O Cavaleiro dos Lírios escrita por Kuro Neko


Capítulo 9
Adversidade




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Outro dia seguia o seu repetitivo rumo. Jin montava seu leopardo de armadura natural, Fogo foi o nome dado a ele, num panorama de árvores abundantes. Vanel Red havia sido deixada para trás há um dia, Jin estimava. Não dormira a noite passada e agora o sol radiava ao céu. A sua escapada de Vanel fora desesperadora e não podia deixar qualquer um pegá-lo.

Relances de memória flameavam sua mente. Após ter renascido Fogo, já soubera que sua estadia em Vanel Red chegara ao fim. O regulamento de necromancia local dizia que era proibido reanimar animais e/ou inimigos da população. Além do mais, lembrava que Maier instruiu apenas aprendizes que estiveram dispostos a cumprir, rigorosamente, o Passo Vida (a primeira experiência do aprendiz), isto é, escolher algum cidadão e dá-lo aos cuidados do submundo. Jin quebrara tais regras, sem qualquer morte por ele e nenhum homem trazido de volta. Lembrou-se das revelações de Gwen, que foi encontrada logo após o feito.

— O que é isto? — Ela havia perguntado, enquanto com olhos arregalados e perdendo um pouco de equilíbrio — Você tem alguma ideia do que você fez?

— Uma loucura qualquer, creio — Jin deu alguns tapas nas costas de Fogo enquanto esse emitia um chiado estranho — Mas até compensa. Vanel Red não é meu lugar e, além disso tudo, sou adulto.

— Não, isso está errado! — Ela balançava a cabeça freneticamente — Meu pai tinha certeza de que seria a minha vez. Ele, ele lhe deu a adaga e eu fiz o que me foi pedido!

No momento, lembrou-se de Tom dando-lhe a adaga e a associou, imediatamente, com a tarefa que tinha de ser feita. Além disso, concluiu que Gwen, se o que disse era verdade, era filha do próprio Maier. Pela afirmação, indagou se Maier havia desejado que ele mesmo matasse Gwen, sua filha. “Fazer o que me foi pedido” o fez pensar se todo aquele mau humor e deboche contra ele foi encenação. Tudo isso ocorreu antes de uma expressão de horror aparecer em Jin. Após isso, rapidamente montou em Fogo e, atropelando Gwen, partiu em direção a fronteira da pequena cidadela que era Vanel Red. Passou por pessoas com rostos espantados, pelas mesmas casas que pareciam mais sinistras a cada passo do animal abaixo de si e pela grandiosa torre. Não havia dúvidas que Maier enviaria alguma tropa atrás dele e então tomou a decisão de seguir por uma floresta que cercava a cidade. Se bem que Jin não se recordava de ter visto qualquer estábulo ou animal presente naquela vila, assim como nenhuma criança.

Um arbusto o levou para o momento atual novamente, o qual, ao passarem por ele, o deixou cheio de arranhões. Não tinha visto nenhum sinal de pessoas no dia passado, e este não estava sendo diferente. Jin, além disso, estava carregando uma mochila de couro às costas. Nela havia comidas pequenas, alguns recipientes de água, a adaga de Maier e um livro, o intitulado Aurora. Procurava alguma resposta ao que ocorrera ao seu primeiro encontro com Fogo. Os olhos dele pareciam os seus, o corpo dele parecia o seu e, em seguida, o fenômeno cessou e ele estava distante da mente de Fogo.

Mais tarde, após terem perseguido e comido um peixe que encontraram em uma pequena lagoa qualquer, finalmente pararam para descansar. O sol começava a se esconder no horizonte. As árvores ao redor eram banhadas por um tom alaranjado claro refletido pela água cristalina do lago. Jin aproveitou para lavar o rosto nela, enquanto tirava mechas de cabelo ruivo úmidos que caíam sobre sua testa. Em seguida, tirou o livro da mochila. Começou a ler, aproveitando a luz que daqui a pouco se exauriria, deitado na grama moderadamente alta que banhava a região. Após ler as primeiras três páginas, seus olhos começaram a pesar e, de repente e não propositalmente, caiu no sono. A grama era macia como qualquer outro colchão que já dormira e os insetos por ali não o incomodavam.

