Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 22
Criaturas Errantes


Notas iniciais do capítulo

"Livremente servimos,
Porque livremente amamos, conforme nosso arbítrio
De amar ou não; assim nos erguemos ou caímos".

Cassandra Clare



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Enquanto amaldiçoava o tamanho dos próprios pés e porque eles não podiam ser mais rápidos, Clary subia a escada em espiral da casa grandiosamente luxuosa de Magnus. Sentia-se uma vadia por ter abandonado o homem que salvou sua vida para sangrar no calçamento, mas sabia que deveria fazer o que ele pedira a ela e, consequentemente, fazer o que seu coração mais queria.

Impedir Sebastian.

Ver Sebastian.

Não podia deixar que Alexander Lightwood, o jovem inocente que Magnus a fez jurar que protegeria, à mercê do irmão que ela sabia que estava fora de si. Também não suportaria ver Sebastian matando alguém. De novo.

Uma coisa era correta afirmar; os dois estavam naquela casa.

Lutou para ser mais rápida, as mãos tomando impulso no corrimão frio daquelas escadas que não acabavam. Ouvia barulhos, mais próximos. A voz de Sebastian gritando, com uma raiva explosiva, a voz de Alec respondendo-o e tentando controlar a situação, os passos dela mais rápidos e sua respiração mais densa.

Clary se guiou pelo som, dobrando mil portas e passando por inúmeros corredores. A casa de Magnus parecia ser mágica, julgando que era muito maior por dentro do que se via por fora - mas Clary afastou o pensamento com amargura, pois não era mais criança para pensar em magia.

Foi quando finalmente achou.

Passou por um quarto cujas portas duplas e incrivelmente grandes estavam escancaradas, da onde um vento gélido vinha das janelas e mostrava a alma fria e assassina daquela noite londrina. Com os cabelos vermelhos voando, Clary entrou silenciosamente do quarto que deveria ser de Magnus.

Seu coração gelou como a brisa.

Alec Lightwood pairava numa poça do próprio sangue, imóvel, com o rosto mais pálido que mármore e olhos azuis como safiras perdendo o brilho de uma pedra preciosa. O moribundo melhor amigo de Jace encontrou o olhar dela e Clary poderia até adivinhar o que se passava naquela mente confusa.

Seria Magnus? Que tanto implorou para que ela salvasse o rapaz? Com aquele desespero e aquela angústia infinitos que ela só entendia por sentir o mesmo em relação a Sebastian, desde muito pequena, e por Jace num certo período de sua vida?

Sebastian estava de pé. O cabelo branco-prateado refletia o luar e movia-se com o vento frio, os olhos negros fitavam o corpo de Alec banhando-se em vermelho e as mãos pressionavam uma adaga prateada como se fosse quebrá-la.

Clary conteve o grito e segurou o choro.

Então ele olhou para ela. Os olhos parecendo pedaços negros de um vidro prestes a se partir.

– Clarissa - sussurrou como se respirasse uma prece, ou como se chorasse o nome de uma Deusa. Ela ouviu seu nome nos lábios dele, onde sempre achou que deveriam estar, e sentiu medo e tristeza e uma súbita vontade de tomá-lo nos braços e dizer que o pesadelo havia acabado (como ele já fizera com ela).

– Sebastian - ela engasgou com seu nome, não de uma forma sagrada e deliciosa, do jeito que havia feito na noite anterior; mas com receio, angústia - o que você fez?

– Ele viu, Clary... - lágrimas prateadas brotaram dos olhos do garoto - viu o que fiz com Magnus... E só fiz o que fiz com Magnus... Eu... Eu não sei... Precisava de abrigo... Para nós...

– E não o matou porque ele não o ajudou? - ela se sentiu amarga e raivosa - ele tem medo de você, Sebastian... Aliás...

– Todos têm? - ele completou. Sua voz saiu com amargura, melancolia e com a sonoridade de quem tem o coração partido aos pedaços. Clary se arrependeu do que dissera. Então olhou para Alec. Quantos teriam o coração despedaçado por causa daquela morte?

Ela, porém, optou pelo silêncio.

Sebastian continuou.

– Todos me vêm como um monstro - falou, aproximando-se dela - não é? Você, Jace, mamãe, os Lightwood... Todos. Não importa o que eu faça ou diga. Não importa quantas vezes eu sussurre que te amo, esse meu lado sombrio sempre vai existir e ele vai ser o bastante para atrair o ódio de todos. O problema é que tudo o que eu pedi para que ele fosse domado, era que alguém sussurrasse um "eu te amo" de volta.

Clary olhou para ele; os olhos verdes marejados.

– Eu te amo - ela falou - não é o suficiente?

– Até você me vê como um monstro.

– Talvez não visse se você parasse de fazer coisas como essa!

