Utopia escrita por Renata Salles


Capítulo 16
Paraíso proibido


Notas iniciais do capítulo

Hey pessoas, tudo bem?

"Eu sei tudo o que você não quer que eu saiba. Eu não tenho escolha, e continuo escolhendo você." Prontos para descobrir o paraíso proibido?

Boa leitura!



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Alec odiava bailes.

Todo o barulho, o falatório e as fofocas o deixavam de mau humor, mas a guarda em geral, e às vezes até mesmo os próprios líderes Volturi, fazem questão de organizar festas ocasionais de "confraternização". Com sorte são apenas reuniões no Castelo da Guarda que envolvem música e dança — estas costumam ser suportáveis, lhe exigindo apenas um pouco de paciência, mas em ocasiões mais infelizes como o Baile Anual de São Marcus — um evento altamente desnecessário em sua opinião —, faz-se uma grande festa para celebrar tempos passados e as respectivas conquistas dos Volturi e de sua guarda.

Este ano, por um motivo que ele jamais entenderia uma vez que no período não houve nenhum feito considerável dos Volturi, o tema seria La Belle Époque.

Todos estavam extasiados com a oportunidade de retornar, ainda que por uma noite, à “era de ouro” da humanidade, o que era sem sombra de dúvidas um terrível exagero. Alec não sabia o motivo de depois de tanto tempo ainda se incomodar com as bobagens que falam ao seu redor, seus companheiros de guarda tinham a mesma opinião obtusa e desprovida de embasamento em relação a todas as épocas e a todas as festas, usando sempre as mesmas expressões, os mesmos adjetivos vazios.

Com um suspiro ele se afastou da mesa onde um grupo de guardas jogava bridge[1].

Em geral Aro permite que Alec se ausente quase completamente deste tipo de tortura, entretanto, dessa vez o líder insistiu que ele participasse e aproveitasse a ocasião para se aproximar de certa jovem.

De fato Alec a vinha observando desde que a encontrara no local do acidente, e por mais que se esforçasse, não conseguia compreender o interesse que o mestre demonstrava por ela. Renesmee é uma garota carente que se deixa envolver demasiadamente com questões que não possuem de fato tanta importância, sua determinação pode ser considerada mimo ou futilidade, e sua displicência, uma forma desesperada de chamar atenção. É fisicamente lenta e fraca, e seu dom de forma alguma aparenta ser útil.

Mas nenhuma dessas considerações foi capaz de evitar o sentimento de admiração quando a jovem adentrou o salão, sentimento que Alec logo transformara em repulsa. Estava sendo tolo. A elegância que lhe era atribuída se devia apenas aos cortes bem feitos de seu vestido, e não a seus modos. Mas, no entanto, não conseguia tirar seus olhos dela.

O corpete ressaltava suas curvas nos lugares certos, a longa e volumosa saia a fazia parecer ainda mais delicada, o cabelo de cor bronze preso em um coque meio solto de lado, combinado a seu sorriso atrevido e a seu decote lhe faziam parecer inegavelmente charmosa.

Com um sorriso encantador e um brilho vivo nos olhos, ela pegou as mãos de Eric, começando uma animada conversa.

Próximo, Alec tentava ouvir, mas a forma com que o azul brilhante de seu vestido ressaltava a brancura de sua pele contra as bochechas rosadas, a forma com que seus olhos pareciam chocolate derretido, o distraiam.

Então compreendeu.

Alec olhou ao redor, sabia que ela estava por perto, mas antes que pudesse alcançar Chelsea e ordenar que parasse de fazê-lo se sentir atraído pela senhorita Cullen, os líderes chegaram.

Aro fez suas cordiais apresentações com um curto, mas intenso discurso sobre a época e sobre como estava satisfeito com a escolha do tema. Elogiou a decoração e fez seus tradicionais votos de que a Guarda siga cada vez mais forte e unida, pois assim a prosperidade estaria sempre ao nosso lado.

Com estas palavras a festa realmente começou, as pessoas se espalharam e começaram a se entreter. O líder cumprimentou Alec com um breve aceno de cabeça e um sorriso significativo, então se juntou a sua esposa.

 

 

A festa tinha a organização de um antigo sarau: um grupo de pessoas jogava cartas, outro tocava piano e cantava, e um terceiro dançava. Meu número de conhecidos que aumentava cada vez mais me permitiu participar de todas as atividades, escapando com Eric regularmente a cozinha para comer ou beber algo.

