Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 44
Real


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo para todas!
Espero que esse ano seja cheio de realizações para vocês, e muitos capítulos para Caçada.
Falando nisso, peço desculpa pelos dois meses que deixei vocês sem atualização, mas estava viajando e sem internet ou tempo para escrever e postar, entretanto, garanto que esse mês vou recompensar você com muitos capítulos!
Agradeço a todos que comentaram e favoritaram! Vocês são demais!
Espero que gostem da leitura.



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A conversa entre as pessoas ao meu redor estava constante e alta, uma música indiana religiosa tocava ao fundo, junto com as orações de devotas, entretanto, todos os meus sentidos estavam voltados para a misteriosa menina em minha frente.

Nada naquele momento poderia chamar minha atenção.

− E você é a garota que derrubou minha bebida! – ela respondeu, abrindo um sorriso amarelado, ao mesmo tempo em que me olhava com certa cautela.

Minha mente trabalhava como uma máquina, e as engrenagens estavam a ponto de parar. Muitas perguntas bombardeavam minha mente, mas meus lábios não conseguiam formar nenhuma delas.

Quem é vocês? O que faz aqui? Por que é tão parecida com uma garota morta a trezentos anos?

A menina de olhos castanhos questionadores já me olhava como se eu fosse algum tipo de louca, e provavelmente sairia correndo caso eu começasse com o interrogatório que se passava em minha cabeça.

Eu não podia perde-la de vista novamente. Ela era real.

− Desculpe-me, mais uma vez – respondi com a voz um tanto fraca, tentando abrir um sorriso enquanto esticava a mão em um cumprimento. – Sou Mia.

Ela olhou para minha mão estendida por alguns segundos antes de virar a cabeça para trás, vasculhando o local onde a festa continuava como se nada estivesse acontecido. Casais sorriam enquanto lançavam suas lanternas para o ar, e por alguns segundos procurei por Kishan no meio da multidão.

− Eu me chamo Kelsey – ela disse por fim, pegando minha mão em um aperto forte, lançando-me um sorriso caloroso, muito diferente do de minutos atrás. – E não é necessário se desculpas, foi apenas uma bebida.

Respirei aliviada por dentro, tentando controlar o pânico que corria por meus nervos.

− Na verdade, queria me desculpar por agir sempre tão estranho as duas únicas vezes que nos vimos. – Ela riu, tampando a boca com a mão em um ato divertido. –Você apenas me lembrou alguém que eu conheço.

Com a tensão entre nós duas se dissipando, deixei que meus olhos estudassem um pouco a garoto idêntica a Kalika. Ela tinha os cabelos trançados jogados em cima do ombro, e uma fita desgastada azul prendia a ponta. Ela não usava nenhuma joia, e vestia um vestido branco com algumas rendas na barra e na gola, dando a menina um ar praiano.

Seus olhos castanhos como chocolate e a fita azul em seu cabelo fizeram com que imagens de Kalika no penhasco voltassem para minha mente, além da figura triste e arrasada de Ren, que fora obrigada a assistir àquela cena.

Olhei por sobre o ombro de Kelsey e tentei encontrar algum conhecido, mas nem Kishan ou Ren estavam a vista; Nilima parecia entretida com seu par de dança, e por nenhum minuto olhou em minha direção.

− Pelo seu sotaque, aposto que há a chance de termos nos encontrado nos Estados Unidos – ela brincou, trazendo-me de volta para nossa conversa.

− Não imaginei que meu sotaque fosse tão marcante. – Pela primeira vez, abri um sorriso verdadeiro, sentindo meus ombros relaxarem. – Sou do sul, mas vivi minha vida inteira em um circo, talvez eu tenha visto você em uma das viagens.

Não havia ninguém perto de nós, mas um vento gelado fez com que minha pele se arrepiasse, e um sensação incômoda tomou conta de mim. Olhei para trás por alguns segundos, como se alguém me espiasse de longe e, receosa, abracei meu próprio corpo.

