A Revolução dos Vampiros - Versão Antiga escrita por Goldfield


Capítulo 8
Capítulo 7




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Capítulo 7

Os radicais mostram os dentes.

–         Isso é tudo! – exclamou Fernando. – Estávamos justamente procurando por você!

Gabriel estava um tanto confuso, bombardeado com tantas informações.

–         Então Alfredo e Isabela são vampiros, só que bonzinhos? – indagou o monge.

–         Sim, somos moderados – respondeu a vampira. – Queremos evitar que os radicais tomem o poder!

–         E para isso precisamos esconder o coração e essa tal Luíza, que é a reencarnação de uma princesa romena, não?

–         Exato! – respondeu Adams. – A propósito, o coração está aí com você?

O monge levantou a jaqueta e permitiu que todos vissem com espanto o coração de “Manuel Maligno”, que pulsava rapidamente.

–         Com a proximidade do levante, ele começou a pulsar com maior intensidade! – explicou Gonçalves. – Então apenas um descendente direto de “Manuel Maligno” pode destruí-lo, ou seja, esse tal Basílio?

–         Sim, infelizmente!

–         Agora estou te reconhecendo! – disse Fernando. – Você me salvou hoje à tarde de um vampiro, lembra?

–         Ah, sim! – lembrou-se Gabriel. – Não precisa agradecer!

O conversível virou derrapando numa esquina. Agora eles tinham o coração e Luíza, poderiam com eles vencer os vampiros radicais... Ou não?

Na Bloody Dance, Basílio deixou seu escritório com Natália e ficou sobre a estrutura de ferro do andar superior, observando por alguns instantes os radicais agitando na pista de dança. Depois exclamou para a DJ:

–         Pare a música!

A vampira obedeceu, e os radicais, surpreendidos, passaram a fitar Basílio no andar superior. Todos compreenderam o motivo daquilo, e o descendente de “Manuel Maligno” disse:

–         Minhas amigas e meus amigos! O momento está chegando! Agora são nove e meia da noite, e em poucas horas nossa revolução terá início! Este é o momento mais importante da história dos vampiros, e vocês participarão disso! Agora, dancem, dancem pra valer, pois amanhã, o mundo será nosso!

Todos os vampiros soltaram um grito de entusiasmo, e a música voltou, agora mais animada e rápida.

A porta do apartamento se abriu, e antes que Luíza e Jorge pudessem levar um susto, Adams, Fernando, Alfredo, Isabela e Gabriel entraram.

–         Ai, amor!

Luíza abraçou o namorado com grande afeição, e trocaram um caloroso beijo. Alfredo e Isabela se aproximaram do sofá, e esta perguntou a Jorge:

–         Tudo OK?

–         OK. E vocês, conseguiram?

–         Ah, sim! – sorriu Alfredo. – Gabriel, venha até aqui!

E o monge exibiu novamente o coração pulsante de João Manuel da Cunha Coimbra, causando grande espanto. Nesse instante Vitor e Juca voltaram à sala. Luíza perguntou:

–         E agora, o que faremos?

–         Nós temos duas opções... – murmurou Adams.

Todos começaram a observar o agente do FBI, que caminhava pensativo pela sala. Ele disse:

–         Nossa primeira opção, a mais cômoda, é sairmos da cidade levando Luíza e o coração, o mais rápido possível, antes que seja meia-noite e o levante comece. Assim conseguiremos impedir que os vampiros conquistem o mundo.

–         Mas não podemos fazer isso! – berrou Fernando. – E as milhões de pessoas desta cidade, as pessoas que amamos? Não podemos deixar essa gente morrer!

–         É aí que entramos na segunda opção. Podemos tentar encontrar uma maneira de Basílio destruir o coração e assim evitar as mortes nesta cidade, mas assim estaríamos botando em risco o que já conseguimos: Luíza e o coração. A escolha é de vocês!

–         Vamos embora daqui! – exclamou Vitor. – Conheço um primo em Jundiaí que pode nos dar abrigo!

–         Você está louco, Vitor? – enfureceu-se Jorge. – Não podemos deixar inocentes morrerem! É nosso dever como moderados!

–         Dever como moderados... Isso não existe e nunca existiu, idiota! Nós somos apenas um bando de coitados vítimas de uma maldição!

–         Ora, seu...