Eu nunca havia provado bebidas alcoólicas — que por sinal não tem um gosto muito bom —, e, no entanto, depois de algumas doses a taça sempre cheia de Champanhe não saia mais da minha mão.

Fui obrigada a tolerar os sorrisos maliciosos de Sulpicia e seus insistentes cochichos com Athenodora. Suas posições elevadas, por serem esposas de Aro e Caius, respectivamente, as faziam parecer imponentes, inalcançáveis e altamente solitárias, ainda que esta terceira característica se mostrasse apenas por gestos impensados e por olhares discretos. Os guardas faziam reverência à distância quando seus olhares se cruzavam por algum motivo, mas ninguém ousava se aproximar ou mesmo encará-las por muito tempo, sua única companhia eram os guardas particulares que as rodeavam o tempo inteiro, e nem mesmo eles ousavam encará-las diretamente.

Não me surpreendia que Chelsea e Corin fossem tão requisitadas no subterrâneo do Palazzo Dei Priori.

Quando os líderes finalmente tomaram suas esposas e flutuaram pela pista de dança pude perceber uma coisa que a mim parecia impossível: em seus olhares havia algo muito parecido com sentimento, ao menos entre Aro e Sulpicia. Mesmo enquanto Caius dançava com a esposa a frieza e o olhar de quem está sempre julgando não o abandonava, embora seus movimentos e seu toque parecessem gentis sobre a pele dela.

Imaginar a vida miserável que aquela mulher tinha ao dedicar sua eternidade a um homem que não sabia amar despertou em mim um repudiável sentimento de condescendência. Tive que me afastar quando o arrogante olhar dela encontrou o meu.

Me senti desconfortável quando, ao piano, as atenções se voltaram para mim. A música que cantei me afetou tão completa e intensamente que tive que fugir para o jardim para tomar um pouco de ar.

Eric logo me convenceu a voltar e a dançar com ele. Estava encantador e particularmente gentil aquela noite, sendo o mais sociável que sua simpatia permitia, o que me fez ter a impressão de que tentava impressionar alguém. Observando-o com mais atenção compreendi que estava certamente muito apaixonado, mas sua descrição não me permitiu identificar o foco de suas atenções, embora tivesse minhas suspeitas.

Ele é assim: nunca consegue esconder o que sente, mas seus motivos e sua vida pessoal são sempre muito bem camuflados.

Até aquela noite eu nunca havia reparado que ele e Alec eram amigos. Me pareceu bizarro como um espírito leve e solto como o de Eric suportava alguém tão desagradável quanto Alec, que observava tudo com uma intensidade altamente crítica, e com uma superioridade indiferente que o fazia parecer intrigante e ao mesmo tempo incômodo.

Seus traços bonitos eram a única coisa que poderiam despertar algum interesse nele.

Eu estava tentada e testá-lo ainda mais ao perceber ele que possuía relações estreitas até mesmo com seus companheiros da guarda, interagindo com alguma liberdade somente com Eric e com sua irmã Jane, cuja antipatia superava a dele.

Sem pensar e sem ter a menor ideia do que dizer, fingindo analisar a impecável decoração, me aproximei de Alec que observava a dança com desprezo.

Houve uma mudança muito sutil na rigidez de sua postura ao me perceber parada ao seu lado, mas nada que indicasse qualquer emoção, sendo prazer ou repulsa.

— Não o vi uma única vez na pista de dança...

Ele encarava um ponto fixo com a testa ligeiramente vincada, como se não conseguisse compreender minha audácia em falar com ele.

— Não me agrada dançar em meio a tanta gente.

— Mas não é apenas a dança que você despreza, não é mesmo? — Ele me encarou pela primeira vez, seu olhar era grave. — Não se preocupe, guardarei seu segredo. Para dizer a verdade também não gosto muito de festas.

Eu estava mentindo.

— Me pareceu estar se divertindo.

— Sim, estou. O fato de achá-las cansativas não as tornam entediantes.

Sem qualquer expressão ou resposta, ele voltou a encarar os casais que dançavam. Sua indiferença era muito irritante.

Observamos o salão em silêncio por alguns minutos. Ele parecia tenso ao meu lado, incomodado.

— Como está seu jardim?

— Gostou dele? — havia excitação em sua voz.

— Muito.

Ele pareceu satisfeito.

— Seu nome é Jardim do Ocaso.

