Utopia escrita por Renata Salles


Capítulo 14
Rebentação


Notas iniciais do capítulo

Hey pessoas, tudo bem?

O desespero nos leva a lugares onde jamais iríamos; para cada escolha existe uma renúncia. Ao quê você está disposto a renunciar?

Boa leitura!



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Quando acordei, havia um bilhete sobre a mesinha de cabeceira:

Jardim das flores. 8:30

Eric

O Jardim das flores é o lugar mais bonito de todo o castelo. Há flores de todos os tipos e cores formando desenhos elaborados e impecáveis, em caminhos circulares que culminam em uma fonte onde, de joelhos, um anjo de pedra observa suas mãos, e chora. Meu coração se aperta a cada vez que me defronto com a beleza daquela dor, a agonia silenciosa daquele olhar. Então a certeza de que o jardim é uma espécie de confissão...

Eu gostaria de ouvi-la.

Aqui até mesmo as árvores parecem mais vivas e harmoniosamente coloridas, e tudo tem esse ar arrebatadoramente belo e doloroso. É perfeito. O tipo de lugar que te faz acreditar em milagres.

Venho nos dias difíceis, quando o tremor contamina minhas mãos e meu coração bate em uma marcha impiedosa, quando visões terríveis me drogam e me tomam o controle. Este lugar me acalma e me conforta, me lembra de que sempre há esperança — mesmo que ela não seja exatamente o que se espera. É sempre assim, eu já deveria ter aprendido: é nos lugares menos prováveis que se escondem as coisas mais verdadeiras.

Mas o mais importante é que havia uma maravilhosa mesa de café da manhã para dois, em um gazebo branco de ferro rodeado por rosas.

Sorri.

— Bom dia cabeça de cenoura! — disse Eric atrás de mim. Deu-me um beijo na bochecha e puxou uma cadeira, indicando que eu me sentasse; ocupou o lugar a minha frente.

— Parece que alguém está de bom humor.

— Estou apenas duplamente mais charmoso. Mas não te preocupes: teu lugar está guardado em meu coração.

— Ora, obrigada! E há um motivo especial para esse seu charme duplamente mais charmoso?

Uma careta se formou em seu rosto: uma sobrancelha arqueada, a boca se comprimindo ligeiramente na sombra de um sorriso de afronta e ironia.

— Jane.

— O que?

— Sempre que você faz essa cara tem alguma coisa a ver com ela.

Sua expressão de surpresa me fez rir.

— Não é verdade.

— É sim.

— Não é não.

— Só me diga o que houve.

Ele me encarou com um sorriso presunçoso.

— Lembra-te daquela sala de estudos na torre sul que Jane queria tomar para si?

— Você ainda está cismado com a sala? Eric, ninguém usa aquele lugar! É escuro e úmido... por que brigar tanto por isso?

— Ela não pode simplesmente se apossar do lugar sem consultar-me! Este castelo está sob minha supervisão, goste ela ou não.

— Tudo bem, mas seja sensato...

— Estás a dizer que eu devia tê-la deixado ficar com o lugar?

— Não, mas você acha que isso é realmente importante?

— Tanto faz, o lugar é teu.

Me engasguei com o suco de laranja.

— O que?

— Eu disse a Aro que talvez tu precises de um lugar para te esconder além de teu quarto, onde pudesse personalizar e...

— Espere — interrompi. — Você me colocou no meio da sua briga idiota com a Jane?!

— Canalizar tua raiva — terminou com uma careta.

— Não acredito que fez isso comigo!

— Renesmee, mestre Aro preferiu agradar a ti ao invés de Jane. Veja como isso soa maravilhosamente bem!

Tive que conter um sorriso. Aquilo parecia mesmo ótimo.

— Com toda certeza ele fez isso para que você parasse de encher o saco!

— Ai, essa doeu! Mas tudo bem, eu te perdoo.

Você me perdoa? — Indiferente, ele seguiu mastigando sua maldita torrada. — Eric!

— Está bem, desculpe-me. Não deveria tê-la envolvido. — Sorriu, o entusiasmo ressaltando as covinhas de suas bochechas que o deixavam com um ar travesso. — Tu tinhas que ter visto a expressão dela! Teria definitivamente me matado se pudesse.

