Alarde dos corvos escrita por Jhonatan Nic


Capítulo 7
Capítulo 7 - Toque de recolher




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Meu plano tinha que dar certo. Corri na direção da ambulância à esquerda da rua, desviando dos zumbis que vinham com toda força em sentido contrário. Eles me seguiram por todo caminho até que eu conseguisse entrar finalmente no veículo e fechar a porta, deixando eles furiosos do lado de fora.

Eu podia sentir a sede de sangue daquelas criaturas pela força em que elas esmurravam o lado esquerdo da ambulância. Tive que tirar o carro rapidamente dali senão eles iriam simplesmente destruí-lo em poucos minutos com as próprias mãos, tamanha era a força que eles tinham. Aquilo me dava muito medo, muito mesmo. Era como se de um dia pra outro a força deles tivesse aumentado o dobro, assim como a velocidade, a percepção, a resistência, tudo. Incluindo a fome, é claro.

Fui avançando pelas ruas em baixa velocidade, observando que tudo parecia um pouco diferente em comparação ao dia anterior, como se houvesse algo a mais, talvez um sussurro de paz em meio àquele caos. Resolvi então ligar o rádio e verificar como as coisas estavam pelo resto do país. Talvez a situação nos outros lugares pudessem estar melhores do que ali, ou pelo menos era o que eu queria.

Não precisei nem mesmo mudar a estação pois assim que liguei o radio já pude ouvir uma voz grave e séria, me deixando com um grande frio na barriga, informando sobre algumas medidas de precaução;

"[...]desse país. A todos que estiverem ouvindo a essa transmissão, pedimos que permaneçam em locais fechados e seguros. Repito, pedimos a todos que permaneçam em locais fechados e seguros. Tropas estão sendo enviadas em todo o país para conter a infestação e qualquer pessoa que estiver do lado de fora será vista como ameaça e será alvejada. Fiquem agora com uma mensagem do Doutor Álvaro Montenegro, líder da equipe de pesquisa sobre a atual pandemia;

Peço a atenção dos senhores que estiverem me ouvindo neste momento. Eu sou o Doutor Álvaro Montenegro, como já sabem, líder da equipe Goiânia-102. No momentos estamos tendo muita dificuldade em iniciar os estudos sobre a recorrente pandemia devido a indisponibilidade de virologistas especializados. A única informação que podemos dar pelo que foi observado no momento é que o vírus é transmitido pelo infectado através de mordidas ou arranhões. Recomendamos muito cuidado em relação a feridas abertas e compartilhamento de objetos pessoais. Isso é tudo. Protejam-se como puder e mantenham a calma, faremos o que estiver ao nosso alcance o mais rápido possível."

Aquela transmissão me deixara bastante preocupado a respeito do nosso grupo e me fazia questionar muitas coisas. Seria essa mensagem então um toque de recolher? Quanto tempo as pessoas teriam que ficar dentro de seus abrigos, provavelmente suportando a fome e o medo? Teriam mais pessoas vivas?

Eram muitas coisa se passando na minha cabeça, muitas ideias que foram bruscamente interrompidas pelo estridente som de um helicóptero cortando os céus da Tijuca em alta velocidade enquanto eu já estava a mais ou menos 5 minutos do Walmart. O medo de que todo o plano pudesse dar errado me consumia ao poucos, mas eu me esforçava em me concentrar no que eu tinha que fazer naquele momento; Acelerar.

Com muita dificuldade em manter a direção estável e desviar dos carros parados, quase perdendo o controle do veículo, mandei uma mensagem de voz para o Corajo, esperando que tudo ainda estivesse bem aquela altura;

"Vai me ouvir chegando numa ambulância. Assim que perceber que eles estão saindo daí me encontre fora do Walmart."

