Luas de Sangue escrita por Fallen


Capítulo 12
Capítulo 11




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/477660/chapter/12

— Aqui, vocês dois! — O corpo enorme da enfermeira-chefe preencheu o batente da porta. — Venham comigo, seus inúteis! Acho que chegou a hora de aprenderem como pegar comida.

Podia ser apenas um palpite, mas aquilo não estava me cheirando a coisa muito boa. No entanto, eu faria o que precisasse para conseguir um gole d’água.

Seguimos a enfermeira-chefe enquanto ela andava fazendo o maior barulho pelo corredor escuro, suas chaves chacoalhando a cada pisada dura e aqueles pés sobrenaturalmente grandes enfiados como salsichas enormes naqueles sapatos brancos e grosseiros. Comecei a ouvir outros barulhos à nossa frente. Pareciam sons... animalescos. Rosnados, roncos e guinchos bem agudos encheram meus ouvidos.

— O que é isso? — Thunder soltou um rosnado baixinho. — E, agora, o que temos que fazer?

A enfermeira-chefe apontou para o final do corredor.

— Tem comida lá, bem lá no fundo. E água. Usem suas cabeça. — Ela checou o relógio enorme com pulseira de metal. — Vocês têm quatro minutos. E se não tiverem voltado ao final desse tempo — os olhos pretos dela brilharam e sua boca se esticou numa tentativa horrorosa de um sorriso —, vou saber que vocês bateram as botas. Violentamente.

Ela se virou e voltou para a enfermaria, que ficava a uns 50 metros, fazendo o maior barulho.

— Tomem cuidado! — ela berrou.

O corredor à nossa frente estava forrado dos dois lados com... algum tipo de animal. Cachorros loucos? Ursos? Hienas com pelo preto? Animais famintos, bravos e hostis, acorrentados às paredes por todo o corredor.

De alguma maneira, tínhamos que conseguir passar por eles e voltar em quatro minutos... mas só se quiséssemos comida e água. Só se quiséssemos sobreviver.

Qualquer um que já tenha passado por uma situação desastrosa como essa, ou mesmo que já tenha estado perto da morte, poderá contar que as coisas mais banais passam pela sua cabeça nesse momento. Segundos antes de sacrificar minha vida, me lembrei de uma loba que vivia em minha alcateia. Quando eu era criança, eu e meus amigos sempre andávamos nas pedras longe dela, porque essa loba tinha cara de louca e morríamos de medo de ela vir morder nossa bunda. O nome dela era Ákira. Mas agora ela parecia um filhote fofinho que eu poderia ter brincado de casinha com ela.

— São cachorros? — Thunder perguntou com a voz rouca enquanto olhávamos para o corredor. — Ou ursos?

Fiz que não com a cabeça.

— Estou achando que são aqueles cães guardiões do inferno.

— Você acha que dá para brincar de morder forte de novo? — Thunder sussurrou.

— Não consigo fazer aquilo de propósito — resmunguei, frustrada. — Estou tentando. Mas não está rolando.

— Tá. Bom, então eu vou. — Thunder deu um passo para trás e ia começar a correr por aquele corredor.

— Não... — bufei. — Sou mais rápida.

Mas antes de conseguirmos terminar nossa discussão, vimos uma figura pequena e ainda não identificável aparecer ao final do corredor, segurando um pedaço de carne na boca.

— Quem é? — falei baixinho.

Quem quer que fosse, a figura saiu correndo, pulando, se esquivando e quase batendo nas paredes, vindo em nossa direção a toda velocidade. A “coisa” estava a uns 10 metros de nós quando, de repente, tropeçou e caiu. No mesmo instante, vários cães caíram sobre a criatura, rosnando e mordendo-a. Fiquei sem ar só de assistir àquela cena terrível.

— Preciso ajudar — Thunder disse, dando um passo em direção àquela alma infeliz.