— Ocaso?

— Em minha opinião é seu momento mais bonito: no pôr do sol.

— Eu adoraria ver, se me permite — pedi apenas para estudar sua reação. Aquele era seu jardim particular, seu refúgio.

Imaginar que minha petulância o desagradava me fez sorrir.

— Será muito bem vinda.

Aquilo me surpreendeu sinceramente.

— Fico grata senhor... — fiz uma careta como se não me lembrasse de seu nome.

Ele sorriu.

Era um daqueles sorrisos que você vê apenas uma ou duas vezes em toda a vida, que parece superior, mas nunca arrogante, apenas compreende todo o mundo em seu melhor e em seu pior; daqueles sorrisos que te fazem sentir uma pessoa aceita e amada, e que jura que você jamais será esquecido.

— Acho que não fomos devidamente apresentados. Meu nome é Alec Bertrade.

— Renesmee Cullen — disse em meio a uma reverência.

— É um prazer conhecê-la oficialmente, senhorita.

Sorri.

— O prazer é todo meu.

 

.

As coisas pareciam se mover rápido ao meu redor enquanto eu estava pesada e lenta.  

Não sei em que momento começou o fluxo interminável de verdades que nunca deveriam ter sido ditas, quando arrastei estranhos para a pista de dança como se os conhecesse por uma vida inteira, ou quando comecei a flertar descaradamente.

Me lembro de ter havido um breve momento em que simplesmente soube que eu e Eric perdíamos o controle, que nossa alegria não poderia ser algo natural, mas estávamos tão a fim de começar um incêndio que fazíamos e dizíamos absolutamente tudo que tínhamos vontade, sem sequer pensar a respeito.

Lembro perfeitamente do momento em que Alec se aproximou com uma expressão séria, como se fosse me contar um segredo depois de eu ter dito algo constrangedor de que não consigo recordar, mas parou bem próximo a minha boca.

— Está bêbada.

E eu ri. Um riso estúpido e genuinamente alegre.

Então Eric de repente se aproximou e me puxou pelo braço para longe dele. Estava distraído e com uma expressão amarrada.

— O que houve?

— Me beije.

— O que? — respondi rindo.

— Não vejo motivo algum para falar com ele.

Encarei-o séria por um minuto, imaginando o que poderia responder quando tive um vislumbre: no canto do outro lado do salão uma garota elegante com um vestido branco e preto conversava agradavelmente com Demetri. Seus traços lembravam aos do irmão gêmeo, mas em Jane havia algo quase infantil.

Olhei para Eric com os olhos arregalados. Como fui tola ao ponto de não perceber que havia algo mais sob as provocações desnecessárias que sempre faziam um ao outro?

— Você gosta dela!

Seu rosto ficou inexpressivo.

— Não os encare.

— Puxa vida, você realmente gosta dela!

— Shiii, fale baixo!

Eu tive uma crise de riso. Imaginar Jane e Eric juntos e apaixonados era tão absurdo que chegava a ser ridículo.

Ele me encarou com aquela expressão ciumenta por um minuto e então se juntou a mim em um riso completamente sem sentido.

— Eles não nos merecem! — afirmei decidida. Não conseguíamos parar de rir.

— Podemos viver sem eles!

— Sim, podemos!

— E temos um ao outro! — Ele flexionou os joelhos ligeiramente, em uma posição que fazia parecer que afastava uma capa e segurava uma espada. Eu o encarei como se ele fosse o Zorro.

Rimos.

A última coisa de que me lembro é de dançar uma música lenta com Eric, com a cabeça apoiada em seu ombro e com os olhos lacrimejados, repetindo “eles não nos merecem, nenhum deles” vez após outra. Então acordei em meu quarto, o relógio marcava dez horas da manhã e peças de roupa estavam espalhadas pelo chão.

Ao meu lado Eric se espreguiçava.

Eu não tinha a menor ideia do que havíamos feito — ou do que não fizemos —, não sabia sequer como havíamos chegado ao quarto, e pela expressão constrangida dele quando finalmente me encarou tive absoluta certeza de que ele também não sabia.

Com as bochechas ainda ruborizadas prometemos nunca mais beber tanto, e jamais falar sobre isso.

Nossa relação, no entanto, não voltou a ser a mesma: o nível de intimidade aumentou amplamente, e com ela a confiança que tínhamos um pelo outro. Juramos ficar juntos se um dia resolvêssemos nossas pendências particulares, e aproveitamos a ocasião para tomar café na cama.