Quando abriu os olhos, assustou-se em ver o sol nascendo e o céu estando em um tom azul-claro. Jin espantou-se e sua reação foi apenas cobrir os olhos com as mãos enquanto ainda deitado. De alguma forma, sentia-se meio sonolento. Um momento depois, levantou-se finalmente, coçando-se todo pelas picadas de insetos.

Fogo não tinha dormido ainda, afinal Reke's não dormiam. Ele se encontrava ao lado de Jin com, aproximadamente, treze peixes de tipos e cores diferentes abaixo dele sobre a grama. Uma viagem grande como aquela exigia mais alimentos, como ele sabia bem, ainda mais agora que as provisões de Jin estavam se esgotando. O próprio Jin decidira fazer isso, mas o sono atrapalhou seu plano. Olhou em volta e, felizmente, nenhum homem à vista. Jin acariciou a cabeça de madeira de Fogo enquanto dizia numa voz calma:

— Muito bom, garoto! Obrigado. Agora vamos, precisamos partir.

E os dias de marcha repetiram-se novamente. Enquanto em Altgor, mais precisamente em seu castelo, estudara a rota para Austap (atual Vanel Red) e a rota que precisaria fazer depois da cidade. Jin achava que se dirigia a oeste, a princípio, e que logo encontraria a estrada Andarilho. Se bem que, pelos seus cálculos, deveria já ter chegado a ela, caso fosse essa a direção em que estava mesmo. Supôs, após a declarar a outra como fracassada, que se dirigia ao norte, que fazia bem mais sentido. Se assim fosse, encontraria outra estrada que cortava a Floresta Gázea (possível localização atual) e levaria outros três ou quatro dias de marcha, sendo que a contagem de Jin chegava a seis até agora. “Tudo isso é culpa daquela Malia, que se diz princesa”, Jin resmungou, lembrando-se que fora ela quem viera de Yerngir para lhe pedir Austap.

No oitavo dia, aproximadamente, Jin olhou o céu e percebeu, entre árvores altivas, que nuvens enegrecidas cruzavam lentamente o céu, deixando o dia um pouco menos clareado. A chuva era iminente, refletiu Jin. Assim, precisaria de algum abrigo para ele e Fogo, para evitar doenças.

— Diminua o passo! — Disse Jin para Fogo — Teremos chuva a frente.

Fogo fez o que lhe foi pedido. Jin lembrava de uma época em que o pai lhe ensinara a fazer tendas, caso fosse necessário algum dia: “Filho, está vendo esse tipo de folha?”, Jin se lembrava do pai dizendo em modo dócil, enquanto ele mesmo respondia com um aceno de cabeça, “Se você trançá-la desse jeito assim... você vai ter algo resistente para agir como telhado improvisado”. Desceu de Fogo assim que ele finalmente parou de andar. Jin procurou na região por tipos de folhas macias e lisas que o pai usara naquela ocasião, enquanto os primeiros pingos de chuva já começavam a cair. Ao fim da busca, não tinha mais do que uma dúzia de folhas de variadas árvores. Não conhecia a espécie de quase nenhuma. Sentou-se no chão semi úmido, jogando sua pequena mochila para o lado para lhe dar espaço e conforto, para começar a trançar as folhas entre elas enquanto Fogo deitava-se ao lado dele, observando o ato.

Ao contrário de seu pai, Jin não possuía a mesma habilidade, tendo que desfazer nós estranhos feitos. A chuva já começava a engrossar. A cada momento ele usava o mindinho da mão direita para afastar as mechas de cabelo que caíam sobre sua testa. Quando finalmente conseguiu tecer uma pequena parte do telhado, percebeu que o produto não protegeria nem a mais fina pessoa do mundo. Jogou todas as folhas no chão. Fogo pareceu tentar cheirá-las.

— Não tem jeito — Anunciou Jin num tom estático, todo molhado — Não importa quanto eu tente, nunca vou conseguir. O jeito é...

Fogo subitamente levantou a cabeça em direção às árvores a frente. Jin silenciou-se. Nos segundos seguintes, apenas a chuva fazia som no mundo. Foi quando Jin estava a quebrar o silêncio que ele ouviu, de alguma maneira, passos a frente. As árvores bloqueavam sua visão, portanto contava apenas com a audição. Os passos estavam ficando mais altos.

