A Revolução dos Vampiros - Versão Antiga escrita por Goldfield


Capítulo 6
Capítulo 5




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Capítulo 5

Os últimos preparativos para o levante.

De volta à boate, Basílio, digitando como um louco em seu computador no escritório, concluía seu impecável discurso, que seria feito a todos os vampiros radicais antes do levante ter início. Natália estava às voltas com várias mensagens que chegavam do mundo inteiro pelo fax dando parabéns a Basílio, e circulava com elas pela sala, excitadíssima.

–         Posso ler as mensagens para você, querido? – perguntou a vampira.

–         Pode! – respondeu Basílio, sem desgrudar os dedos do teclado e os olhos do monitor.

–         O excelentíssimo vampiro Jacques Lergrand, em Paris, deseja que o levante tenha pleno sucesso e dá congratulações ao sapientíssimo Basílio da Cunha Coimbra, que com sua monstruosa inteligência e tática fará os humanos padecerem sob nosso poder. O Conde Vladimir Uikinansky, em São Petersburgo, diz que Basílio da Cunha Coimbra é o maior vampiro que já existiu desde Drácula, e que guiará nossa raça até o triunfo sobre a patética humanidade. Em Londres, o vampiro George Darkshield afirma que...

–         Pare, Natália! – pediu Basílio. – Estou farto de ouvir os falsos cumprimentos desses invejosos!

E Voskonov colocou as mensagens sobre a mesa. Basílio, desligando o computador, disse:

–         Mais tarde eu termino o discurso! Agora temos muito trabalho a fazer, como checar os estoques de sangue e rever nosso plano de ação!

–         E amanhã estarei namorando o líder mundial dos vampiros... – sorriu Natália, beijando o radical.

–         Que terá a mais bela vampira ao seu lado! – completou Basílio, deixando Natália cair em seus braços.

–         OK, vamos ver se eu entendi! – disse Luíza, sentada num dos sofás do “Clube de Amantes de Música Clássica”. – Vocês, exceto o Adams, são vampiros, só que moderados, e os radicais, comandados por esse tal Basílio, iniciarão uma rebelião amanhã por causa do coração desse “Manuel Maligno”, que está em algum lugar da cidade, e para a revolta poder se espalhar pelo mundo eu preciso ser oferecida em sacrifício a Drácula, pela razão de ser a reencarnação de Mara Juklinsky, matriarca dos vampiros moderados e representada naquele quadro, não?

–         Exatamente! – respondeu Alfredo, que já havia voltado com Vitor.

–         Isto só pode ser um pesadelo! Um longo e horrível pesadelo!

Luíza beliscou-se com a esperança que assim acordaria, mas para seu desespero ela já estava no mundo real, protegida dos vampiros radicais por outros bonzinhos num esconderijo na Rua Augusta. Ela então se levanta e começa a observar novamente o quadro de Juklinsky, como se fitasse sua própria imagem num espelho. Aquilo era bizarro. Primeiro a morte de Cordeiro, agora aquela história de levante em São Paulo. E o pior é que tudo levava a crer que era mesmo verdade.

–         Isso tudo é muito para mim! – suspirou Luíza, com as mãos cobrindo o rosto. – Não posso agüentar!

–         Até que você está aceitando bem... – murmurou Jorge. – A propósito, você e seu namorado estavam investigando um assassinato estranho, não?

–         Sim, parece que dois desses vampiros radicais mataram um comerciante chamado Cordeiro ontem de manhã. O corpo dele foi encontrado desidratado e com quatro perfurações no pescoço!

–         Ele foi morto ontem de manhã? – espantou-se Adams. – E para onde levaram o corpo?

–         Para o IML!

–         Meu Deus! – exclamou Isabela.

–         Qual o problema?

–         Todo humano sugado e morto por um vampiro, ou vice-versa, se transforma num da mesma raça após vinte e quatro horas da mordida, propagando a maldição! – explicou o agente do FBI. – Ele já deve ter despertado e aniquilado quem esteve em seu caminho para a liberdade, ou então o está fazendo neste momento!

Luíza estremeceu. Era difícil imaginar o velho e sereno Cordeiro, tão calmo e alegre, transformado agora num vampiro assassino sedento por sangue. Lá fora tem início uma forte tempestade, com amedrontadores trovões.

Instituto Médico Legal, meio-dia.

