A Revolução dos Vampiros - Versão Antiga escrita por Goldfield


Capítulo 4
Capítulo 3




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Capítulo 3

A sósia de Mara Juklinsky.

Jorge estava realmente cansado de andar. Seguira o casal por vários quarteirões em Perdizes, até a lanchonete numa esquina. Os namorados se sentaram numa mesa próxima ao balcão, e Jorge numa outra bem próxima. Ele tinha que saber quem era aquela jovem que se parecia tanto com Mara Juklinsky, ou não conseguiria pensar em outra coisa.

O rapaz levantou-se para buscar os sanduíches, deixando temporariamente a moça sozinha. Assim Jorge conseguiu observar seus traços mais atentamente, e constatar como ela parecia com a matriarca dos moderados. Era incrível.

Súbito, os olhos azuis da jovem ganharam os de Jorge, e houve um breve instante de contemplação, quando logo a moça desviou o olhar. Em seguida o namorado voltou, trazendo dois fartos sanduíches e copos de refrigerante. Começaram então a conversar, ouvidos atentamente por Jorge:

–         E então, Luíza? – sorriu o rapaz. – Pensou em mais alguma teoria sobre a gangue de preto?

–         Sim, mas o que mais me intriga são os roubos de furgões do hemocentro – respondeu a jovem. – Por que eles fariam isso?

–         Eu me pergunto como um jovem tem coragem de matar um idoso tão cruelmente como aquele desgraçado fez com Cordeiro, isso sim...

Eles estavam falando dos radicais! Jorge sabia que recentemente eles estavam roubando furgões do hemocentro, tudo para cumprir a maldita profecia! A jovem já tinha nome: Luíza. Seriam também moderados? O jeito era continuar ouvindo a conversa para descobrir!

–         Meu pai disse que o pessoal da PM vai fazer o que puder para encontrar o corpo de Cordeiro e punir aqueles dois – disse o jovem. – Eu só não entendo por que eles disseram que seria o almoço deles... Não entra na minha cabeça!

–         Talvez isso tenha sido uma metáfora, afinal – disse Luíza. – Mas, Fernando...

–         Hei, espere!

–         O que foi?

–         Agora estou me lembrando de uma coisa...

–         O quê?

–         O cara que matou o Cordeiro, logo que entrou na loja, perguntou “Você tem sangue?”. O pobre coitado respondeu que não e foi dominado, enquanto o canalha dizia “Mas é claro que você tem sangue, seu idiota!”.

–         Sangue... Isso se encaixa com os roubos dos furgões...

–         Com o que estamos lidando, afinal? Vampiros?

Agora o rapaz também tinha nome: Fernando. Mas pelo visto não eram vampiros. Estavam às voltas com um homicídio cometido por radicais, confusos com tudo que estava acontecendo. E começavam a desconfiar da verdade sobre os fatos.

–         Agora quero ir até o fim disso, Luíza! – exclamou Fernando. – Preciso descobrir o que essa gangue está tramando!

E Jorge queria ir até o fim para encontrar respostas sobre a assombrosa semelhança entre Luíza e Mara Juklinsky.

Logo que entrou no quarto de hotel, Adams colocou a grande mala preta sobre a cama, tirando o casaco. Depois se despreguiçou, olhou para os lados e sentou-se numa poltrona, pensativo.

–         Agora é só esperar a noite cair...

E começou a coçar o queixo.

++++++++

E cai a noite na cidade de São Paulo.

A Mercedes preta de Basílio da Cunha Coimbra se confunde com a escuridão da cidade. O relógio do carro marca dezenove horas e vinte e sete minutos.

–         Vamos preparar a boate para mais uma noitada, querida Natália? – sorriu Basílio.

–         Sim! Precisamos arrumar a casa!

E a Mercedes virou rapidamente numa esquina, voltando para o centro da cidade. Mas logo parou num sinal vermelho, ao lado de um bonito conversível azul onde havia um rapaz vestindo camiseta verde e óculos escuros, no volante, ao lado de uma bela jovem de cabelos tingidos de vermelho, com uma tatuagem no pescoço. O primeiro olhou para dentro da Mercedes e ao ver o estranho casal, exclamou, após breve risada:

–         Qual é a de vocês? Saíram do cemitério?