Jorge tentou partir para cima de Vitor, mas foi impedido por Luíza e Isabela. Esta última deu um belo e meigo sorriso para o vampiro, que fez com que ele se tranqüilizasse imediatamente.

–         Meus pais ainda não chegaram, Luíza? – perguntou Fernando.

–         Não, ainda não! – respondeu a jovem.

–         Vamos ficar calmos, OK? – disse Adams. – Eu acho que devemos salvar o máximo de vidas que pudermos, fazendo Basílio destruir o coração!

–         Mas como? – perguntou Alfredo, também um pouco desacreditado. – Nós nem podemos contar com a ajuda dos outros moderados!

–         Podíamos armar um plano para que Basílio destruísse o coração acidentalmente – disse frei Gonçalves. – Uma armadilha!

–         Ele não cairia tão facilmente... – murmurou Jorge.

–         Adams, não há nenhuma profecia no livro que possa nos ajudar? – perguntou Isabela.

–         Vou averiguar...

O homem do FBI abriu o temido livro de Drácula e, após folhear algumas páginas, leu o seguinte trecho:

Se o líder do levante morrer, o levante morrerá com ele. A não ser que haja um outro descendente direto do vampiro cujo coração pulsa, tudo estará perdido para os vampiros, e aqueles que participarem da fracassada rebelião ficarão condenados à eterna vergonha.

–         Temos que matar esse Basílio! – exclamou Fernando.

–         É, parece que não há outro meio! – concordou Jorge.

–         Bem, nem todos são obrigados a participar disso... – murmurou Adams.

–         Eu estou nessa! – disse o namorado de Luíza.

–         Eu também! – ofereceu-se Jorge.

–         Não, Jorge! – discordou Adams. – Você fica aqui tomando conta de Luíza! É melhor que também fique com o coração!

–         OK.

Gabriel, então, entregou o suporte de pano com o coração para Jorge, que o colocou embaixo da jaqueta.

–         Também quero ir! – exclamou Isabela.

–         Eu também! – disse Alfredo.

–         Acho que ficarei aqui, para ajudar a proteger Luíza! – disse frei Gonçalves.

–         Também vou ficar por aqui... – murmurou Vitor, com pouco interesse.

–         OK, então! – exclamou Adams. – Vamos logo!

Fernando se despediu novamente de Luíza com um beijo e seguiu Adams para fora do apartamento, junto com Alfredo e Isabela. A namorada do universitário, Jorge e Gabriel sentaram-se no sofá, enquanto Juca e Vitor voltavam a jogar videogame no quarto.

Basílio da Cunha Coimbra nascera na cidade de São Paulo, no dia 13 de janeiro de 1903. Filho do poderoso vampiro Joel da Cunha Coimbra, que também era cafeicultor e possuía uma vasta propriedade no interior, e Valquíria da Cunha Coimbra, vampira de gosto refinado que vivia viajando para Paris.

Como todos os vampiros abastados, Basílio foi educado na Transilvânia durante quarenta anos e voltou para o Brasil indignado com a intolerância dos humanos, disposto a mudar as coisas. Ele sabia que teria uma importante missão no ano de 2005, e sempre foi preparado para ser um grande líder, aquele que conduziria os radicais ao poder na Terra.

E o grande dia estava para começar. Naturalmente, Basílio se encontrava muito nervoso. Tudo dependeria dele. Se falhasse, o melhor seria a morte.

O conversível de Alfredo seguia novamente pelas ruas de São Paulo, rápido como nunca, quando Fernando, olhando para um dos espelhos retrovisores, exclamou:

–         Gente, parece que há um carro nos seguindo!

De fato, havia uma bonita e cara BMW preta seguindo o veículo dirigido por Adams há algum tempo. O agente do FBI virou derrapando numa esquina na esperança de despistar o perseguidor, mas seu esforço mostrou-se em vão.

Alfredo, olhando mais atentamente pelo retrovisor, viu que dentro do carro havia um sinistro casal vestindo roupa preta, e que por um breve instante exibiu seus monstruosos caninos.

–         Droga! – gritou o moderado. – São radicais!

Nesse instante Adams ultrapassou um ônibus que seguia vagarosamente pela rua, enquanto a BMW repetia a manobra, seguindo bem atrás do conversível.

