, com seu raro cabelo castanho, altura média e olhos verdes, estava sentado em uma posição que exalava preguiça e tédio. Ela, com seus longos cabelos negros, altura média e olhos castanhos, estava sentada de uma maneira que impunha respeito, com as costas eretas e um olhar sério no rosto.

Sentada à mesa, estava aquela garota de cabelos brancos, que era a representante dos calouro e que se sentava do meu lado, na sala de aula.

A garota de cabelo azul tinha um olhar animado pra mim, que desvio o olhar.

Falando a verdade, eu odeio gente assim. Isso é, elas te põem em situações complicadas. Não, eu nunca vivi nada do tipo, mas já vi os outros viverem isso. E acredite em mim, não é legal, não é bonito.

“Gente, gente, conseguimos um novo membro!”

Surpresos, todos voltam seus olhares pra mim, que novamente desvio meu olhar pra baixo.

Com uma voz gentil, a garota que estava sentada no sofá me pergunta:

"Qual é o seu nome?”

Bom, pelo menos isso eu tenho que falar, não é mesmo?

“Kuraragi... Shion.”

“Shion-kun, é? Bem vindo ao clube.”

Não me chame pelo meu primeiro nome, por favor.

“Mu-Muito obrigado...”

Com um olhar sério, a garota de cabelos brancos cujo nome é Hiyori Harumi, fala com sua veterana.

“Shiori-senpai, nós vamos aceita-lo sem nem conversar direito com ele?”

“É, Shiori, eu concordo com a Harumi-chan. Temos que pelo menos conversar com ele antes... Vai que ele é um daqueles que só quer nos usar pra poder ir pra casa mais cedo?”

Ah, esse cara vai complicar tudo pra mim. Me pergunto porque gente desconfiada assim existe. Vocês, que vivem em sociedade, deveriam confiar mais uns nos outros, sabe? Isso é algo que pessoas felizes se forçam a fazer, e você não é exceção, cara.

“Quanta desconfiança, Makoto... Mas tá bom, vamos conversar com ele.”

A garota que me puxou pra essa situação novamente me puxa pelo pulso em direção à uma cadeira colocada no meio da sala.

O cara que estava mais desconfiado começa com as perguntas, que são chatas e entediantes.

“Então, você gosta de música em 8 bits? Você quer se juntar ao clube por qual motivo?”

Ah, é hora de conversar direito aqui. Se eu não gaguejar, talvez eu consiga convencer eles de algum modo.

“Não, eu não gosto de ouvir chiptune. E qual das duas respostas você prefere ouvir, a que eu quero falar ou a que você quer ouvir?”

“Não gosta de chiptune... Por favor, seja sincero aqui, Kuraragi-kun.”

“Eu já saí da cena chiptune seis meses atrás, então não tenho pretensões de ser um verdadeiro membro do clube. Dentre meus planos, está ir pra casa e fazer algo pra matar o tempo.”

“Por mim, você não entra aqui.”

Ah, quanta antipatia. Mas, talvez eu exagerei um pouco. Talvez eu deveria ter mentido e ter facilitado minha própria vida aqui. Isso sempre acontece quando eu tento falar sem gaguejar ou hesitar. Sempre.

Cortando a conversa, a garota da cabelos azuis se mostra otimista.

“Ah, vamos com calma, Kazuki-senpai! Nós podemos mudar isso com o tempo!”

Ah, se eu fosse você, eu não contaria muito com isso. Sinceramente, não seja tão otimista, você me deixa meio mal por respirar do seu lado. Você me deixa meio mal só de eu existir perto de você.

“Então, essa é minha vez, Shion-kun.”

De novo, não me chame pelo primeiro nome. Nós nem nos conhecemos. Pra falar a verdade, eu não gosto que nem mesmo minha mãe me chame de Shion e sempre falo pra ela me chamar de Kuraragi, então por favor, pare com isso.

“O-Ok...”

“Você falou que tinha saído da cena chiptune, então isso quer dizer que você já fez alguma coisa em 8 bits?”

“Ah, sim, eu publiquei umas 7 músicas e enjoei.”

“Como você fazia suas músicas?”

“Eu hackeei o NES '87 do meu pai, de forma que eu separei as duas square waves em um pino, a triangle wave, a noise wave e a DPCM em outro pino, formando dois outputs. Depois disso, eu consegui um terceiro output usando de um chip da Konami, que vem com outras duas square waves e uma sawtooth wave. Então eu protegi os chips usando de capacitadores de 1μf em 50 V, pra que não houvesse nenhum tipo de curto-circuito ou oscilação de energia quando eu plugasse um cabo. Aí fiz alguns ajustes pra poder usar de samples nos outputs e conseguir mais sons diferentes.”

Eu acho que essa foi a frase mais longa que eu já falei na vida. Sério, por que ela tinha que perguntar exatamente isso? Não tinham mais coisas de cunho social? Nada do tipo “por que você quer entrar no clube”, que nem aquele cara?

“Eu gostaria que ele entrasse no clube.”

Essa pessoa não estaria na minha lista de “gente que eu quero manter distância” caso ela não me chamasse pelo primeiro nome. Mas esse não é o caso, então eu quero distância de você, por favor.

"Minha vez, Kuraragi-san.”