Mas, então, a pequena criatura deu um pulo, e veio correndo em nossa direção de novo. Não conseguia saber se era um macho ou uma fêmea, mas com certeza era um filhote, talvez cinco ou seis anos mais novo que eu. O sangue escorria pelos pelos. Abrimos caminho para ele ou ela passar e, então, a figura caiu no chão sujo, se apoiou na parede, a cabeça e os ombros tremendo. Os cães infernais tinham comido toda a carne pela qual o filhote tinha arriscado sua vida. Chorando baixinho, o filhote foi engatinhando até uma das portas ao longo do corredor e sumiu lá para dentro.

Thunder e eu ficamos assistindo a tudo em silêncio, chocados.

A enfermeira-chefe olhou de relance para o relógio. — Setenta segundos — ela nos disse. — Tique-taque.

Já tentou pensar em voz alta? Parece uma contradição. Mas você faz o que tem que fazer quando precisa fingir que não consegue ouvir os rosnados, ver as mandíbulas ou os dentes terríveis que estão lhe cercando.

Precisei ficar gritando sem parar na minha cabeça quando saí correndo pelo corredor. “Faz de conta que você está correndo da manada de alces. Corre, corre, corre!”

Ai! Senti meus pés se embaralhando, mas respirei fundo e continuei correndo.

— Vitória, vitória, vitória! — berrei que nem uma doida, esperando nunca ter que explicar para Thunder que eu cantarolava isso na minha cabeça quando estava no meio de uma manada descontrolada de alces.

Soou bem idiota no meio de uma corrida de obstáculos com cachorros malucos, mas estava funcionando. De alguma maneira, consegui chegar ao final do corredor com uma ou duas mordidas de raspão. Eu me virei, di um sorriso bem psicótico para a Thunder e, com muito custo, passei por uma porta.

E parei na hora.

A sala parecia vazia. Estava bem escuro. Será que essa era a ideia de armadilha da enfermeira-chefe? Se era, então eu tinha que tirar meu chapéu para ela. Mandou bem, enfermeira-chefe.

Por um segundo, me senti vulnerável como nunca. Eu já estava esperando um cachorro louco pular da escuridão e estraçalhar a minha cara.

Depois do que pareceu uma eternidade, meus olhos se acostumaram à escuridão e eu finalmente enxerguei duas coisas que pareciam cochos contra uma parede. A enfermeira-chefe não tinha mentido, afinal de contas. Que incrível! Fui correndo até eles, Peguei dois pedaços grandes de carne.

Estava me sentindo tão bem que enfiei a cabeça na água escura que havia em um cocho e dei um golão nela. Sentir minha cabeça debaixo da água me deu mais energia.

Segurando as carnes na boca, saí correndo da sala, passei pelo corredor e fui em direção à Thunder , que estava pulando como um lobo que havia deitado em um ninho de formigueiros.

— Cachorros bonzinhos! — Eu o ouvi berrar em meio aos latidos daqueles cachorros demoníacos. — Cachorrinhos fofinhos, deixem minha amiga passar. Vem, Luna, vem!

Bem naquele momento, senti as mandíbulas de um animal nos meus pelos. Bati com tudo numa parede, mas mantive o foco, “Vitória, vitória, vitória!”, e continuei correndo entre rosnados e latidos.

Ver o rosto de Thunder à minha frente me deu aquela motivação para percorrer os últimos metros. Eu praticamente voei para os braços dele e ele me segurou.

— Você é demais! — ele comemorou. — Você conseguiu, Luna!

A enfermeira-chefe estava vindo a passos largos em nossa direção, segurando sua arma paralisante ao nível de seus olhos.

— Falta! — ela berrou. Falta? E, sem nenhum aviso prévio, ela me deu o maior choque.

Eu mal sabia o que tinha acontecido, mas caí e as carnes caíram no chão.

— Quatro minutos e seis segundos! — a enfermeira-chefe gritou. — Nada de comida!

Ela levou as carnes embora enquanto eu babava no chão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Luas de Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.