Uma pessoa surgiu dentre as árvores, de repente. Seguia na direção deles, aliás. Quando chegou mais perto, se foi possível identificá-la: um adolescente de altura média com uma túnica de tecido estranho com cores azuis e brancas, toda encharcada por sinal, além de ter curtos cabelos brancos e...

Orelhas pontudas. Nunca tinha visto ninguém com aquela característica antes, mas havia lido algo sobre eles há algum tempo. Segundo os estudos de Jin, eles sempre se alto intitulavam humanos, mas as pessoas mais abundantes os chamaram de elfos, uma vez que se segregavam dos demais e formavam pequenas comunidades entre iguais. Dizia-se que todos os elfos possuíam um parentesco comum, um homem, na verdade. Havia também uma concorrência natural entre humanos tradicionais e humanos élficos já que viviam sempre separados. Histórias horrendas e brutais sobre o desconhecido foi formulado dos dois lados, mas os relatos afirmavam a boa índole e maior eficiência no saber deles. Mas relatos não o ajudariam em nada, pois agora uma pequena distância separava o elfo dele mesmo e Fogo. Ele se aproximava cada vez mais. Jin rapidamente pensou em pegar a adaga para fazer algum tipo de surpresa, mas a adaga estava na mochila que estava fora de seu alcance dali. Decidiu rapidamente se esconder atrás do tronco de uma árvore grande que os esconderia certamente. Quando o elfo estava passando por eles do outro lado da árvore, não os notou, mas encontrou a mochila de couro caída ao chão. Foi mais perto para verificá-la. Fogo estreitou-se, aproximando a cabeça do chão em uma posição ofensiva. Já Jin estava um pouco assustado, pois além de estar desarmado havia uma grande vala de conhecimento em questão a elfos. Sem saber o que fazer, tomou a decisão mais cautelosa de continuar escondido atrás do tronco. Se tivessem sorte, o elfo seguiria seu caminho e levaria a mochila com ele. Mas não foi o que aconteceu, não totalmente. Ele pegou a mochila do chão, deu meia volta e seguiu pelo caminho de que tinha chegado.

Jin estava, ao mesmo tempo, preocupado e aliviado. Preocupado por ter os suprimentos roubados, por ter perdido sua arma e o livro Aurora. Contanto, estava aliviado. Elfos poderiam ser, até onde sabia, o mais cruel e terrível inimigo que poderia se enfrentar. O pior inimigo é aquele que é desconhecido.

— Vamos segui-lo — Disse Jin quase que inconscientemente. “Segui-lo?”, pensou em seguida. Apesar disso, montou em Fogo e ele, por vontade própria, começou a seguir o elfo cautelosamente sem perdê-lo de vista.

Não muito tempo depois, tudo estava completamente normal. A chuva dera uma trégua e lampejos chegavam dos céus pelas árvores. O chão estava tatuado por formas de folhas. Logo então, Jin percebeu que andavam em círculos e que já havia rondado aquelas árvores três vezes. Deu-se pensando se o jovem elfo havia os descoberto e estava apenas brincando com os dois, mas logo depois descartou essa possibilidade, pois um conjunto novo de árvores surgiu. Estavam tão aglomeradas que parecia ser impossível trafegar entre elas, entretanto uma fresta foi encontrada pelo elfo e lá ele entrou. Enquanto Jin se perguntava se deveria entrar ali, Fogo o conduzia até lá contra a sua vontade:

— O que você está fazendo? — Jin sussurrou — Não, não vamos por ali, por favor!

“Precisamos da comida”, Jin pensou sem querer pensar, “Precisamos de presas”. Entraram pela fresta.

O cenário que viram era estranho. No topo das árvores, haviam pontes de madeira entrelaçando cada uma delas e estranhamente as árvores ao redor sugeriam que eram algum tipo de muralha. As próprias árvores eram adornadas com materiais estranhos de cores, na totalidade, azuis brilhantes. Ao nível do solo, elfos eram abundantes. Não esperava que fossem tão parecidos com os humanos assim, pois a única característica que os diferenciava deles eram as orelhas pontudas. É claro que há diferenças culturais e ideológicas, mas de vista podia-se concluir que eles eram pessoas normais caso as orelhas fossem ocultadas. Isso o deu uma ideia, até. Fogo deu alguns passos para trás e saiu da fresta por onde espiavam todos.

— Fogo — Disse Jin, descendo da montaria — Quero que fique aqui. Não sabemos qual seria a reação deles ao ver você.