Sobre uma fria mesa de autópsia está o cadáver de Cordeiro, nu, desidratado e feio, de olhos fechados. Entram então dois legistas vestindo branco dentro da sala, um deles empurrando um carrinho com várias ferramentas como bisturis e tesouras cirúrgicas.

Os dois homens caminham até a mesa, ficando um de cada lado do corpo. O primeiro diz, apanhando um bisturi:

–         Meu Deus! Ele está mal mesmo!

–         Veja isto no pescoço! – disse o outro legista, apontando para duas das quatro perfurações por onde havia sido sugado o sangue do velho.

–         Parece até coisa de vampiro!

–         Nossa, é mesmo! Cada coisa que a gente vê neste tipo de trabalho...

–         Eu abro ou você?

–         Tenha a honra! Mas ande logo, estou louco para almoçar!

O legista que tinha o bisturi na mão aproximou lentamente o afiado objeto do peito de Cordeiro, com suor na testa.

–         Que foi, Alberto? – riu o outro homem. – Pode cortar! Ele não vai se mexer!

Súbito, para o espanto dos dois legistas, o cadáver abre os olhos, voltando a respirar. O perito que segura o bisturi o afasta imediatamente de Cordeiro, com o coração aos pulos.

–         O que é isso? – grita o pobre legista.

O velho então senta sobre a mesa, enquanto um forte trovão faz a sala tremer, olhando fixamente para o primeiro perito, que ainda segura o bisturi. Num movimento rápido, ele arranca o objeto das mãos do legista, e este, tomado pelo medo, nem reage.

–         Cuidado, Alberto!

Mesmo com o apelo do colega, o legista não conseguiu evitar que Cordeiro saltasse da mesa, caísse sobre seu corpo e fincasse o bisturi em seu pescoço. Sangue começou a jorrar, e horrorosamente o velho começou a lamber o líquido rubro que escorria sobre a pele do morto.

–         Parado, já!

Com a ordem do segundo legista, Cordeiro virou-se em sua direção, exibindo dois enormes e pontiagudos caninos enquanto sua pele ficava ainda mais pálida.

–         O que é você? – balbuciou o desesperado perito, tremendo da cabeça aos pés.

E Cordeiro saltou sobre o legista, enfiando com perfeição os dois caninos em sua jugular. O sangue foi sugado pelo velho, e, aos poucos, seu corpo recomeçava a ganhar massa e sua pele voltava a ter cor, com suas veias e artérias enchendo-se de líquido quente e jovem.

–         Hei, o que você está fazendo?

O grito fora dado por um oficial da PM na entrada da sala, que já apontava um revólver calibre 38 para o recém-vampiro.

A resposta de Cordeiro foi correr na direção de uma janela e saltar através do vidro, enquanto o policial tentava atingir a aberração com alguns disparos, errando.

–         Como assim, mãe? – berrou o rapaz, desesperado. – Como assim, um agente do FBI levou a Luíza embora?

Com o chamado desesperado de Dona Ruth, Fernando saíra às pressas da faculdade e voltara para o apartamento, com os nervos à flor da pele. Agora ele se descabelava pensando nos apuros que a namorada poderia estar passando, e culpava a mãe enormemente pelo que havia ocorrido.

–         Isso é seqüestro, mãe, é seqüestro! – exclamou Fernando. – Eles vão matá-la, mãe!

–         Calma, meu filho...

–         Calma, mãe? Calma como?

–         O sujeito estava com um casal e disse que era do FBI, até mostrou as credenciais! – tentou explicar Dona Ruth. – Ele tinha sotaque de americano, e disse que a vida de Luíza estaria em risco se não fosse com eles! Acho que ele falava a verdade, filho!

Foi nesse momento que as peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar na cabeça de Fernando. Algo muito estranho estava acontecendo na cidade, e a morte de Cordeiro tinha alguma coisa a ver com a visita do suposto agente do FBI. O estudante e sua namorada provavelmente estavam envolvidos com algo muito grande, e o que sabiam sobre o estranho assassinato de Cordeiro devia estar incomodando alguém.

–         Você ao menos sabe o nome do agente, mãe? – perguntou Fernando, um pouco mais calmo, tentando raciocinar.

–         Acho que era Ernest Adams, pelo que vi nas credenciais dele... – respondeu Dona Ruth, consultando a memória. – Ele disse que Luíza estaria de volta o mais breve possível!

