Chiptune Works! - Random Events escrita por Shirodan


Capítulo 12
Track 11 - Fugues Collide I




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As fugas são a grande maravilha da humanidade. Não só as musicais mas como as dissociativas e as psicogênicas. Você ter a oportunidade de escapar do que te fez entrar nesse estado é maravilhoso, bem como a possibilidade de formar uma nova personalidade ou até mesmo de escapar da sua realidade que é como um pântano nefasto e desconfortável.

Claro, o estresse será grande, bem como o perigo pelo qual você passará. Mas eu não veria isso como uma coisa ruim no final das contas. Muito pelo contrário, eu veria como uma coisa boa. Se a sua situação está ruim o suficiente pra você querer escapar disso de qualquer modo, é melhor que você realmente escape disso. Uma realidade inexistente é muito melhor que uma realidade triste e cruel.

Acho que isso é meio barroco, mas isso pouco me importa. Não é como se eu estivesse falando isso pra alguém em uma situação ruim. E mesmo se eu estivesse, não é como se a morte de alguém me importasse. Muito pelo contrário, é mais como se eu me sentisse bem em livrar alguém se seu sofrimento nesse mundo podre, cheio de sanguessugas e vermes sociais. Até porque, eu espero que alguém faça isso comigo, me livre desse peso nas costas.

Não que eu me importe com isso, de qualquer forma. Minha alma já morreu há muito tempo, eu acho. Ou alguma coisa assim. Não que eu me importe com isso, é claro.

Eu sempre achei que se eu fosse um compositor barroco, eu seria Vivaldi. Mas agora eu vejo que não, eu não seria Vivaldi, e sim Bach.

Johann Sebastian Bach e suas tocatas, prelúdios, cânones e, especialmente, suas fugas. As maravilhosas, lúgubres e trágicas fugas de Bach.

É exatamente disso que eu preciso. Não de uma fuga, mas sim de a fuga.

Fantasia e Fuga em Sol Menor, BWV 542. Ou, melhor dizendo, “A Grande Fuga em Sol Menor”.

“Um céu nublado, a chuva cai forte. A mão da mãe morte está sobre todos nós, apenas esperando o mais propício momento para passar a fria e antipática lâmina da foice na linha de nossas vidas. O cessar da existência de um põe em questão a continuação da existência de outros, que percebem o quão frágil tudo nessa realidade é. A esperança vaga pelo meio fio e é esmagada pelo desespero, mais denso e mais físico que nunca. Essa é a Fantasia de Bach.

Um charlatão em um bar, vendendo o elixir da imortalidade. A eterna busca pela imortalidade, onde a vitalidade se torna em morte, eventualmente. Uma rua que é pavimentada aos poucos, uma estátua que é lapidada aos poucos, uma obra que é composta aos poucos. Uma fuga que originalmente seguia essa rua pavimentada, mas que hoje corre livre e solta pelos campos da liberdade, que é utópica. E as mãos da morte nunca estiveram tão próximas de nós, com aquela doce e forte harmonia. Uma vida que vai em ciclos, em círculos. Um esquema, um padrão frenético que aparentemente nunca acaba, assim como aqueles acordes e escalas que fazem a vida parecer uma grande e louca valsa. As flores e a vida do campo morrem lentamente, enquanto a melancolia e depressão imperam por lugares onde a utopia fora instaurada e a negatividade era inexistente. E por fim, você se vê de novo naquele cenário cujo céu era nublado. Essa é a Fuga de Bach.”

Infelizmente, nem essa, nem nenhuma outra fuga pode se tornar a minha. No dia em que eu compor a minha fuga, eu morrerei. E eu ainda não posso morrer. Não, eu não posso morrer até o dia em que eu me reencontrar com aquela pessoa. A única pessoa que consegue me acompanhar no piano.

Não, eu não sei o nome dela, nem me lembro de seu rosto, só lembro que era uma garota. Afinal de contas, isso já deve fazer uns oito ou nove anos.

Eu não preciso de mais ninguém nesse mundo. Eu e a música, juntos para sempre. Esse mundo que apodreça, esse mundo que se exploda. Eu não ligo.

Por isso, me contento em tocar e vivenciar as fugas de outras pessoas. Porque a minha única e verdadeira fuga é a morte. Porque, vamos falar a verdade, eu já saí desse mundo há muito tempo, e isso significa que eu não tenho para onde ou de onde fugir.

E talvez seja por isso que eu esteja com uma vontade imensa de tocar aquela obra.

Uma tola e vã tentativa de reencontrar um parceiro para minhas loucuras, esquisitices e fugas.

Uma tola e vã tentativa de voltar à realidade da qual eu estava tão separado e distanciado.

Um desesperado e ainda assim gracioso pedido por ajuda.


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