A Revolução dos Vampiros - Versão Antiga escrita por Goldfield


Capítulo 9
Capítulo 8




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Capítulo 8

A mais longa das noites.

Onze e meia da noite. Basílio está de pé junto com Natália sobre a plataforma de metal no andar superior da boate Bloody Dance, enquanto os radicais dançam logo abaixo na pista de dança. O líder dos vampiros faz um gesto para que a DJ pare a música, e esta obedece. Os vampiros olham todos para Basílio, sabendo em suas mentes que a grande hora havia chegado.

–         Agora é a hora, meus companheiros de levante! – exclamou o descendente de “Manuel Maligno”. – Todos para a Praça da Sé, pois a meia-noite se aproxima!

Todos os radicais soltaram um imenso grito de entusiasmo, e começaram a caminhar para fora da boate. A frente do estabelecimento foi tomada pelos indivíduos trajando negro, que seguiam agora pelas duas direções da rua. Basílio e Natália seguiam na frente de um dos grupos, soltando palavras de ordem:

–         Causaremos em todos os humanos fortes arrepios! É aqui, é agora, a revolução dos vampiros!

–         Vampiros! – repetiam os radicais, eufóricos.

Nas janelas surgiam curiosos, que admiravam a marcha com grande inquietação. Mas não era apenas ali que os vampiros seguiam pelas ruas na direção da Sé. Em vários pontos da cidade surgiram grupos de vampiros bem organizados, alguns até usando veículos. Na Marginal Pinheiros vinha uma grande carreata de carros negros buzinando, nos quais os vampiros festejavam antes da hora, a caminho do centro da cidade. Parecia mais quando um clube de futebol da cidade vencia o campeonato. Por volta das onze e quinze, cinco helicópteros pretos haviam decolado de dentro do cemitério de Cachoeirinha, e agora sobrevoavam os principais fluxos de vampiros na cidade, orientando-os. Os pilotos, também vampiros, falavam através de megafones:

–         Todos os radicais devem seguir para a Praça da Sé e aguardar instruções! Repito: seguir até a Sé e aguardar instruções!

Nas estações de metrô, que estavam para fechar e onde os últimos trens costumavam vir quase vazios, uma surpresa: começaram a chegar nas estações do centro da cidade vagões lotados de passageiros todos iguais: homens e mulheres vestindo preto do pescoço aos pés. Os funcionários, intrigados e ao mesmo tempo assustados, nem ousavam falar com os misteriosos usuários do metrô, que sem dizer nada caminhavam para a superfície. E quando a mídia começava a ser acionada, uma das cenas mais estranhas da noite: um imenso grupo desses misteriosos “homens de preto” havia tomado a Avenida Paulista, marchando como um exército vencedor sobre a cidade inimiga. Sincronizado e sinistro, nas calçadas e no meio da rua. O destino de todos era o mesmo: a Praça da Sé, ponto de encontro para o início do levante. E aos poucos ela foi se enchendo de vampiros, uma grande massa negra que foi cobrindo todo o lugar. Parecia as “Diretas Já” pelo avesso. Nas janelas dos edifícios ao redor, curiosos e mais curiosos, acendendo as luzes antes apagadas. Os radicais faziam rimas e gritavam, sem que os humanos pudessem entender nada.

Na Rua Augusta começaram a passar ônibus lotados de vampiros, alguns até de pé sobre o telhado. Os terraços dos arranha-céus começaram a se encher deles, que pulavam de um prédio a outro até as proximidades da Sé. O interior do Banespão foi invadido pelos radicais, que, no topo, começaram a gritar palavras de ordem contra os humanos através de megafones, enquanto um dos helicópteros que saíra de Cachoeirinha voava ao redor do edifício e seu piloto pedia aos companheiros:

–         Saiam já do prédio! Ainda não chegou a hora! Querem violar a profecia?