–         Vou dar uma saída!

–         Para onde vai? Espere seu pai chegar!

–         Não se preocupe! Eu voltarei logo!

Fernando deixou apressadamente o apartamento, assim como havia chegado.

Basílio pendurou com o orgulho a pintura na parede de seu escritório, que por ironia voltara da restauração bem na véspera do levante. Agora ela possuía uma bonita e reluzente moldura nova, retratando na tela um homem de meia-idade, um tanto calvo, usando roupa toda preta, sentado numa espécie de sala com uma janela às costas, exibindo uma bela noite de luar.

–         Aí está, Natália! – sorriu o vampiro. – Nosso mentor!

De fato, aquele no quadro era o temido Conde Drácula, o primeiro de todos os vampiros. Imponente, aterrorizador. Assim como Basílio queria ser.

–         Logo que der meia-noite, todas as profecias dos vampiros se cumprirão! – exclamou o líder radical. – O mundo será nosso, querida!

–         Os humanos finalmente pagarão!

O casal então começou a admirar a bela pintura, fitando a soturna face de Drácula.

A tempestade passava, mas garoava e o tempo continuava fechado. Pensativo, Fernando caminhava pelas ruas de Perdizes, preocupado com a namorada e tentando encaixar o sumiço da jovem com a morte de Cordeiro. Perdido dentro de sua mente, acabou parando na frente de um beco, após ouvir uma sinistra voz, porém conhecida, exclamar:

–         Fernando!

O estudante, curioso, começou a olhar para dentro da viela, de onde o chamado tinha vindo. Após alguns instantes nos quais apenas o som da leve chuva chegou aos ouvidos de Fernando, a voz exclamou novamente:

–         Fernando!

Fernando, apreensivo, começou a entrar no beco, passos tímidos. A água batia no metal das calhas e descia pelos canos, escorrendo sob seus pés. De repente surge uma figura humana na frente do jovem. Um homem nu, e o universitário se desespera ao reconhecer seu rosto:

–         Senhor Cordeiro! Não pode ser!

A resposta do velho foi exibir dois enormes e pontiagudos caninos, enquanto corria na direção de Fernando. Este, atônito, não pôde evitar que o vampiro lhe derrubasse e começasse a tentar perfurar seu pescoço com os dentes, numa intensa luta corporal.

–         O que é isso? – gritou Fernando, desesperado. – Pare, senhor Cordeiro!

O medo do rapaz era tanto que ele nem conseguia pensar direito em quanto aquilo era anormal. O indivíduo morto no dia anterior estava vivo e parecia ter se transformado num vampiro. Tudo parecia um desses sonhos longos e bizarros que temos nas férias de verão, tão reais e sufocantes...

–         Pare, servo do demônio!

A ordem viera de mais à frente no beco, e fez com que Cordeiro deixasse de tentar morder o pescoço de Fernando, levantando-se e virando na direção da voz. O estudante também se levantou, mas não correu para fora do beco. Estava curioso para conhecer seu salvador, e o sinistro Cordeiro morto-vivo já seguia na direção do “bom samaritano”.

Logo Fernando pôde vê-lo. Vestia camiseta preta com o desenho do rosto de Cristo coroado de espinhos e a inscrição “Eu morri por você!”, além de calça jeans e sapatos, tendo um crucifixo de madeira na mão direita. Imediatamente ele ergueu a cruz na direção de Cordeiro, gritando:

–         O Lenho da Cruz!

Para o espanto de Fernando, Cordeiro recuou alguns passos, botando as mãos na cabeça e soltando imenso berro. Em seguida se transformou num morcego e desapareceu do beco.

–         Mas o quê? – espantou-se Fernando, atordoado com tudo aquilo.

O salvador nem sequer conversou com o estudante. Após fitá-lo brevemente com certo receio, correu para fora do beco.

–         Espere! – gritou Fernando.

E o universitário ficou sozinho na viela, imóvel, com a garoa caindo sobre seu corpo e a imagem anormal de Cordeiro em seus pensamentos. Não conseguia entender mais nada.

Uma da tarde. Logo a garoa cedeu lugar novamente à tempestade, que veio mais forte que da primeira vez. A intensa chuva parecia anunciar o que aconteceria na cidade a partir da próxima madrugada.

–         Mas que chuva! – exclamou Vitor, impaciente. – Provavelmente teremos enchentes!

