Félix & Niko - Dias Inesquecíveis escrita por Paula Freitas


Capítulo 53
Samba Lusitano - parte 11


Notas iniciais do capítulo

Último Capítulo!



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Aqueles dias em Portugal estavam sendo inesquecíveis.

Após Félix e eu tirarmos um dia para fazermos compras em Lisboa, voltamos a Sintra e visitamos o Castelo dos Mouros. Lá de cima a vista era esplêndida e eu me senti de novo num conto de fadas com meu príncipe olhando da torre mais alta. E Félix ajudou nessa fantasia levando aquele lindo chapéu de príncipe.

Depois fomos a Cascais. Também fizemos compras por lá, e vimos vários outros turistas no Largo de Camões.

Cada dia nós desfrutávamos de coisas maravilhosas. Definitivamente, aquela segunda lua de mel só nos dava vontade de fazer a terceira, a quarta, a quinta, e muitas mais, e comemorar todos os anos nosso aniversário de casamento assim.

Claro, além do bom de estarmos juntos vivendo dias inesquecíveis, tinha a partezinha ruim... A saudade dos nossos filhos. Não sei ao certo se matamos um pouquinho dessa saudade quando fomos ao Museu do Brinquedo ou se ela só fez aumentar. Só sei que nós dois lembramos muito dos nossos filhos enquanto víamos aquele mundo mágico de brinquedos de todos os tipos, formas, cores...

– Olha carneirinho! – Félix parou quando vimos uma coleção de bonequinhos. Um deles era um bonequinho vestido com jaleco e acessórios de médico. Notei que ele ficou emocionado. – Sabe quem aquele bonequinho me lembra? O papi soberano!

– Ah Félix, é mesmo...

– Sabe o que me lembra também, Niko? Quando o Jayme disse que queria ser médico igual ao papi!

– Eu lembro... Você acha mesmo que nosso Jayme vai se tornar médico, Félix?!

– Ah... Quem sabe, carneirinho! O que ele quiser ser, nós vamos apoiar!

Fico orgulhoso quando ele fala assim.

– Claro que vamos apoiá-lo, Félix! Nosso filho merece... O Jayme tá crescendo com um caráter incrível, né?! Lembra quando ele chegou morrendo de fome e...

... ... ...

Félix estava no sofá com Fabrício, quando Jayme chegou da escola... Um tanto apressado...

– Pai Félix, cheguei! Cadê a Adriana?! Tô com fome!

– Ei, calma, menino! Chega e vai subindo assim... – Jayme foi até o pai e lhe deu um beijo como fazia sempre quando voltava da escola. – Como foi na escola hoje?

– Bem; o de sempre... Mas, eu tô com fome...

– Meu filho, a Adriana foi ao mercado, sou eu que vou esquentar o almoço...

– Mas, vai logo, pai! Minha barriga tá roncando!

Félix pôde ouvir e exclamou: – Pelas contas do rosário, filho, o lanche não foi o bastante hoje não, é?!

– Não... É que eu não lanchei!

– Não lanchou? Por quê?

– É que... Depois eu conto, pai! Põe o almoço agora, por favor?!

Félix ficou curioso, mas...

– Tá bom, mas depois o senhor me conta o que aconteceu, viu! Vá trocar essa roupa, lavar as mãos e desça! Ah, e seu papi carneirinho disse que vem almoçar com a gente hoje, porque vai ficar até mais tarde no restaurante!

– Tá, legal! Tô indo!

O menino já subia as escadas quando Félix, desconfiado, perguntou:

– Filho, não te roubaram o dinheiro do lanche não, né?!

– Não pai!

Ele respondeu com tanta certeza que Félix não quis mais lhe perguntar nada, por enquanto...

– Tá, então vá e desça logo!

Mas, o quê que esse menino fez com o dinheiro do lanche?! Ele não é de comprar porcarias, também não ia perder, ele é bem atento... Na certa algum desses metidinhos a valentão da escola roubou e ele não quer dizer...

Félix pensava enquanto esquentava o almoço para ele e os filhos. Distraído em seus pensamentos, além de dar atenção ao filho mais novo na cadeirinha e depois de reclamar com o fogão por ter quase queimado os dedos numa panela, ele não ouviu Niko chegando e entrando de mansinho...

– Como fica bonitinho pilotando o fogão!

– Carneirinho! – Soltou um sorriso de alívio ao ver o amado. – Que bom que você já chegou! Vem, me ajuda a terminar isso que hoje o Jayme chegou morto de fome!

– Por quê? Ele não lanchou na escola? – Perguntou Niko enquanto dava um beijinho em Fabrício.

– Ele disse que não, mas não me disse por que ainda! Ah, aí vem ele...

– Oi, pai Niko!