O norte-americano no volante fez o carro vencer mais uma curva, mas desesperou-se ao ver que a poucos metros de distância dois furgões pretos fechavam a rua, e na frente deles havia cerca de dez radicais enfurecidos.

Adams pisou no freio e o conversível parou bem na frente do bloqueio, enquanto a BMW perseguidora também estacionava no meio da rua.

Então, um jovem radical loiro e magro, que parecia comandar os outros, caminhou até o conversível e, parado na frente do veículo, exclamou após uma risada:

–         Eu tive a sorte de ver vocês matando dois de nós lá no centro! E então, o que querem? Guerra?

–         É isso aí! – gritou Isabela.

E a jovem atirou uma estaca contra o vampiro, mas este a apanhou com a mão direita quando ela estava a poucos centímetros de seu peito. Exclamou então, gargalhando:

–         Precisará de mais que uma estaca para matar Yuri Boskonov!

Com essa frase, os outros radicais também começaram a se aproximar do carro, inclusive o casal que antes estava na BMW. Quando os inimigos já estava subindo pelo capô do conversível, Fernando perguntou, levantando-se do banco num sorriso, escondendo algo atrás da cintura com as mãos:

–         Vocês estão com sede?

–         Sede de sangue! – berrou um dos radicais.

–         Então tomem!

Fernando, num movimento com o braço direito, girou uma das garrafas com água benta no ar, estando esta aberta. O líquido atingiu vários dos vampiros, queimando-os como fogo. Aos berros, os radicais feridos recuaram para trás, inclusive Yuri. Este, segurando o braço atingido pela água e que agora tinha uma grande e dolorosa queimadura, exclamou:

–         Acabem com eles, rapazes!

Os radicais que continuavam sobre o capô do carro partiram para cima dos ocupantes. Um deles saltou sobre Fernando, tentando morder seu pescoço com os pontiagudos caninos. Mas o estudante havia aberto outra garrafa cheia de água benta e a enfiou dentro da boca do agressor, gritando:

–         Beba tudinho!

O radical começou a ter convulsões, berrando, e seu corpo, de dentro para fora, começou a virar pó sobre o estofamento do carro. Um outro vampiro investiu sobre Alfredo, mas este lhe fincou uma estaca no peito, num movimento perfeito, fazendo com que também virasse pó.

Agora restava apenas o casal da BMW atacando o carro. A vampira radical, uma loira por sinal muito bonita, tentava abocanhar o pescoço de Isabela. Esta a repeliu com um chute, fazendo que voasse para os assentos da frente do carro, caindo bem no colo de Fernando. Este não perdoou, cravando-lhe uma estaca no peito. O namorado da vampira foi vítima do crucifixo de Adams, perdendo assim a invulnerabilidade e levando dois tiros no peito. Mas agora os radicais feridos pela água benta de Fernando já voltavam na direção do carro. Alfredo exclamou:

–         Desçam todos, rápido!

Todos saíram do conversível, mas logo foram cercados pelos radicais. Adams, no meio de uma roda de três vampiros, não pensou duas vezes: antes que pudesse ser mordido, tirou duas latas de spray de alho de baixo do casaco e girou com uma em cada mão, espirrando o fluído no rosto dos agressores. Os três radicais gritavam, cegos, e assim levaram cada um seu tiro certeiro vindo da pistola calibre 45 do homem do FBI.

Fernando e Alfredo foram cercados por quatro radicais. O estudante foi rápido e, pedindo que o moderado se afastasse, apontou seu crucifixo para os adversários, que, afetados, levaram cada um uma estaca no peito, atirada por Alfredo, que por sinal estava se tornando um mestre no tiro ao alvo.

Isabela aniquilou uma vampira com o spray de alho, não sendo afetada pelo efeito devido a mascara que usava. Logo todos os vampiros mortos haviam virado pó e restava apenas Yuri, parado perto dos furgões.

–         Venha lutar, covarde! – exclamou Fernando.

–         Deixe-me chamar reforços – sorriu o radical. – Pessoal, tem sangue novo na área!

E dezenas de vampiros começaram a sair das sombras da rua, mostrando os dentes pontiagudos.

Adams começou a olhar ao redor tentando encontrar um caminho para fugirem, já que não conseguiriam sair dali de carro. De repente exclamou, apontando para um beco escuro:

–         Rápido, por ali!

