O Cavaleiro dos Lírios escrita por Kuro Neko


Capítulo 10
Destino


Notas iniciais do capítulo

Demorei um pouco para concluí-lo, mas aqui está!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/477661/chapter/10

A noite chegara outra vez. Ron ficava em constante repouso num quarto qualquer de uma casa qualquer de Kernport. Jane fora o culpado disso e parte de Ron sabia disso. O deixava triste ver os dias passarem e não ser aperfeiçoado, não sair dali e não ter nenhuma notícia do irmão Almur.

A cama de lençóis brancos estava meio úmida pelo suor do corpo de Ron, que raramente deixava a cama. Segundo Alfen, um médico local muito religioso, quanto menos mexesse seu corpo mais rápida seria a recuperação, ainda que somente o braço esquerdo fosse o prejudicado. Fora a cama, o quarto quadrado era composto de madeira. Ron já tinha até decorado os buracos presentes em cada tábua. O chão também era feito do mesmo material que as paredes e, analogamente, possuía pequenas frestas. Quanto aos móveis, havia um armário de carvalho que cheirava a mofo, uma mesa com diversos aparelhos metálicos para cirurgias simples e com livros de capas multicoloridas e candelabros por toda a parte. Perto da cama estava uma porta de ferro pesada que abria horizontalmente sem mudança de ângulo.

Ron conseguia escutar pessoas conversando, trafegando, treinando e até mesmo cavalgando através das paredes de madeira. Fechava os olhos sempre que algum barulho aparecia pois gostava de se imaginar fora do quarto, vivendo aquela situação ainda que como algum tipo de observador. Não demorou muito tempo para que começasse a escutar conversas. Fechou os olhos imediatamente.

— Não seja tolo, Ka — Uma voz estrangeira, de fora do quarto, ecoou junto a passos. Ela era masculina e um pouco grave — Você sabe que não passa de uma lenda, certo?

— Talvez — Outra voz, também masculina, respondeu a primeira — Talvez não. Não podemos nos arriscar, você conhece a história. Dizem por ai que terminam sempre do mesmo jeito. Mas parece que não temos opção. Donna é insistente e...

A conversa cessou. Em seguida, escutou-se passos inquietantes para a direção oposta de onde provavelmente estavam indo. Outros passos lentos também eram ouvidos, mas mais altos. Eles pararam atrás da porta de ferro, que começou a, lenta e ruidosamente, se abrir.

— Boa noite, Ron — Disse Alfen ao entrar no quarto. O médico vestia seu jaleco usual. Era um homem médio, com sobrancelhas finas e sem nenhum sinal de barba. Seu cabelo preto rareava próximo a sua testa, sinal de idade um pouco avançada. Fechou a porta lentamente — Como anda a sua recuperação? Oh, deixe-me ver isto.

Alfen tateou o braço esquerdo de Ron e sempre perguntava se doía. Ron sempre respondia com um balançar de cabeça. O corte de machado de Olho-bom em seu braço já cicatrizara parcialmente.

— Isso é incrível. Sua recuperação é esplêndida! Como já passamos pela fase de regeneração, agora vamos a fase de recuperação. Escute bem — Alfen aproximou-se de Ron e fez um movimento circular com o braço direito — Eu quero que você faça exatamente esse movimento.

— Certo. Vou fazer o meu melhor — Ron respondeu. Rapidamente começou a fazer o movimento e uma dor aguda o atingiu. Fechou os olhos, mordeu o lábio, imobilizou o braço novamente e percebeu que não conseguiria fazê-lo tão rapidamente quanto quis. Começou a movê-lo novamente, bem mais lento desta vez, e a única dor que sentia era a anterior, que ainda latejava.

— Mais uma vez, esplêndido! Uma ótima recuperação. Devemos tudo isso a Grande Oreva! Diga-me, você já a aceitou em sua vida, rapaz?

— Não sou religioso...