– Oi, meu filho! Seu pai Félix disse que você não lanchou hoje na escola! Por que, hein?!

– É que eu fiquei sem o dinheiro que vocês me deram!

– O que você fez com o dinheiro? – Perguntou Niko.

– Te roubaram, não foi?! Ou você perdeu?! – Interrogou Félix.

– Não, não foi nada disso! Eu dei o dinheiro!

– Deu?! – Perguntaram ambos os pais ao mesmo tempo.

– É... É que, sabem aquele beco que tem lá perto da escola, né?! Na esquina, um pouco antes de chegar lá?! Então... Eu sempre passo por lá de frente, e hoje tinha um mendigo lá, e eu dei o dinheiro pra ele!

Félix e Niko se olharam num misto de orgulho e preocupação.

Niko começou:– Meu amor, você teve um ato de generosidade... Mas, tem que ter cuidado! Tem gente por aí que pede por necessidade, mas tem gente que pede dinheiro para fazer o que não presta, sabe...

Félix completou: – É, Jayme! Você devia, pelo menos, não ter dado todo o dinheiro...

Jayme interrompeu os dois, explicando: – Eu sei que devo ter cuidado, pai Niko, e eu também não dei tudo, pai Félix! Eu ainda comprei um lanche com o que me restou do dinheiro, mas quando eu estava no pátio da escola, eu o vi e chamei do portão e dei quase todo o lanche pra ele, só tirei um pedaço...

– Mas, meu filho, como você dá metade do seu dinheiro e ainda o lanche quase todo?! – Indagou Félix.

– É que eu fiquei com pena de ver ele ali sozinho e com fome, enquanto eu e os outros estávamos lá comendo... E na escola... Eu acho que aquele menino não devia ser mendigo! Ele devia ir pra escola também...

– Espera aí, meu filho... O mendigo era um menino? – Perguntou Niko.

– Sim, pai! Quando eu entreguei o lanche pra ele perguntei a idade dele... Ele disse que só tem doze anos, pai! Igual a mim!

Os pais se olharam e compreenderam, com orgulho, o gesto do filho.

... ... ...

O carneirinho tem razão... Nosso Jayme está crescendo e se tornando um homem formidável. Sem dúvida vai ser alguém na vida. Alguém muito bom, que vai realizar grandes feitos. Eu não poderia me esquecer de comprar o presente que estava planejando para ele.

– Niko, me lembra de comprar o presente do Jayme quando sairmos daqui, tá!

– Você ainda não disse o que vai comprar pro nosso filho, Félix!

– Você vai saber já já!

Continuamos nosso passeio pelo museu. Fomos a uma sessão de bichinhos de pelúcia. Logo que eu vi um em especial, lembrei nosso Fabrício...

– Ah, carneirinho... Olha onde o nosso bebê está!

– Nosso bebê? – Carneirinho olhou confuso, sorri e apontei para o que estava vendo.

Assim que viu ele também sorriu e gostou muito. Era um carneirinho de pelúcia muito fofinho.

Sussurrei ao seu ouvido: – Vou comprar um desses pro Fabrício pra ele brincar lembrando o papi carneirinho!

– Ai, Félix, que fofo! Você acha mesmo que o Fabrício vai ficar parecido comigo?

– Ah, carneirinho, isso é fato! Pra ficar mais parecido só se fosse seu clone!

– Ah, Félix, não tô falando da aparência física, mas de todo o resto... Tipo, o que será que ele vai querer ser...

– Bom, pode ser que ele siga seus passos, ou pode entrar para o mundo artístico... Lembra quando ele fez aquele desenho...

... ... ...

– Papai Niko... Papai...

Niko estava na cozinha na segunda-feira, dia que não vai ao restaurante, quando o filho mais novo chegou lhe chamando...

– Que foi, filho?

– Meu lápis amalelo, papai... – Ele mostrou a caixa de lápis de cor e faltava um.

– Cadê o lápis amarelo?

– Sumiu!

– Oh, meu filho, procura seu lápis, não tá aqui não! Por que não vai perguntar se o papai Félix viu?!

O pequeno obedeceu e foi ao escritório.

– Papai Félix... Papai...

– Oi, Fabrício, que foi?!

– Papai, meu lápis amalelo... Não tá aqui...

– Não tá na caixa? Onde será que tá?!

O pequeno fez sinal com os bracinhos dizendo que não sabia e fez biquinho que Félix não aguentou e o pegou nos braços para procurarem o tal lápis perdido.

Procuraram por toda a casa, no quarto de Fabrício, e até na cozinha...

– Carneirinho, você não viu um lápis perdido por aqui?

– Não, Félix... Vocês ainda estão procurando?