Os radicais, amedrontados, foram então deixando o prédio e seguindo na forma de morcegos para a Sé. Outro grupo perto dali havia se concentrado no Viaduto do Chá, bloqueando a passagem dos carros nas ruas vizinhas. Um motoqueiro tentou reagir e foi cercado pelos radicais, que lhe deram dezenas de mordidas pelo corpo. Nisso as forças policiais e os bombeiros já haviam sido acionados, e os gritos dos vampiros se confundiam agora com as sirenes das viaturas e caminhões. Parecia estar havendo uma guerra civil dentro de São Paulo.

Nisso, no Mosteiro de São Bento, o abade, que se encontrava examinando documentos antigos na sala secreta da biblioteca, ouviu todo aquele barulho nas ruas e subiu junto com alguns monges até um dos telhados. O que viram foi uma confusão sem igual: gente fugindo dos vampiros que seguiam na direção de Sé, enquanto viaturas da polícia e ambulâncias com as sirenes ligadas cruzavam velozmente as vias, em meio a gritos e risadas. De repente, até alguns tiros se misturaram a toda aquela overdose de sons.

–         Não posso crer... – murmurou o pobre abade.

–         Mas o que está havendo? – perguntou um dos monges.

–         Todos para seus dormitórios, até segunda ordem!

Enquanto isso, na Brigadeiro Faria Lima, um comboio de dez caminhões-pipa também tomava o caminho da Praça da Sé, sendo os veículos também dirigidos por radicais. Transportavam uma carga muito valiosa para o lugar, pelo menos aos vampiros. Um helicóptero de uma rede de TV começou a sobrevoar os caminhões, enquanto outros filmavam a marcha dos radicais pelas ruas. Nunca na cidade de São Paulo tantas pessoas haviam ligado a TV ao mesmo tempo para se informar sobre o que ocorria.

No apartamento de Fernando, todos haviam se reunido na sala: Luíza, Jorge, Gabriel, Vitor e Juca, para se informarem através da TV. Surgiu na tela do aparelho a imagem de uma câmera num helicóptero que sobrevoava a Avenida Paulista, mostrando os vampiros seguindo pela via, enquanto a repórter dentro dele dizia:

–         Não se sabe ao certo quem são essas pessoas, mas há milhares delas e todas estão se reunindo na Praça da Sé! A polícia informou que alguns grupos atacaram pessoas pelo caminho e os mortos até agora somam trinta e dois, todos com perfurações no pescoço! Vemos aqui vários deles marchando pela Paulista, nada parece poder detê-los!

–         Está começando... – murmurou Jorge. – Os vampiros estão tomando o poder lá fora!

Juca correu para a janela da sala e viu que na rua também havia alguns daqueles indivíduos de preto, caminhando aos gritos.

–         Que maneiro! – exclamou o garoto.

Luíza imediatamente tirou o irmão de Fernando da janela. Jorge checou a munição da espingarda e disse, engatilhando-a:

–         Luíza, é melhor nos trancarmos lá no quarto do Juca! Estaremos mais seguros!

–         Concordo! – disse Vitor.

–         OK! – concordou a reencarnação de Mara Juklinsky, desligando a TV.

Todos seguiram para o quarto do irmão de Fernando e lá se trancaram, preocupados e apreensivos.

Dez para a meia-noite. Na Praça da Sé já estavam quase todos os radicais, num tapete negro que se estendia até as ruas adjacentes. Os cinco helicópteros dos vampiros agora sobrevoavam a massa de revoltosos jogando bolsões de sangue, desses que vemos nos hospitais, e os radicais brigavam no chão pela posse do alimento.

–         Acalmem-se, haverá sangue para todos daqui a pouco! – gritou um dos pilotos pelo megafone.