– Eu sou o que me fizeram - rosnou e apontou a lâmina na direção dela que, mesmo distante, era assustadora - eu sou o que Valentim me fez, e por anos era só isso o que eu sabia ser. Como espera que eu "pare" com isso?

Ela ficou quieta.

Olhou para seus olhos escuros, cheios de raiva mortífera.

Olhou para o brilho na lâmina de prata, suja de vermelho.

– Comece abaixando isso - disse, por fim.

A expressão de Sebastian passou de tempestuosa e ardendo em raiva infernal para confusa e embaralhada. Os olhos eram nublados e olhavam para o rosto da própria Clary como se, pela primeira vez, notasse que se tratava da irmã ali. Como se, finalmente, a reconhecesse.

A adaga caiu de sua mão.

Clary observou todo o trajeto da lâmina de prata até o chão, como uma estrela cadente.

Morgestern.

Estrela da Manhã, numa tradução literal.

– Você é minha irmã caçula - sussurrou, olhando a adaga jogada ao chão como se conversasse com ela - como sinto isso por você? Como você sente isso por mim?

– Somos criaturas errantes - ela explicou, observando o irmão como quem vê a um anjo caído - e somos livres para amarmos a quem quisermos. Até mesmo quando não sabemos a quem amar. Eu nunca soube a quem amar. Acho que sei agora. E não ligo se isso me condena.

– Você estava melhor com Jace... - Sebastian falou com amargura.

E Clary estava pronta para negar com absoluta convicção.

Mas uma voz surgiu, intrusa.

– Nisso concordamos.

Virando o rosto, Clary viu Jonathan - quem menos esperava. Os cabelos dourados estavam pálidos e apagados, o rosto era o retrato da tortura da alma e os olhos cor de âmbar passaram do melhor amigo morto para os irmãos adotivos. Sua expressão tomou um rumo rápido e se tornou ódio puro.

– Vejo que vocês dois são os melhores em trocar juras de amor sobre cadáveres - rosnou.

– Jace, nós... - Clary começou, encurralada.

Mas o olhar dele para ela foi de repulsa. E apenas isso.

Nenhum resquício daquele brilho anterior, que só ela alcançava.

– Acho que você já falou o bastante, Clarissa.

– E você também, Jonathan - Sebastian deu um passo na direção do irmão - não cansa de arruinar a vida dos outros?

– Acaba de citar as próprias habilidades, caro irmão, e atribuí-las a mim.

Um meio sorriso irônico rasgou-se no rosto do Morgestern mais velho e uma sombra passou por seus olhos negros.

– Quer falar de habilidades, Jace? Como minha habilidade em satisfazer a única mulher que você amou? A mulher que é sangue do meu sangue, e que nunca pertencerá a você.

Jace trincou os dentes e seus punhos cerraram. Clary, de repente, perdeu a capacidade de falar.

– Cale-se, seu bastardo - Jace pediu com uma voz rouca e pouco controlada.

– Eu a satisfiz na cama de uma forma que você nunca vai fazer, irmãozinho. Acho que você sabe disso, não sabe? Você provavelmente nos ouviu.

Dessa vez, foi Clary quem gritou.

– CHEGA! - olhou de Jace para Sebastian com angústia - isso não vai acabar nunca?

– Sebastian pediu por isso... E você também, Clary! A Scottland Yard estará aqui em poucos segundos, prontos para condená-los por assassinato e traição. Terão o que merecem por serem tão...

– Tão invejados por você, seu pedaço de merda? - Sebastian disparou, com raiva.

E então o som de uma porta sendo destruída. Milhões de passos altos e que ecoavam nas escadas e por todo o chão da casa de Magnus Bane. Clary já sabia do que se tratava e, de repente, sentiu um gelo no coração com a compreensão que vinha tão próxima dela quanto seu destino.

Sem pensar, correu. Atravessou o quarto até Sebastian. Agarrou a adaga de prata no chão e jogou-se contra o corpo ereto e estático do irmão mais velho, que envolveu seus braços em torno dela como se pudesse protegê-la com o próprio corpo.

Jace gritou alguma coisa. Algo sobre ela ser imunda, algo sobre ser tarde demais.

Ela sentiu Sebastian responder. Com o rosto em seu coração ela sentiu algum palavrão saindo de seu pulmão como o ar de ódio que sentia pelo irmão dos dois. O coração bombeava forte e era o único som que realmente atraía a atenção de Clary. O som do coração que sempre batia em sintonia com o seu parecia o único; sem a voz de homens pela casa vitoriana do curandeiro, sem a voz de Jace gritando que tudo acabaria, sem mesmo aquele vento incrivelmente frio que sussurrava nos ouvidos dela desde que saíra daquela estalagem.