— A escolha sempre é do homem. Mesmo que você não olhe para ela, ela olha para você. Aqui, leve isto contigo — Alfen andou até a mesa e, movendo os aparelhos metálicos e outras coisas, apanhou um livro grosso e empoeirado. O levou até Ron e o deixou ao seu lado, na cama — Este livro é intitulado A Rainha no Horizonte e protagoniza a própria Oreva em personificação. Leia-o assim que puder.

Ron ficou chateado com a insistência do médico, mas sua postura não era de permitir a recusa de pedidos, ainda mais por pessoas que o tenham ajudado. “Eu recusaria algum pedido de Jane, que lutou ao meu lado contra os homens-lagartos?”, refletiu Ron. Quando voltou a realidade, percebeu que Alfen já tinha deixado a sala. Ron mexeu o braço lentamente assim como Alfen o instruiu antes e, pouco tempo depois, caíra no sono.

De repente, Ron estava num mundo composto por escuridão. Olhava para todos os lados procurando algo ou alguém, mas apenas a névoa que o rodeava formava esculturas anatômicas. Estava, na verdade, em uma cidade composta por névoa. Casas e prédios eram formados pouco a pouco e pessoas trafegavam as ruas recém-formadas. Uma suposta arena de batalha erguia-se altiva até o céu. Ron começou a andar, sem destino, passando pelas figuras enevoadas. Ao passar por elas, cada uma parecia olhá-lo e, caso estivessem andando em direção a ele, viravam meia volta e começavam a segui-lo. A cada passo que dava, mais frio sentia. Não era um frio comum pois parecia ter peso. A cada passo que dava sentia o corpo sendo forçado cada vez mais ao chão. Subitamente, Ron percebeu uma entidade estranha a frente. Não era composta por névoa ou qualquer outra coisa: Parecia ser totalmente normal e familiar. Por fim, decidiu dar um passo em direção a ela e, assim que fez a ação a repetiu. O peso tornava-se insuportável agora e, ao falhar o próximo passo, curvou-se um pouco e continuou lentamente. Quando chegou consideravelmente perto daquilo, caiu no chão e não conseguiu se levantar mais. Ron ficou ali no chão, caído de bruços, apenas olhando para cima. Sentia todas as pessoas enevoadas atrás dele juntas em um amontoado imenso. Enquanto no chão, escutou um ritmo produzido por algum tambor. Cada batida o dava a sensação de dor nas pernas. Escutou, também, várias vozes roucas, tanto agudas quanto graves, e tristonhas cantarem:

A noite da colheita

Fria, escura e sonolenta

Nos esquenta, nos esquenta

E nos traz a encomenda

Ao dia escuridão, a noite nos espera

Erga a mão e pegue a terra

Jogue nela, jogue nela

Jogue-a dentro da panela

A criatura a frente de Ron, a diferente das outras, virou-se. Ela usava uma máscara de plástico a face. Era um ser muito alto e transparente, ainda assim humanoide. A máscara que usava era idêntica a face de Almur em uma expressão de tristeza, com uma lágrima no rosto. Contudo, uma dança estranha na qual ele levantava ambos os braços e dava pequenos saltos de lá e pra cá sinalizavam alegria. Começou a cantar, alegre, enquanto os tambores batiam mais rapidamente:

Aqui está ele! Que beleza está!

Lugares tomem, valeu esperar!

Meu dia, nossa noite é essa!

Um dos nossos está nesta!

Rápido! Rápido! A festa começa!

É assim que é e assim será!

Mas se ele tem esperança

E esperança aqui está

Uma esperança iremos tirar!

A música subitamente parou, a névoa começou a desaparecer lentamente e, de repente, tudo ficou negro como breu. Apenas a máscara do Almur flutuava, se distanciando cada vez mais.

— Ron? Acorde, por favor — Ron acordou lentamente. Não tinha soltado nenhuma lágrima, mas rapidamente a lembrança do sonho subiu a cabeça dele. Estava com uma terrível enxaqueca. Ao olhar para a pessoa que o acordou perto da cama, viu apenas a pequena Al, a criança Kernportiana que ele encontrara na prisão. Estava vestida com um vestido branco usual.