Ah, sim, por favor, você começou bem. Sem intimidade nem nada. Assim que é bom.

“Acho que você já percebeu, mas aqui a gente não tem nenhum equipamento pra gravar música. Qual foi a sua primeira impressão do clube, em relação à sala e membros?”

“Me parece que vocês são mais um clube de degustação do que um clube de criação. Com relação aos membros, creio que não há nada digno de nota. Não pra mim, pelo menos.”

No exato momento em que eu falei que eles não são um clube de criação, eu percebi que um olhar desconfortável passou pelos olhos de todos os membros presentes. Então isso quer dizer que eles são um clube de criação? Vendo pelas perguntas, sim. Não teriam me perguntado sobre meus métodos de composição caso fosse o contrário.

“Ah, compreendo. Então, caso isso aqui fosse um clube de criação, qual seria o instrumento que você tocaria?”

“Qualquer um.”

Um olhar entediado me atingiu, e ele vinha de Hiyori Harumi, a garota que estava me questionando. Eu provavelmente passo a imagem e ideia de alguém que realmente não quer nada com aquele clube. E, pra falar a verdade, eu realmente não quero nada com eles.

“Por mim tanto faz se ele entrar ou não. Até porque, não é como se ele fizesse alguma diferença mesmo. Ele não vai compor nada, não vai participar de nada. Não vejo mal em aceitá-lo.”

Exatamente.

Eu não vou fazer nada mesmo, então qual o mal de eu entrar aqui só pra ninguém encher meu saco?

“Eu não tenho nada contra o Kuraragi-kun entrar no clube!”

Por último e menos importante, a garota de cabelos azuis. Ela parece ser o tipo de pessoa que gosta de ter muita gente por perto.

“Então, tá, Kuraragi Shion, classe 1-1, oficialmente entra por unanimidade de 3 contra 1 no Clube de Chiptune Music”

Ah, sim, que legal, que ótimo.

“Sabe, Shion-kun, aqui a gente tem uma banda que vai todo ano pro Blip Festa, que é o maior festival do Japão, com relação à cena chiptune.”

É, como eu esperava.

“Antes disso, vamos nos apresentar pra ele, Shiori-chan!”

“Asuka... Você não vai fazer aquilo de novo, vai?”

“Não... O que eu fiz ano passado?”

Ah, isso está me deixando meio assustado... Não gosto de coisas que tocam meu corpo ou que falam comigo.

Não gosto de pessoas, na verdade.

“Então, meu nome é Ayame Asuka, Shion-kun! Classe 2-3, tecladista. Ah, meu pseudônimo é Flush Rainbow!”

“Ah, eu sei que é um pouco estranho, mas eu sou a baterista, Fukukawa Shiori, classe 3-1. Tempo Rusher.”

“Mesma classe, guitarrista base, Kazuki Makoto. Pure Chords.”

“Você já me conhece, eu toco baixo. É vergonhoso, mas meu pseudônimo é Snow Groove.”

Como se eu me interessasse por seus nomes ou pelo o que vocês formam... E que pseudônimos ridículos são esses!? Por acaso vocês têm a síndrome da oitava série?

Quero dizer, eu nunca passei por isso porque... Nunca falei com ninguém na escola, mas eu me recordo de gente criando e falando coisas ridículas naquela época. Era engraçado de ver.

“A-Ah... Interessante... Enfim, e-eu já vou indo... E-Embora...”

Já na porta, eu estava essencialmente cansado disso tudo. Socializar é difícil, viver é difícil. Como eu queria poder fazer as coisas mentalmente... Ou não fazer nada mesmo, o que seria o ideal.

Não é que eu seja preguiçoso, eu só não gosto de ficar fora de casa. Quando eu falo que não vou fazer nada, significa que eu não vou fazer algo produtivo, de acordo com os padrões e dogmas sociais. Jogar MMORPGs, tocar ou compor alguma música, ler algum livro ou dormir são todas atividades vistas como desperdício de tempo. Mas não pra mim. Pra mim, esses são os momentos a serem protegidos na vida. Os momentos de felicidade.

Enquanto abria a maçaneta, eu peguei um papel de cadastro que estava em cima da mesa e guardei ele no meu bolso, mesmo que ele ficasse todo amassado.

“Ah, sim, Shion-kun! Qual era o seu nome na cena chiptune?”

“A-Ah... Sim... Acho que era Bit Wizard ou alguma coisa assim...”

Dito isso, saí daquela sala o mais rápido possível, e quando me dei por conta, já estava nos portões da escola. Essa maldita escola, o maior símbolo dos meus medos e ódios.

Uma otimista carente, uma cética incisiva, um pessimista sincero e uma pessoa neutra.

Uma reunião peculiar de pessoas. Falando a verdade, essas pessoas não deveriam se dar bem. De jeito nenhum. Eles são o completo oposto um do outro. Mas, o fator humano é algo impressionante, além de ser um fator irrefutavelmente odiável.

Quero dizer, as pessoas em si são odiáveis, mas eu não as odeio. Não particularmente, creio eu.

De qualquer forma, eu não tenho nada a ver com aquele grupo peculiar.

E assim, eu fui pra casa, desgastado e com poucas coisas em mente, o que era particularmente raro.


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