Félix & Niko - Dias Inesquecíveis escrita por Paula Freitas


Capítulo 64
Dia dos Papis Soberanos 2015 - O Dia - parte II


Notas iniciais do capítulo

Domingo, 9 de Agosto de 2015



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/476325/chapter/64

...

Carneirinho entrou e chamou todos para o lanche. Jayminho correu, Jonathan ficou com Fabrício já esperando na mesa e eu fui logo até o papi que, até então, o tempo todo havia ficado calado no canto da varanda, nos observando na sombra. Até saí da piscina algumas vezes perguntar-lhe se queria alguma coisa, mas ele nada. Só queria ficar ali. Acho que o papi... Talvez... Só talvez... Estivesse gostando de ficar com a gente... Mesmo que só olhando de longe.

Só que agora estou com certo receio de chamá-lo para comer coosco. Não sei se arrisco perguntar se ele quer ir para a mesa, se quer ficar aqui, ou se o levo logo para o quarto que deve ser a decisão mais lógica dele.

Porém... Esqueci uma coisinha... O papi, às vezes, me surpreende com sua lógica!

– Papi... É... Quer ir... – Pigarreei. – Para a mesa com a gente? Ou quer voltar para seu quarto? – Então, falei rápido de uma vez só. – Se quiser ir agora eu te levo! Depois levo para o senhor um lanchinho, lhe ajudo, depois eu volto para comer e...

– Félix! – Papi me interrompeu e quase me fez cair para trás quando disse: - Não estou com fome agora, vá comer com sua família!

Família?! Família?! O papi chamou mesmo minha família de... Família?! O papi falar isso me deixou... Chocado... Feliz... Sei lá... Isso fez meu coração pular de um jeito bom demais!

– Eh... H-hã?!

– Entrou água nos seus ouvidos, Félix? Eu disse: vá comer com sua família, depois eu como alguma coisa, ou melhor, você me leva para o quarto depois que vocês acabarem e eu fico por lá!

Eu ainda não estava acreditando no que o papi estava me mandando fazer. Não pelo dar ordens porque ele é assim, mas por como ele me deu esta ordem. Chamando o Niko e os meninos de minha família... Ah, esta ordem eu estava imensamente feliz por acatar.

Porém, antes que eu pudesse obedecê-lo, vi que um loirinho nos observava do canto da porta. Não, não era meu carneirinho... Não o maior... Era a miniatura.

– Papa Félik...

Fabrício veio andando com seus passinhos desajeitados em nossa direção. Sempre me hipnotizava o meu mini-carneirinho vindo pra mim me chamando de papai, mas eu lembrei que o meu pai estava perto de nós e por um momento achei que ele podia se aborrecer com a presença do menino... Mas, ele ficara nos observando todo esse tempo... Se ele fosse brigar logo agora na frente de uma criança do tamanhinho do Fabrício aí sim eu saberia que atirei pedra na cruz. Por via das dúvidas, peguei Fabrício no colo assim que ele chegou perto de mim.

– Papi! – Meu mini-carneirinho me chamou de papi com um gritinho e sorriu quando o levantei.

– Oi, meu bebê! – Confesso que eu estava meio sem jeito de lidar com Fabrício na frente do papi. Eu estava mesmo era morrendo de medo de ele mudar de humor de repente. – É... Cadê seu irmão? – Fabrício apontou para dentro. Jonathan havia entrado para ajudar Niko. Por isso, meu pequeno veio até mim. – Ah tá... O Jonathan entrou... – Olhei para o papi e interessantemente ele estava olhando para mim com Fabrício no colo. Sentei, então, numa cadeira da varanda perto dele e ele virou o rosto.

Papi não falou uma só palavra. Sério, olhava para o horizonte. Como eu queria saber o que está se passando na cabeça dele agora...

...

...

Eu queria falar para ele o que estou pensando agora... Mas... Não conseguiria. Só que tenho que admitir que jamais pensei ver o Félix sendo tão gentil com um garotinho tão pequeno... Jamais pensei ver meu filho sendo tão bom pai.

