Utopia escrita por Renata Salles


Capítulo 12
Sobre a cova


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoas, tudo bem? Prontos para começar a Fase do Entressonho?

Esse capítulo pode parecer muito confuso, então eu já vou explicar. São 3 focos: Renesmee, Jacob e Sophia. Acontece que Renesmee e Jacob estão muito confusos e quando perdem a consciência, sonho, realidade e lembrança se misturam e se entrelaçam. Enquanto isso Sophia está fazendo escolhas perigosas...

Boa leitura!



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Semanas convertiam-se em meses.

Desde meu encontro com os Volturi eu não havia saído do quarto. Passava o dia assistindo minhas lembranças e quase todas as noites, depois de rolar durante horas de um lado para outro como uma carne no espeto, sonhava com uma La Push em tons monocromáticos ou insanamente colorida, com animais fantásticos e árvores conscientes — o tipo de sonho que se tem quando criança —. Jacob sempre estava lá: de diversas formas, ele era tudo o que eu tinha.

Mas algo estava errado.

Invariavelmente termino no mesmo lugar, em geral, da mesma forma. Há sempre algo em mim queimando.

Eric dizia que eu gostava de me torturar e, de certa forma, estava certo. Mas as imagens surgiam sozinhas, eu não conseguia controla-las: cada lembrança roubada era um pedaço de mim que morria vez após outra, até não restar nada. Estava me matando, eu era minha própria assassina.

O vampiro-mestiço fora designado como meu guardião — em outras palavras, carcereiro —, de modo que passávamos bastante tempo juntos. Achei a piada de Aro muito boa, ordenando que eu fosse vigiada por um híbrido que possui o poder da cura. Rá-rá, muito engraçado.

Quando desinteressadamente Eric contou-me sobre seu talento, me deixando verdadeiramente impressionada e indignada por falar como se fosse algo muito comum, parte de sua aura única se tornou um pouco mais nítida, por um momento, ao menos, uma vez que ele se negou a explicar qualquer tipo de detalhe.

— Não me olhes como se eu fosse um anjo, Renesmee. Isto é uma maldição e não um presente.

Não sei como gostaria que me chamassem, mas talvez pelo que significa, arrenego cada vez que alguém pronuncia meu nome. Todos o conhecem. “Renesmee” é automaticamente ligado aos Cullen, e nada pode ser mais irritante.

Minha raiva era um limite que eu não conseguia compreender, tudo estava fora do lugar. Ou talvez, apenas estivesse se encaixando.

Nas primeiras semanas Eric gentilmente trazia minhas refeições — torradas, frutas, queijo e bolo no café da manhã, e no almoço, um prato requintado com deliciosos sabores e temperos, delicados demais para serem preparados por alguém que não se agrade em saboreá-los —, até ser proibido por Jane. Segundo ela, se quisesse comer teria de ir eu mesma até a cozinha. Na verdade ela o queria proibir terminantemente de se aproximar dos meus aposentos, mas Eric a enfrentou e os dois tiveram uma briga feia, não por mim, mas por procurarem qualquer motivo para discordar e discutir entre si: na hierarquia da guarda, pelo que entendi, eles estavam quase no mesmo nível.

Não seria aceitável.

Quando eu era pequena minha mãe dizia que “às vezes é preciso arriscar-se e experimentar coisas novas sem medo”, sempre que tentava me convencer a fazer algo de que eu provavelmente não gostaria, como comer verduras no almoço ou provar as terríveis sopas de fibras e vitaminas que Carlisle inventava. Sinto-me petulante ao imaginar se ela diria algo parecido agora.

Confesso ter me surpreendido pelas portas e janelas estarem sempre destrancadas, com exceção da porta dupla em frente à cama, mas percebi que era apenas um sinal de que a possibilidade de uma fuga era realmente muito remota.

Não é algo que se possa mudar de ideia.

Eu me recusava a sair do quarto e raramente um ou outro vampiro passava apenas para se certificar de que eu estava em meu luxuoso cativeiro — ou se ainda estava viva. Algumas vezes, simplesmente paravam do outro lado da porta por alguns segundos, para logo seguirem seu caminho, mas em outras, entravam inexpressivos e me analisavam, saindo sem dizer nada.