O agente do FBI mais Fernando e os moderados desapareceram correndo pela viela, enquanto mais e mais radicais surgiam.

–         Mas onde está aquele imprestável do Yuri? – pergunta Basílio, prestes a ter um ataque de nervos.

–         Alguns humanos mataram dois dos nossos aqui perto e ele foi perseguí-los junto com alguns colegas – respondeu Natália.

–         Bem, menos mal! Agora são dez e quinze, não vejo a hora de iniciar o levante!

E o agito continuava na pista de dança.

A perseguição continuou beco adentro. Adams, Fernando e os vampiros corriam como nunca dos radicais.

–         Hei, olhem! Uma porta!

Essas palavras, ditas por Alfredo, encheram todos de esperança. Havia de fato uma porta logo em frente, e Adams atirou no trinco, fazendo com que se abrisse.

Os quatro fugitivos entraram e bloquearam a porta fazendo uma barricada com o que encontraram no iluminado corredor: caixas, baldes, vassouras, uma prateleira de ferro... Ela não agüentaria muito tempo, mas ao menos lhes daria oportunidade de despistar os radicais.

–         OK, onde é que nós estamos? – indagou Fernando.

–         Vamos investigar e encontrar uma saída! – propôs Isabela, seguindo em frente.

Os demais seguiram a vampira até uma porta no final do corredor, enquanto os radicais forçavam a porta lá fora.

Logo que Isabela ganhou a nova e ampla sala, exclamou:

–         Hei, isto é um banco!

De fato, havia várias mesas de trabalho junto a uma parede. Opostas a elas havia quatro caixas eletrônicos, e ao lado da porta que haviam cruzado estavam quatro repartições onde os caixas humanos ficavam durante o período de trabalho. Logo em frente, oposta a essas repartições, ficava a frente do banco, toda de vidro (possibilitando ver a rua), com uma porta giratória e alguns bancos para acomodar os clientes.

–         Que sorte, eu vou aproveitar para verificar meu saldo! – brincou Alfredo.

–         Isto não está me cheirando bem... – murmurou Adams.

Nisso, Fernando viu alguns vultos negros através das grandes janelas da frente do banco. Antes que pudesse alertar os companheiros, cerca de oito radicais, incluindo Yuri, saltaram através dos vidros, enchendo o chão de cacos enquanto caminhavam na direção da presa.

–         O jogo acabou! – sorriu o capanga de Basílio, mostrando os dentes.

Antes que o grupo encurralado pudesse esboçar qualquer reação, Fernando olhou para a parede do lado onde ficavam as mesas dos funcionários, e viu duas bandeiras penduras nela, uma do Estado de São Paulo e outra do Brasil.

–         Estacas... – murmurou o estudante, olhando para as extremidades pontiagudas do cabo das bandeiras.

Imediatamente o jovem retira as duas bandeiras da parede e as atira contra os vampiros, apontando-lhes o lado pontiagudo. Dois radicais são atingidos bem no peito e acabam suspensos junto a uma parede, com as bandeiras atravessando-lhes o corpo que virava pó.

–         Ataquem! – berrou Yuri, enfurecido.

Os outros radicais, exceto o líder, partiram para cima dos heróis. Adams usou seu crucifixo para retirar a imunidade de um deles e matou-o com sua pistola, enquanto Isabela fincava uma estaca no peito de outro e Alfredo aniquilava dois com o spray de alho. O último restou para Fernando, que, enquanto tentava saltar sobre seu pescoço, teve a cabeça encharcada de água benta. A cena foi grotesca, pois o vampiro começou a virar pó pela cabeça, deixando exposto brevemente o cérebro, aos gritos.

A atenção dos “caça-radicais”, então, voltou-se para Yuri. Este, ainda sorrindo, gritou:

–         Rapazes!

Ouviu-se um grande estrondo, que logo todos compreenderam: a porta dos fundos do banco havia sido derrubada pelos radicais que estavam no beco.

Adams, sem pensar duas vezes, estendeu seu crucifixo para Yuri. Este, enfraquecido, recuou para um dos cantos do recinto, enquanto o agente do FBI e seus companheiros saíam pela frente do banco, atravessando um dos vidros quebrados.

Do lado de fora, os quatro fugitivos olhavam desesperados para os lados tentando encontrar um meio de fuga, até que, como se fosse um presente divino (e de fato era), surge na rua um ônibus todo iluminado e vazio.