–         Sim, e estamos com muita fome! – berrou Basílio.

O vampiro e sua namorada exibiram por um breve instante os monstruosos caninos, fazendo o casal no conversível ser tomado pelo pânico.

–         Droga, a gente estava só brincando! – exclamou o rapaz de camiseta verde, branco como cera.

–         Nós não gostamos de brincadeiras! – riu Natália.

E assim que o sinal abriu, o conversível disparou pela rua, levando para longe dali o apavorado casal.

–         Nunca brinque com um Cunha Coimbra! – disse Basílio, enquanto virava numa esquina.

Gabriel estava mesmo cansado. Passara a tarde inteira trancado na sala da biblioteca examinando papéis antigos, e estava morrendo de sede e fome. Deixara em segundo plano todos os seus compromissos, mas era por uma boa causa. Devia haver uma boa razão para o coração amaldiçoado de “Manuel Maligno” estar pulsando mais rápido.

E, de repente, o monge encontrou o que procurava: um documento antiguíssimo, datado de 19 de abril de 1638. Gonçalves ficou arrepiado quando leu o nome “José Mendes” nas últimas linhas.

–         Aleluia!

Apesar do estado precário do achado, era possível ler o que estava escrito sem muita dificuldade:

Carta a Vossa Santidade, Papa Urbano VIII.

Talvez esta carta nunca venha a chegar nas mãos de Vossa Santidade, por se tratar de um assunto delicado e amplamente repudiado pelos santos cardeais, mas é preciso informar vossa santíssima pessoa sobre uma crescente preocupação na colônia portuguesa do Brasil. Como minhas cartas anteriores, esta também trata do vampirismo, esse maldito flagelo que ameaça a todas as criações de Deus. Como vossa santíssima pessoa sabe, há dois séculos o conde romeno Vlad Tepes Drácula vendeu sua alma ao diabo buscando imortalidade, originando assim a raça dos vampiros, que vive velada entre nós. Sei que vosso santíssimo conselho nunca aceitou tal verdade, e que perseguiu muitos homens de Deus que a defenderam. Mas algo aterrorizante ocorreu na colônia há trinta e três anos. Os colonos trouxeram até nosso mosteiro um conhecido membro da corte, João Manuel da Cunha Coimbra, que fora flagrado mordendo o pescoço de uma nativa. Foi acusado de heresia e bruxaria, sendo sumariamente preso e queimado na fogueira, conforme manda vossa santíssima vontade nessas situações. Ocorreu que, assombrosamente, o coração de João Manuel continuou intacto após a execução, e pulsante, como se ainda estivesse no peito do vampiro. Por todos esses anos eu escondi esse coração no mosteiro, dividindo com poucos o segredo, entre os quais Vossa Santidade. Há seis meses atrás, lendo conhecida obra literária do vampirismo, o “Livro de Profecias dos Vampiros”, que toma parte em vosso santo “Index Librorum Prohibitorum”, encontrei um presságio de Drácula que diz que o coração de um descendente direto seu nunca pararia de bater se fosse morto pelos homens, e que quatrocentos anos após o martírio, um levante de vampiros teria início na região onde o coração estivesse, e essa revolta dizimaria tudo que construímos ao longo dos séculos. Venho, portanto, alertar Vossa Santidade sobre o perigo que as futuras gerações podem correr, se esse coração continuar a pulsar. Nós neste mosteiro já tentamos inúmeras vezes destruir o maldito órgão, mas todas as tentativas não obtiveram sucesso. Espero ansiosamente uma posição de Vossa Santidade sobre tais perturbadores fatos, e como lidar com tais funestas profecias.

Frei José Mendes, Santo Mosteiro de São Bento, Vila de São Paulo, Colônia Lusitana do Brasil, 19 de abril de 1638.

–         Meu Deus! – exclamou Gabriel, tentando organizar as idéias após ser bombardeado com tantas informações. – Depois de amanhã a morte de João Manuel completa quatrocentos anos!

E, de tão espantado, deixou o precioso documento cair no chão.