— Bem, se pudesse ela o mataria a cada vez que o vê.

Ele fez uma careta.

— É, provavelmente sim.

Rimos.

Com os músculos do rosto voltando ao lugar, minha mente se perdeu nas rosas ao nosso redor. Como a primavera havia chegado tão rápido?

— Como estás tu? — perguntou arrancando-me de meus devaneios, me oferecendo uma fatia de bolo.

Estendi o prato de sobremesa em sua direção, aceitando.

— Estou bem. Muito bem, na verdade.

— E teus colegas noturnos?

— Tem sido estranho nas últimas semanas. Quando começo a perder o controle, algo acontece.

Ele desviou o olhar, encarando o garfo em sua mão.

— O que acontece?

— Não sei, de repente tudo fica escuro e tão... calmo. Então adormeço — sorri, ignorando a sensação de dèja vu. — São minhas melhores noites de sono.

Eric arrumou-se desconfortável na cadeira.

— Algum problema?

Ele balançou a cabeça de um lado a outro, mas era como se estivesse sendo forçado a engolir algo de que não gosta.

Senti meu cenho franzir.

— O que você sabe, Eric?

— Nada. É só... — Ele me encarou incomodado. — Você deveria superar isso sozinha, Renesmee — falou de repente.

— O que quer dizer?

Ele hesitou, balançando a cabeça de um lado para o outro. Limpou a garganta e sorriu.

— Vou-me as compras esta tarde, nossa despensa está ficando deprimente.

Não valia a pena insistir: Eric havia encerrado o assunto e eu não tinha certeza se queria mesmo saber do que estava falando.

— Está sim. Traga chocolate, por favor.

Quando a preguiça domina, doces se tornam minha distração oficial da ansiedade.

— Tu... queres ir comigo?

A surpresa fez meu coração dar um salto.

— Sério?

— Claro. Acho que te deixo sozinha demais aqui, e falar com as paredes está a deixar-te... — assobiou, apontando para a cabeça.

— Ei! — Sorri. — Eu adoraria.

— Ótimo. Te encontro as 16h00 no Hall.

— Sim senhor.

Eric se levantou e se aproximou, acariciou meu rosto antes de se afastar, entregando-me uma pequena flor amarela. Sorri.

— Não se atrase — disse.

— Nunca.

.

— Está atrasada.

— Eu sei, desculpe.

Coloquei os braços ao redor de seu pescoço, tocando seus lábios com os meus.

— O que houve?

— Emmett e suas histórias sobre o que faria se fosse uma mestiça da minha idade com um namorado lobo...

— Deixe-me adivinhar, seu pai estava por perto e falou algo que você não gostou, então começou a discutir com ele.

— Ele não queria me deixar sair.

— Por que não me ligou?

— Não queria te envolver.

— Lamento informar senhorita — começou, tocando minha cintura e me levando mais para perto, encostando seu corpo no meu —, mas acho que já estou bem envolvido.

— Exatamente! — fiz uma careta.

Sorrindo, Jacob beijou minha a testa e voltou a organizar o quarto.

— E então... O que faremos hoje?

Ele pegou sua carteira em cima da cômoda e colocou-a no bolso.

— Há essa hora? Nada.

— Está zangado?

— Não.

— Então o que? — me aproximei. — Estou aqui agora, vamos fazer o que quisermos fazer, está bem?

— Não posso.

— Por quê?

— Eu te disse. Vou ajudar Alice com os preparativos da sua festa de aniversário.

— Alice não precisa de ajuda.

— Provavelmente não — concordou —, mas ela me pediu e eu aceitei. É exatamente isso que vou fazer.

— Mas eu acabei de chegar.

— Nessie, estou te esperando a mais de duas horas. Nosso tempo acabou.

— Me desculpe! — aproximei-me, minha mão deslizando por seu peito. — Como posso te compensar?

— Não pode.

— Jake! Só por algumas horas...

— Desculpe — disse me beijando. — Eu tenho que ir.

— Mas Alice não te deixará em paz até a festa!

— Eu sei.

— Jacob, você não entende? É exatamente isso que Edward quer.

Mordi o lábio assim que terminei, mas era tarde. Ele parou, virando-se para me encarar.

— O que ele quer Nessie?

— Afastar você de mim — minha voz era quase um sussurro.

