Utopia escrita por Renata Salles


Capítulo 11
Assombração


Notas iniciais do capítulo

Hey pessoas, tudo bem?

Esse é o último capitulo da Fase I, Veleidade, então é especial.

Quando o inesperado abre suas asas, é muito difícil manter os pés no chão. Sua percepção entra em crise, e parece que nada é tão ruim que não possa piorar.

Boa leitura!



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Desconfortável, me arrumei novamente na poltrona da luxuosa sala de espera dos Volturi. Tentava controlar o nervosismo e pensar com calma, mas o que poderia fazer?

Em pé a minha frente, encostada a uma mesa grande de vidro, uma vampira me encarava incisivamente com um meio sorriso sarcástico. Ela usava um vestido preto que contrastava com seus cabelos longos cor mogno.

Não parava de me encarar.

Movi-me mais uma vez na poltrona, seus olhos rubros me davam repulsa.

Voltei a analisar o candelabro de cristal, os detalhes das paredes e móveis, as cadenciadas tonalidades e cores do piso de mármore... Ela seguia me encarando.

Repentinamente sua atenção foi desviada para uma porta a esquerda, a tempo de a vermos se abrir. Os guardas posicionados perto das saídas reforçaram a postura imponente, a vampira se desencostou, encontrando seu eixo e inclinando a cabeça ligeiramente para baixo, como uma reverência.

A vampira adentrou a sala caminhando lento e magistralmente, como se estivesse flutuando. Suas feições delicadas eram aparentemente engessadas por um branco translúcido, seu cabelo louro repousava intocável pouco abaixo de seus ombros; era magra, mas muito alta. Parecia frágil, facilmente quebrável, e ao mesmo tempo forte e perigosa. Havia algo sombrio no fundo de seus olhos rubros leitosos.

Seu olhar duro e superior repousou sobre mim e passou para vampira de cabelos cor mogno.

— Visita inesperada, senhora.

A vampira voltou-se a mim, me analisando, e um arrepio percorreu minha a espinha.

— Heidi, você a está constrangendo... — Sua voz era ligeiramente grave e melodiosa.

Heidi hesitou gaguejar uma resposta, mas a vampira ignorou, aproximando-se. Pus-me em pé.

— Sente-se.

Obedeci. Ela se sentou a minha frente.

— Diga-me, qual é o seu nome?

— Renesmee.

Seus olhos se estreitaram levemente.

— A mestiça dos Cullen? O que faz aqui?

Essa era uma boa pergunta, no entanto eu tinha uma melhor: como eu cheguei aqui? Programei minha mente a fim de organizar as memórias.

Recordei o momento em que saí da estrada, da sensação de estar dentro de um liquidificador, da estrutura de ferro perfurando minha pele, ficando em meu ombro, o que explica a dor e a cicatriz quase desaparecida. Lembrei vagamente de um rosto me encarando com chamas atás dele...

A vampira ergueu uma sobrancelha.

— Está sozinha? — perguntou divertida com um sorriso.

Eu estava tão assustada que até aquele momento não tinha conseguido refletir sobre o que aconteceu antes do acidente, e as memórias me assaltaram de uma só vez, sem aviso. Lembrei dos rostos dos meus familiares, das verdades que eles me negaram. Suas figuras agora pintavam um quadro desolador sobre minhas paredes desbotadas.

E todo o sofrimento, toda a mágoa retornou.

Veio a mim a imagem de Jacob me colocando em seus braços, me arrancando da escuridão. Seus chamados, suas promessas: “nós vamos superar tudo isso”, ele disse. Mas nós não vamos. Foi apenas um sonho...

Saber que minha mãe já esteve em seus braços, saber que meu Jacob já a desejou era nauseante, torturante e enlouquecedor. De repente estar em Volterra, nesta sala, não parecia mais tão assustador.

O que eu deveria temer? O máximo que os Volturi podem fazer é me matar, e isso seria um favor. É o que eu queria, não? De qualquer forma, estava presa.

E eu não tenho nada a perder.

Aro me veria, mas não encontraria uma garotinha com medo.

— Sim — respondi. — Estou sozinha.

O que? — soltou Sophia em sobressalto. — Co... como...

— Encontraram-na no Canadá, quando estavam partindo para Hoquiam. — Começou Eric. — Havia sofrido um acidente. Seu carro saiu da estrada e desceu a montanha capotando. Foi realmente grave, mas ela está bem.

— Não! Não, não não...

Por que Renesmee estaria tão longe de casa sozinha? Edward jamais permitiria, então... Sophia lembrou-se do estranho comportamento da amiga na noite da fogueira, da forma magoada e rancorosa com que fitou Jacob algumas vezes. Ela queria lhe contar algo aquele dia, havia descoberto algo.