Talvez fosse hora de eu deixar de orgulho e desengasgar tudo que trava na garganta... Pra que ter orgulho?! Não tenho mais nada mesmo a perder!

Pensei em falar algo, mas por mais que pensasse eu não encontrava as palavras certas. O que dizer? “Félix, você está se saindo muito bem como pai!” ou “Parabéns, filho, você é um ótimo pai!”... Não! Não sei o que falar, nem com lhe falar... Eu vivo numa redoma de um orgulho fracassado, despedaçado, já inexistente, mas que ainda me enclausura... Simplesmente não consigo sair... A única vez que rompi as barreiras foi quando disse ao Félix que o amava. Mas, essas barreiras se formam de novo e eu... Eu já estou fraco demais para lutar contra elas... Para lutar contra mim mesmo.

.. Às vezes... A vida nos reserva surpresas inimagináveis. E... Às vezes... Aqueles que parecem ser as criaturas mais frágeis e inocentes são, na realidade, os mais fortes, os mais capazes de quebrar todas as barreiras.

Aprendi isso quando senti uma mãozinha bem pequenina pegar no meu braço direito. Olhei. Era a mãozinha daquele menininho. Félix estava com ele no colo ao meu lado e o pequeno esticou o braço para pegar no meu. Olhei para Félix e ele estava distraído, pensativo, olhando para o horizonte. E aquele menininho... Tão inocente... Estava olhando para mim. Eu não conseguia ver direito seu rostinho, mas notei quando ele sorriu. Aquele sorrisinho doce de criança. Por um momento lembrei-me do Júnior. Hoje é dia dos pais e eu tenho apenas um dos meus filhos aqui comigo... Justo o que eu mais desprezei.

– Félix!

Chamei-o.

...

...

Quando papi me chamou eu tive um susto ao ver que ele estava segurando na mãozinha de Fabrício.

– Papi... – Recobrei-me do susto num instante e puxei a mãozinha do meu mini-carneirinho. - N-não está incomodando o senhor ele aqui não né?!

– Imagina Félix! Como que um menininho deste tamanho poderia incomodar?!

Engoli seco. Senti como se minha alma quisesse sair pela boca e eu a tivesse engolido de novo. Eu estava atordoado. Era um susto de... Alegria. Papi não havia se incomodado com Fabrício?! Ele me respondeu tão calmo... Tão frio... Nem parece aquele homem que ficaria com raiva pelo simples fato de eu ser eu.

E ele ainda ia me surpreender mais! Realmente... Esse dia dos pais está surpreendentemente incrível!

– Aliás, Félix... Que idade ele tem?

– E-ele quem?

– Você está ficando idiota, Félix? Esse menininho... – Ele continuava pegando na mãozinha de Fabrício que incrivelmente sorria para ele. – Qual a idade dele?

– A-ah... O Fabrício... Ele faz dois anos mês que vem!

– Hum... – Ele parou e eu parei esperando o que ele diria. Por que eu não sabia o que dizer. Ótimo! Félix Khoury está sem palavras. Poucos momentos na vida fiquei assim. Se bem que desde que fiquei com o carneirinho, já fiquei assim muitas vezes. Mas, agora... A culpa é do papi. É como quando ele me chamou de filho pela primeira vez... A emoção que eu senti me deixou sem palavras. Nem haveriam palavras suficientes para descrever o que eu senti.

– Então... Ele tem a mesma idade do Júnior não é?!

– H-hein?!

– O Júnior, Félix! Seu irmão! – Ele falou mais irritado. – Você está em que mundo hoje?

– E-eu?! Não, papi, é que... Eu só... E-eu não esperava o senhor falar isso, só isso!

– Hum! Você não me respondeu! Mas, não precisa, já sei que esse garotinho é da mesma idade do Júnior! Olhe só...

– Olhe só... O quê?

...

...

– Nada!