A polícia já havia isolado toda a área numa distância de cinco quarteirões da Praça da Sé, mas continuavam chegando radicais pelos telhados. Alguns policiais até tentavam atirar, mas as balas mostravam-se inúteis. Aquelas coisas não eram humanas. Agora os helicópteros dos radicais e da TV dividiam espaço no céu com as aeronaves da PM, que começaram a dar rasantes sobre a Praça da Sé, iluminando a cabeça dos vampiros com seus fortes holofotes brancos.

–         Aqui é a PM! – exclamou um dos pilotos. – Todos devem deixar a área imediatamente!

–         Ah, venha nos obrigar! – berrou um radical no meio da multidão de vampiros, enfurecido.

Nesse momento surgiu, de pé entre as duas torres da frente da Catedral da Sé, nada mais, nada menos que Basílio da Cunha Coimbra, com sua namorada Natália Voskonov de um lado e o capanga Yuri Boskonov do outro, que ainda cheirava mal devido ao “banho” que tomara no Tietê. Ao verem seu líder, os radicais foram tomados por euforia ainda maior, gritando e fazendo rimas contra os humanos, principalmente as vampiras. Basílio era muito mais que um ídolo para eles, era um guia espiritual, e sabia muito bem disso.

O líder radical apanhou seu discurso, que fora exaustivamente ensaiado, e começou a lê-lo para os vampiros, em tom de triunfo:

Caras vampiras e vampiros! Chegou o grande dia, tão esperado pelos que vieram antes de nós e que será relembrado a todo instante por aqueles que nos sucederem! A profecia de nosso sapientíssimo mestre Drácula se cumpre hoje, e os humanos finalmente pagarão por sua intolerância! Por anos aqueles que pertenciam à nossa raça foram queimados na fogueira ou mortos cruelmente com estacas enterradas no peito! Alguns defendem uma convivência pacífica com esses monstros, mas tal coisa nunca foi e nunca será possível! Hoje é o dia da virada, o dia do triunfo, o dia em que os mortais tremerão perante nosso poder e seus dentes rangerão diante de nossos caninos! O sangue dos inocentes servirá para vingar Drácula e todos os companheiros do passado, que lutaram como mártires e agora serão honrados! O sacrifício dos humanos servirá para reparar suas faltas, e o mundo será nosso! Todo vampiro terá liberdade para fazer o que quiser, e não precisará mais viver escondido! Todo rio, toda montanha, todo campo deste planeta pertencerá a nós, e os humanos, mortos por nós, serão então nossos irmãos, e todos então poderemos viver na mais perfeita harmonia: cantando, dançando, amando e sugando sangue! Hoje, 11 de agosto de 2005, é o dia da nossa revolução. A revolução que mudará toda a história da humanidade, e iniciará a era dos vampiros. Os descendentes de Drácula lutarão em toda cidade, vila e povoado, para prevalecer nossa vontade! E eu os guiarei para a vitória, vampiros do mundo inteiro! Ao ataque!

–         Ao ataque! – gritaram todos os radicais.

E nesse instante os sinos de São Paulo badalaram, e todos os relógios da cidade marcaram meia-noite. Nas janelas dos prédios, todas as pessoas sentiram um calafrio, reforçando o medo que haviam sentido com o discurso de Basílio. Algo muito grave estava para acontecer.

–         Já é meia-noite! – exclamou Basílio, com lágrimas nos olhos de felicidade, abraçado a Natália. – Banqueteiem-se com o sangue de humanos antes de começarem a caçada, radicais!

Nesse instante alguns radicais haviam acoplado grandes mangueiras de incêndio nos caminhões-pipa estacionados ao redor da praça, que antes seguiam pela Brigadeiro Faria Lima e, erguendo-as para cima, começaram a lançar uma grande quantidade de sangue humano sobre a aglomeração de vampiros. Era o ritual do sangue, descrito no livro de Drácula. Aquele líquido era fruto do roubo dos furgões do hemocentro, e agora saía de dentro dos caminhões, saciando os radicais. Aquilo durou alguns minutos, enquanto todos gritavam palavras de ordem e os curiosos observavam tudo horrorizados das janelas ao redor. Os helicópteros auxiliavam a tarefa ainda lançando bolsões de sangue sobre a praça, que eram disputados com violência. Os pilotos da PM e das redes de TV estranhavam muito aquele ritual macabro, e tinham vontade ir embora dali o mais rápido possível. A curiosidade, porém, os prendia ali.