– Papai Niko... O lápis amalelo se perdeu! – Disse o pequeno com carinha de choro.

– Oh, filho, não chora, a gente vai achar... – Pediu Niko.

– É que eu tenho que terminar o desenho...

– Usa outro lápis, meu filho! – Disse Félix.

– Não, papai, tem que ser amalelo!

Antes que dissessem mais qualquer coisa, Jayme chegou da escola.

– Pai Niko, Pai Félix, ganhei dez com minha maquete do sistema solar!

Jayme chegou com a maquete nas mãos e assim que a viu, Fabrício correu e arrancou uma parte que estava encaixada com vários lápis e uma bolinha amarela representando o sol.

– Ei, Fabrício, o que tá fazendo?

– Quem mandou pegar meu lápis amalelo?!

– Você pegou o lápis do seu irmão, Jayme?

– Ah... Tava faltando um pra acabar o projeto...

Fabrício nem esperou pela explicação, também não queria saber. Correu para o quarto para terminar o desenho.

Minutos depois, o pequeno voltou trazendo seu desenho numa das mãos e na outra uma foto da família.

– Terminei! Papai Félix, papai Niko, olha...

Os pais se encantaram ao ver que o filho havia desenhado a família como estava na foto.

– Que lindo, Fabrício!

Fabrício explicou:

– Só faltava o lápis amalelo pa fazer o cabelo do papai Niko!

... ... ...

O Félix tem razão... Nosso Fabrício é tão criativo que nem imagino o que ele possa vir a ser. Seja o que for, ele será um homem de bem, porque nós vamos educá-lo para isso e vamos compreender e respeitar suas escolhas.

Continuamos o passeio e quando saímos do museu estávamos mais inspirados que nunca para comprar os presentes dos nossos filhos.

Claro que eu tinha ideia de algumas coisas e iria comprar mais os livrinhos que havia prometido para Fabrício quando formos a Fátima. Félix eu já não sei no que estava pensando, pois decidiu que era melhor nos afastarmos para cada um procurar o que queria levar e depois nos encontrarmos de novo no centro histórico.

Assim fizemos e quase uma hora depois, eu o avistei numa lojinha vendo umas revistas... Pensei: ele deve ter voltado antes de mim e ficou me esperando!

Fui até ele e o abracei enquanto ele estava de costas para surpreendê-lo...

– Amor, voltei! Me esperou muito? Eu fiquei distraído comprando uns brinquedos, e depois fui ver um dos antiquários... Félix, tem cada coisa linda e... – Notei que ele pôs de volta na banca a revista que estava olhando. O que estava tentando me esconder?

...

Niko chegou de surpresa e eu pus a revista de volta no lugar. Ah, não era nada demais, eu só fiquei curioso, mesmo assim tentei disfarçar, sei o carneirinho selvagem que tenho...

– Continua contando, Niko...

– Não, só isso... Que revista é essa que você estava olhando quando eu cheguei?

– Hein?! Ah, a revista... Não, eu estava vendo várias enquanto esperava por você...

– Tá... – Acho que ele está ficando mais espertinho... – Mas, deixa eu ver mesmo assim!

– Não! Pra quê, Niko?! Vamos? Vamos que eu já comprei o que queria... – Mostrei a sacola enorme que estava carregando. – Só que um dos presentes só vai de avião!

– De avião?!

– É! Vamos que eu vou te contar o que eu comprei...

Íamos embora, mas não é que esse meu carneirinho é mesmo muito espertinho quando quer! E rápido! Virou e pegou a revista e olhou... Assim que abriu a primeira página fez uma cara que eu não gostei nem um pouco...

– O que significa isto, senhor Corona-Khoury?!

Geralmente sou eu quem fala assim quando estou com ciúmes... Pelo menos ele perguntou mais calminho...

– O quê, carneirinho?! Eu não estava vendo exatamente esta revista, mas, várias! Pergunta ao dono da banca! Não foi senhor...

Tentei desviar a atenção do Niko, mas ele continuou me encarando...

– Félix, quer dizer que você estava folheando algumas revistas quando se deparou com esta, com esses modelos sarados e, por acaso, o Anjinho entre eles, e resolveu ficar olhando?! Pra quê?! Pra matar saudade, por acaso?!

Ai, como é bobo esse meu carneirinho... Como que eu teria saudade de um tipo como o Anjinho tendo um Niko só pra mim?!

– Ai, carneirinho, por favor... Eu devo ter dançado Arrebita em cima da mesa da santa ceia pra você pensar que eu tenho saudades de alguém como o Anjinho! A essa altura, Niko?! Por favor... Será que já não te dei provas suficientes de que te amo?! Eu não casei com você? Não estamos juntos há quatro anos?! Por acaso não repito todo santo dia que você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, que não vivo sem você?! – Eu vi que o carneirinho ia amansando com minhas palavras, e tudo que eu dizia era mesmo do fundo do coração. – O que você quer que eu faça? Quer que eu grite pra Portugal inteira ouvir o quanto te amo?! Se quiser eu grito... É em português mesmo, facilita! Mas, se quiser eu também grito em todas as línguas que conheço...