O que mais seria? Acabei de pensar numa coisa que eu mesmo jamais me imaginaria pensando... Se o Félix tem esse menino como filho, a Paloma e o Júnior seriam como tios dele... E eles têm a mesma idade. Mas... Se eu falasse isso, o Félix me internaria agora num hospício, acharia que estou louco! Devo estar...

Meus pensamentos foram interrompidos por um barulho. Félix levantou logo, ao ver o que foi, deixando o menino sentado na cadeira ao meu lado.

...

...

– Niko! O que houve?

Félix veio me acudir. Eu caí no chão após escorregar num pouco de suco derramado no chão, que provavelmente Jayminho derramou quando saiu correndo.

Félix me ajudou a levantar e me apoiou. Mas, eu não caí só pelo suco derramado. Eu... Na verdade... Ouvi tudo que seu César falou desde que Félix se sentou ao lado dele com Fabrício no colo. Fiquei curioso e fiquei espiando e... Nossa... Estou até agora tão surpreso quanto Félix. E acho que ainda vou me surpreender mais...

Às vezes, para que as coisas aconteçam, elas precisam de uma ajudinha.

...

...

Ajudei o carneirinho, mas assim que ele pôs o pé no chão...

– Ai! Ai, Félix, meu tornozelo tá doendo!

– Não acredito que você torceu o tornozelo, carneirinho! Logo hoje! Eu bem que mandei o Jayme não correr pra lá e pra cá...

– Ai! Depois nós damos uma bronca nele! Me ajuda a sentar!

– Ah... Aqui?

– É, o que tem?

O que mais, Niko? Tem o papi, que está aqui fora e você quer ficar aqui?!

– Não quer ir lá pra dentro não?!

– Não, Félix! Não íamos comer na mesa aqui de fora? Eu prefiro ficar aqui na varanda mesmo!

– Ai... – Suspirei e... Seja o que Deus quiser. – Tá bom, Niko! Vem!

Ajudei-o a sentar. Claro que não ia colocar o carneirinho ao lado de papi, então pulei uma cadeira e o sentei na seguinte, ao lado esquerdo dele. Eu ia voltar para onde estava com Fabrício, mas Niko me pediu antes:

– Félix, não dá pra você dar uma olhadinha lá na cozinha, é que eu deixei uma calda de caramelo no fogo, pra pôr em cima do pudim...

– Niko... – Tentei fazê-lo entender com o olhar que era melhor eu ficar para evitar problemas com o papi, mas acho que o carneirinho não entendeu... Ou se entendeu, fingiu que não.

– Vai lá, Félix! Por favor... Olha, é fácil, não precisa fazer nada, só mexe de vez em quando pra não grudar e quando ficar da cor de caramelo você desliga e derrama em cima do pudim, tá na geladeira!

– Niko... – Trinquei os dentes... Mais claro que isso impossível! Mas, acho que esse loirinho estava fazendo de propósito. – O Jonathan! Cadê o Jonathan? Ele pode ficar lá!

– Não, o Jonathan me disse que ia tomar banho, porque não ia mais voltar para a piscina depois! Félix, por favor?! Os meninos gostam tanto de pudim... Faz isso?! – E mais uma vez eu fui vencido pela carinha de carneirinho pidão.

Bom, se o papi fosse explodir eu não poderia conter mesmo, então... Fui. Mesmo com medo de quando voltar encontrar um cenário apocalíptico, pior que Hiroshima depois da bomba atômica.

– Ok... Vou pôr o Fabrício aqui perto de você então! – Olhei para o papi rapidamente e ele estava calado, outra vez olhando para o horizonte. – É... Esse caramelo não demora muito não né, Niko?!

– Não, é rapidinho! Faz como eu disse...

– Tá, tá! Estou indo!

E como em raríssimas vezes na vida rezei para ficar tudo bem. Para o papi continuar calmo e o carneirinho, de boca fechada.

...

...