Depois da lanchonete, Jorge seguira o casal até uma pracinha onde os namorados ficaram sentados num banco até o anoitecer, e depois voltaram pelo mesmo caminho, abraçados e sorridentes. Agora eles se aproximavam da entrada de um prédio de apartamentos, e o moderado teve que parar de seguí-los quando viu que eles haviam de fato entrado no lugar. Não queria levantar suspeitas, o que conseguira não ter feito até agora. O jeito era esperar.

E, fitado pelo desconfiado porteiro, Jorge deu uma disfarçada e caminhou até uma padaria próxima ao prédio, do outro lado da rua, de onde era possível observar perfeitamente a entrada. Ele sentou-se junto ao balcão e pediu um cafezinho, enquanto começava numa TV presa ao teto a novela das sete. O vampiro conseguiu relaxar um pouco enquanto tomava a bebida, mas não desgrudava os olhos da portaria do prédio.

–         Chegamos, mãe!

Fernando e Luíza entraram abraçados no apartamento, enquanto a mãe do rapaz e Juca jantavam na cozinha. Logo que o casal ganhou o cômodo, Dona Ruth perguntou:

–         Conseguiram se divertir um pouco saindo de casa?

–         Sim, mas a morte de Cordeiro ainda está na nossa cabeça! – respondeu Fernando. – O pai ligou?

–         Não – respondeu Juca. – Sentem e jantem, a comida está boa!

–         Bem, se vocês insistem...

No exato momento em que Fernando e Luíza iam sentar-se à mesa, o telefone tocou na sala.

–         É o pai! – exclamou o estudante universitário, correndo para atender à ligação.

Assim que Fernando apanhou o telefone, Henrique Souza disse do outro lado da linha:

–         Nando, aqui é seu pai!

–         Alguma notícia? – indagou Fernando, com o estômago queimando de ansiedade.

–         Encontramos o corpo do Cordeiro!

–         Encontraram, sério?

–         Sim! Estava dentro de uma lixeira! O Marques vai passar aí numa viatura para te trazer até aqui! A Luíza vai querer ir junto?

–         Ela vai querer sim!

–         OK, mas já vou avisando que é meio impressionante. Vão se preparando porque daqui a pouco o Marques estará aí!

–         Certo! Até daqui a pouco!

–         Até mais, filhão!

E Fernando desligou o telefone, sendo fitado pela curiosíssima Luíza.

–         E então? – perguntou ela.

–         Acharam o corpo, e daqui a pouco um colega do meu pai vai passar aqui para nos levar até o local!

–         Enquanto isso, tratem de jantar! – exclamou Dona Ruth. – Ninguém pode investigar um crime de barriga vazia!

–         Está bem, mãe...

E o casal de namorados dirigiu-se para a cozinha.

–         Cadê o Jorge e a Isabela? – perguntou Alfredo, começando a ficar preocupado.

–         Devem estar por aí tentando pensar numa maneira impossível de vencer o Basílio – riu Vitor, olhando o movimento na Rua Augusta pela janela. – Daqui a pouco eles estarão voltando por essa porta, arrependidos e envergonhados!

–         Espero que esteja certo...

Alfredo ajeitou os óculos e começou a olhar para o quadro de Mara Juklinsky, que parecia querer falar com o vampiro. Aquela pintura sempre tivera algo de sinistro, e todos naquela casa já haviam percebido tal coisa.

–         Esse quadro... – murmurou Alfredo.

–         Que tem ele?

–         Não sei... Parece tão real, tão perturbador... Parece que quer falar com a gente!

–         Os moderados pintam bem melhor que os humanos!

–         Quer saber? Vou procurar a Isabela!

–         É melhor ir mesmo. Talvez ela e o Jorge estejam passando maus bocados nas mãos dos radicais!

A suposição de Vitor fez com que Alfredo ficasse mais atordoado ainda, e ele imediatamente deixou a casa, partindo em seu conversível pelas ruas da cidade.

–         É Vitor, agora é só você aqui!

E o moderado começou a ouvir Mozart na vitrola.

Jorge levantou-se do balcão da padaria assim que viu Fernando e Luíza saindo do prédio, mas antes que pudesse atravessar a rua, o casal entrou dentro de uma viatura da PM que estava ali parada, partindo em seguida, velozmente.

–         Mas que droga!