— Olá Al — Ron sentou-se na cama. Não aguentava mais ficar deitado — O que faz aqui?

— Seu braço… Ele, está melhor? — Ron o mexeu um pouco novamente. Nenhuma dor dessa vez. A expressão de surpresa dele causou um pouco de riso em Al — Isso é bom! Vamos, levante-se daí.

— Aonde vamos? — Ron somente teve tempo de dizer isso enquanto Al o puxava pelo braço para fora da cama.

— Aonde vamos? Para onde todos vamos, o Pardal.

Ron não conseguiu entender aquilo, uma vez que não havia nenhum sentido na frase. Quando Al abriu a pesada porta de ferro, a iluminação que vinha de fora era cegante. Enquanto cruzava parte da cidade de olhos fechados, sentiu que muita gente estava os acompanhando. Quando finalmente sua visão acostumou-se a claridade do ambiente, percebeu que estava prestes a entrar em outra construção, bem maior que as casas normais. Era feita de madeira já meio velha. Já o piso era adornado de várias pedras lisas de várias cores. Ao entrar, a visão não estava mais acostumada com tanta escuridão e estava temporariamente cego novamente. Percebeu várias salas, todas com as portas de madeira fechadas. Bruscamente, Al virou-se em uma sala entrou rapidamente.

Ron escutou várias vozes vindas perto dali. Não sabia o que precisava fazer, mas, pelo menos, sua visão estava voltando ao normal. Além de várias janelas revestidas com vidro, havia várias cadeiras ali e algumas tinham alguém sentado. Contou trinta e cinco cadeiras e vinte pessoas, isto é, crianças. As crianças ali eram diferentes ali. Da onde veio, costumava-se deixar o cabelo curto de meninos e prender o cabelo indomável feminino. As crianças ali possuíam cabelos grandes que caíam sobre seus olhos, na frente, e sobre as costas até quase ao chão (estando sentadas). As meninas possuíam cabelos maiores ainda, mas mais volumosos do que compridos. Procurou uma cadeira para sentar-se e escolheu uma bem afastada das crianças afins. Todos os olhavam com olhos curiosos. Al deixou a sala para que logo depois chegasse outra pessoa, entrando pela mesma porta que ela saiu:

— Muito bem… — Disse a pessoa. Rapidamente, ela olhou para Ron, que retribuiu o olhar. Os negros cabelos lisos e curtos denunciaram a identidade da mulher que ali estava: A pessoa que estava no lago antes. Pelo modo que ela o olhava, sem lembrar ou simplesmente se importar com o que ia dizer, sinalizava que ela sabia algo a mais sobre ele. Só desejou que não fosse a história dele — Todos, fora da sala. Exceto você — Ela apontou para Ron. “Ela já deve saber”, pensou ele amargamente. Todos os outros da sala saíram obedientemente, isto é, olhando para ele enquanto saíam. Quando a última criança deixou a sala, a porta foi fechada um pouco forte pela mulher — O que diabos deu neles? — Andava de um lado para o outro da sala, fingindo que Ron não estava ali.

— Se me permite…

— Não permito — A mulher o interrompeu — Como é possível eles colocarem uma maldita Víbora entre nós, que mal fizemos nada!

— Senhora, eu não faço…

— Sim, não faça. Quanto menos você fizer, melhor tudo ficará. Como ousam fazer isso justo comigo?

— Escute — Ron respondeu num tom mais elevado de voz. Ela virou-se para ele e cruzou os braços — Por favor, eu não sou ameaça nenhuma para ninguém aqui!

— E querem que eu te transforme em uma. O que deu na cabeça desse povo? Será que todos se fazem de tolos ou realmente são? — Ela começou a coçar a cabeça furiosamente.

— Eu gostaria de uma explicação para tudo que tem acontecido. Afinal, por que estou aqui? Por que você está aqui? Apenas quero seguir viagem, agora.