Ele estava sério. Aproximou-se como se fosse contar algo muito importante, uma mão em meu pescoço.

— Acredita mesmo nisso?

— Ele não tem nos apoiado, certo?

— Renesmee, ele é seu pai, não o vilão de alguma história. Por que precisa sempre ser tão dura com ele?

— Por que ele precisa sempre tentar controlar minha vida?

Ele me encarou, ponderando. Jacob tentava ao máximo não se envolver em minhas questões familiares.

Seria mais fácil se eu não soubesse o que ele está pensando.

— Tente pegar mais leve com ele, tá? — Com um suspiro, balancei a cabeça de cima para baixo. — Boa menina. Quer uma carona para casa?

— Não, obrigada. Vou aproveitar para visitar a Sophi.

— Divirta-se.

— Você também.

.

Caminhava pelo jardim de volta para o castelo quando um barulho em meio às árvores que definiam seus limites chamou minha atenção: era como um galho sendo partido, mas não havia sinal algum de que algo vivo havia estado naquela região nas últimas horas. Segui com minha caminhada, imaginando o que deveria usar em meu passeio com Eric — que tipo de roupa as pessoas vestem para visitar uma cidade na Itália? Um vestido, talvez...? Um novo ruído me fez parar; olhei ao redor, sentindo estar sendo observada, até que encontrei seu olhar.

Senti todo o calor do meu corpo desaparecer, sendo tomada por um frio repentino, meu coração trabalhava rápido para me lembrar de que eu ainda estava viva. Tentei procurar um fio solto, algum sinal de que estava sonhando, mas não estava. Eu sabia. Sentia tanto a sua falta que estava distorcendo uma lembrança, colocando-o na paisagem — Aro comentou sobre isso em sua última visita ao castelo —, mas nada poderia me fazer contestar a veracidade daquela imagem, embora não fosse completamente sólida.

Quanto finalmente tentei me aproximar, ele deu de ombros, e seguiu por uma trilha entre as árvores. Segui-o com seu nome engasgado na garganta, minhas mãos tremiam.

Como havia me encontrado? Para onde Jacob estava indo?

Apressei-me em segui-lo, mas ele desapareceu em uma curva na trilha estreita. Procurei-o, chamei-o, mas não havia sinal de que passara por ali.

Coloque a droga da cabeça no lugar, disse a mim mesma.

Respirei profundamente por alguns minutos, me livrando da sensação de falta de ar.

Saindo do meio das árvores — eu estava completamente perdida —, me vi em uma pequena clareira. Do outro lado havia um extenso caminho secreto, feito com arcos de flores coloridas.

Após alguns metros a trilha levava a uma construção circular de pedra, que seguia o mesmo padrão de arcos do caminho que a precedia, mas eram ruínas. E ainda assim flores escalavam os pilares, insistindo em transformar sua decadência em algo belo. Lágrimas surgiram em meus olhos, meu coração pareceu inflamar-se.

— Como chegou aqui? — disse uma voz atrás de mim.

Pulei com o susto.

— Pensei ter visto... — balancei a cabeça de um lado para outro, tentando afastar-me da imagem. Alec aguardava uma explicação. Franzi o cenho. — O que faz aqui?

— Eu moro no castelo.

Ele estava com avental amarrado na cintura, protegendo a calça escura. Segurava uma pá suja de terra.

Encarei-o por alguns segundos, pronta para fazer a pergunta certa quando compreendi a súbita certeza de que estava invadindo uma fortaleza: o lugar era dele. Todo o jardim das flores lhe pertencia.

— Desculpe.

Retirei-me rapidamente.

.

Digitei com as mãos ainda tremulas:

Ter, 18 Mar 2014 11:37:00

Assunto: Socorro!

De: rcullen@gmail.com

Para: sophia.veiron@gmail.com

Sophi, eu o vi. Jacob. Não era um sonho ou uma lembrança... não exatamente. Era como se ele realmente estivesse aqui, bem na minha frente. Eu não sei o que fazer! Isso fica cada vez pior!

Preciso de ajuda. Acho que estou enlouquecendo.

Apertei “enviar” e segui olhando para minha caixa de entrada, atualizando a página vez após outra, como se a resposta fosse chegar como uma mensagem instantânea.