Luíza estava sentada num dos sofás, bebendo um copo de leite quente com bolachas de geléia. Seu modesto almoço no esconderijo dos moderados.

–         Meu namorado deve estar bem preocupado comigo... – suspirou a sósia de Mara Juklinsky.

–         Sim, naturalmente – disse Adams. – Mas temos que protegê-la, senhorita! Os radicais podem matá-la!

–         Eu só queria viver minha vida em paz, sem essa história de vampiros e reencarnação de princesa!

–         Se conseguirmos deter o levante, você poderá viver em paz! – disse Jorge. – Cada um tem uma missão neste mundo, Luíza. E a sua é permanecer viva para evitar que os radicais tomem o poder!

Com lágrimas nos olhos, Luíza deitou-se no sofá e encostou a cabeça numa almofada, tentando dormir um pouco com o som da chuva. Precisava de um pouco de repouso para colocar suas idéias no lugar.

Ernest Adams pegou o Livro de Profecias e abriu-o no capítulo que mais lhe interessara, o cinco, no qual Drácula dizia como se transformara em vampiro e como a maldição começara:

No inverno do ano de 1460, eu, príncipe Vlad Tepes Drácula, o Empalador, ataquei com meu feroz exército um povoado nas montanhas, por este ter se recusado a pagar tributo a mim. Eu e meus homens, que somavam cinco mil, cercamos a vila de madrugada e iniciamos a investida quando o sol raiou, surpreendendo os camponeses. A pouca resistência oferecida foi massacrada, e o líder do povoado foi morto e decapitado por mim, tendo sua cabeça pendurada no alto de um poste no centro da vila para lembrar a todos o que acontece com quem não paga tributos ao Empalador. Nessa ocasião havia no povoado cinco monges, que estavam transportando valiosas relíquias da Terra Santa para Roma numa carroça. Tomei a liberdade de confiscar todas as peças, passando os cinco monges a fio de espada. Um deles, enquanto a morte apoderava-se de seu corpo, disse que eu seria amaldiçoado por aquele ato. Terminado o saque, meus homens trouxeram o baú com as relíquias até meu castelo, onde pude fazer um saldo da riqueza pilhada. Havia, porém, junto com as peças, um velho livro intitulado “Livro de Judas Iscariotes”. Tomado por insana curiosidade, comecei a folheá-lo página por página, e vi que se tratava de peça de bruxaria. Nele havia malignas simpatias e receitas, mas uma fatalmente chamou minha atenção: “Como ganhar imortalidade”. Fiquei obcecado pela idéia, não conseguia pensar em outra coisa em meus dias, e assim fiquei escravo do livro. Para ficar imortal deveria fazer um pacto com o diabo, seguindo à risca o que estava escrito no maldito livro. Primeiro deveria fazer uma refeição com um fígado humano cru, junto com sangue de mulher virgem. Aí deveria recitar alguns versos infernais do livro, os quais não me recordo, e estaria feito o pacto. Procedi dessa maneira, mandando que meus homens capturassem um andarilho pelas estradas da região e também prendessem uma das criadas do castelo, jovem e virgem. Ambos foram mortos e comi o fígado cru do andarilho, bebendo também o sangue da virgem. Depois subi até a torre mais alta do castelo e recitei os versos do livro. Era tarde demais para me arrepender. As páginas começaram a arder em chamas logo que terminei de ler os versos, e todo o meu corpo começou a doer intensamente. Não conseguia ver outra coisa na frente de meus olhos a não ser a imagem do monge morto por mim na vila, o qual dissera que seria amaldiçoado. Desmaiei e só acordei uma semana depois. Ganhei então a imortalidade, mas a alto custo. Agora preciso sugar sangue de outros seres para sobreviver, tornei-me um escravo da noite, e todo aquele humano mordido por mim ou nascido de uma mulher por fim fecundada torna-se também vítima da maldição. Fui punido pelos céus por minha ganância, mas algum dia os vampiros que me seguem vingarão meu castigo. E a terra toda tremerá quando isso ocorrer.

Adams fechou o livro. Aquilo tudo era aterrorizador. Luíza já dormia, parecia um anjo amparado no sofá. Mal sabia no que estava envolvida.