Ao término da fala de Ron, a única porta da sala abriu-se em um estrondo. Um fluxo consideravelmente pequeno de pessoas entrava. Não pessoas comuns pois estavam trajados de maneira diferente: Alguns usavam túnicas que se arrastavam pelo chão de pedra, outros vestiam roupas de altíssima classe, feita com ótimo material e alguns outros até vestiam próprias armaduras esbeltas (de ouro e prata) adornadas com pedras preciosas. Distribuíram-se rapidamente entre as cadeiras ali. A moça do lago continuava em pé ali mesmo, observando todos que entravam com olhares carregados com desespero e raiva. Logo, todos estavam sentados, com exceção de um homem velho (aparentemente o senhor que o encontrou na saída da prisão) que já iniciaria um discurso. Contou, com ele, que doze pessoas entraram na sala.

— Senhores e senhoras, aqui se inicia o Conselho da Primavera — Pronunciou, inicialmente, o senhor — Primeiramente, peço perdão ao senhor Highwood por minha imprudência. Foi sábio em esconder sua identidade, mas aqui trataremos do futuro que nos aguarda. Com Jane Hertews longe de nosso alcance, e com sua inimizade a Víbora, ele publicará a verdadeira natureza de Highwood, ainda que oculta por sua vez.

— Perdoe-me, senhor — Falou a moça do lago, logo indo sentar-se numa das cadeiras na sala — Mas por que estamos ao lado desse desastre? Devíamos ter mais cautela até ao mesmo tê-lo visto!

Todos os presentes emitiram algum barulho, desde assobios de aprovação até pisadelas fortes no chão de pedra. Apenas o único que permanecia tranquilo ali era o velho senhor o que Ron tinha esquecido o nome.

— Obrigado pela preocupação, Sartah, mas ele é apenas uma criança, um jarro a ser moldado. Sem aliados e cheio de inimigos, podemos oferecê-lo a honra de participar da Frota Altar. Ao longo de experiências amigáveis ao nosso lado, ele virará um aliado em potencial — O senhor a respondeu. Ron perguntava-se qual seria o seu papel naquele conselho.

— Sr. Rerol, como espera que todos nós sejamos amistosos a ele? Sartah estaria com uma lança escondida nas costas no próximo encontro deles, assim como metade das pessoas aqui presentes — Um homem galante de loiros cabelos levantou a questão. Ele estava trajado casual porém elegantemente.

— Como você espera que um pássaro sobreviva em meio de tantos predadores que tanto lhes inveja habilidade de voo? Com os companheiros certos — Rerol, o velho, rebateu.

— Eu abato pássaros — Um homem parrudo de cabelos negros arrepiados revelou rapidamente — O melhor meio de acabar com um inimigo é não aceitando-o em casa.

Depois de um tempo de silêncio, tanto de Ron, Rerol e Sartah e dos outros integrantes, podia-se concluir que Ron não tinha amigos ali, apenas Rerol, que logo prosseguiu com o conselho. Sua paciência parecia estar bem rasa agora:

— Muito bem. Mas quando Os Ceifeiros baterem na sua porta, roubarem seus amados, trazerem a noite para o dia e, por fim, deixarem seus corpos para os corvos, não teremos com quem contar para reagir.

— Ele trará os próprios Ceifadores. Não vê? Eles existem para eliminá-lo! — Uma mulher de armadura reluzente e cabelos azuis marinho respondeu, num tom alto. Todos começavam a resmungar.

— Tolos! Os próprios Ceifeiros sabem que as Víboras Escarlates são produtos da humanidade. Quanto menos homens sobrarem, mais facilmente se expurga a Víbora. Não entendem?

Ron rapidamente olhou para Sartah, a moça do lago. Não havia nenhum sinal de surpresa nela. “Ela sabia disso”, Ron refletiu, “Mas por que não contou-me a história correta sobre hoje em dia?”.

— E daí? Que venham então. Vamos afiar as lâminas e esperá-los aqui — O homem parrudo deu seu parecer novamente — Mas não duvido nada de aquele moleque virar a casaca contra nós. Há a possibilidade de ele mesmo ser um Ceifador. Não gosto de correr riscos.

Muitos gritos de morte a Víbora, vira-casaca e perdição foram ouvidos pela sala.