Assim, cinco dias se passaram e eu não havia ingerido nada além da água da pia do banheiro.

No começo, sempre que a sede me estrangulava, e a fome fazia meu estômago dar uma série de nós, eu ia ao banheiro e enchia a boca de água, bebendo até sentir-me satisfeita, então voltava para a cama, acabando por pegar no sono. Percebi que quanto mais fraco meu corpo se tornava, maior era minha tendência a dormir durante todo o dia.

Mas dormir não era mais o bastante.

Sentia-me fraca, tonta, e não aguentava mais sequer olhar para aquela pia — de qualquer forma, não conseguiria chegar até ela. — Não havia uma posição que me fizesse sentir melhor, sofria ânsias subsequentes e parecia que minha boca havia sito perpetuamente invadida por um gosto ácido.

Mais uma onda de soluços, minha garganta fechando.

Um calafrio percorreu minha espinha. Movi-me o mais rápido que pude, desvencilhando-me dos cobertores. Lenta e desengonçada, cai da cama com um baque surdo, e o líquido esbranquiçado que há tanto tempo brincava de pega-pega dentro de mim, foi expulso. Por um momento, pensei que finalmente havia acabado, mas enquanto se vive, cada fim é um novo começo.

Então percebi que morrer de inanição não combinava comigo.

Abaixada, respirei profundamente, apoiando na mesa de canto para me erguer, e tudo girou. O que passou por minha cabeça ao resistir durante tanto tempo?

Meus olhos se arregalaram ao fitar no espelho uma criatura pálida e muito frágil, e a excitação me fez cair novamente. Meus pés se arrastavam e quase não pude abrir a maçaneta.

O imponente corredor era muito longo, e meus passos, muito curtos. Pensei em gritar e implorar por ajuda, mas meu medo e orgulho não permitiram. Alguns metros a frente havia uma porta, apoiei-me desorientada e abracei a escuridão quando ela se abriu.

.

Há muito em mim que não compreendo.

Sinto que estou diferente, que a transformação é algo permanente, ainda que não consiga identificar o caminho que estou percorrendo, ou para onde estou indo. Acho que não importa. “Se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve”, disse Shakespeare. Ele estava certo.

Houve um tempo, quando ainda que Jacob fosse meu, a ideia de nos tornarmos nós parecia apenas uma miragem distante, e ter de me mudar para longe e deixa-lo era a pior coisa que poderia acontecer, às vezes, imaginava minha vida sem ele, sem imprinting.

Talvez tivesse sido melhor para ambos, embora pudesse não ser o que chamam de completo.

Gostaria de desistir de tudo.

Se pudesse ter tido uma vida normal, eu frequentaria a escola e teria amigos que talvez não fizessem de tudo por mim, mas estariam quase sempre ao meu lado, paqueraria o capitão do time de basquete como todas as outras garotas, que falariam mal do meu cabelo e das minhas roupas, e talvez tivesse a sorte de ele me convidar para o baile. Eu correria todo final de tarde para contar as novidades para meu melhor amigo, que teria ciúmes, e um dia, perceberia que estava apaixonada por ele; meus pais me repreenderiam por me atrasar para o jantar, por não ter feito o dever, ou por não ter lavado a louça.

Se ao menos por um dia eu pudesse ter sido uma garota normal, com uma vida normal...

Mas a família não é algo que se pode escolher.

Pessoas têm filhos para obterem replicas de si mesmos, para que assim, de alguma forma, possam viver para sempre.

Meus pais não precisavam disso. Eu sou um acidente.

Você também não foi escolhido.

— Posso me sentar aqui? — perguntou, mas antes que pudesse responder ele já estava ao seu lado. — Eu te observava de longe e pensei: como uma mulher tão bela pode estar bebendo sozinha à uma hora destas?

Ela virou sua quinta dose de tequila.

— Em que posso ajuda-lo?

Ele franziu o cenho, analisando-a.

— Não... você não é uma mulher da vida.

— Não? — replicou cínica.

Ele pensou por alguns segundos.

— Tudo bem, você está me deixando confuso.