Agora estava eu lá sozinho com meu sogro e meu filhinho entre nós dois. Fabrício se mexia na cadeira e eu o segurava como podia para ele não cair... Mas, não podia me mexer muito, senão... Correria o risco de doutor César e Félix perceberem que eu fingi essa torção no tornozelo. É, fingi sim! Só para ver se seu César ia falar alguma coisa, se ia pelo menos falar comigo. Mas, não. O silêncio imperou ali, e o único som era da vozinha de Fabrício falando algumas palavrinhas e rindo quando eu o impedia de descer da cadeira. Até que Jayme foi até nós. Com uma carinha de culpa, ele se aproximou de mim.

– Pai Niko, você se machucou?

– É... Só tá doendo um pouquinho, filho! Daqui a pouco passa!

– Foi por minha culpa?! Por que eu derramei suco no caminho, não foi?!

.. Não gosto de ver meu filhote com essa carinha...

– Não, meu filho... Quer dizer, foi... Você devia ter obedecido a seu pai quando ele te mandou não correr! Você mesmo podia ter escorregado e se machucado pra valer!

Notei que seu César arqueou uma sobrancelha quando eu falei isso pra o Jayminho. Ele fez exatamente como o Félix quando percebe alguma coisa.

– Me desculpa, pai Niko!

– Tudo bem, Jayminho! Me dá um abraço e vai ver se seu pai precisa de ajuda lá na cozinha!

Ele me deu um abraço e saiu. Não sem antes dar uma risadinha. E eu tinha que lhe dar razão...

– O pai Félix tá cozinhando?

.. Eu podia jurar que ouvi uma tentativa de risada rápida por parte do meu sogro quando o Jayme falou isso. Mas deve ter sido minha imaginação...

– Jayminho! Não ria dele senão ele não faz mais nada, sabe como ele é cismado! Não, ele não está cozinhando precisamente... Só foi olhar uma coisa que eu deixei no fogo pra não queimar! É a calda do pudim, vai lá ver!

– Oba! Vai ter pudim! – Ele correu para dentro.

Eu me distraí vendo o Jayminho entrar enquanto eu gritava: – Jayme, filho, o que foi que eu acabei de falar sobre correr?! – E nem vi que nesse meio tempo, Fabrício ia pulando para descer da cadeira. As cadeiras da varanda são leves, se alguém colocar mais peso para frente nelas, elas podem virar. Foi quando ouvi o barulho dos pés da cadeira contra o chão. Na hora, me virei e levantei num reflexo para segurar Fabrício, pensando que ele tinha caído, mas...

...

...

Ele se distraiu olhando para o garoto mais velho e se esqueceu do mais novo. O pequeno não parava quieto e tentou descer sozinho, mas as cadeiras dessa varanda são um perigo para crianças muito pequenas, nem sei como eles deixam um menino dessa idade sentado sozinho numa delas. Bom, ele não está mesmo sozinho... O pai está aqui... Eu estou aqui... Mas... Ah! Ainda bem que ele estava do meu lado esquerdo! Usei meu braço bom para segurá-lo antes que ele caísse e a cadeira virasse para cima dele. Essa cadeiras são muito leves, mas dessa idade, ele com certeza sairia chorando.

Eu pus o braço na frente dele, o segurei, e a cadeira que já estava quase para virar, fez um barulho ao bater contra o chão voltando para o lugar. Foi nessa hora que ele, o pai, virou e levantou da cadeira num pulo para segurar o garotinho.

– F-Fabrício... Que susto!

– É melhor segurá-lo! Ele é muito pequeno para ficar sentado sozinho nessas cadeiras!

Ele me olhou como se eu falasse grego! Deveras... Foram raras as ocasiões durante esse ano que dirigi a palavra a ele...

...

...

Eu me espantei. Nem tanto por seu César ter segurado o Fabrício, porque acredito que ele não tenha um coração tão ruim para deixar um bebê cair assim sem fazer nada... Mas, mais ainda, porque ele falou comigo. Poderia eu arriscar mais algumas palavras?

– S-sim... – Peguei Fabrício no colo e me sentei com ele. – Obrigado por segurá-lo!

Ele não respondeu nada. Depois de alguns segundos, percebi a burrada que havia feito no momento do susto. Eu levantei. É claro que ele notou que eu menti sobre meu tornozelo...

