Chiptune Works! - Random Events escrita por Shirodan


Capítulo 3
Track 2 - Plans Collide




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/482932/chapter/3

Primeiros dias na vida sempre são complicados.

Quero dizer, o primeiro dia de vida de alguém sempre é meio estranho, porque você sai do útero de sua mãe, onde era quentinho e úmido (em um bom sentido, é claro, mães são sagradas) e você recebia sustento de graça e não fazia nada além de fazer nada. Aí você nasce e a merda começa, tem que começar a se alimentar por meio externo, a luz do mundo é forte demais e às vezes simplesmente não se está preparado pra sobreviver aqui.

Aí, você tem o primeiro dia em que você largará dos peitos da mãe e terá que tomar as coisas por uma mamadeira e eventualmente por um copo. Quero dizer, você trocará algo macio e quentinho (de novo, em um bom sentido, mães são sagradas) por algo essencialmente duro e quente demais ou frio demais. E depois, com os copos, tudo fica frio e sem sentimento.

Uns anos depois, você vai ter o primeiro dia de escola, onde você apanhará muito, será tirado do centro do seu mundo, e terá que aprender sobre a realidade terrível que é a responsabilidade. Será cobrado dia após dia por resultados e comportamentos melhores, e isso jamais parará. As pessoas serão essencialmente frias com você, mesmo mostrando um calor humano supostamente inigualável.

E tudo piora com o primeiro dia de ensino médio, que é onde eu estou. Se as cobranças eram supostamente grandes, agora elas são massivas e só tendem a aumentar. Sinceramente, eu tenho medo de ver como será meu ensino médio, apesar de já ter uma boa noção de como vai ser. Um eterno cinza, sempre no meio das coisas mas nunca realmente envolvido com nada, um daqueles caras que só vão pra escola porque são obrigados a ir, não porque gostam de ir.

Enfim, cá estou eu, no portão da escola, cujo nome é Colégio Teikoku. Sinceramente, eu não quero nada disso pra mim. Até porque, expectativas e responsabilidades são coisas que não fazem e não farão parte do meu vocabulário.

Mas, eu ainda não respondo pelas minhas próprias ações na sociedade, então eu tenho que entrar e sair daqui todos os dias pelos próximos três anos da minha vida. Não é como se eu pudesse causar problemas à minha mãe, eu me sentiria mal por isso.

Ainda é muito cedo pra eu me tornar um hiki-NEET.

De um jeito ou outro, eu acabo entrando na escola.

Obviamente, eu não consigo achar meu nome no meio de vários outros nomes. Essas pessoas todas juntas, lamentando ou comemorando porque ficaram na mesma sala me irritam e ao mesmo tempo me acalmam muito. Isso é, meu estilo de vida continuaria, sendo isso bom ou não.

Após alguns minutos, eu acho meu nome.. Aparentemente, eu estava na turma 1-1, sala 201 do complexo 1.

Parece que essa escola também tem fundamental II no complexo 2. Então não será raro ver garotinhas de 12, 13 anos por aqui. Não que isso mude alguma coisa pra mim, de qualquer forma.

De acordo com a carta de admissão que recebi há uns meses, era pra nós irmos direto ao ginásio pra ouvir os discursos do diretor, do presidente do conselho estudantil e do representante dos calouros, respectivamente.

E foi isso que fiz, enquanto limpava minha mente de pensamentos que só fariam com que eu me enfastiasse mais e mais enquanto ouvia os discursos dos outros, via as apresentações dos professores e bruscamente rejeitava as ofertas de entrada em clubes.

Me sentando em um dos lugares que foram indicados aos calouros, eu me preencho de tédio e insatisfação com o lugar selecionado para as pessoas do primeiro ano. Quero dizer, era bem na frente. Eu gosto de sentar no meio porque ninguém presta atenção no meio de um auditório ou sala. Os alunos perfeitos na frente e os casos perdidos atrás chamam toda a atenção, o que permite com que eu leve uma vida tranquila e feliz ao sentar no meio.

Enquanto eu estava distraído, olhando pra alguma coisa e não olhando pra nada ao mesmo tempo, o ginásio foi se lotando. Um grupo de cinco garotas estava com os olhos fixados em mim que chegava a ser nojento. Por que, exatamente?

Ah sim, tinham quatro lugares vagos à minha direita e à minha esquerda, tinha um lugar vago. Era mais do que óbvio que elas queriam me deixar incomodado pra que eu fosse um lugar à esquerda e deixasse as amiguinhas se sentarem juntas.

Mas eu não sou uma boa pessoa. Também não diria que sou uma má pessoa. Se for pra dizer o que eu sou, é mais fácil dizer que eu sou uma pessoa.