− Se o seu circo tenha passado por Oregon – Kelsey brincou mais uma vez. Estava pronta para perguntar o que ela estava fazendo na Índia, quando novamente a sensação incômoda de medo tomou conta de mim, e olhei para minhas costas mais uma vez. – Você está procurando alguém? Acho que estou te atrapalhando...

Exasperada por perder a garoto idêntica a Kilika mais uma vez, balancei a cabeça, sorrindo sem jeito, como um pedido de desculpas.

Estava pronta para retomar a conversa, quando um homem muito conhecido vem em nossa direção, fazendo com que meu coração pulasse para fora do peito.

Era Ren.

Seu corpo alto e esguio vinha até onde nós estávamos com graciosidade. Seus cabelos longos eram lançados para trás por causo do vento, e os olhos cor de cobalto pareciam alegres e divertidos.

Uma das poucas vezes que eu o via daquela forma.

Minha respiração acelerou, e eu fiquei sem ação por minutos afim. Minha cabeça martelava e eu não sabia se retornava minha conversa com Kelsey ou saia correndo. Sabia que ver aquela garota deixaria Ren abalado mais uma vez, e não tinha certeza se o príncipe estaria pronto para algo assim novamente.

A cada passa que Ren dava em minha direção, diminuía meu tempo de escolha, e por alguns segundos eu quis apenas gritar.

− Mia, Kishan está procurando por você... – Ren começou a falar com sua voz melodiosa, chamando não só minha atenção, mas também a de Kelsey, que se virou na direção onde o tigre branco estava.

Podia jurar que no momento em que os olhos azuis de Ren pousaram sobre a menina, tudo em nossa volta parou. Prendi a respiração e me senti uma intrusa naquele momento; meus pés fraquejarem e rapidamente me apoiei na árvore atrás de meu corpo.

Não consegui mais ouvir as vozes conversando, nem a música e nem mesmo as mulheres que rezavam.

Olhei para Ren mais uma vez, e percebi que um turbilhão de sentimentos atravessava seus olhos enquanto ele tentava assimilar a imagem de Kilika em sua frente, sorrindo para ele de um jeito encantador.

Não pude culpar Kelsey por se sentir hipnotizada pelo homem em sua frente, mas percebi que ela o encarava com algo mais do que admiração. Talvez reconhecimento.

Quis tocar o ombro da menina de cabelos castanhos, mas meu corpo estava estático e sem reação. Percebi que Ren tremia um pouco, e sua cabeça começou a balançar de um lado para o outro em descrença.

− Não é possível... – ele murmurava repetidamente, fazendo com que Kelsey desse um passo para trás, buscando meus olhos em ajuda.

− Eu acho que seu amigo não está bem... – Kelsey começou a dizer, mas no mesmo instante, gritos de pessoas invadiram meus ouvidos, um jato de ar forte fez meu vestido balançar e percebi que uma correria começava a acontecer.

Pessoas tentavam fugir, deixando qualquer coisa que estavam segurando para trás. Olhei para Ren em desespero, mas o príncipe ainda estava em choque. Em um ato instintivo, levei minhas mãos até as pernas, mas eu havia deixado minhas adagas em meu quarto.

Busquei o motivo da confusão, mas tudo o que eu via eram pessoas correndo em minha direção, e um garotinho acabou trombando comigo em uma tentativa de acompanhar os pais. Respirei fundo e tentei colocar minha mente em ordem, mas todo o meu corpo parecia eufórico e em busca do homem de olhos dourados.

Com a mesma velocidade que a confusão começou, ela terminou, e quando percebi, toda a praça onde o Festival das Luzes acontecia, estava vazia. Pude ver que as únicas pessoas que ainda restavam eram Kelsey e Ren, os quais pareciam presos em uma batalha interna; Nilima era puxada pela mão por Kadam, que corria em minha direção junto com o príncipe de olhos de pirata.

− Kishan! – ofeguei, quando finalmente senti seus braços envolvendo minha cintura. Seu cheiro familiar me acalmou, e consegui retomar o controle de mim mesma por alguns minutos.

− O que aconteceu? – ele perguntou, soltando-me do abraço e olhando em volta.