Em geral, humanos possuem uma capacidade de raciocínio muito limitada quando estão alcoolizados, o que não era exatamente o caso do humano louro de olhos azuis no terno Armani.

Ela riu e ele lhe ofereceu um cigarro.

— A propósito, meu nome é Bruce — disse estendendo a mão.

— Wayne?

Ele a agarrou pelo braço e se aproximou para falar em seu ouvido.

— É segredo.

Ela riu.

— Sophia. A mocinha em perigo.

Eu estava com medo, sozinha no escuro, mas o medo se transformou em audácia e eu me tornei a escuridão.

O chão sob meus pés foi tirado de mim, eu estava caindo.

Senti o cheiro de terra molhada, a terra de La Push. Sufoquei: ela estava por todos os lados, eu estava enterrada. Desesperada, finquei as unhas com todas as forças tentando empurrá-la, até que ela desapareceu, e me vi ofegante dentro de uma cova aberta.

.

— Jake — chamei pela milésima vez, mas ele seguia empenhado a me ignorar. — Jaaaacob! — Nada. Seu olhar estava fixo na estrada.

Suspirei, observando as árvores passarem rapidamente pela janela. Retornávamos a Hoquiam a 180 quilômetros por hora, atravessando a noite como uma lança, quando ela deveria ser muito melhor apreciada.

Eu não conseguia entender.

Sophia havia promovido uma grande festa no Emporium para comemorar seu aniversário. Todos estavam presentes: quileutes, empresários, agentes do meio de comunicação, artistas de todos os tipos e gêneros, banqueiros e até políticos; pessoas influentes e divertidas de todo o mundo.

A imprensa lutava para se infiltrar e obter informações “em primeira mão” sobre a jovem herdeira bilionária da Adália’s, e capturava fotos dos convidados na entrada, através do cordão de isolamento, em um típico evento cheio de celebridades.

Esforcei-me para ser o mais natural e encantadora possível.

Durante semanas pratiquei todas as “noções de humanidade” que adquiri durante meus anos de vida, somando-as as que foram ensinadas por amigos e parentes, e me superei. Minha família estava orgulhosa ao me apresentar em público e, pela primeira vez, interagi com humanos completamente alheios à nossa verdadeira natureza.

Foi incrível!

— Jake, você poderia ao menos me dizer o que foi que eu fiz?

Sua mandíbula se contraiu, as mãos apertaram o volante.

Ele esteve estranho durante toda a festa, muito quieto e indiferente, pairando ao meu redor como se fosse um guarda-costas, chegando até a ser rude com alguns convidados. Nesses momentos, senti vergonha de apresenta-lo como meu namorado.

Fitei mais uma vez sua expressão engessada.

Eu não deveria estar rastejando por sua atenção, uma vez que ele de repente resolveu se portar como um animal.

— Chega, pare esse carro! — disse soltando o cinto de segurança e me precipitando.

Jacob me agarrou firmemente pelo braço, puxando-me contra ele, e travou as portas. Devido ao susto, meus pensamentos foram projetados em sua mente.

Ele me soltou como se tivesse levado um choque.

— Eu... fiquei nervosa. Desculpe, deveria ter te dado mais atenção, e ter ficado mais com você. Eu estava tão...

— Droga Renesmee, por que não entende que nem tudo é sobre você?!

Foi como se tivesse me dado um soco na boca, senti meu rosto queimar e meus olhos se encherem de lágrimas.

Assim que terminou de falar, Jacob começou a pedir perdão.

Esquerda, direita, esquerda de novo. Ele apenas corria.

A floresta era um borrão verde diante de seus olhos; Jacob rodava em círculos, mas era incapaz de perceber, não importava o quanto o cheiro e a paisagem lhe fossem familiares.

Sua mente fervilhava.

Provavelmente estaria errado, mas não conseguia evitar a raiva: por que diabos Bella escreveria um diário? Por que aquelas lembranças desconexas lhe seriam importantes ao ponto de serem documentadas? Eram apenas dois adolescentes confusos bagunçando as coisas. Por que o infeliz do Edward resolveu dar uma de revoltado no único momento em que poderia ser útil e deveria realmenteestar presente? Como Renesmee pôde duvidar de seu amor? Ele sempre foi completamente dela.