Niko tentou dizer que não precisava, pediu para que eu ficasse calado, mas sorria ao mesmo tempo... Com aquele sorriso que me conquistou... Já era tarde demais, meu coração ia explodir se não lhe desse uma prova de amor!

...

O que Félix estava prestes a fazer?! Não estava acreditando ainda que ele teria coragem de gritar assim pra todo mundo ouvir que me ama... Mas, ele sempre consegue me surpreender... Muito mais do que eu possa imaginar...

...

Eu vi passar um vendedor de flores e corri para comprar umas como o carneirinho gosta... Deixa ver, não me sobrou muito dinheiro aqui, eu já dei orquídeas, rosas são muito clichê, margaridas não gosto... Hum... Já sei, essa é linda...

...

Ele virou para mim com uma bela flor copo-de-leite na mão e aquele olhar lindo e sensual... Embora eu ainda estivesse chateado pelo que vi na revista que, aliás, ele estava muito concentrado vendo, eu estava ansioso pelo que ele ia fazer... Ele deu dois passos e gritou meu nome e exagerou no sotaque português gritando:

– Niko! Meu formoso carneirinho! Eu te amo!

...

Algumas pessoas que estavam perto olharam. Niko ficou todo vermelhinho... Sei que gostou! Me aproximei dele e agora disse no meu bom português-brasileiro:

– Eu te amo! Tá ouvindo, criatura?! Nunca duvide disso!

...

Que amor! Às vezes ele consegue ser de um romantismo... Nem sei como definir...

Eu tinha que retribuir...

– Eu não duvido, seu bobo... I love you too!

– Tá dando uma de inglês agora, carneirinho?!

– Ué, você não disse que ia falar que me ama em todas as línguas que conhece?! Eu também! Além disso, já treinamos para as próximas viagens... Ano que vem não prometemos ir à Disney com os meninos?!

...

Esse carneirinho...

– Tá bom, tem razão! Então você quer uma competição, hein?!

Fomos para um Café próximo e continuamos nossa maluca declaração de amor! Ele pegou na minha mão e começou...

– Félix... Te quiero!

– Hum... Será que eu dancei flamenco durante o êxodo dos hebreus para você dar uma de inglês e agora de espanhol?! Ok, você quem pediu... – Pensei um pouco e disse: – Niko... Je t'aime!

...

Ai que romântico...

– Hum... Francês?! Pensei que Félix fosse um gato, não o Pepe Le Pew!

Ele logo deu uma gargalhada...

– Ai carneirinho... Você é uma graça! Agora é sua vez!

– Tá, lá vai... Watashi wa anata o aishiteimasu!

– O que é isso, Niko? Eu te amo em japonês?

– Acertou!

– Nossa... Como estamos culturais! Agora segura essa... Ich liebe dich!

– Olha... Alemão!

– Você sempre sabe de tudo né?!

– Posso não ser tão inteligente quanto você, Félix, mas tenho muito conhecimento!

– É, tem sim... Conhecimento nos mais diversos assuntos né?!

Ah, eu conheço esse tom malicioso dele...

– Apesar de gostar de várias culturas, eu prefiro a oriental, então, sabe o que vou te dizer quando formos, um dia, ao Japão?!

– O quê?

– Anata wa, watashi ga kore made keiken shita naka de mottomo utsukushī to sekushīna otokodesu! Watashi wa anata nashide wa ikiteikenai!

...

Ok, agora eu fiquei abobalhado...

– É... Carneirinho... Dá pra traduzir para o nosso bom e velho português?

– Claro... Eu disse: Você é um homem sexy e o mais bonito que eu já tive! Eu não posso viver sem você!

Como ele me fala isso me fitando com esses olhos verdes que me hipnotizam...

– Bom, eu não sou tão cultural como você, então, vou responder no português original... – Carreguei no sotaque português e falei. – És tudo para mim! Eu não posso mais viver sem ti! Para mim, só há uma coisa mais bela que os fados mais belos... São estas duas esmeraldas que chamas de olhos, minha joia mais preciosa, meu amado carneirinho!

Ele deu aquele sorrisinho muito fofo que ele tem e eu só podia retribuir com um beijo.

...

Como poderia não derreter meu coração aquelas palavras tão doces vindas do Félix?! Depois daquele beijo gostoso, nós dois havíamos ganhado a tal competição. E o troféu era nosso amor.