Nesse instante Jorge sentiu uma mão em seu ombro direito, e virou-se imediatamente para trás, temendo que fosse algum radical que insultara anteriormente e tivesse vindo se vingar, como ocorrera uma vez. Mas a imagem que viu foi um colírio para seus olhos.

–         Isabela!

–         Eu procurei você o dia todo, Jorge! Por onde esteve?

–         Eu andei por aí...

–         Desculpe-me se hoje de manhã agi como uma idiota... Estou disposta a reparar meu erro!

–         Você não sabe o que descobri...

–         O quê? Uma maneira de vencer o Basílio?

–         Não! Você não vai acreditar!

–         Diga logo o que é, Jorge!

Jorge olhou profundamente nos olhos de Isabela por um instante, e ela sorriu brevemente. Ele sempre sentira grande afeto pela vampira, mas ela namorava aquele palerma do Alfredo... Ah, se pudesse tê-la em seus braços...

–         Eu encontrei uma moça que é idêntica à Mara!

–         Mara? Que Mara?

–         Mara Juklinsky, Isabela! Nossa matriarca!

–         Quê?

–         Você ouviu! Eu vi uma jovem idêntica a ela, é incrível! O rosto, olhos, cabelo... Tudo exatamente como naquele quadro!

–         Mas você viu direito?

–         Vi! Eu a segui com seu namorado a tarde inteira sem ser percebido! A semelhança é inacreditável!

–         E onde está essa moça agora?

–         Ela e seu namorado haviam entrado dentro desse prédio, mas há pouco uma viatura da PM parou logo ali e eles entraram dentro dela, indo para não sei onde. Temo que agora não os encontraremos mais!

–         Nós podemos ficar aqui esperando que eles voltem! Há uma padaria ali e você sabe que eu amo doces...

–         Então fique aqui! Preciso ir até um certo lugar...

–         Que lugar?

–         Não posso dizer!

E Jorge correu para longe de Isabela, virando numa esquina. A vampira então caminhou até a padaria, temendo que o amigo fizesse alguma besteira.

A Mercedes parou na frente da Bloody Dance, e Basílio e Natália saltaram para fora dela, caminhando até a porta de entrada trancada. O vampiro tirou um molho de chaves de um dos bolsos da jaqueta e com uma delas destrancou o cadeado que fechava a porta, abrindo-a em seguida.

–         Vamos entrar? – sorriu Natália.

Porém, um furgão branco com a inscrição “Hemocentro de São Paulo” e o desenho de uma cruz vermelha parou bem na frente da boate, e dentro dele o vampiro Yuri, festejando com alguns camaradas, exclamou:

–         Olhe aqui, chefe! Mais sangue para a festa!

–         O que você pensa que está fazendo, idiota? – irritou-se Basílio. – Esconda esse furgão no beco atrás da boate e descarregue o sangue imediatamente!

–         Falou, chefe!

E o veículo seguiu em frente pela rua, enquanto por uma das janelas abertas caía uma garrafa vazia de vodka.

–         Agora sim! – exclamou Basílio, caminhando para dentro de sua boate.

O lugar era amplo e sombrio. Após a porta havia uma pequena bifurcação onde um grande e forte vampiro mulato tinha a função de segurança, sólido como uma rocha. Ele saudou Basílio e o casal seguiu em frente, ganhando a grande pista de dança, onde terminavam os dois caminhos da bifurcação. À direita da entrada havia um barzinho onde o vampiro Alexander já preparava os coquetéis à base de álcool, sangue e fel. Atrás dele havia uma prateleira com várias garrafas de vinho das adegas da Transilvânia, algumas mais velhas que o próprio Drácula. Sobre o balcão estavam penduradas várias taças de diferentes formatos e cores. Logo em frente à entrada ficavam os banheiros e a saída dos fundos, e no teto havia uma esfera giratória cheia de lâmpadas de diferentes cores, dessas que existem em discotecas, além de vários refletores.

À esquerda da entrada havia uma escada de ferro em espiral que levava até o andar superior, que circundava a pista de dança através de uma estrutura metálica. Numa plataforma sobre o bar ficava a DJ, que só chegava às oito e meia. De frente para a entrada havia duas portas de ferro. A entrada da esquerda era um almoxarifado, e a porta da direita, o escritório de Basílio, de onde ele comandava toda a boate. Ele e Natália pararam na frente dessa porta e entraram, após o vampiro destrancá-la usando outra chave.