Fogo entendeu muito bem. Ele se sentou e ficou ali mesmo. “Ótimo”, concluiu Jin. Teria que arranjar algum jeito de conseguir um capuz. Entrou no pequeno vilarejo.

Não havia mais nenhum sinal do garoto que roubou sua mochila, mas não havia dúvidas de que teria que encontrá-lo. Esgueirou-se para a primeira casa, anexada a uma árvore e feita de tijolos azuis com um tênue brilho branco, e, furtivamente, entrou nela por meio de um buraco coberto por cortinas de tiras linho branco. Felizmente, não encontrou ninguém ali dentro.

A casa era nada convencional: a mobília era feita de materiais desconhecidos por ele, não havia nenhum tipo de divisão de cômodos ou coisas como fogões e outras coisas afins. A única coisa em comum ao seu mundo que viu foi um livro. Aproximou-se dele e, ao abri-lo, as letras eram ilegíveis. Ficou ali tentando decifrá-las até que alguém se aproximava. Sem algum canto aparente para esconder-se, Jin subiu uma escadaria fina que passava por dentro da árvore anexada a casa. A escadaria parecia ser feita de ferro comum. Quando chegou ao meio caminho da escada, ouviu palavras estranhas sendo ditas lá em baixo. Seu coração disparou de repente. Esperou um pouco e, depois de um longo silêncio, continuou a subir do modo mais silencioso que podia. Ao chegar no topo da escada, deparou-se, obviamente, com o topo da árvore. As folhas formavam o telhado e cobriam todo o cômodo superior. Mais uma vez havia vários móveis que não conhecia. Procurou o lugar todo por algum capuz. Infelizmente, nenhum capuz. Felizmente, tecido. Quando o pegou, ele era meio grande para a sua cabeça, caindo sobre seus olhos azuis. Mas depois de algumas modificações (rasgos e mordidas), ajustou-se devidamente. Estava agora com um capuz branco sobre a cabeça, e isso o ajudaria a mantê-lo incógnito. Saiu por uma das portas laterais cortinadas e partiu em busca do garoto.

Ao abrir a cortina, percebeu o quão alto se encontrava. As pessoas tornaram-se pequenos pontos abaixo de Jin e ele pôde perceber alguns cavalos abaixo. A frente, uma das pontes de madeira e corda que entrelaçavam todas as árvores entre si. Não fazia nenhuma ideia de como encontraria seus pertences, mas desejava sair logo dali. Deu o primeiro passo na ponte bamba. Na verdade, nunca tivera medo de altura antes. Mas aquela visão o fez repensar o assunto. Seria uma grande queda que garantiria ossos quebrados e, no pior dos casos, paraplegia ou morte. Deu mais outro passo, segurando-se nas cordas laterais feitas para mantê-lo estático. Numa longínqua ponte, a nordeste dali, estava o mesmo menino com a característica bolsa de couro que ele tinha usado (estava, aliás, encharcada). Jin deu mais outro passo.

Nesse ritmo repetitivo, conseguiu chegar a outra árvore no qual a anterior estava ligada. Sentiu-se aliviado por estar longe do perigo de cair daquela altura. A sala era quase idêntica àquela a qual partira. Estava ofegante quando um elfo qualquer que estava encostado a parede o encontrou. Estava vestido com algum tipo de armadura de cor cobre reluzente e tinha uma adaga de lâmina de cor verde presa a algum tipo de cinto formado por um fino tecido branco. Quando Jin ouviu palavras proferidas pelo elfo para ele, em uma língua um tanto estranha, estremeceu. Não tinha nenhum conhecimento disso, então, num surto de reflexo, cobriu rapidamente a boca com as duas mãos. O elfo o olhava de maneira duvidosa. Um momento depois, ele deu de ombros e apontou para o gorro. Não havia dúvidas de que queria que Jin o tirasse. Em contrapartida, Jin balançou a cabeça ainda com ambas mãos cobrindo sua boca. O momento a seguir foi o planejamento seguinte de ambos. Quando Jin percebeu que o elfo dirigia a mão direita para a adaga, que mais parecia uma alfange agora, presa em sua cintura, ele correu em direção a ele com o ombro direito a frente do corpo. Para a sorte dele, o elfo não foi rápido o suficiente para puxar a adaga e foi atirado ao chão. Mais uma vez, deveria agradecer ao pai.

