"Acorde Ruby!" Berrou uma voz na minha cabeça.

–Ai -Reclamei- Fale baixo Bob.

"Do que esta falando Ruby?" Perguntou Bob.

–Não foi você que gritou?

"Não..."

–Ah, me perdoe então, vou voltar a...

"Não vai não!" Brandou novamente a voz. Agora eu podia notar, era uma voz feminina. A mesma voz que ouvi enquanto me escondia de minha mãe.

–Quem é você? -Perguntei.

"Meggie"

–Você era a voz que estava no escuro comigo, não é?

"Sim Ruby"

–Você também é um monstro, Meggie?

"Você sabe o que são monstros Ruby?"

–Bem eu... acho que não. Nunca procurei conceituá-los.

"Monstros são as coisas que nunca vimos e temos medo de encarar. Quando monstros são encarados e se mostram coisas boas, se tornam anjos. E quando se mostram coisas ruins, se tornam demônios"

–Você encontrou isso em qual dicionário?

Meggie riu levemente.

"Em nenhum. Humanos não costumam conceituá-los também"

–Então quer dizer que só sou um monstro à aqueles que tem medo de me encarar?

"Exatamente"

–Se você ainda não notou, eu só tenho dez anos... Quem em sã consciência vai ter medo de uma criança de dez anos?

"Muitos, ou talvez todos. O que dá vida aos nossos anjos são nossa imaginação, nossos sonhos e esperanças. Quando a maioria cresce, perde essas coisas. Os anjos são esquecidos e o que resta são os demônios... e demônios temem os anjos. Temem os poucos que sobrevivem"

–Você acha... que posso ter coisas boas?

"Claro que sim! Veja só o que criou. Eu e Bob parecemos demônios pra você?"

–De modo algum, são bons, me fazem companhia.

"Não dê ouvidos às coisas ruins que saem das bocas profanas. O que você vê tem magia Ruby, sua própria magia"

–Não, eu tenho uma doença mental. Vejo coisas...

"Vê as coisas que cria. Você é uma das poucas que consegue enxergar as coisas sombrias em nosso interior"

–Que tipo de coisas?

"Seus medos, você os enfrenta. Você enfrentou seu medo quando se escondeu no guarda roupa. Enfrentou seu medo de monstros quando aos cinco anos tomou coragem para ver o que tinha lá. Para cada medo, você criou alguém que estivesse lá com você, você fez do medo, seu amigo. Para muitos o medo é um inimigo imortal que os acompanha até seus túmulos, mas para você o medo é um aliado que irá lhe acompanhar até que não aja mais medos a enfrentar"

Eu sorri. Gostava de sorrir, era algo que eu não fazia com frequência. Nunca haviam dito que eu poderia ser um anjo, que eu poderia ser algo bom. Eu sabia que aquilo tudo era da minha cabeça, mas eu gostava de ser minha amiga. Eu gostava da companhia que eu criava.

–Senhorita King, acompanhe-me -Falou uma moça abrindo a porta. Era a mesma que havia saído correndo da última vez -O que seu colchão esta fazendo no chão?

–Bem... eu acabei caindo da cama e resolvi colocar o colchão aqui.

Ela me olhou desconfiada, mas deu de ombros.

–Isso não é relevante. Venha! -Ordenou ela.

Levantei imediatamente e acompanhei-a. Ela me levou até uma espécie de enfermaria. Era lotada de camas altas com bancadas laterais lotadas de aparelhos que eu nunca havia visto.

–Deite-se Ruby -Falou a mulher.

Caminhei até a primeira cama e me deitei. Olhei pra ela. A moça me olhava preocupada.

–Você esta bem, senhorita? -Perguntei.

–Eu... estou -respondeu ríspida.

Ela caminhou até mim e mexeu em uma das gavetas. Ligou os aparelhos em meus braços e pernas. Alguns eram apenas tocados na pele, outros eram pontudos e ardiam um pouco. Não, eu não estava vendo o que a moça fazia. Eu só estava cansada. Cansada daquele lugar, eu queria ir pra casa.

Foi então que adormeci. Acordei poucas vezes depois de meu longo sono. Dormi por dias. Talvez semanas, ou mais. Eu não sabia como, mas apenas... me desliguei de tudo. Mergulhei ma escuridão de um abismo. Voltei a invisibilidade.