Continuamos experimentando um delicioso café e ele nem percebeu que depois de um gole ficou com bigodinho... Lembrei o nosso primeiro encontro... Eu só queria agradecê-lo... E agora, sou agradecido eternamente. Agora, ele faz parte da minha vida, é um pedaço da minha história e vai continuar sendo até chegar a hora de escrever o fim!

...

Por que o carneirinho está sorrindo pra mim?! Ah... Entendi quando ele pegou o guardanapo e limpou minha boca.

– Droga! Sempre fico com esse bigodinho de leite! É o apocalipse!

Lembrei aquela vez em que ele me chamou naquele Café só para me agradecer... E agora, eu que sou agradecido eternamente. Agora, esse carneirinho tão especial faz parte da minha vida. Apesar desses quatro anos juntos eu ainda não consigo entender como mereci tanto! Mas... E daí?! Se a vida ou uma força divina ou o destino ou o que quer que seja quis que o Niko e nossos filhos fossem minha razão de viver, assim será... Por toda minha vida!

...

No dia seguinte...

Sol... Mar... Paisagens... E uma rica história... Cá estamos nós em Açores. Mais precisamente na Angra do Heroísmo.

Claro que eu também já tinha tratado de pesquisar tudo sobre o local. Fui falando só pra chatear Félix, só pra ver se ele ia reclamar... Me divirto quando o provoco.

– Sabe que eu descobri algumas curiosidades, Félix?! Vasco da Gama, o navegador, enterrou o irmão aqui após a viagem à Índia! Já no século dezessete, o porto recebeu galeões espanhóis carregados de tesouros do Novo Mundo, ou seja, da América! Sabia que o sufixo Heroísmo foi dado a Angra pela rainha portuguesa Maria II no século dezenove como reconhecimento do papel da cidade nas disputas Liberais do mesmo século?! Ah, também o rei português Afonso VI refugiou-se no Forte de São Benedito do Monte Brasil, que antes tivera sido ocupado por espanhóis, quando foi deposto pelo seu irmão Dom Pedro II! Claro, isso foi séculos antes... Ah! Até Charles Darwin já esteve aqui...

...

Eu sabia que ele ia dar uma de guia e começar a falar sem parar... O que eu faço pra ele calar essa matraca?!

– Niko! – Pus o dedo em sua boca fazendo sinal de silêncio. – Caladinho... Pode ser ou tá difícil?!

Ele deu um sorrisinho... Acho que estava só esperando minha reação, safado! Pegou meu dedo e deu uma mordidinha...

– Ai, gosta de morder né, carneirinho?!

– Não muito... Só você que é gostoso!

Tá, dessa parte eu gostei! Eu sei que sou gostoso!

Continuamos o passeio...

– Então, já que estou com o senhor chef barra historiador barra carneirinho canibal ao meu lado, fala aí, o que temos para ver por aqui?

...

Ai ai...Adoro as reações do Félix... Que bom que ele pelo menos tá entrando no clima de conhecer a cultura... Ou não...

– Ah Félix, a Ilha Terceira tem muitos lugares para ir... Podemos ir ao Monte Brasil, que tal?! É um local popular para piqueniques e dizem que tem uma vista fantástica da Baía de Angra, já que fica no topo de uma cratera vulcânica...

– Ah, não... Nem pensar que eu me meto perto de um vulcão com você!

– Ora, por quê?!

– Hum hum... Com o fogo que você tem, vai que o vulcão resolve entrar em erupção... Não...

– Ah vá, Félix, para, engraçadinho! Olha, tem também o Castelo de São João Baptista, construído durante a ocupação espanhola... Tem o Museu de Angra, tem as cavernas subterrâneas no Algar do Carvão, tem o Museu do Vinho...

– Museu do Vinho?

– É! Sabia que os visitantes podem até provar alguns vinhos e comprar certas garrafas para levar consigo para casa?!

– Ah é?! Pois lá é que eu não vou te levar mesmo!

Já estava até imaginando o que o Félix ia dizer, mas ainda fui perguntar...

– Por que não, Félix?!

...

Claro que eu iria com o carneirinho onde ele quisesse, mas só por brincadeirinha...

– Por que você acha?! Já esqueceu a outra noite quando você me deu um banho de vinho?!

– Não esqueci...

– Por isso! Meu bumbum ainda tem marcas! Se você resolve fazer refogado de Félix ao vinho do porto de novo, querido, eu não aguento!

...

Ai, esse Félix... Não acredito... Ele consegue me deixar todo vermelho de vergonha! Eu devo estar parecendo um tomate de tão vermelho, e pelo jeito que ele está me olhando com essa cara cínica só posso estar assim mesmo!