O escritório era tão sinistro quanto o resto do estabelecimento. Logo à esquerda da porta ficava a mesa de Basílio, com um computador, fax e impressora. Numa estante próxima havia vários livros, um scanner e um moderno telefone. Logo em frente à mesa, do outro lado da sala, havia um pequeno móvel de madeira com uma TV com DVD e um livro sobre uma toalhinha vermelha, ao lado de uma vela acesa. Quem imaginou que esse livro seja o “Livro de Profecias dos Vampiros”, acertou.

Finalizando, entre a mesa e o móvel com a TV, encostado na parede à direita da porta, sob uma janela, havia um bonito e caro caixão. Sim, um caixão, suspenso por uma estrutura de ferro. Era ali onde Basílio e Natália dormiam e faziam amor. No interior havia uma pequena almofada e o perfume de Natália, uma forte e tentadora fragrância.

–         O que vai fazer enquanto o pessoal não chega? – indagou Natália.

–         Vou terminar meu discurso para o grande dia! – respondeu Basílio, sentando-se à mesa e ligando o computador.

–         Oh, meu herói...

E beijaram-se ardentemente.

–         Meu Deus! – exclamou Fernando. – O que fez isso com ele? O corpo dele está seco!

Realmente, o estado do cadáver de Cordeiro era deprimente. Seu corpo parecia mesmo “seco”, pois perdera tanto líquido que estava bem desidratado, com os ossos aparecendo nitidamente sob a ressecada pele sem cor. Uma vez Fernando vira algo parecido num filme de terror em que um monstro alienígena drenava o sangue das vítimas, deixando os cadáveres exatamente daquele jeito.

–         Há quatro perfurações no pescoço dele, duas de cada lado – explicou Henrique. – Tudo leva a crer que o sangue dele foi sugado através das aberturas.

–         Meu Deus! – exclamou Luíza. – Isso parece vampirismo!

–         Você acha mesmo? – perguntou Marques, colega do pai de Fernando na PM e quem trouxera o estudante e sua namorada até ali. – Nunca vi nada parecido em quinze anos de trabalho!

–         De qualquer maneira, esse corpo vai lá para o IML – disse Henrique. – Assim os legistas poderão tirar suas próprias conclusões!

E o cadáver foi colocado dentro de um saco plástico, em seguida transferido para dentro de um furgão do Instituto Médico Legal.

O abade terminou de ler o documento e olhou fixamente para Gabriel, com uma estranha expressão no rosto.

–         E então? – perguntou o monge. – O que o senhor acha disso?

–         Frei Gonçalves, o Vaticano nunca aceitou que o vampirismo existe e...

–         Mas como não existe? Esse coração é a maior prova da existência de vampiros entre nós, senhor! Pior: depois de amanhã haverá uma rebelião deles na cidade, um levante, que poderá destruir a todos nós!

–         Acalme-se, frei! Acalme-se! Nós não temos certeza se essa profecia é verdadeira!

–         Mas o coração está batendo mais rápido! É sinal que o dia está chegando!

–         E o que você quer que eu faça, frei? Que eu vá até a televisão avisar a todos que daqui a dois dias os vampiros vão se rebelar? Ninguém acreditaria!

–         E se levássemos o coração como prova?

–         Não, frei, nem pense nisso... Eles acabariam tirando o coração de nós, e esse segredo, mantido há séculos neste mosteiro, não pode ser revelado a ninguém!

–         Então o que faremos?

–         Não sei! Se quiser ir embora da cidade...

–         Nós não podemos nos render assim tão facilmente, senhor abade! José Mendes não gostaria disso!

–         José Mendes está morto há mais de trezentos anos! Temos que pensar em nós e neste mosteiro, frei Gonçalves!

E o abade retirou-se, perturbado.

