Chiptune Works! - Random Events escrita por Shirodan


Capítulo 14
Track 13 - Paths Collide




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Pensando bem, as pessoas não mudam. A visão de mundo de uma pessoa é imutável pelo fato de que a realidade é uma só, para mim e pra você. Quando um mundo é imutável, uma circunstância é imutável e, portanto, uma realidade, opinião e visão de mundo, serão imutáveis. Apesar de que isso é relativo, porque o que uma pessoa vê como realidade é relativo. Não que esse tipo de coisa tome muito espaço ou tempo dentro na minha mente, é claro.

Por ser relativo, se torna filosófico. Por ser filosófico, se torna teórico. Por ser teórico, se torna completamente inútil, de uma perspectiva realista, que analisa os fatos e somente os fatos. Claro, as intenções de uma pessoa por trás de um ato são importante, mas não mais importantes que o ato em si.

Se alguém mata outra pessoa em legítima defesa, essa pessoa será livre de culpa? Quero dizer, mesmo se a justiça absolver essa pessoa do crime de homicídio doloso ou culposo, essa pessoa vai se sentir mal, vai se sentir culpada pelo resto da vida. Afinal de contas, essa pessoa matou alguém, sendo esse alguém bondoso ou maldoso.

Mas, enfim, o que eu quero dizer aqui é que por mais que a garota chamada Ayame Asuka tenha me convencido à tocar junto com ela e a banda dela, não é como se eu fosse me tornar em uma pessoa alegre, divertida e que se preocupa com os outros do dia pra noite. Falando a verdade, não é como se eu fosse me tornar esse monte de lixo e baboseira em algum dia da minha vida. Existem pessoas como Ayame Asuka, extremamente otimistas e positivas; existem pessoas como Harumi Hiyori, que compõem a maior parte da população, por se deixarem levar ou por não ligarem pra nada e só ir com a maré e existem pessoas como eu, Kuraragi Shion, que são pessimistas ou negativas, não ligam pra nada e estacionam na vida. Infelizmente, eu preciso de todos para existir. Das pessoas quentes, mornas e frias. Porque sem elas, eu não seria caracterizado como alguém frio ou negativo ou sei lá o que. Aquela coisa de “sem a escuridão, a luz não existe e vice-versa”.

Obviamente, não é como se minha existência enquanto organismo dependa de alguém. É mais como se a minha pessoa, socialmente, não existisse sem essas pessoas. Novamente, não é como se eu ligasse se eu existo ou não nessa sociedade. O mundo deveria ter acabado antes de eu ter nascido. Sério.

Neste exato momento, meu arrependimento é muito grande. Em contrapartida, meu orgulho e vergonha são grandes demais pra eu dar ouvidos ao meu arrependimento. Sabe, quando você compra um doce caro e ele está ruim, aí você se sente obrigado a comer ele? Então, esse é o sentimento que se passa pelas profundezas do meu coração, nesse exato momento.

Quero dizer, eu estou correndo de bicicleta, com uma garota segurando dois cases com guitarras e uma sacola na minha garupa. Essa situação é estranha demais, não só pra mim mas pra todos que nos veem. Eu nunca faço educação física. Eu nunca subo escadas. Eu ando exatos 648 metros diários, da minha casa até a escola, ida e volta. Eu passo meus dias sentado ou deitado.

Eu só sei andar de bicicleta porque minha mãe me forçou a aprender, quando eu tinha 8 anos. Naquela época, ela tinha uma ânsia em querer me ver como um garoto normal... Essa ânsia se tornou em desapontamento, desde que eu falei pra ela, em meus meros 11 anos de vida, que planejava não trabalhar, estudar ou fazer qualquer coisa problemática assim e que ela não precisava se preocupar comigo, só me dar duas refeições diárias e pagar a conta de eletricidade. Desde aquele dia, minha mãe mudou completamente. Começou a tomar antidepressivos e a tomar bebidas alcoólicas destiladas em casa. Sinceramente, eu acho que em alguns anos, essa mulher vai ter cirrose. Não que isso me importe de qualquer forma, é claro.

Enfim, da minha casa, em Ikebukuro, até o estúdio, em Shinjuku, existem penosos 3 quilômetros e mais alguns metros. Isso é o que eu ando em uma semana inteira, pelo amor de Deus! E andar de bicicleta com uma garota na garupa não é legal, como todos os caras falam uns pros outros. Você só tem mais peso pra carregar. Claro, prefiro que seja uma garota ao invés de um garoto. Eu posso ser um antissocial ou qualquer coisa assim, mas eu não curto esse tipo de coisa não.

De qualquer forma, eu realmente não quero fazer isso. Andar o que eu ando em duas semanas em apenas um dia e ter que ir naquele estúdio. Do fundo do meu coração, eu sei que isso não vai dar em algo bom. Não é como se eu conseguisse explicar racionalmente, é só um sentimento impossível de ignorar que eu tenho, aqui no meu peito. Eu geralmente descarto coisas como instintos ou premonições, mas essa em especial não se mostra como algo descartável. É como se esse sentimento, esse frio na barriga, essa vontade de voltar pra casa agora fosse completamente racional. Mas não é. Infelizmente, não é.

Infelizmente, também, é a questão de que eu estou completamente consciente de que eu não terei coragem de manchar meu orgulho ao voltar para casa. Quero dizer, eu saí todo animado de casa, como uma criança que sabe que vai ganhar alguma coisa e espera que seja algo incrível, mas aí se lembra da condição financeira dos pais e sente vontade de voltar pra casa, mas aí se lembra de que isso machucaria os sentimentos dos pais ou que ela realmente não pode andar sozinha na rua. Eu estou exatamente nessa situação. Nessa situação lamentável e triste.