— Todos, por favor, acalmem-se — Rerol levantava as mãos enrugadas ao alto. As mangas caíam a altura dos cotovelos — Iremos para a segunda parte do conselho: A decisão.

O tumulto foi morrendo aos poucos. Logo depois, iniciou-se um tipo de votação. A cada um era conferido um pedaço de papel quebradiço. Segundo as regras, mantê-lo, mas a vista, era a decisão da morte. Mantê-lo escondido significava despejamento. Devolvê-lo era a ação da absolvição. Após todo o processo de votos, o qual o próprio Ron não participava, o resultado era de dois papéis a vista, três devolvidos e seis escondidos.

— A terceira parte do Conselho começa agora. Ron Highwood, levante-se — A ação foi feita por ele logo após Rerol ordenar — Conte-nos sua história.

Aquilo foi inesperado. Ron não esperava ter de viver aquele momento, sendo julgado por estrangeiros por um motivo que ele desconhecia quase que totalmente. Visto sem opção, começaria a começar a sua história, até que:

— Dane-se essa terceira parte — O homem parrudo levantou da cadeira — Ele é meu — Num avanço rápido, ele carregou Ron nos braços e, ao chegar próximo a janela, jogou-o para fora na rua. Cacos de vidro e um pouco de madeira caíram junto com Ron. O chão de pedra, duro, assim como os cacos de vidro, o deixaram com ferimentos sangrentos. Alguns de dentro da sala gritavam de susto enquanto outros davam gritos de aprovação. No chão, Ron pôde ver o homem saindo pela janela já quebrada — Você é meu, Víbora. Har Hw esmagará sua cabeça com as mãos nuas.

A batalha se aproximava. Tanto tempo deitado numa cama, tanto tempo preso naquela cidadela sem ao menos aprender a arte daquele povoado o deram motivos para se levantar. Seus joelhos doíam bastante, mas não havia nada quebrado. Teria que vencer aquela luta: Por ele e, principalmente, por Almur.

O primeiro movimento foi realizado pelo oponente. Apesar de grande e forte ele também era rápido. Seu braço direito estava retraído na posição de preparação de um soco. Ele avançava bem rapidamente e, ao contrário de Ron que estava com uma roupa cotidiana simples, ele vestia cota de malha. Quando se aproximou de Ron, ele esmagava todos os cacos de vidro que estavam no chão. O homem possuía um peso enorme. Quando estendeu o braço num soco poderoso, quase atingiu Ron, que escapou do golpe abaixando-se rapidamente, na cabeça. Em reação, Ron, que estava agora de cócoras, desferiu um soco com o braço esquerdo fulminante na barriga do oponente. Infelizmente, a cota de malha é efetiva até em parar golpes de espada e seu golpe não surtiu nenhum efeito no inimigo. Sua mão, ao contrário, sangrava devido ao metal duro. Rapidamente, Ron tentou dar um pulo para trás para ganhar espaço, mas o grande Har o pegou pelos ombros e deu-lhe uma cabeçada forte. Assim que o golpe foi feito, o oponente o libertou e terminou cambaleando para trás e caindo no chão. Ron percebeu que aquilo não estava programado para ser uma luta justa, mas uma humilhação pública, isto é, uma execução. Seu oponente gargalhava:

— Qual o prolema, passarinho? Onde está toda a ameaça? — Aproximava-se dele lentamente — Vou agarrar sua cabeça e enfincá-la no chão.