Isabela, após comer uma imensa bomba de chocolate, levantou-se rapidamente do balcão da padaria quando viu a viatura da PM parar na frente do prédio de apartamentos. Ela disfarçadamente atravessou a rua e viu quando o casal do qual Jorge falara saiu do veículo. Da distância na qual se encontrava era possível observar os dois rostos com nitidez, ainda mais com a aguçada visão noturna dos vampiros, e a moderada ficou paralisada quando olhou para a face da jovem.

–         Santa Juklinsky!

O rosto da moça era realmente idêntico ao de Mara Juklinsky, algo inacreditável. Os olhos, contornos faciais, tudo! Como aquilo podia ser possível?

O casal cruzou abraçado a portaria, e Isabela permaneceu imóvel, tentando colocar os pensamentos no lugar. Aquilo tinha que ter uma explicação lógica, e agora era seu dever descobrir qual era.

Perdida dentro de sua mente, Isabela voltou ao plano real quando ouviu uma buzina de automóvel atrás de si, e, virando-se, viu o namorado Alfredo em seu conversível, com um sorriso de alívio no rosto.

–         Onde é que você estava? – perguntou o vampiro, enquanto Isabela entrava no carro. – Fiquei muito preocupado!

–         Você não vai acreditar, Alfredo...

–         No quê?

–         No caminho eu conto! Agora siga até a boate do Basílio!

–         Por quê? Aquele lugar é perigoso!

–         Acho que o Jorge vai se meter em encrenca!

–         Bem, você manda!

E o conversível partiu velozmente.

Nove da noite, e a boate Bloody Dance abre as portas. Dezenas de vampiros vestindo preto chegam com suas namoradas da mesma raça, sedentos por sangue e dança. Após pagarem pela noitada ao mulato na entrada, os casais ganham a grande pista de dança, animada pela DJ vampira no andar superior, e começam a dançar os mais variados ritmos humanos e vampiros. No bar são servidos coquetéis pitorescos nas coloridas taças, enquanto aqueles de gosto mais refinado experimentam os antiguíssimos vinhos da Transilvânia. O barman vampiro Alexander prepara as bebidas dançando no ritmo da música, contagiando todos os presentes.

E Basílio, junto com a namorada Natália, observa tudo do andar de cima, com os braços cruzados e sorrindo, enquanto os vampiros festejam a proximidade do grande dia.

Nesse instante, na frente da boate, surge o vampiro Jorge, caminhando disfarçadamente até a entrada da boate entre os vampiros radicais, cara amarrada. Porém, logo que fica de frente para o mulato, este diz, grosseiramente:

–         Moderados não entram!

–         Eu vou entrar, e você não vai conseguir me impedir! – rosnou Jorge, exibindo os caninos de vampiro.

–         Ah, é?

E no momento em que o grandalhão ia enxotar Jorge para fora, o moderado se transformou em morcego e voou para dentro da boate, voltando à forma humana no meio da pista de dança, entre os radicais que dançavam.

–         Sinto cheio de moderados... – murmurou Basílio.

–         Olhe! – exclamou Natália, apontando para o andar de baixo.

O casal viu Jorge entre os outros vampiros, o único que não vestia preto.

–         Ah, ele vai pagar! – exclamou Basílio, com um brilho vermelho nos olhos. – Pare a música já!

A DJ obedeceu, um tanto desapontada. Na pista de dança todos os vampiros estranharam, e apenas nesse momento notaram a presença de Jorge entre eles.

–         Um moderado! – surpreendeu-se um radical de piercing no queixo.

–         O que ele faz aqui? – indagou uma vampira loira abraçada a um radical de boné.

Basílio desceu rapidamente pela escada em espiral, seguido por Natália. Ele parou com cara de fúria de frente para Jorge, que não se intimidou.

–         O que faz aqui, maldito moderado? – berrou o dono da boate. – Quer morrer?

E todos na boate, exceto Jorge, deixaram a forma humana, fazendo suas peles ficarem pálidas e os caninos pontiagudos aparecerem. Um cerco de radicais começou a se formar ao redor do moderado.

–         Nós vamos te ensinar uma lição! – exclamou Natália.

–         Seu maldito Basílio! – disse Jorge, mordendo os lábios. – Não vai conseguir o que quer, criminoso!