Uma série de e-mails se acumulou em nossos meses de conversas, mas o mais importante era que havia conseguido minha melhor amiga de volta. Bem, na verdade a ideia de se comunicar por e-mail foi de Sophia — as ideias mais eficazes e criativas sempre eram dela. — Eu não tinha nada a fazer com o notebook que havia ganhado de Aro, e seguindo a ansiosa sugestão de Eric, indicando que não menosprezasse um presente do chefe, resolvi por instinto e pura desocupação, verificar minha caixa de entrada, apenas para que me vissem frente ao computador. Mas, ao invés, encontrei inúmeros motivos para nunca remover o equipamento da escrivaninha.

Então respondi seus e-mails desesperados, suas dúvidas constantes e partilhei das histórias mirabolantes de sua nova jornada solitária — fiquei verdadeiramente zangada ao saber que havia abandonado Seth. Sempre o vi como um irmão mais velho e defende-lo é um instinto natural, mas Sophia também era minha família, e apesar de jamais entender ou perdoa-la por isso, ofereci meu apoio incondicional, assim como ela também o fez.

Desde então, comunicamo-nos todos os dias ao menos uma vez, compartilhando nossas histórias, opinando uma na vida da outra... É como ter de volta um pequeno pedaço de mim, uma engrenagem que não permite que o relógio pare.

.

Eric me levou para conhecer toda a cidade e a cada esquina as palavras de minha mãe no diário, contando sobre o dia em que resgatou meu pai de uma tentativa vergonhosa de suicídio, reviviam em minha mente. Era estranho estar onde há muito eles estiveram e viver uma experiência tão nova e envolvente, pois certamente em sua corrida contra o tempo, Bella jamais percebeu como a cidade é bonita.

Guardas Volturi nos vigiavam de cada canto escuro e do topo das construções mais altas, analisando silenciosamente.

Entramos em uma sorveteria, e depois de me certificar que não havia ninguém nos espionando, tomei a liberdade de falar abertamente:

— Por que nos vigiam tanto? — perguntei em um nível crescente de irritação.

— Não te preocupes com eles.

— É sempre assim?

— Aham... só que um pouco menos.

— Então é por mim.

Deu de ombros.

— Eles apenas a querem observar mais de perto... ter certeza que tu não representas um risco a ninguém, ou a ti mesma.

Saber que os Volturi me consideram um risco potencial quase me fez rir, mas então entendi seu ponto de vista.

— Não estou enlouquecendo.

— Estou certo que não, mas está me deixando sem opções. Não sei mais o que posso fazer e é difícil contê-los.

— Desculpe por coloca-lo nessa situação.

— Não há de quê. Apenas acho que poderia ao menos tentar encontrar uma solução para esse teu coraçãozinho. Está sendo muito resistente e os Volturi gostam de desafios. Não sei até que ponto isso pode ser bom.

— O que estão fazendo? Estou certa de que Aro não está apenas sentado assistindo.

— Ele está fazendo alguns “testes”, calculando sua reação a determinados tipos de estímulos.

— Como Alec?

— Perdão?

— O vi no jardim esta manhã. Raramente ele vinha ao castelo, mas de umas semanas para cá...

Eric sorriu.

— Não é tão ingênua quanto pensam. Isto é bom, muito bom.

— Aonde Aro quer chegar?

— Desconheço esta informação, mas sei que Alec está sendo aplicado quando tú perdes o controle, por isso teu quarto é uma extensão do dele. Ele está sempre por perto.

Ponderei.

— Faz sentido, na verdade.

— Acha isso bom? — perguntou incrédulo.

— Não, é que... Meu dom trabalha com os sentidos, distorcendo-os de alguma forma, os dele também, mas em outra direção... Meu dom adiciona e o dele subtraí, por assim dizer. — Fiz uma careta. — Ele é meu calmante.

— Tu não tens que permitir que isto ocorra, podes lutar e enfrentar estes pesadelos sozinha! Estou certo de que podes!

Eric continuou falando, mas tudo que eu conseguia pensar era em Alec. Se seus poderes anestesiam os meus, poderia meu dom alcança-lo?