Fernando sentou-se na calçada, cabeça baixa, protegido da tempestade pelo telhado do ponto de ônibus. A enxurrada na beirada da rua ensopava seus pés. Pensava em como aquilo tudo parecia ser um pesadelo tão horrível e interminável, tentando encontrar respostas. Havia realmente vampiros em São Paulo, e Cordeiro havia se transformado num deles após ser morto por um casal provavelmente da mesma raça. Eles haviam roubado os furgões do hemocentro e agora estavam atrás dele e sua namorada, pois sabiam demais. Era por isso que o agente do FBI havia levado Luíza embora. Para a poderosa polícia federal norte-americana estar ciente da situação, aquilo que ocorria em São Paulo deveria ser de risco global. Era difícil de aceitar, mas essa era a verdade.

O estudante universitário começou a temer por sua família. Pai, mãe, o Juca... Todos corriam risco, pois sabiam do assassinato de Cordeiro. E os vampiros deviam estar planejando algo grande para se deixarem expor daquela maneira. Algo bem grande.

Fernando foi tirado de seus pensamentos quando o barulho de água espirrando entrou em seus ouvidos. Era um ônibus que chegava ao ponto, dispersando com as rodas a enxurrada, e o jovem, entrando no veículo, resolveu voltar para casa. Assim poderia pensar no que fazer, e então tentar descobrir onde Luíza estava. Aquilo tudo era loucura. Uma loucura de vampiros.

++++++++

Anoitece na capital paulista.

A chuva dera trégua, mas ainda garoava. No “Clube de Amantes de Música Clássica”, Luíza havia acordado há pouco, e agora se distraía um pouco assistindo TV. Alfredo e Vitor haviam colocado o aparelho na sala, sendo que este sempre ficava guardado num dos quartos e ninguém o usava. Isabela folheava novamente o livro de Drácula e Jorge conversava com Adams sobre o levante.

Na televisão passava o programa “Cidade em Alerta”, cujo apresentador de terno apresentava os crimes e acidentes que ocorriam em São Paulo como se fosse um informante do inferno. Naquele dia o assunto principal era sobre as enchentes que haviam castigado a cidade naquela tarde devido à forte tempestade, fazendo com que muitas pessoas perdessem seus bens e até a vida. Luíza parecia não se surpreender com toda aquela tragédia. Uma enchente era bem melhor que uma revolução de vampiros sendo arquitetada lá fora.

–         Nosso helicóptero está sobrevoando a zona leste, que hoje foi muito afetada pela chuva! – disse o apresentador, zanzando de um lado para o outro pelo cenário do programa. – Espera aí! Espera aí! A matéria lá do IML já terminou de ser editada? Então bota aí, bota aí! Na tela, Sílvio!

Um repórter começa a falar, dentro do Instituto Médico Legal, com uma sinistra música de fundo:

–         Gente, o que aconteceu hoje aqui no IML a gente não vê todo dia! Aconteceu o seguinte: por volta do meio-dia, dois legistas estavam para iniciar a autópsia do corpo do senhor José Cordeiro dos Santos, esse que vocês vêem na foto na tela, que havia sido morto cerca de vinte e quatro horas antes com quatro perfurações no pescoço, por onde todo o sangue de seu corpo havia sido sugado. Não parece coisa de vampiro? Isso aconteceu mesmo! Aí os peritos iam abrir o cadáver dele, e o sujeito levantou! É isso mesmo gente, levantou, e ele estava morto há um dia!

–         Que barbaridade! – berrou o apresentador.

–         Pior: ele pegou o bisturi da mão de um dos legistas e o enfiou no pescoço dele. A vítima, de nome Alberto Costa Guimarães, morreu na hora. O outro legista tentou reagir, mas, segundo o PM Lucas Freitas, que está aqui do meu lado, Cordeiro mordeu o pescoço dele, não foi?

–         Sim, foi mesmo! – respondeu o PM, falando ao microfone do repórter. – Quando eu cheguei, ele estava chupando o pescoço dele, e tinha dois dentes enormes! Era um vampiro, juro para vocês todos!

–         O que você fez então?

–         Saquei meu 38 e atirei nele, mas ele fugiu pela janela! Nunca vi nada igual, rapaz! Suei frio!

–         O segundo legista, esse que foi mordido no pescoço, se chamava Carlos Brito e também teve morte instantânea. Não é estranho? Com você aí no estúdio!

Luíza não sabia o que dizer. O que Adams dissera havia se cumprido: Cordeiro se transformara num vampiro vinte e quatro horas após ser mordido. Aquilo era chocante demais.