Ele pegou na minha mão e me puxou para continuarmos andando, mas quando ele virou, eu senti vontade de fazer uma coisinha... Dei-lhe um beliscão na nádega esquerda. Ele virou surpreso...

– Ai, que é isso, carneirinho?!

– É pra não ficar só um lado marcado, amor!

É... Ele gosta quando sou cínico como ele!

Continuamos o passeio...

...

Continuamos... Mesmo depois de eu levar aquele beliscão... Que para falar a verdade eu gostei! Passamos o dia todo nas ilhas. No fim da tarde, fizemos um piquenique no Monte Brasil, tendo a privilegiada vista da Baía de Angra.

– Sabe, Félix, eu poderia trocar nossa Angra por esta Angra!

– Que papo é esse? Tá querendo vir morar aqui é?

– Não... É que seja dos Reis ou do Heroísmo, dá na mesma se eu estiver com você!

– Essa eu não entendi!

– Não entendeu? Félix, você é meu rei... E também é meu herói e herói dos nossos filhos! Seja em Portugal ou no Brasil ou no fim do mundo, isso não vai mudar!

Ah, esse meu carneirinho sempre consegue me arrancar suspiros...

...

Ele deitou a cabeça em meu colo e eu comecei a lhe dar uvas na boca. Foi quando ele disse:

– Obrigado, carneirinho! Obrigado por cada dia que me dá o prazer de estar ao seu lado! Todos esses mais de mil quatrocentos e sessenta dias!

– Gostei... – Na verdade, amei!

– Obrigado por ter me dado uma família tão linda e por não ter desistido de mim!

– Obrigado você, Félix... Por ter realizado os meus sonhos! Por ser a própria realização de um sonho!

Não tinha mais como ou o quê agradecer... Faltavam palavras... Sobrava a vontade de beijá-lo.

Ele ali no meu colo... O beijei...

...

Ele me beijou e eu o beijei... Queria ser o senhor do tempo para fazê-lo parar naquele instante, naqueles segundos... Mas, para mim, era como se o mundo tivesse parado. Nunca imaginei que poderia existir tamanha magia nesse mundo...

Queria que não acabasse, mas quando paramos de nos beijar, eu abri os olhos e foi como se visse o paraíso na Terra... Aquela exuberante paisagem de fundo e aquele exuberante anjo loiro olhando para mim. E é todo meu!

...

A noite caiu e nós fomos para a praia.

– Amor... Esse é nosso penúltimo dia aqui... Amanhã vamos, finalmente, ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima! Não sabe como estou ansioso e feliz! Sabe, Félix... Eu sou muito devoto de Nossa Senhora! Sempre que tive problemas, eu rezei, pedi, e ela me ouviu... Atendeu minhas preces!

Eu já havia contado isto para o Félix, mas era uma boa oportunidade para repetir...

– Cinco anos atrás, quando eu estava sofrendo pelo Fabrício, imaginando que ele podia não ser meu filho, e por tudo que estava me acontecendo... Sabe, Félix, eu fiz tantas orações! Um dia, eu estava completamente arrasado, aí eu me ajoelhei e rezei... E sei que minhas preces foram ouvidas! Afinal, hoje estou aqui com você! Temos nossos filhos! E tenho uma vida plena de felicidade! E, hoje, quando rezo só peço uma coisa, que as pessoas que amo tenham sempre saúde, paz e os sonhos realizados, mas, acima de tudo, agradeço... Por que só tenho a agradecer!

...

As coisas que o Niko diz, às vezes, soam tão bonitas e tão incompreensíveis pra mim... Ele já disse tantas vezes que tem sentimentos que são inexplicáveis, mas esse, pra mim, é o mais difícil de entender de todos...

– Carneirinho... Eu... Eu não sei se vou com você...

– Por que, Félix?

– N-não sei... Não sei, simplesmente, não sei...

– O que você não sabe, meu amor?

– Não sei...

...

Félix parecia confuso...

– Amor, eu não entendo...

– Nem eu, carneirinho!

– O que você não entende?

– Essa... Essa coisa que chamam de... Fé! Você acha... Você acha mesmo que pedir algo aos céus ou agradecer pelo que se tem faz alguma diferença?

Agora entendo sua confusão. É a mesma que muitos têm. Como logo Félix não a teria?

– Meu amor, o que você acha que é a fé?

– Sei lá, carneirinho... Como vou saber?! Eu... Você estava falando e eu lembrei a conversa que tive com a Márcia depois que o papi morreu, você sabe, quando fomos à leitura do testamento... Ela também me falou coisas que eu não compreendi muito bem!

– Ela te levou à capela que tem lá no San Magno não foi?! Você não me disse que se sentiu bem melhor depois que foi lá?