“Em combates próximos, assim”, recordava, mais uma vez, Jin. Ele estava a frente de seu pai enquanto ele estava falando, “Se você se encontrar sem armas e perceber que o inimigo tem intenção de atacar, você deve derrubá-lo antes de qualquer movimento e fugir. Deste jeito. Levante a espada”. Jin fizera exatamente o que o pai pedira e, enquanto movia sua mão em direção a bainha, o pai tensionou o ombro direito a frente do corpo e o derrubou com tudo. Havia doido muito, Jin se lembrava, mas também lembrava do pedido de desculpas do pai. Agora, estava mais que desculpado. Correu em direção a terceira porta de três que havia, isto é, uma para oeste, outra para norte e outra para nordeste. Seguiria a nordeste.

Quando continuava seu caminho desajeitado para atravessar a ponte, ouviu o barulho de um berrante. Aquilo com certeza significaria problema, Jin sabia, então foi na maior velocidade que pôde pela ponte cordeada, sem nunca olhar para baixo. Quando entrou na árvore seguinte, encontrou um elfo no topo, saindo, uma escadaria de ferro similar àquela que subira na primeira casa. Além desse, havia outro chegando por uma ponte a noroeste, outros dois por nordeste mas nenhum aparente na ponte oeste. Saiu correndo em direção a essa. Outra ponte a frente e, felizmente, sem nenhum elfo nela. Mas como muitos estavam atrás dele, Jin teve de correr em direção a outra árvore. Elas não pareciam ter fim e a missão da recuperação da mochila parecia estar totalmente arruinada. A corrida continuava até que, na metade do caminho, pisou com força demasiada em uma tábua um pouco frágil e essa se quebrou. Sua perna esquerda afundou na fresta recém-criada. As pontas formadas pela madeira quebrada rasparam em seu pé até o joelho. Ao retirá-lo de lá, sangue saia dos raspões e, provavelmente, farpas estavam lá presentes. A adrenalina o impediu de analisar friamente a situação e o forçou a correr em frente.

Ao chegar em terra firme de novo, isto é, em outra árvore, esbarrou sem querer em alguém. Os dois caíram de costas no chão. Escutava passos vindo de todos os lugares: de trás, de baixo (por outra escada similar as outras) e por todas as outras portas que levavam a outras pontes que levavam a outras árvores. Jin não fazia ideia do que fazer em seguida, mas quando levantou sua cabeça o gorro ficou ao chão e a pessoa que ele olhava agora, assim como aquela que o olhava e o derrubara, era o mesmo rapaz de cabelos brancos que havia estado na Gázea. Ele olhava Jin com mais estranheza do que Jin o olhava. Todos os elfos que ali chegaram olhavam um para o outro em busca de alguma resposta e, logo em seguida, começaram a falar um com o outro. Jin deduziu que decidiam o que fazer com ele. Pouco tempo depois, o vendaram.

Caminho e mais caminho foi feito, provavelmente por entre o topo das árvores ainda, pois não sentiu nenhuma descida. Vários e vários minutos se passavam, e não fazia ideia de onde estava, apenas sentia que muita gente o acompanhava. Continuou assim até chegar a um lugar e ser posto rudemente num assento. Jin foi desvendado.

O lugar que se encontrava era maior do que qualquer outro estabelecimento o qual tinha passado para chegar até ali. O tamanho dele, podia arriscar, era de aproximadamente sete vezes maior que os outros. Jin estava sentado em uma cadeira de madeira construída de maneira simples, enquanto dois guardas élficos encontravam-se a ambos lados. Havia uma grande quantidade de elfos dentro e fora do local, ele podia ver. Mas um erguia-se acima de todos, sentado num grande trono feito pela casca da árvore: um velho de peles flácidas, cabelos grisalhos, orelhas pontudas e uma túnica belíssima nas cores roxa ao redor e laranja numa grande faixa vertical ao meio. Ao lado dele, em cadeiras menores, uma garota de longos cabelos loiros, de olhos castanhos claros, em uma túnica verde sentava-se numa cadeira menor lado esquerdo e um menino de idade curta, de cabelos igualmente loiros, com uma túnica idêntica à da menina, sentava ao lado direito. Um tumulto seguia seu rumo desordenado, com pessoas dizendo coisas naquela língua estrangeira. Ele, sem nenhum movimento possível, viu-se apenas com a opção de permanecer ali sentado, esperando palavras sem sentido algum. O velho levantou a flácida mão direita cheia de anéis, lentamente, e o silêncio veio. Ele anunciou algo numa voz calma e na língua desconhecida.