–         Meu Deus! – gritou a moça.

Alfredo rapidamente mudou de canal, mas num outro programa de mesmo estilo, “País Urgente”, a notícia era a mesma:

–         Você quer dizer que o cara levantou depois de morto e matou os dois legistas, Medeiros? – perguntou o apresentador.

–         É isso aí, e com traços de vampirismo!

–         Meu Deus! Mas onde é que nós vamos parar? Dá nisso mesmo! Não tem educação, não tem emprego, dá nisso! Vamos pro helicóptero!

Surgiu na tela uma vista aérea do bairro de São Miguel Paulista, e o apresentador gritou:

–         Quem acha que isso foi mesmo coisa de vampiro, pisque a luz de casa e concorra a crucifixos e dentes de alho!

E as luzes das casas começaram a piscar diante da câmera do helicóptero, como se a cidade estivesse tendo um ataque de epilepsia. A imagem então voltou para o apresentador, que disse:

–         Estamos aqui com o padre Guevedo, um especialista em assuntos desse tipo, que vai nos dar sua opinião sobre esse crime tão estranho!

A câmera voltou-se para um velho de poucos cabelos brancos e grande crucifixo no pescoço, que exclamou, com forte sotaque espanhol:

–         Vampiros não ecxistem! Não ecxistem! Isso é pura charlatanice!

E ergueu um dedo indicador, dizendo:

–         Que venham a mim todos os vampiros! Se algum vampiro tiver poder para entortar este dedo, eu deixo de ser padre!

Jorge desligou a TV.

–         Qual é, Jorge? – irritou-se Vitor. – Esse Guevedo é engraçado!

–         Veja o estado da Luíza, idiota!

De fato, a jovem estava muito chocada, quase chorando. Tudo que ela mais temera estava acontecendo. Todos à sua volta corriam risco: sua família, seus amigos, Fernando...

–         Fernando! – exclamou Luíza, num sobressalto. – Eu preciso ver o Fernando!

–         Mas é arriscado... – murmurou Alfredo.

–         Nem tanto! – exclamou Isabela. – Alguns radicais sabem que moderados freqüentam este lugar, e o apartamento desse Fernando pode ser um esconderijo mais seguro que aqui!

–         Isabela está certa! – concordou Adams. – Seria melhor voltarmos para Perdizes, assim todos ficariam satisfeitos!

–         Então vamos! – disse Alfredo, pegando as chaves do carro.

–         Sim, mas precisamos passar no hotel em que estou hospedado! – explicou o agente do FBI. – Deixei umas coisas lá!

–         OK!

E saíram.

Naquela noite a boate Bloody Dance abriria mais cedo. A partir das sete e meia da noite os radicais já estariam agitando na pista de dança, comemorando antes da hora a grande vitória que os seguidores de Drácula teriam a partir de meia-noite. Por isso todos estavam ocupados com seus afazeres mais cedo que o normal. Às onze e meia da noite a boate fecharia e todos os vampiros radicais dali e do resto de São Paulo seguiriam para a Praça da Sé, no coração da cidade, de acordo com o plano de Basílio.

De frente para a catedral haveria o ritual do banquete de sangue e quando batesse meia-noite, o levante teria início. Uma das prioridades seria trazer viva a sósia de Mara Juklinsky até a Sé para que o sacrifício fosse feito no altar da catedral. O grande momento de glória dos vampiros.

Mas ainda havia um problema: encontrar o coração de “Manuel Maligno”. De acordo com as profecias de Drácula seria necessário também um ritual com ele para que o levante se espalhasse pelo mundo. Porém, era só os radicais procurarem e também o achariam, eles eram vampiros, ora!

Mesmo assim, Basílio temia que a rebelião não desse certo por causa de sua aparente falta de organização. Ele sempre repudiava essa idéia com ódio mortal, mas ela sempre voltava e ficava importunando sua mente. Natália sempre confortava o namorado:

–         Calma, querido! Não precisa se preocupar! Vai dar tudo certo!

E Basílio, olhando para o quadro de Drácula, dizia:

–         Não vou decepcioná-lo!

Fernando estava sentado no sofá da sala, com uma pilha de livros e enciclopédias abertos sobre as pernas. Estava fazendo uma ampla pesquisa sobre vampiros, quando a campainha tocou.

–         Já vai!