Um uivo avisou o restante da matilha de que algo estava errado, e jovens quileutes inventaram desculpas para parentes e amigos, se embrenhando na floresta por toda La Push, para que pudessem se transformar com descrição e em segurança. Uma BMW preta havia entrado no território da aldeia a toda velocidade, e quase atropelara três turistas. Seguia pela avenida principal em direção à praia, mas derrapou e fez uma curva no quinto quarteirão em direção as casas. Oficiais foram chamados, o veículo era conhecido.

Um novo uivo. Onde estava Jacob?

Toda a tribo sabia dos transmorfos, mas a maioria preferia acreditar que eram apenas lendas, apesar dos indícios. De qualquer forma, era melhor que a matilha permanecesse oculta, e no momento essa era a rega mais absoluta do bando.

Com o passar dos anos os integrantes mais antigos assumiram responsabilidades maiores, pois o conselho decidiu que proteger La Push era mais do que correr por aí como lobos. Por isso Sophia, quileute adotiva e mente idealizadora do projeto, secretamente fez um acordo com Billy Black e doou uma grande quantia em dinheiro, a qual os conselheiros depositaram pouco a pouco na matilha e na economia local, incentivando-os. Então Jacob e Seth fizeram uma parceria e abriram uma grande companhia, Jared, Embry e Paul entraram para a polícia, Quil foi estudar medicina em Seattle, e Leah fazia um curso de enfermagem — não era sua intenção permanecer na cidade. Atenciosamente seu marido comprara uma linda casa em La Push, para férias, mas depois da tristeza que caiu sobre Seth, eles decidiram ficar por um tempo, visitando os vinhedos na França a cada dois ou três meses.

Leah se ofereceu para procurar os líderes da matilha, não por ser irmã de um deles, mas por conhecer a ambos mais que eles mesmos. Seria mais rápido encontra-los se conseguisse se transformar, mas nas últimas semanas parecia haver algo errado com seu corpo: sua temperatura que não atingia o ponto certo, uma calma que não permitia a transformação.

— Querida, lamento informa-la, mas você não vai conseguir sozinha — disse Lúcio.

Leah suspirou. Há alguns metros, próximos a água, Seth e Jacob se encontravam envoltos por inúmeras garrafas que certamente não continham refrigerante. Ótimo.

— Eu sei. Dê-me alguns minutos de vantagem, por favor. Preciso falar com as crianças.

Lúcio parou.

— Como quiser — deu-lhe um beijo na testa. — Avise quando precisar de ajuda.

Ela sorriu, respirando profundamente.

.

Seth parou frente à porta, a mão tocava a maçaneta quando desistiu. Voltou-se para Jacob.

— Você primeiro, cara.

— Mas é a casa da sua mãe!

Você é o Alfa, isso é problema seu!

— De que lado você está afinal? Sua irmã acabou de tentar me afogar!

— Ah Jacob, não seja tão melodramático! — disse Leah abraçada com o marido. — Não teria feito isso se não estivesse tão... bêbado. Como conseguem fazer isso?

— Não estávamos bêbados! — defendeu Seth.

— Mas não estão com cheiro de flores do campo... — apontou Lúcio.

— Quero ver como explicará isso à mamãe!

— Leah... — choramingou Seth.

— Jacob, entre logo e trate de resolver esse problema ou contarei sobre a ceninha da praia para Rachel, e você sabe o quanto ela ficará preocupada...

Rachel tem essa mania de tentar controlar tudo a sua volta, e desde a morte de Renesmee, Jacob tem escorregado o mais distante possível de seu apoio e de seus concelhos, estabelecendo uma linha entre sua dor e o carinho materno sufocante da irmã.

Jacob respirou profundamente antes de abrir a porta. Adentrou o lugar lentamente, como se estivesse pisando em um terreno que não sabe se é firme.

Bella estava no sofá, debruçada sobre o peito de Charlie que a abraçava, acariciando seus cabelos. A sua frente, Sue segurava firmemente sua mão fria.

Jacob não tinha a menor ideia do que dizer, ou fazer. No caso da invasão, todos sabiam que os Cullen não apresentavam risco real à tribo, e os mantinham longe de La Push por mera formalidade, mas como poderia impedir Bella de visitar seu próprio pai?

Em relação a vê-la, bem, ele não esperava ter que passar por isso tão cedo.