— No momento ela se encontra em audiência com os Volturi. Não pude acompanha-la, tu sabes.

A cabeça de Sophia estava girando, era difícil prever o que Aro poderia fazer com sua amiga. Ela estava com medo por Renesmee, e ao mesmo não conseguia evitar pensar em se aproveitar da oportunidade.

— Então os guardas não vão sair do castelo por um tempo...?

— Não. Nem pense nisso! Não podes voltar, esqueça! Teu lugar não é em La Push!

Mais uma vez Sophia sentiu-se parva e ingênua: como ousava ter esperanças quanto tudo começava a sair do controle? Uma densa tempestade se aproximava.

— Sim... você está certo. Mantenha-me informada querido, e cuide dela, por favor.

— Farei o possível.

— Obrigada.

— E como estás tu?

Ela hesitou.

— Respirando.

— Não faça isso comigo! Tu não imaginas como me dói saber que está infeliz.

— Está tudo bem meu amor, apenas me expressei mal.

— Existe algo que eu possa fazer por ti? Qualquer coisa...

— Você sabe que não — respondeu com um suspiro.

Eric respirou profundamente.

— Preciso voltar, logo notarão minha ausência. Te amo.

— Também te amo querido.

Sophia encarou o céu nublado, orando em silêncio.

Enquanto caminhava de volta ao hotel, preparando-se para novamente pegar as malas e partir, não pôde evitar pensar em tudo que estava abandonando.

Em sua existência havia apenas uma regra: jamais se apegar a nada. Porque a ignorou depois da tanto tempo, sabendo que um dia pagaria por isso? Como pôde ser tão egoísta?

Não. Ela sempre havia sido clara sobre sua posição, avisara que não poderia ficar, que jamais poderia ser dele. Então porque sentia como se o estivesse traindo?

Egoísta seria se deixasse Seth se envolver. Não havia opção. Tudo estava pronto: dito e feito.

Sophia havia decidido que aquele seria o último hotel em que se hospedaria, pois além de ser obvio demais, ainda que tivessem de ter mais cautela ao procura-la em lugares como este, era impossível não deixar rastros.

Ela ignorava os olhares que lhe eram lançados por onde passava: sua beleza que outrora tanto lhe favorecera, agora a fazia odiar a si mesma.

Sua rotina se tornara monótona e melancólica, sendo impossível não questionar-se sobre adotá-la. Havia vivido essa eterna fuga durante muito tempo, diariamente buscando um novo lugar para se esconder, mas agora parecia insuportável.

Ela petrificou ao abrir a porta de seu aposento. Sentiu-se tonta e enjoada com o coração disparado: o quarto estava empesteado por um cheiro que há séculos não sentia.

Sophia acendeu as luzes. Como esperado o lugar estava vazio.

Ela caminhou pelo quarto lentamente, sobre a cômoda havia uma fotografia, onde ela estava sorridente em seu vestido branco no jardim da casa dos Cullen, ao lado de um Seth exultante após a cerimônia de seu casamento. A última vez que a mestiça a havia visto, a foto estava em uma prateleira de seu quarto, em La Push.

Um som aterrorizado irrompeu de sua garganta ao reconhecer a caligrafia no cartão:

Esteja pronta para fazer o que é preciso.

Selas

Sophia sentiu sua raiva irromper como um tornado.

Amassou o cartão com toda a sua força, manchando-o com o sangue de sua mão perfurada de dentro para fora. Apanhou a moldura e jogou-a contra a parede.

— Maldito! — gritou.

Sufocando entre lágrimas Sophia se abaixou para apanhar a fotografia, retirando-a do porta-retratos despedaçado. Abraçou-a, deitando no chão entre os estilhaços.

Uma porta se abriu atrás de mim.

— Senhora Sulpicia — uma voz masculina ecoou pela sala.

A vampira ergueu os olhos, fitando-o superior como se estivesse recebendo uma reverência. Ela era hipnotizante.

Seu olhar voltou-se a mim e seus lábios finos se esticaram em um sorriso maliciosamente sombrio, antes de se levantar, caminhando para um corredor a leste da sala. Seus três guardas particulares que a todo o momento pairavam a nosso redor seguiram-na rapidamente, cercando-a.

— Os Volturi a receberão agora, senhorita Cullen.

— Renesmee — corrigi levantando. Me virei para encará-lo.

Ele tinha cabelos castanhos lisos que quase tocavam seus ombros, e lábios cheios, sua pele de neve congelada parecia macia. Marcas suaves surgiam em sua testa franzida enquanto ele também me fitava fixamente.

