– Entrem, entrem, meus amados! Fiquem à vontade! Creio que vieram aqui para conversar algo sobre a festa da data mais linda do ano! Ou seria para algum conselho amoroso? Eu só não aconselharia você a sequestra-la, Tio Popo, porque Hades já fez isso com Perséfone e Zeus não ficou nada feliz. Além do mais existem limites para os clichês e.... – quando minha irmã desata a falar ninguém segura. Fala sério, como se todos aqueles paetês e plumas no quarto já não dessem medo por si só...

– Nem precisa se preocupar em tagarelar mais, frufru. Ninguém vai me raptar aqui e muito menos ouvir esses seus supostos conselhos amorosos! Viemos por conta da festa e só! – resolvi cortá-la de uma vez, e partir logo para o que interessa.

– Assim você me ofende... – fez uma falsa expressão sentida – Mas tudo bem, os pombinhos devem estar ansiosos para começarem a trabalhar e não sou eu que vou impedi-los! – resolvi ignorar sua pequena obsessão em insistir que eu e Poseidon formávamos um casal, evitando interrompe-la mais uma vez – Bom, podem perguntar... O que vocês querem saber? – finalizou piscando seus longos cílios curvados pelo rímel.

O que eu quero saber... Uma boa pergunta. Há tantas coisas que gostaria que fossem esclarecidas! Como eu vou conseguir trabalhar com ele? Como planejar e fazer tudo dar certo, sem deixar que minhas diferenças com o deus dos mares atrapalhe? E o principal: como é uma festa de Dia dos Namorados?!

Enfim Poseidon externou o pensamento em minha mente:

– O que raios se faz em uma comemoração de Dia dos Namorados?

– Exato, acho que essa é a dúvida maior no momento... – acrescentei um tanto surpresa por termos pensado a mesma coisa.

– Vocês nunca comemoraram?!! – disse embasbacada.

– Eu sou casta.

– E digamos que eu nunca tive uma namorada propriamente dita para fazer esse tipo de coisa. Mesmo com Anfrintite eu casei rapidamente e já estamos separados há tempos, então, não...

Afrodite fez um gesto, com as mãos para o alto, como se fossemos um caso perdido.

– O que fazer com vocês? – indagou-nos enquanto começava a explicar suas ideias, como se falasse a coisa mais óbvia do mundo – Esse é um dia para se estar com quem se ama, de preferência rodeado por corações e coisas rosas românticas para inspirar os enamorados. É o momento de comer chocolate, enfeitar a casa de flores e retomar o antigo romantismo para que os casais estejam ainda mais próximos... Ai, ai... – disse suspirando – Já posso até imaginar... Será tão lindo!!

– Não vou pintar o Olimpo de rosa de jeito nenhum! Mas quanto ao chocolate eu aprovo! – exclamou Poseidon, com uma carinha feliz.

– Você é mesmo uma criança, Tio! E ainda não sei como mantém esse corpo comendo tanta besteira!

– Fazer o quê? A vida me fez lindo e maravilhoso desse jeito, não consigo ser menos gostável, mesmo que eu queira...

– Há controvérsias quanto a isso, mas será que podemos voltar ao assunto? Ignorando seu discurso acalorado e inútil sobre a “comoção” dos namorados, até que acho que você me deu uma boa ideia.

– Vou fingir que não ouvi o insulto e prosseguir para a parte na qual fico curiosa para saber o que você pensou!

– Você disse algo como “retomar o cavalheirismo e o romantismo de antigamente” e isso me fez pensar em fazermos algo no estilo retrô, como você diz, sabe? Algo que remeta à Audrey Hepburn e Gene Kelly. Nós podemos, sei lá, recriar o mundo de “Cantando na Chuva” no grande salão, ou qualquer cenário que remeta a essa época. O que acham?

– É... Até que você me surpreendeu agora, Loira... Boa ideia! Sem contar que nos livra de toda aquela purpurina e exagero...

Olhei para Afrodite em busca de aprovação e a encontrei com os olhos marejados. Meio segundo depois ela pulou em meu colo, me abraçando e chorando.

– Que orgulho da minha irmãzinha!!! Vai ser tão, tão, mais tão lindo! E na apresentação até imagino Poseidon todo chique interpretando uma cena de filme!!! Ai, Atena, essa ideia é ótima, porque foge do convencional, mas ainda assim possui todo o charme e glamour necessário para o clima de romance... Será perfeito!!!

Não pude evitar demonstrar satisfação diante da fácil aceitação do tema. Tudo será muito mais fácil agora!

– Então, meus caros, é hora de começar. Que tal vermos a decoração primeiro?

Poseidon imitou a conhecida pose dos galãs do cinema antigo e disse em seu melhor sotaque americano:

– Let’s do this!

– Au revoir, meus amorecos!

Saímos rindo do cômodo com nosso próximo objetivo em mente: as compras. Porém, antes que pudesse sequer raciocinar sobre qual deveria ser o primeiro passo, notei que o céu já se transformava. Perdendo lentamente a aconchegante tonalidade de laranja e transformando-se gradativamente em azul escuro. Tinha plena consciência de sua presença ao meu lado, mas o cenário era tão belo que não fiz objeção. Um bom observador poderia ainda notar o tênue brilhos das primeiras estrelas do anoitecer. Deixei-me levar pela bela visão, era sem dúvida um fenômeno lindo...

– Está ficando tarde. – afirmei após um longo silêncio – Podemos continuar amanhã... Me encontra aqui bem cedo?

– Tem que ser cedo? – sua voz praticamente pingava um misto de preguiça e desapontamento.

– Sim, caso queira terminar logo...

– Tudo bem, eu me rendo! – aquiesceu por fim o deus dos mares – Boa noite, Loira. Sonhe comigo! – acrescentou ao se afastar, já longe, no corredor.

– Não quero ter pesadelos! – gritei em resposta.

E falando mais comigo mesma ou talvez com as luzes noturnas murmurei:

– Boa noite, Poseidon...