— O que você faz aqui? — O velho disse para Jin, logo após o anúncio — Como ousa profanar este território sagrado?

— Um furto me levou até aqui — Respondeu Jin, de maneira orgulhosa e furiosa pela sua experiência senhorial. Foi esbofeteado na cara por um dos guardas ao lado, que percebeu o tom de voz dele. O grande velho o olhava com olhos indiferentes. A menina ao lado dele dirigiu a palavra a Jin em um tom rude:

— Você está na presença do Senhor Yrgärl, décimo terceiro governante da Oliveira, descendente de Sgnët, o Primeiro Senhor dos Homens. Dirija-se a ele com a devida cortesia!

— Vocês são todos iguais — Respondeu Yrgärl, ignorando a menina ao lado — Invadem desde sempre nossa terra, goza de nossa hospitalidade e, por fim, mostra sempre comportamento destrutivo e nenhuma compaixão.

— Senhor — Jin respondeu. Dessa vez, a ardência no rosto o lembrara da cortesia — Sou apenas um simples viajante. Estava fugindo de...

— Homens — Yrgärl o interrompeu — Vocês são assim. Criam muros entre si que segregam seus iguais. Corrompem tudo e todos a volta de si. É a sua natureza.

— Com todo o respeito, senhor, somos diversificados. Não somos todos unidos, sim, mas criamos ramificações ideológicas diferentes.

— Ah, é mesmo? — A criança ao lado do velho respondeu dessa vez. Apenas eles estavam falando na sala — Quero saber de qualquer humano que tenha realmente sido bom.

— Meu pai — Respondeu Jin — Ele era o melhor homem de todos. Era governante de Altgor, uma terra ao sul daqui. Lembro de ele se preocupar com pessoas famintas e de sempre ser conhecido por sua boa índole.

— Morte — Yrgärl subitamente deduziu — Seu pai não se encontra mais entre os vivos — Jin franziu o cenho — A natureza do homem se repete, sempre. Geralmente, o bem sucumbe ao mal.

— Está certo, ele morreu. Por um outro homem. Vocês certamente conhecem a história das Víboras Escarlates.

O tom das falas alheias na língua desconhecia intensificou-se. Jin questionou a si mesmo se a palavra Víbora Escarlate era comum a todos, pois ela, com certeza, foi o motivo de toda essa confusão. Jin não conseguiu identificar se isso era bom ou ruim, a princípio. Yrgärl trocava olhares com as outras duas crianças ao lado dele.

— Esse é o motivo de eu estar aqui. A Víbora Escarlate reapareceu! — Mais confusão era gerada. Agora que chegou ao ponto que estava, não podia mais parar — E meu destino é encontrá-la para expurgar esse mal que tanto causou a este mundo — Soava nobre, mas era uma mentira. Jin decidira, de fato, encontrar a Víbora Escarlate. Entretanto, não se importava com todo o mal que ela tinha feito. A única meta dele era a vingança pelo que a anterior fizera ao pai. No próximo momento, pegou-se perguntando se aquilo persuadiria Yrgärl.

— O ciclo dos homens, por mais nobre que se torne, sempre terminará em mortes e mais mortes — Yrgärl anunciou, em meio ao pandemônio, com uma voz firme e brava — O seu destino não é nada mais do que trazer morte a vocês, a nós, ao mundo. Você, apenas por estar aqui, interfere em nosso ciclo. Diga-me, qual o destino que espera.

Jin pensou por um tempo:

— Absolvição.

Aquilo fez o velho rir, e todos os outros, mesmo que provavelmente não entendessem nada do que estivesse sendo dito e discutido ali. Caso fossem a raça tão orgulhosamente ereta a qual gabavam-se, provavelmente teria sucesso nessa tentativa.

— Está certo — Yrgärl pronunciou — Viverá entre nós até que a lua ilumine o sol, até que a última abelha morra, até que sua suja humanidade seja lavada de você. Levem-no.

Rapidamente, um dos guardas ao seu lado injetou algo em Jin. Pouco a pouco, pessoas começavam a se mover e sua visão começava a ficar cada vez mais desfocada até ele adormecer completamente.