Quando Basílio viu que todos os vampiros estavam saciados, conforme manda Drácula no livro, ele exclamou:

–         Que comece o massacre!

Os radicais, então, começaram a gritar muito mais alto que anteriormente, dispersando-se ao redor da praça. Alguns corriam e entravam dentro dos prédios, causando pânicos nos moradores às janelas. Outros viraram morcegos e voaram para dentro dos apartamentos, surpreendendo as pobres vítimas. E começaram as mordidas no pescoço por todo o centro, os vampiros agindo como um exército infernal desenfreado, numa grande correria. Arrombavam portas e paravam carros na rua, ameaçando o bloqueio feito pela polícia ao redor da área.

Um dos helicópteros da PM ainda pairava sobre a Praça da Sé, iluminando com o holofote alguns vampiros que ali haviam permanecido. O piloto exclamou pelo megafone:

–         Parem aí, seus anormais!

A resposta foi a transformação dos radicais em morcegos, que formaram uma grande nuvem negra ao redor da aeronave. Sem visão e com as batidas dos vampiros no vidro, o piloto perdeu o controle. O helicóptero começou a cair girando e espatifou-se sobre a praça, gerando grande explosão. Os radicais voltaram à forma humana e, gargalhando, foram se juntar a seus companheiros, pois o levante não podia parar.

–         Será que eles já se foram?

A voz de Isabela ecoou pelo banheiro da estação de metrô. Eles estavam escondidos ali desde as onze e vinte, para não serem vistos pelos radicais que não paravam de chegar nos trens. Estavam no centro da cidade, mas pelos gritos e sirenes que haviam escutado a coisa não estava boa. A revolução dos radicais tinha começado.

–         Estou preocupado com meus pais e a Luíza! – exclamou Fernando, atordoado. – Eles não estão seguros com essas bestas lá fora!

–         Por enquanto precisamos pensar em nós, Fernando – disse Adams, caminhando até a porta do banheiro. – Tomara que consigamos sair vivos daqui!

O homem do FBI encostou um dos ouvidos na porta e, após um instante, disse, virando-se para os companheiros:

–         Não ouço nada lá fora! Acho que o caminho está livre!

O norte-americano sacou sua pistola e saiu do banheiro, seguido pelos demais. Realmente não havia mais nenhum vampiro ali, todos já estavam na superfície.

–         Vamos sair daqui! – exclamou Alfredo.

Os quatro subiram para fora da estação, e ganharam uma das ruas do centro da cidade. Ela estava totalmente deserta, com exceção de uma viatura da PM parada no meio da rua. Os vidros estavam quebrados.

–         Hei, vamos ver se há alguém precisando de ajuda! – exclamou Fernando, correndo na direção do veículo.

Apenas Isabela o seguiu. Adams começou a olhar ao redor, tentando encontrar algo que lhe chamasse a atenção, enquanto Alfredo, de braços cruzados, parecia impaciente.

Conforme foi se aproximando da viatura, uma estranha sensação tomou Fernando. Aos poucos ele foi andando mais rápido, até que, ao ver algo dentro do carro através do vidro quebrado, não se conteve e abriu uma das portas do veículo com extrema violência e lágrimas nos olhos.

–         Pai!

Henrique estava deitado sobre os bancos da frente da viatura, com vários ferimentos pelo corpo. Parecia ter levado uma surra dos radicais, mas não tivera o pescoço mordido.

–         Nando... – oscilou o PM, com poucas forças.

–         Pai, que fizeram com o senhor?