– É... Eh... D-doutor César... Sobre o tornozelo... Eu...

– Eu percebi desde o início que era fingimento!

– H-hein?! – Ele percebeu?!

– Como você acabou de me chamar?

– C-como? Doutor César?!

– Isso mesmo! Doutor! Passei muitos anos da minha vida sendo médico... Tenho muita experiência para saber quando e como alguém se machuca de verdade! – Estou chocado! Não só pelo conhecimento do doutor César, mas também por ele estar conversando comigo.

– É... Doutor César... Eu... Eu só fingi ter me machucado para...

– Não me importa!

– N-não?

– Não! Não me interessam seus motivos! – Ele pausou um segundo e falou então o que me fez perder o medo só por um instante de falar com ele. – Só espero que você não costume mentir para o Félix...

– Eu mentir para o Félix?! Não! Isso não, doutor César! Isso do tornozelo foi uma bobagem, eu realmente não levei uma queda como pareceu, mas, eu amo o seu filho, amo demais, jamais mentiria para ele!

Fui sincero de todo coração... Mas, confesso que agora voltou o medo da reação dele.

...

...

Esse rapaz está sendo sincero...

– Rapaz, você... Você tem certeza que não mentiria para o Félix? Você acabou de fazer isso...

– Não, seu César! Eu não menti! Eu fingi ter me machucado sim, mas pelo simples e único motivo que eu queria ficar aqui fora para... Para... Para, sei lá, talvez tentar trocar umas duas palavras com o senhor...

– Já trocamos mais que duas palavras!

Eu sou vivido demais para não perceber as reais intenções das pessoas. Claro, quando são pessoas transparentes assim como ele é fácil. Por que... Quem sou eu para ser tão experiente em reais intenções?! Se fosse, eu não estaria como estou hoje!

...

...

Eu simplesmente não sabia o que falar mais... E pra quê?! Seu César já havia dito tudo... Talvez... Talvez ele não quisesse falar mais nada depois disso...

Mas, agora, eu não iria desistir tão fácil. Nem que isso fosse arruinar meu dia dos pais, eu continuei sendo totalmente sincero. Respirei fundo e disse tudo que há tempos queria ter lhe falado...

– Seu César... Eu sei que... Que o senhor não gosta de mim nem nunca vai gostar... Afinal, eu sou aquilo que o senhor mais temeu durante toda sua vida, sou o companheiro do seu filho! Mas... É por isso mesmo que... Eu... Eu quero dizer, de todo coração, que amo o Félix! Amo com toda minha alma! Demorou muito até ele vencer o próprio medo do desconhecido... E sabe o que era desconhecido para seu filho? O amor! O Félix não conhecia o amor, por isso ele demorou tanto para aceitar... Aceitar entrar para minha família! Eu nunca menti para ele, eu nunca pedi nada a ele... E se o senhor tiver alguma dúvida quanto as minhas intenções para com o Félix, tudo que tenho a dizer é que a única coisa que me importa nesse mundo é ver minha família feliz! E, quer saber? Félix me proporcionou a família que eu tenho hoje! Graças a ele eu estou com meus filhos, e graças a Deus o Félix se tornou pai deles também! Por essa razão... Mesmo que o senhor não goste... Eu gostaria que nossos filhos pudessem considerar o senhor como... Como avô! E... Antes que o senhor me pergunte por quê... É pelo simples fato de que eu quero muito e sei que o Félix também quer que eles cresçam cultivando respeito para com o senhor! Eu não quero que o Jayminho e o Fabrício cresçam vendo o senhor como o Félix... Como o Félix sempre viu...

...

...

Não imaginei que ele fosse me falar assim...

Que mais eu podia fazer senão ter o mesmo tom... Ser sincero... Como puder...

Uns segundos de silêncio para eu respirar e conseguir.

– Como o Félix sempre me viu?