Quando deu por si, Jin estava junto ao pai novamente. Ele estava na sua frente, deitado em uma poça avermelhada. Seus olhos rapidamente se encheram de lágrimas. Não havia nenhuma reação vinda do pai e seus olhos totalmente abertos sem brilho e sem nenhum movimento confirmaram a morte. Quando Jin tentou se aproximar dele, quanto mais parecia andar em direção ao pai, mais se distanciava dele. Quando o pai desapareceu de vista, algo o virou de repente e, na escuridão, surgiu um grande sorriso da silhueta de um homem.

Logo então, acordou aos saltos. Jin rapidamente enxugou suas lágrimas. O local em que estava agora era algum tipo de cela feita com galhos e raízes. Havia algum tipo de cama, um banheiro improvisado e uma mesa feita de madeira com alguns livros em cima dela. Ali, também havia algumas raízes e folhas. Folheou cada um dos livros que ali ficavam e, sem surpreender-se, observou que cada um estava naquela língua estranha. Não importa o quanto tentasse, não conseguiria lê-los.

Dias e mais dias se passavam, segundo ele, e nenhum dos livros faziam sentido. Queria sair dali, encontrar fogo, Yuki. Tinha saído de Vanel Red para ser preso em um canto qualquer. Isso o deixava cada vez mais tristonho.

Em uma tarde qualquer, ele estimava, apareceu o jovem de cabelo branco a frente da cela. Ele estava com roupas simples feitas de um tecido fino que Jin não conseguia identificar.

— Você sabe quem é Víbora Escarlate? — O elfo perguntou, dando uma pequena pausa entre as palavras, em um sotaque estranho. Jin aproximou-se da cela para tentar comunicar-se com ele.

— Sim, eu sei. Gostaria que eu te contasse? — O outro acenou com a cabeça.

Tempo depois, Jin tinha explicado a história cuidadosa e lentamente, fazendo gestos para palavras que o outro não entendia. Ele escutava tudo com um olhar que parecia encantado e assustado ao mesmo tempo. Ao fim, Jin perguntou:

— Eu te contei sobre uma história humana. Conte-me sobre esse Yalgur, por favor — O elfo balançou a cabeça.

— Yrgärl é governador de Mythril. Ele tem ligação direta com humanos há muito tempo — O elfo não acertava todas as palavras, mas queria dizer isto — Alguns dizem que ele tem mais de trezentos anos. Mas a questão é que ele convivia com humanos junto aos nossos ancestrais. Contudo, houve uma época em que Lord Hugo Cantelle, protetor e governante de certas terras ao norte, decidiu criar um conselho para matar todos os elfos. “A raça impura”, Yrgärl lembrava quando os homens começaram a matar todos os elfos existentes. Cantelle afirmava que elfos tinham laços com a divindade nortenha do crepúsculo, que trazia os homens para a morte. Mas em nossa história consta, apenas, que surgimos dois guerreiros lendários, um homem e uma mulher. O homem, Elsth, possuía a autoridade masculina em tomar decisões e governar. Já a mulher, Fayrie, possuía a compaixão e era ligada em animais e produtos da natureza. Os homens criaram a rivalidade existente entre nós até hoje.

Jin não sabia nem metade dessa história. Segundo relatos que ele leu há muito tempo, os elfos tentaram se sobrepor aos homens na ideologia de seleção natural. Essa versão, assim como aquela, poderia ser falsa. “Tenho de tirar minhas próprias conclusões”, pensou Jin.

— Obrigado — Agradeceu ele.

— Tente ler os livros da próxima vez, ali há maiores informações sobre nós — Respondeu o jovem elfo.

— Mas como? Não consigo ler nenhuma palavra daqueles.

— É porque você não é um de nós. Os homens podem aderir Elsth e Fayrie como origem, sim. Basta apenas crer — O jovem elfo o deixou ali, dando-lhe um pequeno sorriso.


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Notas finais do capítulo

Elfos, elfos e elfos! Esse capítulo foi basicamente apenas sobre eles!
Apenas um lembrete aqui: Não estou utilizando as criaturas mitológicas. Elsth e Fayrie são entidades pertencentes a mim. Apenas o nome elfo e a característica das orelhas pontudas foram usadas como "referência". Espero que tenham gostado! Comentários são bem vindos, sempre!



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