–         Pare! – gritou Isabela. – Pare aí!

E, agitando os braços no ar, a moderada correu para frente do transporte público, fazendo o motorista, um velhinho calmo e sereno, pisar imediatamente no freio.

–         Entrem! – disse o senhor, enquanto as portas do ônibus se abriam como se fossem os portões do Paraíso.

Rapidamente, Isabela, Alfredo, Adams e Fernando, nessa ordem, entraram no ônibus, que partiu imediatamente. Ao mesmo tempo, os radicais saíam de dentro do banco e, vendo o veículo se distanciar, começaram a berrar no meio da rua, como se todas as almas do inferno resolvessem se lamentar ao mesmo tempo, num coro sinistro.

No apartamento de Fernando, seus pais ainda não haviam voltado. Enquanto Vitor e Juca ainda jogavam videogame no quarto, frei Gonçalves acendia uma vela perto de uma imagem de São Miguel Arcanjo no quarto de Dona Ruth. Na sala, Luíza e Jorge haviam desligado a TV e agora ouviam os vários CD’s de música de Fernando no aparelho de som, tentando em vão relaxar. O moderado havia colocado um CD do “Coldplay” na máquina, pois gostava muito da música “In My Place” e sempre lembrava de Isabela quando a ouvia.

–         Você ama a Isabela, não ama? – perguntou Luíza num sorrisinho, enquanto a música que Jorge queria começava a tocar.

–         Não, impressão sua... Ela tem namorado e eu, meus amores por aí!

–         Você não me engana! Sei que gosta dela e sofre muito por isso!

–         Ela é uma vampira linda, sem dúvida, mas eu não gosto... Ah, a quem estou tentando enganar? Você já percebeu que eu a amo!

–         Conte a ela, Jorge...

–         Como? O Alfredo é muito meu amigo, não sei o que ele faria se descobrisse! E a reação da Isabela, então? É melhor deixar tudo como está, assim ninguém sofre, apenas eu...

–         E ela? Será que ela gosta mesmo do Alfredo?

–         Bem, ela... É claro que ela gosta!

A conversa parou por um instante, apenas a música separando a sala do silêncio. Ao falar de Isabela o coração de Jorge pulsava mais forte de amor, e o de “Manuel Maligno”, junto a seu peito, pulsava de ódio.

–         Eu ainda acho que você deve contar a ela! – exclamou Luíza. – Não estou reconhecendo você! Um vampiro tão valente, capaz de enfrentar o próprio Basílio da Cunha Coimbra cara a cara, e não tem coragem para se declarar a uma mulher!

Jorge começou a coçar o queixo, pensativo. Súbito, levantou-se e caminhou até uma estante de livros. Após uma rápida pesquisa com os olhos, ele pegou um exemplar de “Os Mais Belos Poemas de Camões”. Luíza perguntou, curiosa:

–         O que vai fazer?

–         Você verá! Onde posso encontrar papel e caneta?

Basílio da Cunha Coimbra começou a lembrar de sua infância. Aquele dia inesquecível de quando tinha vinte e seis anos (equivalente a mais ou menos oito anos de idade na escala dos humanos), quando foi com seus pais e tios passear na Rússia. Na época era Stalin quem mandava por lá, e ele foi com sua família banquetear-se de sangue num dos campos de extermínio na Sibéria. Eles haviam feito algo semelhante durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram visitar um radical que fazia parte do alto escalão das Forças Armadas nazistas e se hospedaram num campo de concentração de judeus, onde também fizeram vítimas. Basílio até enamorou-se brevemente da filha do vampiro alemão, uma bela vampirazinha de olhos claros, mas mesmo assim as férias na Sibéria haviam sido melhores, mais memoráveis. Ele divertira-se muito brincando na neve com os primos!

O líder dos radicais saiu de suas memórias quando Natália beijou seus lábios. Havia coisas mais importantes para pensar. O levante, por exemplo. Em pouco mais de uma hora ele teria início, e nada poderia detê-lo.

O ônibus que salvara Adams, Fernando e o casal de moderados seguia pela Marginal Tietê. Os passageiros encontravam-se sentados longe uns dos outros, enquanto o tranqüilo motorista parecia ignorar tudo à sua volta. Alfredo exclamou:

–         Nós precisamos rever nossa tática, Adams! Não podemos enfrentar os radicais de frente, você viu o que aconteceu!