– Sim, me senti... Mas, é isso, Niko... Por que me senti melhor? O que essa força estranha que a gente sente quando sente que fez a coisa certa?!

Félix é um poço de confusões... Mas, é pra isso que eu estou aqui... Para tirá-lo cada dia um pouquinho mais desse poço e sempre trazê-lo em direção à superfície... A plenitude do amor.

...

– Félix, a resposta para essa pergunta é... Quem sabe! Não há explicação... Só existe!

– Você já me disse isso um milhão de vezes...

– E quantas mais terei que repetir até que você entenda? Não tenta entender com a cabeça, Félix, tenta entender com a alma!

– Como assim?

– Lembra quando você se declarou pra mim? Quando pediu pra dormir lá em casa pela primeira vez? Naquela ocasião, eu lembro muito bem da palavra alma saindo da sua boca!

– Foi, eu lembro o que eu disse, mas... O que isso tem a ver?

– Naquele dia, me diz como você, que nunca foi romântico nem nada, conseguiu me falar seus sentimentos de uma maneira tão especial?!

– Foi especial?

– Claro que foi!

Ele respondeu com um sorriso tão lindo, mas ainda não sou capaz de compreender o que Niko quer me dizer...

– Eu não sabia que tinha sido tão especial... Eu só falei o que sentia...

– É isso! As coisas inexplicáveis são essas que a gente sente e, simplesmente, sente! Não busca respostas, conclusões, evidências, apenas sente!

Suspirei profundamente, pois, por mais que tais palavras me tocassem, eu ainda tinha dúvidas...

– Carneirinho... Eu nunca tinha amado, e aprendi a te amar, a amar nossos filhos, a amar a vida que tenho... Eu nunca tive esperança... Eu cobiçava a presidência do San Magno, mas não tinha esperança de consegui-la... Hoje eu sei o que é esperança... Tenho esperança de ver nossa família prosperar cada vez mais, de ver nossos filhos crescerem e virarem bons homens, de ver o Jonathan virar arquiteto, quem sabe ver o Jayme virar médico...

– E o que falta?

Como que o carneirinho sempre sabe que falta alguma coisa?!

– Já te disse, carneirinho... Não sei...

– A gente nunca sabe, Félix... Por mais que a vida pareça perfeita sempre falta alguma coisinha... Que a gente nunca sabe o que é, mas é isso que faz a vida ser perfeita, não ter tudo, e sim ter o que esperar...

– Mas, Niko, nós temos tudo que podíamos querer! Além de esperar que o futuro venha e que tudo corra bem... Qual o sentido de ter fé? De quê ter fé?

– Félix, amor, você não entendeu? Fé e esperança não são a mesma coisa! Hoje vivemos de esperança, esperando que os sonhos nossos e de nossos filhos se realizem, mas tudo isso começou com a fé! Fé não é esperar, é ter! Eu já te disse que rezei muito quando estava desesperado pelos problemas, e minhas preces foram atendidas... Você surgiu como um anjo enviado para me ajudar... E olha só, você era um anjo que não sabia amar ninguém, nem a si mesmo, e eu te ajudei aí!

Acho que, finalmente, estava vendo uma luz de compreensão...

– Está querendo dizer que somos dois anjos destinados um ao outro?

...

– Félix... Essa foi uma das coisas mais lindas que eu já te ouvi dizer!

Talvez ele estivesse finalmente compreendendo...

– Mas foi você quem disse, carneirinho, eu só estou simplificando...

– É isso... Justamente isso! Os sentimentos são mais simples de se explicar do que você sempre imaginou! Eu tentei da forma mais complicada e você, logo você, simplificou tudo! Achou sua explicação?

...

Ah, esse meu carneirinho é muito iluminado... E irradia essa luz em mim.

– Ah, meu carneirinho... Quer saber se achei as explicações que queria, a resposta é não! E nunca vou achar! Sentimentos não têm explicação... São assim... Só existem!

Ele me abraçou quando repeti as palavras que ele já havia me repetido tantas vezes...

Andamos mais na praia, até perto do mar. Pisando na areia branca, avistei o céu estrelado da noite que se misturava com o mar no horizonte... Peguei um pedaço de pau que estava jogado ali e escrevi nossos nomes na areia...

...

Olhei nossos nomes na areia que ele havia escrito e uma ideia me veio à cabeça... A maneira mais simples é mais eficaz que a maneira mais rebuscada para explicar algo inexplicável...

– Que lindo, amor, você escrever nossos nomes assim, acho tão romântico!

Ele sorriu e eu continuei...

– Você entendeu quando eu disse que fé não é esperar, mas ter?!

– Acho que entendi...

– Me prova! Prova que entendeu!

– Como vou provar, Niko?