– Com... Com medo! O Félix... Por mais que tenha feito coisas erradas na vida... Ele, no fundo, era um menininho com medo do pai! E... Eu sei por que o Félix queria tanto superar o senhor...

– Por quê?

– Por que... É como quando somos crianças e temos medo do bicho-papão... Temos medo que ele apareça durante a noite e então dormimos com a luz acesa para afugentá-lo! O Félix era assim, doutor César! O Félix tentou, tentou, mas nunca achou a luz dentro dele! Então, vivia com medo! Só que, quando crescemos, em vez de acender a luz, nós criamos caminhos para superar nosso medo ou dormimos no escuro, mesmo que o medo ainda nos apavore...

– O que você quer dizer?

– Que o Félix tentou todos os caminhos para superar... O medo... Superar o senhor... E... Tudo que ele conseguiu foi se esconder na escuridão! Ele achou que a única saída fosse virar o próprio bicho-papão!

Não esperava por isto... Mas, entendi cada palavra do que ele quis me dizer.

– Niko... Não é?

...

...

Meu coração acelerou quando seu César falou meu nome...

– S-sim...

– Eu... – Notei seus olhos marejados. – Se eu pudesse voltar no tempo... Eu não teria sido o bicho-papão do Félix!

Eu também já estava com os olhos marejados pela emoção. E essa emoção aumentou muito quando ele disse:

– Pelo menos... Agora meu filho encontrou a luz!

Eu não me aguentei, comecei a chorar. Mas, me senti imensamente feliz. Respirei para falar, mas minha voz saiu embargada.

– E-eu... Eu ainda quero... Quero continuar... Ajudando o Félix a iluminar o caminho dele... Por muito tempo... Muito tempo não, por toda minha vida! E... Nossos filhos... Iluminam a nós dois! E... Nós dois sentiríamos uma felicidade enorme se o senhor visse esses meninos... – Passei a mão na cabecinha de Fabrício. – Como seus netos!

Deixei as lágrimas rolarem por meu rosto quando ele olhou para Fabrício no meu colo e meu bebê estendeu um bracinho pra ele e ele lhe tocou com a mão esquerda. Fabrício segurou nos seus dedos por um instante e deu um sorrisinho simpático. Seu César bem tentou permanecer sério como sempre, mas vi sua expressão se tornar mais leve e um disfarçado sorrido aparecer no canto da sua boca.

Assim que Fabrício soltou seus dedos ele voltou a ficar com o braço na posição de antes. Foi então que ele me disse:

– Não precisava fingir um machucado para falar comigo... Quando quiser, é só... Falar!

– S-sério?!

– Claro! Afinal... Estamos todos na mesma casa não é?! Essa casa é minha, mas... São vocês que vivem aqui...

– O... O senhor também vive aqui, doutor César!

– Não... Eu não vivo! Não passo de um velho sobrevivendo num quarto até a vida cessar! Vocês não! O Félix, você, as crianças... Tem muita vida pela frente!

Eu não conseguia parar de chorar, mas ria. Fiquei ainda mais emocionado quando ele soltou:

– Eu gosto do Jayminho... É um bom garoto!

– O... O senhor... G-gosta?

– Outro dia... Eu o contava umas histórias do meu tempo... E ele me disse que gostaria de virar médico! Foi bom ouvir isso! Bom saber que vai ter pelo menos mais um médico... Enfim...

Será que ele queria dizer o que eu pensei que ele diria, mas não teve coragem? Será que ele diria que era bom saber que vai ter mais pelo menos mais um médico na... Família?!

– E este aqui... Fabrício, não é?!

– É!

– Ele tem a mesma idade do Júnior, que já faz meses que eu não vejo... Não tem porque eu não gostar de um menininho desse tamanho!

Finalmente, eu não conseguia parar de sorrir. E chorava emocionado.

Nesse dia dos pais, os desejos estavam sendo realizados.

Antes que eu pudesse encontrar alguma palavra que coubesse naquele momento, Jonathan foi me buscar.

– Niko... Meu pai pediu pra te ajudar a te levar lá pra cozinha porque ele acha que não ficou muito bom não aquele caramelo...