–         É, acho que Alfredo está certo... – suspirou Isabela, odiando ter que concordar com o pessimismo do namorado.

–         O que faremos então? – indagou Fernando. – Nossa única opção é matar esse tal Basílio!

–         Hei, o que é aquilo? – espantou-se Alfredo, olhando através de uma das janelas do ônibus.

–         Que foi? – perguntou Adams.

–         Parece que vi um morcego voando lá fora...

De repente, um som estranho vem do teto do ônibus, como se alguém andasse em cima dele.

–         Merda, são eles! – exclamou Fernando.

Imediatamente uma mão perfura o teto do ônibus, mexendo os dedos por um instante e saindo pelo buraco. O motorista parece nem ligar, enquanto Adams, Isabela, Alfredo e Fernando apontam suas armas de fogo para cima.

–         OK, fiquem calmos... – disse o norte-americano, voz baixa.

Mais sons de passos sobre o ônibus. Se havia radicais sobre o veículo eram no mínimo uns três.

Apreensiva, Isabela sentou-se num banco apontando a Desert Eagle para o teto. De costas para a janela, ela nem viu quando surgiu a cabeça de um radical de ponta-cabeça do outro lado do vidro. O vampiro deu uma batidinha na janela, fazendo com que a moderada se virasse assustada para o vidro. Ele exclamou:

–         Oi, gracinha!

A resposta de Isabela foi disparar com a arma, dentes cerrados. A bala atingiu o meio da testa do radical, mas este apenas fez uma careta enquanto o ferimento se cicatrizava numa velocidade incrível.

–         Arranque a imunidade antes de atirar, amor! – lembrou Alfredo.

Mas antes que a vampira pudesse atacar novamente, o radical tirou a cabeça de trás do vidro, voltando a caminhar sobre o ônibus.

Uma outra mão perfura o teto, mexendo os dedos como a primeira. Desta vez, porém, os heróis estavam prevenidos: Fernando atirou o pouco de água benta que lhe restara na mão, fazendo com que o radical gritasse de dor, enquanto seu pulso virava pó e o membro caía sem vida sobre o chão do ônibus, também evaporando.

–         Desgraçado! – gritou um dos radicais sobre o ônibus, provavelmente o que tivera a mão decepada.

Mais passos sobre o veículo, seguidos por vários instantes de silêncio. Os passageiros estranharam:

–         Será que foram embora? – sorriu Isabela, esperançosa.

A resposta veio quando um radical quebrou o vidro de trás do ônibus com violência, jogando-se sobre o chão do interior do veículo. Adams, que estava próximo, foi derrubado pelo vampiro, que se preparava para abocanhar seu pescoço.

–         Não! – gritou o agente do FBI, tentando se libertar.

Adams fechou os olhos, e a única coisa que ouviu foi o som de uma das latas de spray de alho agindo com vontade. Depois sentiu algo pesado caindo sobre seu peito, mas que aos poucos foi ficando leve...

–         Mas o quê?

Ernest abriu os olhos e viu Fernando com uma lata de spray de alho na mão, o corpo decapitado do radical ao lado do seu evaporando e a cabeça do vampiro sobre seu peito, virando pó. O estudante havia espirrado tanto spray no pescoço do vampiro que sua cabeça havia caído.

–         Eu já vi gente perder a cabeça por causa de uns dentes de alho, mas isso é ridículo! – riu Fernando.

–         Muito obrigado! – agradeceu Adams, se levantando. – O que posso fazer para agradecer?

–         Apenas responda uma pergunta: por que você nunca tira esses óculos escuros?

–         Eles são um tipo de proteção que eu tenho...

Súbito, uma mão faz mais um buraco no teto do ônibus, sendo repelida por mais um ataque do spray de alho, efetuado por Alfredo. Ela volta para cima apenas um tanto queimada.

–         Eles nunca desistem! – exclamou Isabela.

Incrivelmente, o motorista idoso não olhara nenhuma vez para trás e aparentava incomum tranqüilidade.

Os passos sobre o ônibus cessaram de vez. Mas aquilo não estava certo...

Os quatro começaram a ouvir som de ferro sendo retorcido sobre suas cabeças e as luzes se apagaram, até que um grande pedaço do teto do ônibus foi arrancado por Yuri, o único radical ainda sobre o veículo, que o fizera com a mesma facilidade que temos para abrir uma lata de sardinhas.