–         Foram... Vampiros! Aquilo tudo sobre a morte do Cordeiro era mesmo verdade, filho!

–         Pai, não morre!

–         Acho que não vou agüentar, filho... – suspirou Henrique, enquanto uma grande quantidade de sangue lhe escorria pela boca e nariz.

–         Não!

–         Sua mãe está com os pais da Luíza... Proteja-os!

O policial fechou os olhos.

–         Não, não pode ser!

Desolado, Fernando começou a chorar sobre o corpo inerte do pai, amparado por Isabela. Alfredo, ao longe, apenas balançou a cabeça. Adams caminhou para perto do carro, dizendo:

–         Eu sinto muito, Fernando...

–         Ah! – gritou o universitário, com a voz alterada.

Ele então se levantou, sacou o revólver 38 e gritou, enfurecido:

–         Vamos para Perdizes, agora! Preciso ver se a Luíza está bem!

–         Não vai ser fácil, os radicais estão tomando a cidade! – disse Isabela.

–         É um risco!

Adams viu que a chave da viatura estava no contato. Seria o meio de transporte. Alfredo se aproximou, cabisbaixo, enquanto o corpo de Henrique era colocado no porta-malas do carro. Quando aquele pesadelo terminaria?

No quarto de Juca, luzes apagadas. Todos estavam sentados no chão, em círculo, ouvindo os sons que vinham da rua. Gritos, tiros e risadas, além de sirenes, com freqüência menor.

–         Há gente morrendo lá fora... – murmurou Gabriel. – Não devíamos ficar aqui parados!

–         Mas precisamos! – retrucou Jorge. – Luíza não pode morrer, ou mais pessoas padecerão em todo o mundo!

Seguiu-se um instante de silêncio.

–         Tenho que ir ao banheiro! – disse Vitor.

–         Pode ir, mas tome cuidado! – exclamou Luíza, que estava preocupado com o namorado.

–         OK!

Vitor saiu do quarto verificando se seu celular estava no bolso. Enquanto isso, Jorge acendeu uma lanterna e leu para si mesmo o poema que escrevera para Isabela. Conseguiria entregá-lo?

A polícia estava domada. O centro de São Paulo estava sucumbindo nas mãos dos radicais, que destruíam tudo e matavam quem estivesse no caminho. Basílio, enormemente satisfeito, vagava agora em sua Mercedes pelas ruas caóticas, junto com Natália e Yuri. Pessoas corriam dos vampiros, enquanto outras, mordidas, agonizavam no meio da rua. O líder dos radicais perguntou a Yuri:

–         Então você foi derrubado pelos moderados dentro do Tietê?

–         Sim, chefe!

–         Mais uma prova de sua incompetência!

–         Bem, eu...

–         Cale-se! O que importa é que estamos obtendo sucesso! Agora precisamos apenas encontrar a sósia da vampira traidora e o coração de meu antepassado!

Nisso, Yuri estremeceu sobre o banco do carro, como se tivesse se lembrado de algo importante. Natália perguntou:

–         Você está bem?

–         Sim, é que acabei de me lembrar de algo importante que tenho para fazer!

E, transformando-se em morcego, voou para fora do veículo.

Num frio beco do centro, dois mendigos dormiam enrolados em rústicos cobertores, ao lado de uma lata de lixo. Os dois sonhavam tranqüilos, relembrando suas desventuras e sonhando com tempos melhores, até que o irritante grito de uma mulher fez que ambos acordassem:

–         Hei, fedidos!

Os moradores de rua levantaram-se assustados, com uma mulher ruiva toda vestida de preto e um homem de cabelo castanho de traje da mesma cor de pé lhes ameaçando com pontiagudos dentes.

–         Vocês serão nosso lanche! – riu um outro vampiro, que chegou junto com mais um por um dos lados do beco.