Claro, eu fingi que não vi elas ali e foquei meus olhos no palco. Elas não falaram nada, mas provavelmente foi por causa da minha atitude. Talvez elas sentissem raiva ou até mesmo pena de mim.

Não que isso me interessasse, é claro.

Então, uma delas foi separada do grupo e se sentou ao meu lado esquerdo, enquanto as outras se sentaram juntas à minha direita.

O comportamento humano nessas situações é interessante, no mínimo. Quero dizer, em situações onde a exclusão de alguém é inevitável, sempre haverá o sacrifício da maioria. A pessoa menos popular, menos bonita ou menos legal sempre será excluída “pelo bem do grupo”. Eu, que passo meus dias observando os outros, sei disso melhor do que ninguém.

Até porque, houve uma época em que eu tentei entender as pessoas, e isso me deu um conhecimento razoável pra analisar situações que não me envolvem.

Neste exato momento, a garota que foi excluída deve estar morrendo de raiva de mim, porque mesmo que ela tenha sido excluída pelas outras, eu fui o catalisador pra que tal coisa acontecesse.

Pode vir, eu aceito o seu ódio com todo o prazer.

Então as luzes do ginásio se apagaram e só o palco se manteve iluminado.

O diretor foi até o pequeno palanque posto no meio do palco e começou seu discurso. Coisas clássicas como “vamos nos esforçar juntos esse ano/que esse ano seja cheio de bons momentos/outras coisas clássicas que os diretores falam, incluindo bullying e variantes”. Mas, apesar disso, esse homem, Takarou Wataru, não parecia especialmente empolgado e nem um pouco enfático ao falar sobre ordens. Algo sobre ele me passa a impressão de que ele não queria estar ali, na posição de diretor.

Enfim, logo após isso, foi a vez da presidente do conselho estudantil, Watase Asagi, fazer seu discurso. Ela era bonitinha, até, pena que tinha peitos pequenos. Mas usava óculos, assim como eu, então ganha mais uns pontinhos comigo.

Não que isso fizesse diferença pra mim ou pra ela.

“Então, gente, bom dia e bom retorno de férias. Eu sou a presidente do conselho estudantil do Colégio Teikoku, Watase Asagi. Espero que cooperemos e que nos relacionemos bem. Como nosso diretor, Takarou-sensei já disse, é fundamental que o bom comportamento seja preservado durante o ano, assim como o bom senso com relação às pessoas em geral. Excluir alguém por motivos bobos é tratado como transgressão às regras aqui na escola, então tentem ter bons relacionamentos com os outros. Finalizando, espero que tenhamos um bom ano de estudos, e esperançosamente, espero que muitas boas memórias sejam formadas! Ah sim, só um recadinho antes de a representante dos calouros tenha seu discurso: todos os calouros serão obrigados a entrarem em um clube. Pois bem, Hiyori-san.”

Eu não conseguia acreditar nos meus ouvidos. Eu teria que participar de um clube. Claro, é só eu criar um clube e não aceitar ninguém nele que eu me safo de meus temores, mas... Ainda assim, não compreendo o motivo de se forçar a criação de relacionamentos num lugar que é feito pros estudos e pros estudos somente.

Claro, eu não me vejo como participante disso, mas geralmente, as pessoas querem se dar bem na vida. Então, pra quê perder tempo com atividades de clube enquanto se pode estudar?

Eu repito, eu não me aplico à nada disso, porque tudo o que eu faço é voltar pra casa e compor sei lá o que eu estiver com vontade de tocar na hora. Já tive interesse em entrar em um clube de música, mas nunca deu muito certo, porque sempre queriam fazer encontros dos membros da banda e socializar. Então eu sempre acabava saindo do clube. Clube de música clássica, clube de jazz, clube de música leve... Tudo isso destruiu meus sonhos de fazer parte de tocar com outras pessoas, então eu aprendi a tocar percussão, sopro, teclas e cordas, pra poder gravar as linhas separadamente e ser uma banda de um homem só.

Não que isso interesse aos outros, na verdade.

Bem, eu já sei o que fazer aqui. Vou criar um “Clube de Chiptune Music”. Sabe há um ano atrás, mais ou menos, eu hackeei um NES e um GameBoy de forma que eu pudesse fazer música com eles, e publiquei algumas coisas num site de vídeos, mas nunca dei muita bola. Achava interessante, mas logo depois de uns meses, eu descobri uma vertente de Avant-Garde que tinha algumas influências de Free Jazz e fiquei meio vidrado naquilo.