Não tive tempo de responder, pois Kishan agora estava com a atenção presa na menina de olhos castanhos e fita azul no cabelo, assim como Kadam e Nilima, e todos pareciam muito chocados para falar qualquer coisa.

Infelizmente, não deu tempo para qualquer reação.

Uma risada forte e assustadora cortou o ar, fazendo com que meu corpo se arrepiasse de medo. Uma sensação de enjoou tomou conta de mim e eu ofeguei, afinal, conhecia aquela risada de meus pesadelos.

Não precisei olhar para trás para saber que Lokesh vinha em nossa direção, mas arregalei os olhos quando seu corpo coberto por um terno preto se aproximou como uma cobra. Seus olhos faiscavam para nós, e eu senti a mão firme de Kishan segurando a minha.

Seu sorriso era obscuro, e em suas mãos, milhares de anéis grossos brilhavam sobre a iluminação da noite.

Dei um passo para trás, e meu corpo deu de encontro com Kishan, que parecia uma pedra imóvel, olhando para o homem em nossa frente com o maxilar travado e os punhos fechados.

− O reencontro de dois amores perdidos não é uma cena inspiradora? – Lokesh perguntou, e sua voz grossa reverberou pelo local, ecoando milhares de vezes em minha cabeça, que parecia girar.

Seus olhos castanhos de leão agora observavam Ren e Kelsey, e algo maligno começou a brilhar em suas órbitas enquanto ele ria cada vez mais alto.

Eu quis gritar com o bruxo em nossa frente, questionar o que ele fazia ali e manda-lo ficar longe de Kelsey e Ren, mas minha garganta raspava como areia, e meus lábios pareciam grudados.

Olhei para Kelsey, e ela parecia apavorada, encarando Lokesh como se ele fosse o monstro de um filme de terror. Ren demonstrava não saber exatamente o que fazer, mas postou-se ao lado da garota como um muro de proteção, ao mesmo tempo em que Kadam segurava a neta com mais força.

− Não me importo em acabar com a garota uma segunda vez. – Lokesh voltou a falar, olhando para as unhas da mão com pouco caso. – Foi muito simples vê-la se jogar daquele penhasco.

Um rugido alto fez todos os ossos de meu corpo tremerem, e quando percebi, um tigre branco passava como um raio ao meu lado, em direção ao homem de pele oliva, que tinha um olhar assassino.

− Ren, não!− gritei, sentindo meus pés correndo em sua direção, entretanto fui impedida pela mão forte de Kishan segurando meu braço e me jogando para trás de seu corpo. Sem reação, apenas assisto o homem dar lugar ao tigre negro, que correu em direção ao irmão.

− Eles acabaram de... – Kelsey gaguejava atrás de mim, e quando a olhei, percebi seus olhos arregalados e ela já não conseguia mais controlar as mãos frenéticas. – Eu só posso estar sonhando.

− Eu até te beliscaria, mas você ainda vai ver muitas coisas estranhas – disse, com um certo tom de ironia, enquanto me xingava mentalmente por estar completamente desarmada.

Dei alguns passos para trás e me aproximei de Kelsey, prometendo para mim mesma e para Ren que não deixaria Lokesh encostar naquela garota.

− Cuidado! – O grito de Kadam chamou minha atenção mais uma vez para os tigres, e apenas tive tempo de ver Lokesh rindo enquanto jogava o tigre branco para longe, com uma rajada de vento que parecia ser controlado por ele.

O corpo de Ren bateu em uma árvore de tronco grosso e ouvi seu guincho de dor, fazendo todo o ar de meus pulmões se esvaírem. Tentei mais uma vez correr em direção aos tigres, mas a terra sob meus pés parecia tremer, desequilibrando-me para trás.

Meu corpo esbarrou contra o de Kelsey, e ambas caímos no chão duro. Olhei para Lokesh com raiva, e percebi que seus olhos agora pareciam brilhar, à medida que a terra e o vento respondiam suas vontades.