Os mendigos, acuados, começaram a tremer, enquanto os sugadores de sangue se aproximavam. Mas um dos moradores de rua lembrou-se de como repelir vampiros e, pegando dois pedaços de madeira que estavam dentro da lixeira, cruzou-os de frente para os agressores. Os quatro radicais, repelidos pela cruz formada pelo mendigo, começaram a gemer, enquanto cerca de sete tiros ecoaram pelo beco. Logo os vampiros mortos viraram pó e surgiram dois PM’s, sendo que um deles disse:

–         Venham conosco, esta cidade está pirando!

Os dois mendigos obedeceram prontamente, e o beco ficou vazio. Surgiu então um morcego que se aproximou do chão e logo se transformou no radical Yuri Boskonov. Este, impaciente, começou a andar de um lado para o outro, murmurando:

–         Ande logo, vamos... Ande logo!

E, em meio ao som da luta entre vampiros e humanos que ocorria na cidade, o celular de Yuri começou a tocar. Este o atendeu sem demora:

–         Alô?

A viatura da PM na qual Fernando e seus companheiros tentavam voltar para Perdizes ganhou a Avenida Sumaré, onde os radicais haviam incendiado dois ônibus. O estudante de Medicina, vendo os vampiros no caminho, pisou fundo no acelerador para desviar o carro deles, mas os malditos começaram a correr na direção do veículo, gritando como loucos. Um deles se pendurou numa das janelas quebradas da parte da frente, aonde Isabela ia sentada no banco ao lado do motorista, e acabou cego com mais uma investida do spray de alho, obra da moderada.

Um outro radical subiu em cima da viatura e ficou de pé, gargalhando. Fernando freou bruscamente e o vampiro voou para frente, aterrissando de peito sobre o asfalto. Em seguida acelerou novamente, para escapar dos radicais perseguidores.

–         Esta cidade virou um inferno! – exclamou o universitário.

No banco de trás, Alfredo se encontrava pensativo.

–         O que está acontecendo aqui em São Paulo é surreal! – disse a repórter que estava no terraço de um prédio da Avenida Paulista, cabelo despenteado. – É um ataque de vampiros! Eles se organizaram por volta da meia-noite na Praça da Sé e após uma espécie de ritual com sangue, começaram a matar todos no centro da cidade! A polícia não conseguiu detê-los, e o massacre já está alcançando os subúrbios! É o acontecimento do século, senhoras e senhores! Existem mesmo vampiros entre nós!

A repórter parou de falar, e, mudando a expressão do rosto de ruim para péssima, perguntou ao câmera:

–         Você gravou tudo, Marcos?

Mas o indivíduo tirou a câmera de TV da frente do rosto e revelou ser um vampiro radical de cabelo loiro, que exibiu os pontiagudos dentes caninos.

–         Ah, meu Deus! – gritou a repórter, desesperada.

Não tendo tempo de reagir, a bela mulher praticamente deixou que o vampiro saltasse sobre seu corpo e perfurasse sua jugular com os dentes, fazendo com que o microfone que ela segurava voasse de sua mão.

–         Vampiros, unidos, jamais serão vencidos!

Gritando isso, um grupo de radicais seguia pela Avenida 23 de Maio na direção do Aeroporto de Congonhas. Porém, num cruzamento, havia um caminhão dos bombeiros bloqueando a passagem, com um dos membros da corporação apontando uma mangueira para os radicais.

–         Saia da frente se não quiser morrer! – gritou a vampira que liderava o grupo.

Nisso, surgiu ao lado do bombeiro um padre idoso, para qual o oficial perguntou:

–         Tem certeza que isto vai funcionar, senhor padre?

–         Se Deus permitir! – sorriu o religioso.

O bombeiro, antes que os radicais pudessem saltar sobre o caminhão, ligou a mangueira, fazendo com que uma grande quantidade de água atingisse os vampiros. Mas aquilo não era água comum. A vampira que seguia na frente, ao ser atingida, virou pó em poucos segundos, aos berros.