O vampiro me aguardava com as portas abertas atrás dele, e um arrepio percorreu minha espinha. Estava na hora. Meus piores pesadelos se tornaram realidade e estava na hora de enfrentar o monstro.

Forcei um pé a se posicionar em frente ao outro repetidamente, me concentrando em parecer natural, tentando impedir que ele notasse que estava tremendo. Ele me encarava friamente, como se me desprezasse.

Somente quando parei bem a sua frente que notei que ele era o vampiro que me encarava em frente às chamas, a única coisa de que conseguia me lembrar do acidente.

Ele cheirava a chocolate, gelo e flores do campo.

Respirei profundamente, tomando coragem. O vampiro fez um gesto em direção ao salão do trono, como se estivesse me encorajando.

Senti-me atordoada, como se minha trilha sonora tivesse sido clandestinamente interrompida, substituída por uma de um gênero desconhecido. Esta música era mais densa, profunda e dolorosamente bela.

Meu peito doía.

Meu coração batia em um ritmo lento e firme, minhas mãos soavam frias. Sentia-me estranhamente febril.

Adentrei o salão.

Mesmo nos movendo, sentia uma fria corrente partindo do vampiro, e sabia de alguma forma que ele ainda me observava. Me deixava nervosa, insegura.

Meu transe foi quebrado quando uma voz gentil irrompeu do outro lado da sala de mármore:

— Mas que feliz surpresa! — disse o vampiro se aproximando sorridente.

Eu jamais esqueceria aquela voz.

— Aro — cumprimentei.

O vampiro que me seguia passou por mim e se juntou a uma garota que se parecia muito com ele ao lado dos tronos, e então percebi que aqueles eram os gêmeos dos Volturi. Alec e Jane.

Meu olhar passou rapidamente pelo eternamente entediado Marcus, e pelo raivoso Caius que ocupavam seus tronos.

— Devo dizer que os últimos sete anos lhe fizeram muito bem, minha jovem, você transformou em uma mulher estonteante! — Aro parou a minha frente esticando a mão em minha direção. — Sinto-me exultante em tê-la aqui. Desejava tanto revê-la! Desfazer a má impressão do dia terrível em que nos conhecemos...

Fitei a mão estendida, sabia o que significava tocá-la.

Aro inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, como uma súplica que eu sabia que não era realmente um pedido gentil, de modo que obedeci.

No momento em que toquei a mão estendida uma espécie de ligação se estabeleceu entre nós: era como estar sozinha em uma bolha com ele, ainda que pudéssemos ver tudo que se passava do lado de fora. Eu podia até sentir a entonação de seus pensamentos.

Em sua curiosidade ilimitada, Aro me explorava e eu sabia bem o que estava assistindo. Lembranças coloridas reviviam transparentes diante de meus olhos. Era o melhor filme que eu poderia ver, o mais feliz e mais terrível.

Aro era como um vírus invadindo meu sistema, enquanto eu o rastreava, selecionava imagens sobrepondo-as às outras, a fim de limitar o que ele acessava.

Senti seu interesse mudando e crescendo, uma espécie de dúvida e enfim uma decisão.

— Oh, quantas informações! — soltou ainda vidrado, me encarando com os olhos faiscantes. — Que criatura interessante você se tornou!

Depois de alguns segundos de observação, Aro olhou para a esquerda, fitando o Alec e depois uma vampira um pouco mais alta que eu, com corpo em formato de ampulheta, se aproximou alguns passos.

— E que situação constrangedora a trouxe aqui! — continuou o líder. — Pobre criança... Enganada por toda a família, traída pelo noivo e pela própria mãe. Realmente lamentável.

Senti meus músculos retesarem. De fato Aro sabia escolher bem suas palavras.

Eu passei anos acreditando que ele me odiava, que assim como Caius me queria morta de qualquer maneira, como ao resto de minha família e tudo que nos rodeia, mas era presumir demais.

— Me trouxeram aqui — corrigi.

Aro sustentou meu olhar e uma gargalhada histérica irrompeu de seu peito. Em um segundo, o tom de interesseira avaliação retornou.

— Conte-nos mais sobre esse seu... Jacob.

Meus dentes trincaram.

— Você sabe de tudo.

Seus lábios se esticaram em um leve sorriso maligno.

Eu o enfrentava com olhares incisivos. Ele estava se divertindo com aquele joguinho, isso era claro, para ele era tudo uma brincadeira.

— Você mandou guardas procurarem. Por quê?

Nós fazemos as perguntas — cuspiu Caius.