O rapaz abriu a porta e seus olhos brilharam ao ver quem havia voltado:

–         Luíza!

Os amantes se uniram num logo e romântico amplexo, desses que a gente só vê nos filmes. Depois se beijaram duas vezes na boca, e Luíza disse:

–         Não estou sozinha!

O casal de namorados, então, deu passagem para Ernest Adams, que carregava uma grande mala preta, e os quatro vampiros moderados, que entraram no apartamento sem muita cerimônia.

–         Quem são eles? – perguntou Fernando.

–         Seus pais estão no apartamento? – indagou Luíza.

–         Não, eles saíram, foram conversar com seus pais! Apenas eu e o Juca estamos em casa! Mas quem são eles?

–         Eu sou Ernest Adams, FBI – respondeu o norte-americano, mostrando as credenciais. – Estes são Isabela, Jorge, Alfredo e Vitor, todos vampiros!

–         Vampiros? – espantou-se Fernando.

–         Calma, amor! – sorriu Luíza. – Eles são bonzinhos! Fazem parte de um grupo moderado, aqueles que mataram o Cordeiro são chamados de radicais!

–         O Cordeiro! – lembrou-se o estudante de Medicina. – Ele tentou me matar! Ele está vivo e virou um vampiro!

–         Sem dúvida – disse Adams. – Qualquer um mordido por um vampiro se transforma num da mesma raça após vinte e quatro horas da morte! Cordeiro por volta do meio-dia acordou no IML, matou dois legistas e fugiu, bem na hora da autópsia!

–         E então encontrou comigo! Se não fosse um cara com um crucifixo para me salvar, provavelmente também me transformaria num vampiro!

–         Há vampiros na cidade? – exclamou Juca, que ouvira tudo escondido atrás do sofá. – Que maneiro!

–         Vá pro quarto, pentelho! – irritou-se Fernando.

–         Não vou, múmia!

–         Ah, eu te pego!

Fernando tentou partir para cima do irmão, mas foi impedido por Luíza.

–         Eu só não entendo uma coisa! – disse o universitário. – Por que o FBI mandou você, Adams?

–         Os vampiros radicais iniciarão um levante mundial hoje à noite, e ele vai começar aqui em São Paulo! – explicou Isabela. – Nós moderados, que defendemos uma convivência pacífica com os humanos, temos que auxiliar vocês a deterem essa ameaça!

–         Mas por que logo aqui, em São Paulo?

Começou a ser contada então toda a história sobre as profecias de Drácula, que Fernando e Juca ouviram atentamente.

Frei Gonçalves vagava sem rumo pelo centro da cidade. Crucifixo na mão, mais de mil idéias diferentes na cabeça. A partir de meia-noite a cidade viraria um inferno, e ele se achava impotente por não poder fazer nada para deter os vampiros.

Sem mais nem menos, o monge entra num barzinho perto do Vale do Anhangabaú, e, sentando-se junto ao balcão, pede ao dono do estabelecimento:

–         Um copo de aguardente, por favor!

E logo vem a branquinha, que o religioso toma solenemente numa golada só. Na televisão do outro lado do balcão começava a novela das sete. Gabriel, botando o copo vazio sobre a mesa, começou a tentar pensar numa maneira de evitar o pior. E não é que o álcool ajudou o monge a ter uma boa idéia? Num verdadeiro “estalo de Vieira”, Gonçalves exclamou:

–         É isso! É isso!

Saiu então correndo para fora do bar, sem nem ao menos pagar pela cachaça.

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Trecho do “Livro de Profecias dos Vampiros”, escrito pelo Conde Drácula:

Todo vampiro terá imortalidade, sendo invulnerável a qualquer doença ou ferimento, e também terá grande força física. Mas a punição dos céus fará com que aqueles de nossa raça percam essa imunidade diante de objetos de Deus, como um crucifixo. A água que for benta por um religioso cristão ou o vinho consagrado, que simboliza o sangue de Cristo, também nos serão letais. Uma igreja é o último lugar em que um vampiro deve entrar. O alho, o qual de acordo com a tradição repele maus espíritos, também nos afetará. Se estacas de madeira penetrarem em nossos corpos, também morreremos, pois representam o lendo da cruz de Cristo. Mas aqueles que me seguem nada temerão, pois eu sou o guia de todos os vampiros. E se acreditarem em mim, terão a Terra como recompensa.

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Continua... 


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