–         Corram! – gritou um outro radical, percebendo o perigo. – É água benta!

Mas o ágil bombeiro aniquilou cada um dos radicais, que, gritando, foram virando cinzas sobre o asfalto da rua. Quando não restava mais nenhum, o oficial disse ao padre:

–         Funcionou mesmo! Vamos caçar uns vampiros por aí!

O caminhão, que era dirigido por outro bombeiro, começou a seguir pela avenida na direção do centro. Através dessa e outras maneiras, os habitantes de São Paulo foram encontrando maneiras de lidar com os vampiros.

Quase duas horas da manhã. Vitor já havia voltado para o escuro quarto, onde o silêncio era total. Luíza não conseguia pensar em mais nada a não ser em Fernando e seus pais. Jorge, por sua vez, não conseguia tirar Isabela da cabeça. Estaria ela bem?

–         Vocês sabem rezar? – perguntou Luíza.

–         Eu sei, mas nunca rezo! – respondeu Juca.

–         Eu também sei, sou monge – disse frei Gonçalves.

–         Nós vampiros nunca rezamos, mesmo sendo moderados, mas para tudo há um começo! – exclamou Jorge.

–         Certo, então... – suspirou Luíza. – Pai-nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome...

E os demais, exceto Vitor, começaram a acompanhar a jovem. Compenetrados, rogando a Deus para que aquilo passasse o mais rápido possível e que morressem poucos inocentes... Até que todos ouvem um repentino barulho na sala do apartamento. Parecia que algo pesado estava caindo no chão.

–         O que foi isso? – perguntou Luíza, assustada.

–         Veio lá da sala... – murmurou Vitor. – Parece que temos companhia!

Todos procuraram ficar totalmente quietos, tentando ouvir mais alguma coisa. Sem mais nem menos, o barulho de um vaso quebrando.

–         Ah, são eles! – desesperou-se Luíza, com lágrimas nos olhos.

–         Ó Deus Santo, que criastes todas as coisas... – começou a rezar frei Gonçalves.

–         Eles estão chegando... – murmurou Jorge.

–         Amparai-nos neste momento de aflição, por vosso misericordioso amor...

Mas não houve mais nenhum barulho. O silêncio voltou a dominar o apartamento, enquanto um som ou outro vinha das ruas. Nada mais.

–         Eu vou lá ver! – disse Jorge, levantando-se com a espingarda calibre 12 em mãos.

–         Vou com você! – exclamou Luíza.

–         Não, você fica aqui! É perigoso!

–         Eu vou!

Havia tamanha determinação na voz da jovem que Jorge teve que ceder. Ela tinha o mesmo espírito de Mara Juklinsky, valente e amável.

O moderado, seguido por Luíza, girou a maçaneta da porta do quarto...

Os dois ganharam apreensivos o corredor do apartamento. A luz pálida da noite entrava pela janela aberta da sala, todas as lâmpadas apagadas. Jorge, que seguia à frente, parou quando viu uma sombra projetada no chão. Logo Luíza também percebeu e foi petrificada pelo medo, respirando com dificuldade.

–         Quem está aí? – indagou a namorada de Fernando.

A resposta foi a revelação do indivíduo, que saltou na frente da dupla, fazendo com que Luíza desse um breve grito de susto. Era um rapaz jovem e magro, cabelos loiros e roupa toda negra.

–         Então você é a tal Luíza... – murmurou o jovem. – Bem que disseram que é idêntica a Juklinsky...

–         Quem é você? – irritou-se Jorge, apontando a espingarda para o sujeito.

–         Oh, deixe-me apresentar minha pessoa! Meu nome é Yuri Boskonov, vampiro radical!

–         Radical? – berrou Jorge. – Como nos descobriu, desgraçado?

–         Tenho minhas fontes...

Nisso, Vitor surgiu por trás de Jorge e Luíza, apontando uma pistola 9mm.