–         Criminoso? – riu Basílio, acompanhado por todos os outros radicais. – Não é crime assumir minha posição natural como soberano! Tenho o sangue de “Manuel Maligno” em minhas veias, e por conseqüência o do próprio Drácula! Basílio da Cunha Coimbra, nascido em 13 de janeiro de 1903, será o novo líder dos vampiros e da Terra!

–         Não vai não! – exclamou uma mulher na entrada da boate.

Todos se voltaram para Alfredo e Isabela, que haviam acabado de chegar.

–         Oh, mais moderados! – sorriu Natália.

–         A festa vai começar! – berrou Basílio.

E Jorge recuou para junto dos amigos, enquanto os vampiros os encurralavam.

–         E agora? – indagou Isabela. – Que vamos fazer?

Surgiu então mais alguém pela entrada da boate, de casaco marrom e calça preta, além de óculos escuros no rosto. Ele colocou-se entre os radicais e os três moderados, dizendo a esses últimos:

–         Afastem-se!

–         Quem é você? – perguntou Jorge.

–         Não importa! Apenas afastem-se!

Os moderados recuaram mais alguns passos, enquanto o misterioso personagem ficava sozinho de frente para os vampiros radicais.

–         Vai morrer, intrometido! – gritou Basílio.

–         Ah, é assim? – sorriu o sujeito.

E o indivíduo tirou um bonito crucifixo de ferro de baixo do casaco, incrustado com jóias e com o corpo de Cristo feito de prata. A cruz foi erguida na direção dos radicais, que imediatamente recuaram espantados, gemendo e gritando como um bando de cães intimidados.

–         Tira isso daqui! – berrou Basílio, com os braços tampando o rosto.

–         É mais forte que nós! – exclamou Natália, com o corpo todo dolorido.

O homem de óculos escuros, ainda erguendo o crucifixo na direção dos radicais, disse aos três moderados:

–         Corram para fora e me esperem no carro!

–         OK! – assentiu Alfredo, fugindo com os outros.

O indivíduo então foi andando de costas para fora da boate, sempre com a cruz erguida para manter os vampiros afastados. E assim entrou dentro do conversível de Alfredo, que partiu rapidamente, enquanto os radicais, livres do efeito do crucifixo, saíam furiosos de dentro da boate e dos becos ao redor da rua, gritando de raiva.

–         Quem é você? – perguntou Isabela, enquanto o carro virara numa esquina.

–         Sou Ernest Adams, FBI – respondeu o sujeito, mostrando as credenciais.

–         Você é humano, cara? – indagou Jorge.

–         Sim!

–         Foi muito corajoso lá dentro!

–         Eu apenas fiz o que achei certo!

–         O que faz no Brasil, senhor Adams? – perguntou Alfredo. – Por que salvou um bando de moderados dentro de uma boate radical?

–         Eu estou ciente do que ocorrerá daqui a dois dias...

–         O levante! – exclamou Jorge.

–         Sim. Estou estudando a sociedade de vocês e dos radicais há anos, e temos que impedir que essa revolta obtenha sucesso! A vida de todos os humanos e moderados está em jogo!

–         Mas como podemos vencer os radicais? – indagou Alfredo. – Eles estão em maior número aqui e no mundo!

–         Olhe, se o coração de João Manuel da Cunha Coimbra for destruído, o levante estará dizimado, não?

–         Sim, mas apenas um descendente dele pode destruir o coração, ou seja, o Basílio! E nós nem sabemos onde esse maldito coração está!

–         Eu pensei que estivesse na boate do Basílio... – murmurou Jorge.

–         Bem, temos que descobrir onde esse órgão está sendo mantido! – disse Adams. – Talvez nem sejam vampiros aqueles que o estejam escondendo!

E o conversível fez nova curva, derrapando sonoramente.

++++++++

Trecho do “Livro de Profecias dos Vampiros”, escrito pelo Conde Drácula:

Quando o dia do levante estiver próximo, o coração de meu descendente morto pelos homens começará a pulsar mais intensamente a cada hora, indicando a proximidade da ocasião. E aqueles que conhecerem esse segredo e não me seguirem tremerão de medo a cada batida, e não poderão escapar da fúria daqueles de nossa raça. Os vampiros iniciarão uma nova era, a era de domínio sobre os humanos. E tudo isso será em meu nome.

++++++++

Continua... 


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