Por estar distraído enquanto pensava nessas coisas, eu acabei por não ver o desnivelamento e o buraco à minha frente e acabei por não diminuir a velocidade.

Ao passar pelo buraco, minha bicicleta deu um pulo, que em outras circunstâncias não seria nada, mas tinha uma ladeira logo abaixo de nós, o que faz a aterrissagem ser ruim e eu perder o equilíbrio. Olhando pra trás, eu vejo a seguinte cena: Ayame Asuka, enquanto levava um susto, pôs sua mão na boca e perde o equilíbrio. Minhas guitarras, NES e partituras estão no colo dela, e eles estavam sendo segurados pela mão dela. Mas, como a mão dela não está sobre essas frações da minha vida, os mesmos começam a cair, junto com ela.

Então, quem eu salvo aqui? Minhas guitarras, NES e partituras, que são bens materiais e que podem ser repostos, reescritos e modificados novamente ou Ayame Asuka, uma bela garota que é levemente pior que eu no piano e que é uma pessoa animada e prestativa, que pode se machucar, ou até mesmo bater a cabeça e morrer?

Acho que a resposta aqui é óbvia.

Que essa mulher morra, eu não quero que minhas guitarras, NES e partituras se machuquem de forma alguma. Meus instrumentos musicais são muito mais importantes que as pessoas porque eles não têm olhos ou mente, eles simplesmente me obedecem e me fazem companhia todos os dias. Por quais motivos eu, Kuraragi Shion, salvaria aquela mulher? Sim, exatamente, por nenhum motivo, logo, eu não o farei. Ela que esfole essa carinha média-bonita no chão, o problema não é meu.

Além do mais, essas guitarras juntas custaram exatamente 1.093.200 ienes. E elas durarão por toda uma vida, além de serem bem cumulativos, que quão mais velhas ficam, mais lucro terei. Mas não é como se eu fosse vende-las. Duas horas com uma prostituta de luxo custam 22.000 ienes, de acordo com o Takahara da minha sala. E, de acordo com o Takashi, amigo do Takahara, com uma prostituta, você também tem a chance de pegar alguma doença sexualmente transmissível, então é um mal negócio.

Então, a vida de uma mulher custa 22.000 ienes e as minhas guitarras custam 1.093.200 ienes. E mesmo que a vida de uma mulher custasse mais, isso também só quer dizer que eu terei despesas desnecessárias, como o sustento dela, por exemplo.

E, pra fechar minha série de motivos para não salvar Ayame Asuka dessa situação, eu não quero que ela se sinta endividada comigo. Gente como ela é perigosa, porque uma vez que você é gentil ou ajuda elas, essas pessoas sempre acharão que podem contar com você e se aproximam de você. E essa é uma das muitas coisas que eu não quero nesse mundo.

Enquanto minhas guitarras caíam, eu as acudi, ajeitando-as no colo de Ayame Asuka, que estava caindo. Eu estendo minha mão para pegar as guitarras, mas o que eu acabo por pegar é bem diferente das alças dos cases. É quente, suado e me aperta firme. É a mão de Ayame Asuka.

Eu viro meu torso completamente pra trás pra ver como estão minhas coisas e por sorte essa mulher se lembrou de segurar essas coisas firme. Graças a Deus. Como o torso dela estava quase indo ao chão, as minhas coisas estavam indo ao chão, o que me faz tomar uma atitude meio drástica. Eu puxo ela até uma posição onde ela consiga se equilibrar, e então minhas coisas ficarão bem.

Estava tudo indo bem, eu estava quase reganhando meu equilíbrio e o fim da ladeira já estava próximo, até que ela, com as minhas coisas bem firmes entre os braços e o colo, graças a Deus, se segura em meu torso. Quero dizer, que tipo de situação é essa? Você já está bem, mulher, me largue, pelo santo amor de Deus.

Já em piso plano, eu freio minha bicicleta e saio da mesma, tirando os braços dela de mim. Eu me encosto em um muro e dou uma respirada, tiro minha jaqueta que eu peguei na porta de casa e tenho um raro momento de prazer fora de casa, com a brisa leve que vinha de algum lugar e ia para qualquer lugar.

Ayame Asuka, que ainda está sentada na bicicleta, começa a conversação que eu sempre temi ter.

“O-Obrigada por me salvar, Shion-kun...”

“...”

“Eu estava com muito medo ali...”

“Nem começa. Isso aí foi erro meu, então fique quieta.”

Sinceramente, eu acho que ela vai interpretar isso de uma forma que eu nem imagino. Quero dizer, o que eu quero dizer é “cale a boca, piranha”. O que ela quer ouvir é “eu te salvei porque blablabla”.

“M-Mas você quase perdeu suas guitarras, seu NES por causa disso...”

“É, mas eu não perdi. De qualquer forma, vamos isso.”

Assim que eu montei na bicicleta e comecei a pedalar, Ayame Asuka se apoiou no meu corpo. Quando eu percebi que ela ia falar alguma coisa, eu dei um bocejo alto que a calou, e então o confortável e lindo silencio tomou conta da situação.

Sinceramente, eu não tenho como tirar meu corpo dessa posição. Ela perderia o equilíbrio e as minhas coisas se arruinariam. Que que eu fiz pra merece um pé no saco tão grande como essa garota? A vida é realmente cruel, sabia?

E assim, com Ayame Asuka apoiando seu corpo completamente no meu, comigo pedalando e andando o suficiente para duas semanas em um dia e comigo em um desconforto inacreditável por conta do contato físico com essa mulher, eu fui em direção ao estúdio em Shinjuku, onde mais desse doce até demais e horrendo inferno poderia e seria encontrado.

Eu realmente atingi o fundo do poço, não?


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