–         Eu bem que desconfiava! – exclamou Luíza.

–         Bem, eu não estou com o Basílio – explicou Yuri. – Ele pensa que estou, mas não é essa a verdade. Aquele vampiro almofadinha vai aprender a nunca mais humilhar os outros, quando eu tiver em minhas mãos as duas coisas mais importantes deste levante... Assim poderei me tornar o novo líder da rebelião!

Yuri tentou imobilizar Jorge, mas de repente ficou imóvel, com uma golfada de sangue saindo-lhe pela boca. Veio em seguida ao chão, com uma estaca perfurando-lhe as costas, seu corpo virando pó. Alguém havia arremessado aquilo pela janela.

Aproveitando a confusão, Gabriel saiu do quarto e deu uma pancada na cabeça de Vitor, que desmaiou. OK, mas quem tinha matado Yuri?

A resposta veio quando um morcego entrou voando pela janela, e dentro da sala transformou-se num outro vampiro, de cabelos negros. Jorge imediatamente reconheceu-o:

–         Maldito Basílio!

–         Meça suas palavras, moderado insolente! – exclamou o líder dos radicais.

Basílio, espalhando com um dos pés as cinzas que haviam restado de Yuri, murmurou:

–         Você foi um tolo ao pensar que não desconfiava de nada... Escondendo algo tão importante para o sucesso do levante apenas por ganância... Agora virou pó!

–         Nunca vai me levar daqui, seu tirano! – gritou Luíza.

–         Ah, é? Vamos ver!

Gabriel entrou na frente de Basílio, mas foi repelido com extrema violência por um soco do vampiro, voando contra uma parede e desmaiando ao bater a cabeça. Jorge mirou com a espingarda na cabeça do radical, mas quando ia atirar Basílio arrancou a arma de suas mãos e partiu-a em dois pedaços com extrema facilidade. Em seguida, agarrando o moderado pelo pescoço, exclamou:

–         Eu deveria matar você, pois já me importunou muitas vezes, mas viverá para ter a vergonha de ser aquele que não conseguiu proteger a sósia de Juklinsky de mim!

Jogou-o então num dos cantos da sala, fazendo com que se ferisse nos cacos do vaso que Yuri quebrara. Basílio caminhou até a indefesa Luíza, tapando o nariz com a palma da mão para não ser afetado pelo alho em volta de seu pescoço, e arrancou dela o colar de proteção, jogando-o pela janela. A jovem ainda tentou fincar uma estaca no peito do radical, mas este arrancou o artefato de sua mão e também o atirou para a rua. Depois deitou Luíza num dos ombros, enquanto ela se debatia e esperneava, e derrubou a porta do apartamento. Jorge levantou-se e tentou mais uma vez deter o inimigo, mas este lhe chutou no abdômen, fazendo com que voasse sobre o sofá, derrubando-o. Basílio deu uma breve gargalhada e saiu triunfante, com o troféu no ombro, gritando por socorro.

–         Tudo vai terminar onde começou... – disse o vampiro.

Juca veio correndo do quarto e ao ver toda aquela bagunça e a expressão no rosto de Jorge, começou a chorar de desespero. O moderado, que já havia se recuperado dos ferimentos devido a sua regeneração de vampiro, começou a tentar reanimar Gabriel, e ele logo acordou, zonzo. Basílio havia conseguido, porém apenas em parte. O coração de “Manuel Maligno” ainda pulsava junto ao peito de Jorge.

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Trecho do “Livro de Profecias dos Vampiros”, escrito pelo Conde Drácula:

Até a Bíblia possui previsões sobre o dia do levante. Os humanos pagarão por seus pecados. Nada poderá salvar a humanidade agora, e nós, vampiros, seremos os carrascos. Chega de conflitos entre nossas raças! Agora apenas os vampiros prevalecerão, para todo o sempre.

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Continua... 


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