Enfim, pelo o que eu sei, é muito difícil alguém gostar de chiptune, então vai ser bem tranquilo, ninguém vai querer entrar no clube e eu vou poder tocar minhas músicas em paz. Dois coelhos numa cajadada só!

E, com isso em mente, eu volto à realidade, onde eu vi uma garota de seios mediamente fartos, e altura boazinha também. Só tinha uma coisa nela que me irritava um pouquinho, e essa coisa se chama “ela pinta o cabelo de branco”. No mais, ela era menos pior que aquela presidente de conselho estudantil.

O discurso dela foi bem clichê, como é esperado. Foi uma reciclagem dos discursos anteriores com “por favor, cuidem nós, senpais!”.

Após o discurso da representante dos calouros, todos se dirigiram às suas respectivas salas.

Eu escolhi um lugar de costume, lá pelo meio da sala, e do meu lado a garota de cabelos brancos, representante dos calouros, Hiyori Harumi, estava sentada. Obviamente, eu nem prestei atenção nela, até porque, eu não gostaria que alguém que nem me conhece viesse falar comigo.

Falando a verdade, nem mesmo pessoas que me conhecem podem falar comigo sem eu me enfastiar. É complicado pros outros, eu acho. Ou talvez eles só tentem falar comigo por obrigação ou pena. Que nem minha irmã e minha mãe.

Praticamente todos os meus professores me foram apresentados hoje, o que é bom, poupa tempo pra depois. Mesmo que eu “desperdice” esse tempo depois, eu não gosto de pensar que meu tempo limitado está sendo usado de forma burra e mecânica. Mesmo que eu não faça parte dessa sociedade.

O nosso professor de Japonês parecia ser sério, um homem de palavras escassas e objetivas. Diferente do nosso professor de Humanas, que parecia um tanto desleixado com as coisas, inclusive com o excesso de palavras dele.

O professor de Matemática simplesmente escreveu o nome dele no quadro negro, bem como as regras a serem obedecidas durante a aula dele e então foi buscar café. O professor de Ciências da Natureza parecia um velho ranzinza, porque só de ver um garoto e uma garota olhando um pro outro, ele deu um berro que me deixou mais enfastiado ainda. Uma proeza difícil de se atingir, meus parabéns, Iwata-sensei.

O professor de Inglês me pareceu um pouco estranho, como se ele fosse um antigo delinquente. Acho que foi o topete dele que deixou essa impressão, mas cada um tem seus gostos, eu acho.

E, por último mas não menos importante, o professor de Educação Física. Minha definição pra ele é pedófilo, dava pra sentir ele tirando as saias das garotas mentalmente. Essencialmente tarado, ainda vejo ele fazendo elas vestirem bloomers e coisas do tipo. Nojento, sinceramente.

Eu espero do fundo do meu coração que ele não goste de garotos também, porque seria muito ruim algo como ele me tarando. Falando a verdade, me incomodaria de ver ele tarando qualquer pessoa nesse mundo, porque ele é um velho nojento que deve ler revistas eróticas encobertas por jornais em parques onde inocentes e belas crianças brincam diariamente.

Enfim, as aulas finalmente acabaram, então eu fui até a sala dos professores pra criar meu novo clube, só que...

Primeiro: são necessários 5 membros oficiais no clube pra que ele seja de fato criado.

Segundo: o Clube de Chiptune Music já existe.

Após isso, eu fui até o telhado pra pensar nas minhas opções.

Sim, eu preciso entrar em um clube ou eu entraria em problemas com a política da escola, e isso é ruim, se eu estiver sozinho nisso. Porém, creio que pra você chegar a gostar de chiptune, é necessário ser meio estranho e recluso dos dogmas sociais. Não tanto quanto eu, mas pelo menos um pouco.

Até porque, a música em 8 bits é meio estranha na primeira vez. Estranha de todos os jeitos, dá vontade de ouvir mais e vontade de parar de ouvir ao mesmo tempo. Você sente uma nostalgia e o saudosismo bate forte nas portas da sua vida e isso é bom e ruim.

Enfim, acho bom formar um pacto com as pessoas desse clube. Algo do tipo, “só põe meu nome aí e eu não encho o saco de vocês”.

Até porque, provavelmente, eles não devem fazer música. Os procedimentos são meio complicadinhos, envolve conhecer o hardware do console usado e manuais são raros nos dias de hoje. E precisa de uma manutenção semanal que é meio chatinha, também.

Me direciono ao lugar onde me foi indicado pra ir.

E, com várias e incontáveis coisas em mente, eu me encontro na frente da sala do Clube de Chiptune Music.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Chiptune Works! - Random Events" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.