Nem vi a Manu chegar. Fiquei lendo até dormir. No dia seguinte acordei atrasado – olha só a novidade – e corri pra faculdade.

Sai de lá e já sabia que não ia encontrar a Manu em casa, fui direto pra casa do Gus.

–Quem é?

–A única pessoa que tem coragem de vir na sua casa.

–Ah, sobe Edu.

Ele liberou a portaria e eu subi. A casa do Gus estava sempre uma completa bagunça, do tipo que falta só você se perder lá dentro.

E adivinha quem tava largado no sofá? Gus!

–Espero que tenha almoço – disse enquanto fechava a porta.

–O gordo sou eu e você que chega pedindo comida, cadê a lógica?

–Cadê a comida?

–Acha mesmo que se tivesse alguma coisa pra comer eu estaria aqui, largado desse jeito?

Fui até a cozinha e comecei a procurar qualquer coisa, mas antes de achar, fui interrompido pelo meu celular.

–Alo? - atendi apoiando o telefone no ombro enquanto abria os armários.

–Eduardo – reconheci a voz chata na hora – a Anne pediu pra te ligar. Ela quer remarcar sua sessão para hoje de tarde.

–Claro, que horas?

–Pode vir agora?

–Chego ai daqui a pouco.

Coloquei o celular no balcão e me estiquei para pegar um pacote de salgadinho que achei.

–Ei! – ouvi o Gus protestar enquanto saía.

–Valeu cara – gritei enquanto ia pro elevador com pressa.

***

Sai da faculdade e vim direto pro trabalho. Entrei mais cedo para sair mais cedo. Ia substituir uma outra funcionaria.

Devia ser mais ou menos umas duas da tarde quando meu telefone tocou. Eu já estava saindo para ir pra casa.

–Oi Edu.

–Oi Manuela, é o Gus.

–Oi Gus! Tudo bem? – encostei o telefone no ombro e comecei a procurar as chaves na bolsa.

–Sim e com você.

–Tudo bem... É... Por que você me ligou? Cadê o Edu?

–Então, eu vou sair pra trabalhar e não sei onde ele foi, mas ele deixou o telefone dele aqui. Tem como vir pegar?

–Putz, vou ver se dá... Daqui a pouco te ligo.

Eu tava com uma sensação ruim. Algo me dizia que era melhor deixar quieto, afinal, é só um telefone. Mas eu sou teimosa, claro que eu não ia ouvir minha intuição.

Entrei no elevador discando o numero já.

–Hey.

–Oi Laura, ta ocupada?

–Só se for pelo tédio.

–Otimo! Pode servir de motorista rapidinho por favor?

–To chegando ai.

Entrei em casa e liguei o computador. Fui movida por aquela sensação ruim. Estava inquieta agora, agoniada com algo.

Pesquisei por alguns minutos e não demorei para achar o endereço.

Era pra lá que eu iria!

***

Não sei o motivo, mas ela demorou anos pra me chamar. Fiquei umas duas horas esperando e nada.

Até que enfim ela me chamou. Eu nem sei ao certo porque corri pra lá, eu já nem sentia mais dor!

Meu coração pareceu ficar mais leve quando a vi. Os cachos haviam voltado, junto do sorriso e da serenidade no olhar, junto da Anne que eu gostava.

–Entra Eduardo.

Hoje ela parecia envergonhada. Entrei e sentei.

Ela me encarou por alguns minutos e começou a falar.

***

Anotei tudo em um bloquinho e arranquei a folha, enfiando no bolso da calça. Desci e cheguei junto com a Laura.

–Onde vamos?

–Primeiro na casa do seu namorado.

–O que quer com o Gus?

–Tenho que pegar o celular do Edu, ele esqueceu lá... Depois vamos deixar lá onde ele esta.

–E como sabe onde ele tá?

–Simplesmente sei.

–Sabe o que ta fazendo pelo menos?

–Não, mas algo me diz para não fazer.

–E então por que vai fazer?

–Porque sou teimosa, e mesmo que algo me diga para não fazer, algo também me diz que devo fazer!

Não desci do carro. A Laura subiu e pegou o celular. Quando voltou, me questionou de novo.

–Tem certeza de que quer ir lá?

–Absoluta.

Pedi pra Laura me esperar no carro. Ela não questionou. Minhas mãos suavam e eu estava nervosa. Minhas pernas quase travaram quando o elevador abriu.

Abri a porta de vidro e me obriguei a ficar calma. Olhei ao redor e não reconheci ninguém.

–Boa tarde – cumprimentei a secretaria, que parecia uma criança – pode parecer meio estranho mais eu posso pedir uma informação sobre um paciente?

–Senhora, eu não posso fornecer informações de pacientes.

–Não, você não entendeu... Esse paciente esqueceu o celular comigo e esta esperando uma ligação super importante, eu só preciso saber se ele esta aqui.

Ela me olhou desconfiada.

–E quem seria?

–Eduardo.

Ela sorriu, mas não parecia feliz com a situação. Parecia na verdade, satisfeita.

–Ele esta no consultório.

–Otimo, obrigada – disse já indo em direção a porta.

–Lamento, mas vai ter que esperar!

Ela entrou na minha frente e eu vi que ela era mais baixa. Ou seja, quase uma anã.

–Eu só quero entregar o telefone!

–Mas você não pode entrar – aquela secretaria minúscula tentava me impedir, mas que droga!

Empurrei ela com o quadril e abri a porta de correr. O barulho assustou os dois e eu interrompi o beijo.

Foi como se alguem tivesse arrancado meus pulmões e eu tivesse tentado continuar respirando. Não havia ar o suficiente pra mim.

Só deu tempo de correr. Desci pelas escadas e pude ouvir ele gritando meu nome e correndo atrás de mim. Minhas pernas queimavam e eu nem me importava, continuava descendo as escadas com todas as minhas forças. As lagrimas desciam pelo meu rosto e pareciam queimar minha pele enquanto eu as secava com força com a palma das mãos, quase ferindo meu rosto. Entrei no carro e tentei falar alguma coisa, mas nenhuma palavra completa era formada.

Graças aos deuses, a Laura entendeu tudo quando viu o Edu correndo. Ela ligou o carro e fomos direto pra casa.