O tigre negro parecia um borrão misturado com a noite, e suas investidas eram cautelosas, entretanto, Lokesh parecia se divertir com Kishan, como se brincasse com um gatinho raivoso. Lokesh mexia as mãos cheias de anéis e o vente em torno da praça apenas se tornava mais veloz e forte, chegando a desfazer o coque de meus cabelos, deixando as mechas castanhas caírem desajeitados em meu rosto.

Ainda observando o confronto do príncipe de olhos dourados, com o homem que parecia um leão feroz, Kishan continuou com suas investidas, e percebendo que o mago não lhe revidada, o tigre negro saltou de forma graciosa contra Lokesh, mas algo que tirou o ar de meus pulmões aconteceu.

Um barulho ensurdecedor tomou conta da noite caótica, e meus olhos captaram rachaduras se abrindo na terra. Naquele momento, os olhos de Lokesh brilhavam como uma placa de neon e ele estampava uma expressão insana.

Troncos retorcidos e velhos abriram espaço pela grama bem cuidada, rondando o tigre negro e parecia acuado e assustado. Eu mesma não consegui acreditar no que meus olhos viam, e ouvi um ofego de medo vindo de Kelsey. Só percebi que os galhos ganhavam vida para transformarem-se em uma jaula, quando o rugido de Kishan estremeceu me corpo, e os troncos finalmente ficaram estáticos.

− Kishan! – gritei, sentindo lágrimas gordas começarem a escorrer por meu rosto. Assisti a cena do tigre jogando seu corpo contra os troncos, forçando com as patas em uma tentativa de se livrar da jaula, mas algo naquela magia de Lokesh deixava a madeira mais resistente do que parecia.

− Senhorita Mia, está bem? – Voltei meus olhos para Kadam, que agora estava ajoelhado ao meu lado, estudando-me em busca de algum ferimento.

Queria afundar o rosto na camisa de algodão do velho homem e continuar chorando como uma criancinha, mas os rugidos de Kishan fizeram meu peito bater mais forte e eu cerrei os punhos.

− Como ele pode fazer algo assim? – perguntei entredentes, observando Lokesh caminhar como um animal preguiçoso até onde o tigre branco estava desmaiado, aos pés de uma árvore.

− Ele é um mago poderoso, Mia, deve ter descoberto como usar da magia dos amuletos de Damon – Kadam disse, tocando meus ombros como forma de passar-me algum tipo de conforto, mas eu apenas mordi os lábios para conter um grito de ódio.

Aquele homem repulsivo havia conseguido usar a magia pura de Durga para suas ações odiosas, eu simplesmente não podia ficar ali no chão chorando. Passei as mãos pelo rosto, limpando os resquícios das lágrimas e levante-me com certa dificuldade.

− Cuide de Kelsey para mim, senhor Kadam, e se protejam – pedi, olhando uma última vez antes de levar meu corpo para onde Lokesh estava.

O tempo pareceu passar mais devagar. Ouvia os gritos de Nilima atrás de mim, e pude ver Kadam amparando Kelsey, que parecia a ponto de desmaiar. Olhei para a jaula onde Kishan ainda lutava para se libertar, e por alguns segundos meus pés pararam.

Uma parte de mim, queria correr até ele e usar todas as forças que ainda me restavam para quebrar aqueles troncos, mas eu sabia que era impossível. Lokesh era muito poderoso.

Voltei minha caminhada até o homem de terno negro, e ouvi os gritos de Kishan, já na sua forma humana, pedindo para que eu não continuasse. Infelizmente, meus olhos estavam focados no homem de pele oliva e cabelo raspado, que parecia pensar em como torturaria o tigre branco aos seus pés.

− Fique longe dele! – gritei com todo o ar de meus pulmões, começando a correr até Lokesh quando vi que seus olhos voltaram a brilhar como olhos de gato no escuro. Cerrei meus punhos e preparei meus músculos para a batalha. Estava desarmada, mas tentei repassar todas as instruções que Kadam havia me dado ao longo do treinamento.