Não importava nada que pudessem lhe dizer, a não ser que fosse um doce “tudo voltará a ser com antes”.

Um apelo que jamais ouviria.

.

Graças ao bom Deus, de repente todos precisaram sair.

Há tempos Jacob queria ficar a sós com Renesmee, mas quando se trata da filha ou da esposa, Edward é como uma goma de mascar: pode até não grudar em sua boca ou em seus dentes, mas está sempre silenciosamente corroendo seu estômago.

Desta vez foi Jacob quem propôs que saíssem, mas Nessie preferiu ficar na casa de seus avós e assistir a um filme. — Às vezes ele pensava que ela fazia de propósito: o contrariava apenas para provar que estava no comando, ou para mostrar que inacreditavelmente, talvez ele não a conhecesse tanto quanto acreditava.

Pior ainda era quando o fazia concordar com ela. Nessie nunca o obrigava a nada. Jamais. Esse era o problema.

Pela bilionésima vez, o filme escolhido seria A Bela e a Fera.

Jacob estipulava milhares de explicações para entender o motivo de esta ser uma das histórias preferidas dela. Em geral, contos infantis eram alvos fáceis de suas críticas.

— É fofo — explicou ela.

— Só isso?

— Hmm... Você lembra o Adam.

— Está vendo? Eu sabia! Mas sou muito mais forte que ele, seu pelo não é tão bonito e brilhante quanto o meu, e ele usa roupas! Parece um poodle de madame com aquelas roupas!

Ela riu.

— Desculpe querido, mas só está dizendo isso porque ele não se parece com um cachorro gigante.

A careta se formou automaticamente. Sua namorada o comparar com um cachorro é muita sacanagem.

— Escute querida, você não tem chance com ele, está bem. Aceite. Ele é da Bela e eu jamais permitiria.

— Aaah, isso eu posso resolver facilmente. É só mandar você para longe e matar a Bela.

O silêncio invadiu pesadamente o espaço entre os dois.

Renesmee gostava da história porque Bela também não havia tido escolha, mas aprendeu a ser feliz com a Fera.

.

Um riso de criança lhe tirou de seu transe, chamando-lhe a atenção, e por um segundo, acreditou ter avistado as formas de uma garotinha ao lado de uma árvore centenária. Havia somente ele e a floresta fria.

Virou-se e um calafrio lhe percorreu a espinha.

— Jake? — disse uma Renesmee com aparentemente nove anos.

Ela estava parada a alguns metros, fitando-o sapeca como quando preparava um novo jogo, e Jacob foi inundado pela esperança de que tudo seria um pesadelo do qual finalmente estaria acordando.

O ar parecia mais doce, a garotinha parou de sorrir e tudo se tornou monocromático.

A árvore atrás dela passou a se mover, Jacob foi cometido pela necessidade de proteger sua amada, mas algo o prendia. Vozes vinham de todos os lados, chamados sobrepostos.

Seus joelhos cederam como se estivesse segurando peso demais. Novamente, tão repentinamente quando as vozes surgiram, também desapareceram.

À frente, Renesmee adulta com as roupas sujas e ensanguentadas, o encarava imóvel. Os galhos da árvore a enlaçavam como os tecidos que envolviam as múmias, puxando-a para dentro de si, e ela parecia não notar, apenas o encarava com uma expressão vazia.

Ele não conseguia se mover.

Sentia-se desaparecendo com a noite, com o tempo.

Vampiro, humano, transformo...

Uma vez perguntei a minha mãe o motivo de não me encaixar em nenhum tipo de classificação. Apenas naquele momento pareceu lhe ocorrer que mestiço não era exatamente uma espécie.

— Porque você é especial demais, meu amor, e nenhum adjetivo é bom o suficiente — respondeu —, mas eu sei algo que se aproxima muito.

— O que mamãe?

— Um milagre.

— Milagre? — repeti duvidosa. Nunca acreditei em milagres.

Talvez eu simplesmente não seja nada.