– Clarissa e Sebastian Morgestern... - uma voz masculina se sobressaiu e, virando o rosto para que seus olhos vissem o que já se esperava, Clary notou que havia muitos guardas já com suas espadas e revólveres preparados, todos com foco odioso na direção dela - vocês estão sendo acusados pelo assassinato de Hodge Starkweather e por traição contra o governo da Rainha Imogen.

Clary viu neve. Pequenos flocos caindo de sua imaginação e atingindo seu rosto de forma gelada e aconchegante. Viu o vermelho no chão branco. E asas negras que se quebravam e afundavam nas rachaduras do lago congelado. Seus pés doíam, assim como sua vista.

– Senhorita Clarissa, peço que solte a adaga e ninguém se machucará hoje - um dos Homens de Azul lhe pediu.

Ela olhou sua mão, que tão firmemente pressionava o cabo de constelação da adaga de prata. Olhou para sua arma e depois para os rostos ameaçadores e hesitantes dos homens que queriam matá-la. Sentiu os dedos de Sebastian na raiz de seus cabelos, procurando acalmá-la, e concentrou-se neles. E em como faziam sentido no meio daquele caos.

– Não soltarei nada - ela disse, referindo-se mais ao irmão que a uma mera lâmina brilhante.

Um dos homens ergueu sua arma e mirou.

Sebastian sempre teve um ótimo reflexo.

Empurrou a irmã para longe de si, fazendo-a cair no chão gélido - seria neve? - e deixando que a bala do revólver do homem atingisse em cheio em um ponto embaixo de seu peito, onde o ouvido de Clary escutava os batimentos de seu coração.

A garota sentiu um grito desesperador escapar de sua garganta. Um grito tão doloroso e longo que ela suspeitou que os lábios pudessem começar a sangrar. Os olhos arderam, enquanto observavam Sebastian caindo de joelhos, segurando com força o ferimento, e indo ao chão.

– Clary, fique aí! - Jace gritou, a léguas de distância - deixe-o!

Ela ignorou.

Arrastou-se até o irmão e esfaqueou qualquer guarda que tentara impedi-la. Sentiu balas perdurando seu corpo, mas era uma sensação tão distante que a dor não a impediu de continuar traçando o árduo caminho até Sebastian.

Havia sangue por todo o lado. A face de Sebby era branca como neve e seus olhos pretos estavam perdendo o brilho de uma hematita e tornavam-se opacos como olhos de um fantasma. Ele olhou o rosto dela e conseguiu sorrir. A dor começava a puxá-la para algum abismo muito abaixo dos dois, mas ela achou forças para tirar aquela mecha rebelde de cabelo branco do rosto dele.

– Eu te amo, anjo - a voz de Sebastian não passava de um sussurrou.

Ela sorriu, fraca.

Os guardas ainda gritavam.

Ordenavam para que alguém os algemasse.

Mas seria tudo em vão.

Todos sabiam disso.

Em algum lugar, Clary sabia que Jace os olhava com algum tipo de sofrimento desesperador e, quem sabe, até arrependimento. Ela não se importava. Também não ligava para os sentimentos que antes tivera por ele. Sentimentos de uma criança. A verdade, é que naquela fração de segundos, quase tudo parou de existir.

Menos uma coisa.

– Também te amo, meu lindo demônio - ela sussurrou, olhando bem fundo naqueles olhos escuros.

Abaixou-se e seus lábios se chocaram contra os de Sebastian. A boca dele ainda tinha o mesmo gosto e se movimentava na dela da mesmíssima forma; doce, angustiante. Ela sentiu seus dedos, mais uma vez, na raiz dos cabelos vermelhos. E quando não encontrou mais forças, seu corpo pendeu para frente e sua cabeça se apoiou no peito dele.

A visão estava embaçada.

Sebastian ainda mexia em seus cabelos, como se quisesse colocá-la para dormir.

Seu Sebby.

Sempre.

Ela sorriu, pois era um pensamento reconfortante para se pensar antes de morrer.

Sua mão já não encontrava forças para segurar a adaga.

E suas pálpebras caíram, ao mesmo tempo que os dedos se Sebs se tornaram imóveis em seu cabelo.


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Notas finais do capítulo

Fim.

Só queria dizer, que lamento muito essa demora pelo último capítulo.
E que lamento se não foi o que esperavam.
Ou se, talvez, tenha sido triste demais.
Mas estou sentindo uma verdadeira sensação de dever comprido, que se tornará mais forte assim que eu responder TODOS os seus comentários que tanto me inspiraram.
Amo cada alma que tenha acompanhado essa história e não me importarei de postar um Epílogo, se for do agrado de voces.
De todo o coração, espero ver seus comentários dedicados outras vezes. Acho que sentirei muitas saudades deles assim como desta fic.

Aku cinta kamu.
Love you, guy. *-*
BP.