– Hã?! O que foi que ele fez de errado?

– É que ele tentou fazer outro, pois ele pediu pra o Jayme pegar o pudim na geladeira, mas ele não alcançou e meu pai querendo fazer as duas coisas ao mesmo tempo, acabou passando do ponto da calda... Ele disse que achou esquisito e achou que fazer outra fosse a coisa mais fácil do mundo, entende?

– Ah, entendi... – Ri já prevendo que Félix devia ter feito uma bagunça na cozinha... – Eu vou lá... – Levantei e Jonathan ficou surpreso.

– Ué, Niko! Você não tinha torcido o tornozelo?

– É... – Olhei para meu sogro que manteve silêncio. Era como se tivéssemos tido um momento de cumplicidade. – Não, Jonathan! Foi só impressão! – Deixei Fabrício com o irmão e entrei.

...

...

Obviamente Félix notou logo a farsa do... Desse rapaz... O Niko... Quando ele entrou andando e eu pude ouvir daqui a voz estridente dele...

– Niko! Carneirinho, criatura... Você não tinha torcido o tornozelo?

– Calma! Depois eu explico, Félix! Mas, primeiro... Que cheiro de queimado é esse?

Cá fiquei eu sozinho de novo... Bom, com Jonathan, e com o pequenininho... Até que Jonathan atendeu o celular e notei que ele ficara com pressa. O ouvi falar ao telefone:

– Legal ter chegado essa hora! Pensei que seria mais tarde... Não, foi na hora certa... Tá, eu vou até aí ajudar... Já vou! – Ele desligou e levantou.

– Vai aonde, Jonathan?

– É... Vou aqui pertinho, vô... Vou buscar alguém que acabou de chegar...

Como imaginei que ele estivesse falando com a namorada, sugeri:

– Deixe o menino aqui, e vá! Eu... Cuido dele!

– T-tem certeza, vô?

– Ainda tenho um braço bom para segurá-lo e daqui a pouco o Félix ou o outro voltam pra cá... Além do mais, está fazendo muito sol agora, e ele é um menino muito branquinho, não é bom na idade dele sair no sol dessa hora sem proteção!

Jonathan titubeou por um instante. Claro, eu entendo por que... Mas, acabou confiando em mim.

– É... Tá bom, vô! Eu não vou demorar mesmo! Eu deixo o Fabrício aqui do seu lado ou no seu colo?

– Na cadeira fica desconfortável... Coloque ele no meu colo, eu já tenho mais força com o braço esquerdo, posso segurá-lo!

– Tá... – Num voto de confiança que nem eu me daria, ele pôs o pequeno no meu colo e saiu.

Mais perto de mim, pude ficar observando melhor aquele garotinho. Fabrício... Bonito nome... Ele é bem bonitinho também... E simpático. Agarrou em minha mão...

Me veio uma saudade do Júnior! Ele deve estar assim deste tamanho... Tão esperto quanto... Me veio também uma saudade mais longínqua...

Lembro quando, uma vez, nessa mesma varanda, eu estava com um bebê assim no colo. Ele tinha cabelos lisos negros, olhos castanhos vivos que olhavam para tudo ao seu redor... Agarrava em minha mão e sorria quando eu falava com ele...

Ah Félix... Esse bebê era você! Como queria que você tivesse essa idade de novo! Mas... O tempo não volta... E quase quarenta anos já se passaram desde que você era assim... E eu passei quatro décadas errando com você!

Será tarde para acertar nem que seja uma vez?

– Ei... Fabrício... – Comecei a falar baixinho, só para o menino ouvir. Claro que naquela idade ele não entenderia nada, mas acho que por isso mesmo, falei para ele. – Quieto, garotinho, senão não posso te segurar! – Ele estava se mexendo, mas parou e olhou para mim. – Ei... Você tem o olhar vivo... Bem que podia ser mesmo filho do Félix!

– Papi Félik! – Ele falou... Papi?! Que coisa!

– É... Acho que ele é mesmo seu pai! Já tem influência sobre você!