— Impossível! Se tivesse consumido metade do que há nesta comanda ela já estaria morta, ou pelo menos em coma alcoólico. Faça essas contas direito, seu burro! — o que parecia ser o gerente ordenava ao garçom.

Há alguns metros, Sophia arrumou-se na cadeira.

— Eu preciso ir.

— Oh, não. Está cedo ainda!

Ela se levantou.

— Foi um prazer conhece-lo.

— Deixe-me ao menos lhe oferecer uma carona.

Sophia conhecia a si mesma o bastante para saber que não era uma boa ideia.

Naturalmente, Bruce era um alvo muito tentador: executivo mimado que ao invés de gozar a vida ao lado da esposa e dos filhos, procurava rabos-de-saia pela noite em Monique. Pessoas que desperdiçam vidas como essa não merecem viver, mas sua autossuficiência a fazia deseja-lo promiscuamente.

Ele realmente acreditava ser invencível.

— Talvez seja divertido — respondeu ela.

— Se um dia eu simplesmente te mandasse para longe, assim, sem mais nem menos... Você me deixaria?

Jacob analisou minha expressão com cuidado.

— Sinceramente?

Mantive o silêncio. Ele suspirou antes de continuar.

— Não.

Meu corpo relaxou após a expectativa, o olhar seguia algo distante, através das paredes.

— Nem mesmo se eu quisesse?

— Não sei se conseguiria — prosseguiu. — Não há nada para mim sem você, Nessie. Você é o que me mentem vivo.

Considerei a resposta por alguns minutos.

— Que bom — conclui sem fita-lo.

— Mesmo?

— Se me deixasse ou me traísse, eu te mataria lentamente. Pedaço por pedaço.

— Isso jamais aconteceria, você sabe. Minha obrigação é protegê-la, mesmo que de si mesma.

— Como?

— Nem sempre o que queremos é o que precisamos.

A imagem do fogo crepitando não deixava sua mente.

Ela era sua. Ou ao menos chegou tão perto de ser que ainda era possível sentir o calor que emanava por debaixo de sua pele.

Logo Jacob se daria conta de que não havia nada sob aquela lápide.

Não havia restado nada.

.

— Jacob!

A vertigem diminuía a cada segundo, até que ele finalmente viu Edward o chacoalhando. Ele ainda estava na floresta, há alguns metros da árvore que havia engolido Renesmee. Jacob avançou sobre ela, procurando uma abertura, mas o vampiro o segurava.

— Pare Jake... Ela não está aí!

Ele parou, fitando-o, seus olhos enchendo-se de lágrimas.

— Ela esteve aqui.

— Não, não esteve.

— Esteve sim, eu a vi! Preciso salvá-la.

— Foi apenas sua mente criando um escape...

— Mas eu ainda a sinto aqui! Você pode ter desistido, mas eu não!

Eles a enterraram para poderem se sentir melhor. Sua própria família a enterrou para poder seguir em frente com sua eternidade estúpida, como se Renesmee jamais tivesse existido. Ela viveu por pouco tempo não é mesmo? Seria fácil. Por que um dia chegou a acreditar que vampiros podem possuir sentimentos? — Fugir ou acusar alguém é sempre muito mais fácil que lidar com sua própria culpa.

Seus sonhos foram destruídos, seu corpo era um espaço oco. O vazio também pode ser cheio.

Edward manteve-se em silêncio. Jacob era incapaz de aceitar que não havia mais o que procurar.

— Você sabe como o considero, meu amigo. Fico orgulhoso que minha filha, minha princesa, tenha sido destinada a você, e o agradeço sinceramente por tê-la permitido conhecer o que é o amor, e por tê-la feito feliz, ainda que por diversas vezes possa ter agido um pouco precipitadamente. Lamento por ter estado no caminho, mas você sabe como era difícil para mim... Assim como você, eu faria qualquer coisa para poder voltar no tempo e mudar tudo, mas não posso. Ninguém pode.

— Queria apenas que Bella não tivesse escrito aquela droga de diário.

— Eu também. Não consigo entender o que pode tê-la levado a isso.

Jacob notou uma tristeza peculiar em seu tom de voz. Algo estava errado entre o casal maravilha.