A cabeça de Ron doía muito. Não conseguia se levantar ou reagir de qualquer jeito, apenas estava ali no chão, consciente. Quando Har chegou próximo dele e Ron percebeu que ele se preparava calmamente para segurar sua cabeça, percebeu que não usava nenhum tipo de elmo ou proteção na cabeça, e esta seria sua chance. Almur, tempos atrás, o ensinara algo valioso: “Lembro-me de uma vez em que quase morri num treino”, recordava-se ele de estar ele e o irmão sentados ao grande portão da Guilda dos Cavaleiros, “Era um oponente bem maior que eu! Eu tinha sido batido aqui e ali, mas não tinha como eu desistir. Aquilo era o pretexto de algo muito maior que viria e eu não podia mostrar fragilidade. O que eu fiz, então, foi nada cavaleiresco. Observei um ponto cego na armadura dele e, quando ele me mostrou uma brecha, ataquei-o ali até ele não aguentar mais. Lembre-se: De nada serve a honra para um cavaleiro se ela o faz desaparecer completamente do mundo no campo de batalha”. Havia razão naquelas antigas palavras, ainda mais numa ocasião em que sua vida estava em jogo. Estava na hora de seguir os passos de seu irmão.

Quando Har se curvou, inclinando-se, com a mão destinando a cabeça de Ron, o rapaz no chão imediatamente levantou o braço direito e, com toda a força possível e com a palma aberta na forma de uma pata de tigre, deu um soco forte no nariz do oponente. Foi tão efetivo que ele pôs as duas mãos em frente do nariz que sangrava e dava grandes passos para trás. Todo o alvoroço que faziam na sala em que estivera anteriormente havia se cessado. Estavam muito surpresos com aquilo. Ron aproveitou o espaço conquistado para se levantar. O homem parrudo, Har, estava mais raivoso que antes e disse gritando:

— Você quebrou meu nariz! Você vai pagar, moleque — Puxou uma espada curta na parte de trás de um cinto que ele usava, isto é, com a mão direita. A esquerda continuava a frente do nariz — Vou te ensinar o que é dor.

E então ele avançou novamente. Ron percebeu que, enquanto o inimigo chegava, os outros que estavam presentes naquela sala estavam saindo dela por meio da janela quebrada. Ao inimigo chegar suficientemente próximo a ele, desferiu ataque rápido, porém fulminante, horizontal, da direita para a esquerda. Em resposta, Ron deu um pequeno pulo para trás, esquivando-se do ataque. Sem perder muito tempo, Har deu um passo a frente e desferiu um ataque esfaqueador. A sorte de Ron foi que o sangramento no nariz o cegava um pouco, então o ataque saiu errado. Sem perder tempo, com a mão esquerda desviou ainda mais o curso da faca e, pela aproximação do oponente, deu outro golpe com a mão direita em seu rosto. Ele sentiu um pouco, mas a mão esquerda que cobria o nariz defendeu o ataque e logo depois segurou a mão de Ron que o fez. Desta vez, ele levantou a espada curta visando decepar a mão direita de Ron que ele segurava. Não conseguia reagir de nenhuma forma, então concluiu que perderia sua mão direita a não ser que algo nada comum ocorresse. De uma forma estranha, o ataque foi bloqueado por uma adaga que estava sendo manuseada pelo homem galante de cabelos loiros. Uma força adicional fez Har retrair o braço com a adaga e a soltar Ron. Os três deram passos para trás, estando o novo combatente ao lado de Ron.

— O que pensa que está fazendo, Lotar? Luta ao lado desta aberração?

— Sim, senhor. Ele merece algo a mais do que morrer pela mão de um homem que não se importa com honra e igualdade entre oponentes. E, além do mais, não quero sua morte, mas apenas sua partida.

— Éramos em seis, Lotar — Respondeu uma mulher qualquer que não tinha prestado atenção antes. Seus cabelos eram longos e castanhos e usava roupas galantes (porém cotidianas). Estava com uma maça em mãos — Terá de lutar contra nós todos, então — Ela se aproximava junto a outros quatro homens e a mulher de armadura reluzente.

— Lembre-se que somos em cinco, Reizz — Um homem barbudo, outro que não prestou muita atenção na sala, retrucou. Estava acompanhado por quatro pessoas, sendo uma delas Sartah. Todos pararam ao lado de Ron — Na verdade seis, com Highwood.

— Então, o que faremos agora? Derramaremos nosso próprio sangue no chão por conta dele? — Har Hw perguntou a todos.

— Sim — Respondeu Opryn, um homem de cabelo branco em armadura comum cheia de amassados — Apenas quando o sangue de todos nós ser derramado ele pode morrer com honra.