Já estava bem próximo a essa altura. Próximo o suficiente. Liguei então a sirene da ambulância, que fazia uma barulho ritmado ensurdecedor, me deslocando rapidamente para o lado direito do banco; Abri a porta, peguei a barra de metal e me posicionei para pular do carro, fazendo uma contagem regressiva à cabeça enquanto o vento batia forte em meu rosto. Eu podia ver os zumbis saindo do prédio nos últimos segundos antes de eu pular, muitos saindo até mesmo pelas janelas, quebrando as vidraças e deixando partes dos membros no meio do caminho.

Era a hora.

Pulei então da ambulância, que devia estar mais ou menos a 80km/h, caindo de forma muito brusca, me deixando muito atordoado. Cheguei a rolar pela calçada áspera enquanto ela arranhava a minha pele, o que me levava a pensar que aquele também não seria um dia de sorte.

Eu havia errado o pouso, admito, mas o plano havia dado certo. Quase todos os zumbis ao redor daquela área, e eram cerca de quase 50, tiveram sua atenção voltada para o veículo, que continuou adiante pela rua reta desacelerando aos poucos, fazendo um barulho muito alto mesmo à distância que estava.

Assim que consegui me levantar e pegar a minha barra, percebi Caio saindo do Walmart, com sua faca modelo M9 em mãos, banhada de sangue, aparentemente um pouco abatido, mas bem. Assim que nos aproximamos fiquei o encarando com uma feição séria no rosto, como a gente sempre fazia, até que ele soltou um sorriso no canto do rosto;

— Demorou heim piranha. — Disse ele, fazendo ambos rirem e se cumprimentarem logo em seguida.

Só então reparei que havia uma bandagem em sua perna esquerda na altura da canela, por cima da calça jeans. Usava uma camiseta preta com as palavras "OCCT Club" estampadas, que por algum motivo eu achava um pouco cômica. Parecia ainda mais alto, mesmo que já fosse o bastante, aparentando também ter bem mais espinhas no rosto do que da ultima vez que havia o visto.

— Se liga, a gente tem que voltar logo pro abrigo. — Falei, em tom sério. — Ouvi na rádio que eles estão mandando tropas pelo país inteiro e eles vão atirar em qualquer um que eles virem andando por aí. Não faço ideia de quando podem aparecer pela cidade, mas é melhor não arriscar.

— Onde fica isso?

— Em São Cristóvão, perto da minha escola. É do outro lado da estação, depois da Quinta da Boa Vista. Você provavelmente viu o helicóptero passando por aqui não viu ?

— Vi sim, ele veio de lá eu acho. — Indicou, apontando para o Sul da cidade.

— Pois é, então acho que não temos muito tempo, temos que ir pra lá. — Concluí, observando então algum carro que eu poderia usar na rua para voltar para a base.

Encontramos então, depois de andar poucos metros, um Corsa branco com todas as portas abertas, parado na rua paralela. Assim que entramos começamos a conversar pelo caminho sobre tudo o que tinha acontecido até o momento, rendendo muitas histórias assim como muitas lamentações. Pessoas, esperanças, sonhos, tudo aquilo havia que se perdido de um dia para o outro, deixando todos de mãos vazias esperando o dia da nossa morte chegar. Talvez a única coisa que pudéssemos fazer mesmo era adiar esse dia.

Cruzamos as ruas durante alguns minutos até que finalmente estávamos lá; No nosso novo lar. Contei então ao pessoal da turma, que nesse momento estava almoçando, como foi o resgate; Falei sobre a transmissão de rádio, sobre o plano da ambulância, sobre o helicóptero e todos os outros detalhes a mais que todo bom aventureiro faz questão de adicionar às suas histórias.

Seriam tempos difíceis a partir daquele dia. Não poderíamos sair para pegar nenhum suprimento, qualquer um que fosse, ou provavelmente morreríamos lá fora. Tínhamos comida em estoque para uma semana, poucas roupas e alguns medicamentos... A questão era esperar a limpeza terminar. Talvez fosse a única coisa a se fazer. Talvez tudo pudesse voltar a ser o que era antes.


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