— Paz irmão — disse-lhe Aro com uma mão levantada, como se estivesse fazendo uma promessa. — Apenas queríamos ver como estava...

— Saber se está respeitando as regras — continuou Caius.

— Ficamos todos surpresos por tê-la encontrado sozinha e ferida, por isso meus queridos amigos a trouxeram. — Analisou-me. — Para ser sincero, foi Alec quem a encontrou. — Ele apontou para sua esquerda e o garoto me fitou. — Em um ato esplendidamente heroico ele a retirou do automóvel antes que ele explodisse em chamas... — Sua animação era perturbadora. — Deveria agradecê-lo, não acha?

— Obrigada — disse automaticamente, como um robô.

— Permita-me questionar, senhorita Cullen...

— Renesmee. — Interrompi.

Os cantos de seus lábios se esticaram em um leve sorriso.

— Diga-nos Renesmee, o que pretende fazer agora?

A pergunta me pegou de surpresa.

— Quê?

— Era nosso desejo revê-la, saber como passava e assim o fizemos. Está livre.

— A menos que haja algo que devamos saber — interveio Caius.

Aro o encarou em silêncio por um momento e seu olhar grave e conspiratório se voltou para mim.

— O que faremos com você agora? — disse sombrio como se estivesse pensando em voz alta.

Um silêncio gélido se instaurou. Não seria surpresa alguma se ele retirasse de sua cartola algum crime imperdoável que cometi.

Ele respirou profundamente.

— Posso me comunicar com seus pais, pedir a eles que venham busca-la... — Mantive-me rígida em um silêncio tenso. — Ou ainda, se desejar, posso pedir a algum guarda que a acompanhe no trajeto de volta para casa. Mas vejo que não é de seu interesse retornar a Hoquiam, e apesar de estar consciente de que não é mais uma criança, a senhorita continua sendo muito jovem e inexperiente, não podemos permitir que siga a qualquer parte sozinha.

— Eu sei me cuidar.

— Não há dúvidas quanto a isso. Apenas não podemos permitir que esteja susceptível a qualquer risco.

— Ou a algum humano — concluiu Caius.

— Além disso — continuou Aro —, sua família jamais nos perdoaria se permitirmos que siga sozinha. Não, não. E se algo ruim lhe acontecer? — Ele se aproximou como se fosse me contar um segredo — E se você não voltar? — sussurrou. — Acredito que todos devemos pensar com calma. Ninguém quer cometer um erro, não é?

Cética, balancei a cabeça de um lado para outro.

Ele parou pensativo, como se a ideia tivesse lhe ocorrido apenas naquele momento.

— Você pode permanecer aqui conosco, em nossa casa de campo, pelo tempo que desejar. Seria um imenso prazer recebe-la.

Caius o fitou incisivamente em discordância obvia, mas algo em sua troca de olhares o fez se acalmar.

Eu estava em estado de choque. Aro não podia estar falando sério, não era possível. Sentia que algo muito claro estava acontecendo e eu não conseguia enxergar, isso me enlouquecia.

Por que Aro iria me querer sob sua custódia? Meus poderes não seriam úteis para ele e minha força jamais seria páreo contra qualquer vampiro. Então por quê? O que pretendia me mantendo aqui?

— E então...? — perguntou com o olhar cheio de expectativa.

Não havia realmente uma escolha. Aro já havia decidido.

Ele pediu para que a vampira com corpo em formato de ampulheta me levasse para a “casa de campo”, um castelo enorme escondido pelas montanhas há alguns quilômetros de Volterra. Observei a cidade e a estrada por todo o caminho, apenas respondendo as perguntas ocasionais da vampira. Nada demais. Ela me mostrou um ou outro ponto da cidade, perguntou sobre minhas preferências alimentares e se eu tinha algum tipo de alergia.

Em quarenta minutos eu estava novamente no luxuoso cômodo que seria de agora em diante o meu quarto.

— Boa noite Renesmee — disse Chelsea se retirando.

Forcei um sorriso em resposta. Ela me causava calafrios, mas por algum motivo sentia certa simpatia por ela.

Eu estava exausta.

Me preparei para deitar depois do banho, explorando o banheiro e o closet, que agora estavam cheios de roupas e produtos de beleza e de higiene.

Me deitei na cama mais confortável que já vi na vida, me enroscando às cobertas e apaguei as luzes. Havia um despertador digital na mesinha ao lado da cama, e uma vela perfumada que já estava acesa quando cheguei.

Uma lágrima solitária escorreu por meu rosto. Suspirei.

— Feliz aniversário, mamãe — disse apagando a vela.


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Notas finais do capítulo

E aí o que acharam? Segunda Fase promete hein?!!



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