–         Nenhum moderado pode com Yuri Boskonov!

E, com o pedaço do teto de metal em mãos, deu um giro sobre o próprio eixo e arremessou-o dentro do rio Tietê. Alfredo, aproveitando o momento de distração do radical, também usou sua força de vampiro, saltando para cima do teto do ônibus. Agora ele e Yuri estavam separados pelo buraco feito pelo radical, onde Adams, Fernando e Isabela olhavam apreensivos para cima.

–         Venha até aqui, covarde! – provocou Yuri.

Alfredo saltou sobre o buraco e partiu para cima do radical, jogando-lhe sobre o metal do telhado do ônibus. Este revidou, dando-lhe um soco na cara.

–         Cuidado, amor! – preocupou-se Isabela.

O moderado levantou-se, mas Yuri não atacou novamente. Ele apenas disse para Alfredo, voz baixa:

–         Faça o que tem que fazer!

O namorado de Isabela sorriu brevemente e deu um forte chute em Yuri, que voou de cima do ônibus, caindo como uma pedra dentro do rio Tietê.

–         É isso aí, Alfredo! – empolgou-se Fernando, observando a queda do radical nas águas do rio por uma das janelas.

–         Você está bem, amor? – perguntou Isabela, enquanto o moderado voltava para dentro do ônibus.

–         Sim, eu estou...

Apenas Adams não se empolgou com o feito do rapaz. Sabia que algo ali estava errado. Ele disse:

–         É melhor tomarmos um meio de transporte mais seguro até o centro...

–         Como o quê? – indagou Fernando.

–         Metrô? – respondeu Adams com outra pergunta.

O ônibus parou poucos metros à frente, e o motorista despediu-se dos passageiros como se nada houvesse acontecido. Isabela, antes de descer, perguntou ao simpático velhinho:

–         O senhor tem família aqui na cidade?

–         Não, eles moram todos em Santos – respondeu o senhor.

–         Então recomendo que deixe a cidade imediatamente!

–         Como quiser, moça bonita!

A vampira saiu então do ônibus, que partiu, enquanto seus companheiros a esperavam na calçada.

–         Há uma estação de metrô aqui perto! – disse Fernando. – Vamos logo, antes que apareçam mais desses malditos radicais!

Logo que voltou para a sala do apartamento, Gabriel perguntou:

–         Tudo OK?

Luíza, que estava sentada ao lado de Jorge do sofá, respondeu:

–         Tudo calmo, frei!

O moderado estava escrevendo algo numa folha de papel, e a namorada de Fernando leu com os olhos o que era:

Isabela bela

No amor meu coração navega

Feito bela caravela

Eu te amo

E por isso a ti chamo

Te amo, te amo, te amo

Você é o meu amor

E digo isso com louvor

Em meu peito há ardor

Minha paixão é o calor

Você é linda

Linda, linda, linda

E digo isso ainda

Você é muito linda

Mas não posso te ter

E hoje é o meu dever

Isto te escrever

Para você me compreender

Te amo, Isabela

Você é linda, linda e bela

–         Nossa, Jorge! Ficou lindo! Você vai entregar esse poema para ela?

–         É, acho que vou...

–         Ela vai gostar! Mas faça isso longe do Alfredo!

–         Não sei se devo...

–         O máximo que ela pode dizer é não, Jorge! Sei que ela namora o Alfredo, mas nesta vida temos que correr atrás dos nossos sonhos!

–         Você está certa!

Frei Gonçalves nem prestou atenção na conversa, pois estava muito preocupado com o que acontecia lá fora. Conseguiria o grupo formado por Adams, Fernando, Alfredo e Isabela deter o terrível Basílio?

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Trecho do “Livro de Profecias dos Vampiros”, escrito pelo Conde Drácula:

Mas o líder do levante deverá ter grande atenção, pois alguns de seus subordinados podem traí-lo, em busca de concentrar o poder em suas mãos. Esses também devem ser massacrados, assim como os que seguem a traidora, pois podem colocar tudo a perder. O levante será uma das poucas oportunidades que nossa raça terá para tomar o poder. Se essa oportunidade for desperdiçada, o responsável cairá em desgraça.

++++++++

Continua... 


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