Bella ergueu o rosto para encará-lo e soluços saíram descontroladamente. Em um impulso ela se levantou e o abraçou.

— O que faz aqui? — perguntou após alguns minutos, sentindo o frio da pele dela contra a dele.

— Ele... ele me deixou.

.

Bella adentrou a casa lentamente, sentindo todo o peso de sua culpa, imaginando o que diria a Edward, como o encararia depois de quase ter beijado Jacob em frente ao túmulo de sua filha. Estava tão enojada consigo mesma, tão inconformada com sua atitude que seus pés pareciam afundar no chão; cada movimento exigia mais da força que ela não tinha.

O que poderia ser pior?

Estava tão perdida que não sabia mais quem era.

Edward estava sentado no sofá, olhando fixamente para seus pés, ela tentou desviar para as escadas, subir antes que ele a visse, mas seu marido não precisava ler seus pensamentos para prever o que faria.

— Bella, pode vir aqui, por favor? — A voz dele era profunda e imersa em uma seriedade altamente distante.

Ela se aproximou em alerta, certa de que algo estava errado, fora do lugar. A sala parecia mais escura, e ao mesmo tempo em que seus pensamentos seguiam em um fluxo violento, ela se sentia lenta, de repente sensível demais a cada detalhe no ambiente.

— Sente-se.

Ele meditou por alguns minutos antes de erguer o olhar e encará-la, parecia ferido.

Com um calafrio Bella percebeu que ele sabia de tudo.

— Eu posso explicar.

— Tenho certeza que sim. Mas e nós? O que estamos fazendo? — Ela engoliu a seco. Ele estava furioso, é claro que estava, mas devia saber que aquilo não significava nada, que não havia acontecido nada. Seu olhar duro e decidido a fazia inibir as palavras. — Juro que não quero saber o que houve hoje entre você e Jacob. Não quero. E prometo tentar não julgá-la, mas Bella, isso era para ser na alegria e na tristeza, lembra? — Ele se levantou, respirava lentamente.

Edward estava errado. Bella precisava encontrar as palavras para dizer, para explicar, mas, ao invés disso, apenas o encarava em completo desespero.

Era a primeira vez que realmente o via desde o acidente, finalmente reparando na mancha escura sob os olhos cansados, nos ombros caídos e nos músculos rígidos, como se tivesse apanhado.

Parecia exausto e tão frágil! Como ela não havia sido capaz de perceber?

— Não sei mais o que fazer — ele continuou. — Nós não nos aproximamos, mal nos falamos há mais de seis meses. Então por que ainda estamos aqui? Vamos fingir que isso é normal até quando? — Fez uma pausa. — Eu não sei mais como fazer isso funcionar, não sei como recuperar o que fomos. Não consigo sozinho — um tremor em sua voz desafiou seu autocontrole. Respirou profundamente.

Ela desejava com todas as forças que ele retirasse tudo o que disse, que parasse de falar. Não sabia o que pensar, ou o que dizer, apenas queria que aquilo não estivesse acontecendo.

— Eu amo você Bella, a amarei para sempre, mas não posso ficar aqui esperando que esteja pronta para seguir em frente. Não consigo mais ficar aqui vendo Renesmee nos corredores, ouvindo sua voz, ou continuar preparando seu café da manhã como se ela fosse acordar a qualquer momento, porque ela não vai. E não posso mais suportar isso, não aqui.

Bella seguia imóvel em um silêncio inquebrável.

Aquilo não podia estar acontecendo. Ele não ia dizer, não ia... Como as coisas chegaram a esse ponto?

Edward se ajoelhou a sua frente.

— Estou indo para Ester. Não quero pressioná-la, então não pedirei que me acompanhe, mas quando estiver pronta, por favor, junte-se a nós. Você não está sozinha. Tem uma família que te ama muito, eu... Eu te amo muito. Não importa o quão longe esteja... — Aproximou-se, encostando sua testa na dela. — Eu sinto muito.

Com um beijo ele se levantou, pegou a mochila que estava sobre uma poltrona e caminhou lentamente em direção à porta. Parou por um minuto, como se esperasse algo, mas Bella não conseguia associar as informações, não conseguia se livrar do torpor e reagir.

Então ele partiu.


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Notas finais do capítulo

E aí o que acharam?

Me contem tuuuudo!



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