Todavia, por onde passávamos guardas lançavam em nossa direção olhares conspiratórios, mas como estávamos decididos a deixar que falassem o que quisessem a nosso respeito, ninguém teve muito sucesso em conseguir a verdade.

Aro me chamou no Palazzo no dia seguinte, sendo agradavelmente sutil em suas perguntas sobre minha relação com Eric, mas deixei claro que não havia nada entre nós. O líder estava mais misterioso que o normal, e não expressou de forma alguma se esta informação o agradava ou não.

Ele me encarou pensativo por um longo minuto, se aproximou como se fosse me tocar, perguntando o que eu estava achando do castelo e das pessoas, mas hesitou se afastando.

Disse que tinha algo muito difícil a me dizer e pediu que eu perdoasse seu jeito desconcertado. Ele enrolou mais um pouco e finalmente foi à gaveta de sua escrivaninha, pegando um envelope anteriormente selado com o brasão da minha família.

— Receio que nossa descrição em relação ao seu paradeiro tenha trazido consequências, minha jovem — começou Aro com uma expressão séria e com um tom gentil.

— Que tipo de consequências?

— Recebemos esta carta de Carlisle essa semana. Lamento não termos nos manifestado antes, mas não sabiamos como prosseguir. Estamos todos preocupados com sua saúde... — suspirou. — Não queria ser o encarregado de notícias tão ruins.

Me senti gelada, minha respiração estava trêmula.

Antes de ler em voz alta o conteúdo da carta, Aro perguntou se eu gostaria de ler por mim mesma, para tomar minhas próprias conclusões, mas não era necessário. Eu acreditava fielmente em cada palavra que ele dizia.

Minha família havia deixado Hoquiam. Eu estava perdida.

Com muita delicadeza e uma seriedade sóbria, Aro renovou seus votos de que eu seria muito bem vinda ao castelo da guarda por quanto tempo desejasse, e que era um prazer me receber. Eu estava tão atordoada que apenas balancei a cabeça de cima para baixo, me esquivando de todas as indagações, confusa demais para elaborar mais que respostas monossilábicas. Mantive uma postura fria e calma até sair da cidade, então comecei a correr de volta ao castelo.

Meu coração batia freneticamente como um pássaro engaiolado, meus pensamentos eram uma enxurrada tão forte que não conseguia selecioná-los. Eu estava perdida, deserdada.

Eric caminhava de um lado para outro nos portões do castelo da guarda. Ao ver meu estado colocou sua capa ao redor dos meus ombros, passando seu braço ao redor da minha cintura, e me levou para dentro.

Fomos para a cozinha onde conversamos enquanto Eric nos preparava um chá. Ele me encarou pasmo por alguns minutos, confirmando a gravidade de minha situação.

— Mas isso não quer dizer que... eles a receberiam de volta se os encontrasse. Não estás abandonada.

— Não, mas é muito claro: eles certamente viram o local do acidente, o próprio Aro disse que eu dificilmente teria sobrevivido se Alec não tivesse me salvado antes do carro pegar fogo. Chovia muito aquele dia. Meus pais jamais permitiriam que eu ficasse aqui sozinha e se houvesse algum rastro teriam me encontrado há muito tempo. Eric! — Suspirei. Tudo fazia sentido agora. — Eles pensam que estou morta.

Ele me encarou com os olhos arregalados, a dureza daquelas palavras era difícil de digerir.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, dois estranhos presos em seu próprio mundo solitário.

— O que vai fazer agora?

Encarei-o sem emoção.

— Nada.

— Tu não... — balançou a cabeça de um lado para outro. — Vai deixá-los acreditar que está morta?

— Eu não consigo perdoá-los Eric, não consigo. E mesmo que voltasse não poderia aceitar a relação de minha mãe com Jacob. Como os encararia sem ver demais ou sem fantasiar coisas terríveis ao seu respeito? Sem confiança isso viraria um inferno! Não há mais espaço para minha mãe e Jacob em minha vida e eu me recuso a escolher um dos dois. Nenhum deles é menos culpado. Nem eu. É melhor deixar como está.

— Tu ficás aqui?

— Aonde mais posso ir?

 


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Notas finais do capítulo

[1] Bridge - Jogo de cartas disputado por duas duplas, com um baralho de 52 cartas.

E aí o que acharam? Me contem tudo!!!



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