Pensei bem e tentei explicar o que estava sentindo naquela hora para mim mesmo, mas não consegui. O que eu sou e sinto hoje, não tem explicação... Só existe.

Sussurrei para o pequeno que parecia estar atento a mim: - Sabe Fabrício... Se o Félix é seu pai... Então... Você é meu neto! Eu sou seu avô... Assim como sou do Jonathan, da Paulinha, do Bernardo... Sou seu vovô! Quem diria hein?! Será que eu mereço ser seu vovô?!

Passaram alguns segundos e ele me olhava com atenção. Parecia entender o que eu falava. Mas... Não! Ele ainda nem tem dois anos, não é possível...

– Papi?!

...

...

Eu ia voltando para a varanda quando vi a cena mais inesperada da minha vida, mesmo eu já tendo visto tanta coisa, naquele momento isto foi o mais inesperado que eu poderia ver: Papi com Fabrício no colo!

Eu não pude evitar quase gritar com a surpresa...

– Papi?!

Eu não consegui dizer mais nada. Só fiquei com aquela cara... De quem tinha acabado de ter a maior surpresa da vida... Satisfatória e amedrontadora!

– P-papi... P-porque está com o F-Fabrício?

– Eu... Há quanto tempo você está aí?

– A-acabei de chegar... Ou melhor, de sair... Ai papi, me fala, o que houve? Ocorreu o apocalipse e eu não vi, foi isso?! – Atordoado como eu estava, eu nem pensei... Apenas fui até os dois e peguei Fabrício do colo de papi e sentei ao seu lado, senão era capaz de eu desmaiar!

– Não houve nada, Félix! – Ele me falou de modo mais grosso... Seu normal. – Deixe desses seus exageros! A única coisa que eu fiz foi segurar o menino enquanto o Jonathan saiu... Deve ter ido atrás da namorada, sei lá!

– Ah... E... O Jonathan deixou o Fabrício com você?

– Foi...

Nos calamos e o silêncio se fez presente, até ser quebrado por uma vozinha infantil...

– Vo-vô!

Olhei para meu colo. Eu e o papi olhamos para Fabrício ao mesmo tempo... E ele repetiu...

– Vovô!

Apenas uma palavra: I-nex-pli-cá-vel! Pois qualquer outra coisa não caberia...

Eu não consegui falar nada. O papi não falou nada. O Fabrício o chamou de... De... Vovô?! Ah! Eu nem consegui chorar de emoção na hora porque a surpresa era tamanha que... Ah! Nem sei... Mesmo assim lágrimas rolaram de meus olhos sem que eu mexesse um músculo da face.

Fabrício não voltou a repetir a palavra... Mas, aquilo foi mágico. Aquilo bastou para eu ter certeza que estava vivendo o melhor dia dos pais da minha vida. Um dos melhores dias da minha história.

...

...

...

Félix enxugou as lágrimas e suspirou. Pouco tempo depois, Niko saía de dentro da casa com a sobremesa renovada e o lanche pronto. Jayminho o ajudava. Félix respirou fundo, agora sorrindo, demonstrando toda a felicidade que sentia abertamente. Entregou o pequeno Fabrício para Niko e foi até César que o pediu para voltar para o quarto, não queria mais ficar lá fora. Porém, ele foi convencido a ficar mais um pouquinho quando Jonathan voltou com a surpresa... Várias surpresas.

Jonathan havia ido encontrar Paloma que foi visitar o pai, o irmão e o cunhado. Ela levou o marido e os filhos, Paulinha e Bernardo, além de um presentinho extra para o pai: o irmãozinho César Júnior.

Todos comemoraram bastante aquele dia dos pais que seria pelo resto de suas vidas o mais inesquecível de todos. O dia em que desejos se tornaram realidade. O dia em que um pai jaz soberano se sentiu pai duas vezes... Pois avô é assim.

E mais um dia em que a felicidade reinou cheia de surpresas na casa da família Corona-Khoury.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

FIM do dia dos pais 2015.