– Me responde... Quando você me ajudou, quando mal me conhecia, sem querer nada em troca, como você agiu?

– Bem?

– Agiu de boa fé!

...

O olhei perplexo... Cada vez me sentia mais e mais iluminado...

– Quando você dirigiu não sei quantas horas só para me ajudar a recuperar o Fabrício, como você agiu?

– D-de boa fé?

– É! E sabe o que eu senti quando você decidiu fazer parte da minha família, ser meu marido e pai dos meus filhos?

– O q-que você sentiu?

Niko tocou em mim e olhou para baixo, para a areia onde nossos nomes estavam escritos. Começou a passar o pé na areia apagando nossos nomes. Apagou o dele e depois foi apagando o meu... Apagou o X, depois o I, e o L...

Agora entendi...

...

Pude ver os olhos castanhos ficarem marejados ao ver sobrar na areia apenas as duas primeiras letras do seu nome, as quais formavam exatamente a palavra FÉ.

...

– E-entendi... Entendi carneirinho... J-juro que entendi...

Já não podia segurar as lágrimas que transbordavam de meus olhos, abracei forte meu carneirinho e o beijei...

Naquele beijo estavam implícitas a esperança de viver cada vez mais dias inesquecíveis com ele e a fé de que viveríamos sim esses dias. Esperança é o querer realizar o sonho... Fé é a certeza de poder realizá-lo seja como for.

...

Naquele beijo pareceu que o mundo emudeceu... Tínhamos por trilha sonora apenas a melodia mais bela, o fado mais poético, o mais harmônico de todos os ritmos do mundo: o barulho do mar. Cantada pelas águas, pelas ondas quebrando nas pedras e beijando a areia... A canção das canções. O som da Terra.

Creio que o único outro ritmo que podíamos ouvir era o dos nossos corações batendo no mesmo compasso...

...

Além do harmonioso som do mar, podíamos ouvir... Não apenas ouvir, mas sentir, as batidas frenéticas dos nossos corações que insistiam em manter o mesmo ritmo, como se fossem um só. Sentíamos uma energia em toda parte... Ao redor do nosso corpo... Na pele, nos corpos tão juntos, encostados... Nas pontas dos dedos, os meus que percorriam suas costas e os dele que massageavam minha nuca... Nas bocas coladas num beijo que parecia e poderia ser eterno...

Já sei pelo que vou agradecer amanhã...

...

No dia seguinte...

Último dia de viagem. Finalmente, cá estamos... Fátima.

Não sei o Félix, mas eu fiquei emocionado desde que chegamos à cidade até chegarmos ao Santuário de Fátima.

Respiramos profundamente e entramos. Eu sei exatamente o que fui fazer lá...

...

Nós sentamos. O carneirinho ficou refletindo até que se ajoelhou ao meu lado, juntou as mãos e começou a rezar.

...

“Obrigado por tudo, minha mãe... Mãe de todos nós...”...

Acho que vou ficar uma semana mais aqui só agradecendo por tudo e orando por minha família, sentindo a graça, a luz, a paz que emana desse local.

Não me surpreendi, mas observei quando Félix também se ajoelhou ao meu lado...

Gostaria de saber quais são suas orações...

...

“Obrigado... Obrigado por ter ouvido as orações do Niko! Muito obrigado!”

...

De volta ao Brasil...

Finalmente de volta. Que saudade dos nossos filhos. Eu comecei dando os presentes que havia comprado, claro, depois de enchê-los de abraços. Até Jonathan que ainda estava lá com os irmãos.

– Aqui, Fabrício, meu amor, os livrinhos com a história de Nossa Senhora de Fátima como eu prometi... Espera que tem mais... Comprei um montanha de coisas pra vocês, meus filhos...

Félix me interrompeu falando em meu ouvido:

– Sabe o carneirão de pelúcia que eu comprei pra o Fabrício? Acho que vou ficar com ele pra mim!

– Ora, por quê, Félix?

– Pra matar a saudade quando você estiver cansado por causa do restaurante!

Esse Félix...

...

Claro que eu estava brincando. Dei o carneirão de pelúcia ao nosso filho menor e chamei Jayme para lhe entregar o seu.

– Jayme, filho, lembra o que eu disse que ia te dar um dia?

– Hum... Não...

– Não lembra que eu te disse que um dia ia te dar um barco enorme só pra você?

Ele me olhou com os olhinhos arregalados... Eu peguei o presente que havia escondido... – Aqui, meu filho, essa é uma réplica da caravela de Cabral! Gostou?

– Claro que gostei, pai! - Ele me abraçou, mas eu ainda não acabei...

– Claro que nesse você coloca seus bonequinhos, mas, no que está lá fora, podemos ir todos nós!


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Notas finais do capítulo

FIM...!