— Então que seja — A mulher, Reizz, retrucou.

Outra luta havia iniciado. Não como anteriormente, mas como uma “guerra anã”. Todos lutavam em pares como uma dança macabra, com o metal das armas orquestrando a batalha. Tudo o que Ron podia fazer ali era tentar não ser morto, apenas desviando de pessoas muito bem armadas e dando socos e chutes nas pessoas com vestimentas normais. Tudo estava correndo bem, mas a batalha parecia não ter fim. Quando não conseguia escapar de um ataque, seus companheiros ajudavam-no empurrando o inimigo com o próprio corpo. Muitos o salvaram de receber ataques que lhe custariam certa quantia de sangue, mas Sartah salvou sua vida ao derrubar a mulher de armadura reluzente, que trazia sua espada longa em direção ao seu pescoço.

Quando dois sextos dos companheiros de Ron e quatro sextos dos companheiros de Har estavam caídos na batalha (não mortos, mas exaustos e desmaiados), decidiram que não haveria modo de trazer a morte para Ron.

— Já chega! Nós pararemos de lutar apenas na condição de dispensar Ron de Kernport — Disse um homem de cabelo castanho claro, cheio de arranhados no rosto da batalha, que se ajoelhava ali.

Logo depois, Rerol apareceu para definir o curso final do Conselho da Primavera. Como era evidente o número de inimigos que encontraria em Kernport, foi sentenciado a deixar a cidade no amanhecer do próximo dia, sendo que agora começava a escurecer. Ao avançar da noite, visitou o velho Rerol para uma conversa pessoal (que o próprio havia pedido) em sua casa. Ela era uma das maiores e era feita de uma junção de pedras lixadas. Ao bater num grande portão de pedra, um jovem de cabelos curtos em roupas casuais veio recepcioná-lo:

— Olá, senhor Highwood! Meu pai o espera. Por aqui, por favor.

Passando por um grande salão de festas, um número indefinido (próximo a seis) de corredores, andares e muitos quartos, chegou a frente de uma cortina de seda vermelha adornada com lascas douradas.

— Atrás dela está o senhor meu pai. Assim que sair, levo-te para saída — Pronunciou o rapaz. Ron concordou num movimento da cabeça e entrou no quarto.

Ron Highwood, como era chamado no momento, nunca havia visto nenhum quarto tão esbelto. Havia esculturas espalhadas pelos cantos do quarto, quadros por todos os lugares, uma grande quantia de livros numa estante colossal e uma cama de mármore adornada com quatro tritões de mesma altura, feitos de ouro, nas extremidades. Nela, estava sentado Ben Rerol. Ron aproximou-se lentamente dele e, então, disse:

— O senhor me chamou aqui. Algo errado?

— Ah, olá Highwood. Não, nada de errado. Gostaria de pedir-te desculpas uma vez mais. Eu creio em seu potencial para o bem, e sei que você também. Mas o passado e o receio cegam um pouco as pessoas. Diga-me, está satisfeito?

— Sairei daqui com alguns arranhões, certos inimigos mas, pelo menos, vivo — Ambos riram disso um pouco — Apenas fico triste em não conhecer a arte daqui…

— Tudo ficará certo, você verá. Chamei-te aqui para dizer que seus dois amigos, Leonard e Flora, estarão te esperando no portão oeste da cidade de manhã — Aquilo animou Ron muito, podia-se ver na face dele. Rerol sorriu um pouco — Aliás, foram treinados pelo próprio Felix Estranho. Todos estão bem e mais fortes. Pelo que vi hoje, você tem a força necessária para liderá-los.

— Obrigado, senhor.

— Ah, e mais uma coisa. Você aprenderá nossa arte, mas não nos meios convencionais — Ron sentiu-se um pouco confuso ao ouvir aquilo. Rerol completou logo em seguida — Pois alguém daqui o acompanhará.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Por favor, comente! Aceito sugestões, críticas, perguntas ou o que você desejar!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Cavaleiro dos Lírios" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.