— Talvez — continuou o vampiro —, os momentos que passou com você sejam mais importantes para ela do que nós imaginávamos, talvez você tenha superado o que os dois tiveram, mas ela não.

— Edward, o que é isso, cara? Ela te ama. Depois de tudo que passaram... e Nessie! Você sabe que eu não... nem pensaria... eu...

— Não posso pedir que me perdoe por não ter estado presente quando fui necessário. Eu jamais me perdoarei. Mas se houver algo que eu possa fazer por você... Saiba que poderá contar comigo por toda a eternidade.

— Não fale como se estivesse tudo acabado. Vocês vão seguir com suas vidas inúteis, mas eu... minha vida está sendo tirada de mim.

Abri os olhos e minhas íris queimaram, minha cabeça pulsava enquanto imagens novamente a invadiam, misturando-se aos acontecimentos presentes. A terra, as lembranças, o corredor: eu mal sabia distinguir o que realmente acontecia.

Estava no chão.

Alec, ajoelhado ao meu lado, encarava-me raivoso como se tivesse me flagrado quebrando algo que lhe pertencia, ergueu-me em seus braços, adentrando o quarto, e minha cabeça chacoalhou como se houvesse algo solto.

Deitou-me sobre a cama e analisou-me com aquela expressão amarga. Retirou-se.

O aposento era muito semelhante ao meu, mas invertido e consideravelmente maior. Havia uma porta dupla em frente à cama e perfumes sobre a cômoda.

Não era como se estivesse em um lugar estranho.

O quanto você pode desabar e ainda continuar caindo?

Estar longe de Seth era como tocar uma melodia fatal: ela podia ouvir cada nota.

“Você precisa deixá-lo ir”, repetia a si mesma.

Bruce jazia adormecido sobre a cama, ela havia sugado grande parte de seu sangue. — O humano havia dito que queria um pouco mais de emoção em sua vida, ela daria isso a ele.

Sophia, tomando seu café da manhã na bela sacada da cobertura do hotel, traçava uma nova rota. Bruce tinha uma lancha, talvez fosse bom pegar as chaves emprestadas...

Um pequeno desconforto na boca do estômago.

Ela soltou a xícara e um gemido irrompeu quando a pele se partiu, criando uma fenda mergulhada em sangue.

Lembro-me de uma vez ter prometido que nada jamais mudaria. Não era verdade.

Tudo muda, tudo se transforma, coisas improváveis acontecem; você percebe que possui apenas lembranças, e que elas são eternas. Não importa o quanto um momento dure, você jamais será capaz de bani-lo da memória, por mais que deseje.

Às vezes pode ser bom derreter-se em si mesmo, se fundir e transformar-se em algo novo.

Alec retornou carregando uma bandeja. Minha boca salivou ao vê-lo despejando o liquido do bule na xícara, minha garganta queimou violentamente.

Pulei para longe dele, apoiando-me na cômoda a esquerda. Seus olhos rubros queimaram.

Ele caminhou lentamente em minha direção, segurando a xícara cheia do sangue humano ainda fresco. Parado a minha frente, fez menção para que eu a pegasse, mas atirei-a ao chão e com o esforço, cai sobre a cômoda derrubando tudo que ali estava.

Não foi preciso que ele pronunciasse as palavras para que eu soubesse que estava me amaldiçoando com todas as suas forças.

Alec me ergueu bruscamente pelo braço, me segurando próxima ao seu corpo por alguns segundos, então me atirou de volta à cama. Eu mal havia registrado essa informação e ele já estava sobre mim, me imobilizando.

Gritei enquanto ele me forçava a beber, e acabei engasgando.

Senti um gosto doce como sorvete de iogurte que me anestesiou, seguido por um som estridente, uma espécie de apito que invadiu meus ouvidos e logo não pude mais ouvir nada, minha visão se tornou embaçada e desapareceu. Era como estar em um quarto escuro sem portas ou janelas, habitado apenas por minha consciência.

Era assim que eu imaginava a morte.


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Notas finais do capítulo

E aí, deu pra entender alguma coisa?

Me contem tuuudo!

Até mais!



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