Lokesh se limitou a olhar para mim de forma preguiçosa, e abriu um sorriso malicioso, estudando meu corpo cada vez mais próximo. Engoli o enjoo de seus olhos sobre mim e levantei o braço para lhe acertar, contudo, o mago parecia prever meus movimentos, e mexeu os dedos como se apertasse um pescoço.

No mesmo instante meu corpo ficou estático, o ar em minha volta estava pesado, e senti como se ele apertasse meu pescoço com força, levantando-me do chão. Balancei os pés, tentando ao máximo encontrar um apoio, mas eu já estava suspensa no ar por alguns metros. Levei as mãos até meu peito, na tentativa de me livrar das mãos invisíveis que sufocavam.

Ofeguei e tossi, vendo pontinhos brilharem em meus olhos devido à falta de ar. Minha cabeça girou e eu quis gritar.

− Solte ela! – Distingui a voz feroz de Kishan, rugindo e gritando para Lokesh, que apenas ria com contentamento. – Mia!

− Grite por ela, tigre! – esbravejou Lokesh, apertando mais seus próprios dedos, e eu senti como se minha garganta fosse pressionada com mais força. – A garota que salvou você não passa de uma humana frágil!

− O que você quer de mim? – perguntei, com a voz fraca e entrecortada, olhando fundo nas órbitas de Lokesh.

− Achou mesmo que iria fugir de mim tão facilmente, menina? – ele perguntou com certa ironia na voz, afrouxando o aperto em meu pescoço o mínimo para que eu conseguisse falar.

Tomei uma longa lufada de ar, tentando estocar minhas forças que se esvaiam à medida que eu continuava a ser enforcada.

− Você é louco! – protestei, balançando as pernas com ainda mais força. De esguio, consegui ver o tigre branco voltando à consciência. – Você me deixou ir embora!

− Eu não falo apenas do nosso pequeno encontro em Ajagara – ele cuspiu as palavras, e senti meu corpo sendo jogado de um lado para o outro pela forca do ar. – Refiro-me à como você é sempre tão intrometida e conseguiu acabar com as ilusões que eu causava em Dhiren, ou como mandou o velho embora do templo do mar.

Eu queria gritar um “Eu sabia!”, mas tudo o que fiz fui soltar uma tose sofrida, enquanto ouvia Lokesh confessar todas as vezes em que tentou nos manipular.

− O que você iria fazer com Kadam? – consegui perguntar, um tanto horrorizada. Ren, que agora já conseguia se levantar, olhou para mim como se planejasse algo, e eu soube que precisava ganhar algum tempo para o tigre branco.

− Eu apenas faria ele dar um mergulho sem volta no penhasco enquanto vocês estavam no templo – ele confessou de forma inocente, como uma criança que quebrara um vaso da mãe.

− Você é repulsivo – cuspi as palavras, sentindo meus lábios gelados, podendo jurar que eles estavam roxos pela falta de ar que aumentava.

− Mesmo assim, algo em você me intriga – ele ignorou os xingamentos, olhado mais fundo nos meus olhos. Senti meu corpo sendo levado para mais perto do de Lokesh, e os gritos de protesto do tigre negro recomeçaram. – A sua sensibilidade para as coisas e a inteligência, sem contar a força...

− Tire as mãos dela! – O berro de Kishan me fez perceber que eu estava cara a cara com Lokesh, e ele mordia os lábios enquanto observava-me. Sua mão livre voou até meu rosto, e senti vontade de chorar quando um dedo frio e asqueroso tocou minha bochecha.

Mas nunca eu daria minhas lágrimas para Lokesh.

− Eu quero que você seja minha – ele murmurou com os lábios bem próximos aos meus, e eu quis gritar, mas tudo o que consegui foi afastar o rosto para longo do dele e chutá-lo com meus pés suspensos no ar.

− Eu nunca deixarei você tocar em mim – garanti, cuspindo o pouco de saliva em minha boca, direto para o rosto de Lokesh. – Prefiro morrer antes.

As coisas aconteceram em um pisar de olhos. Um grito de ódio saiu dos lábios de Lokesh como um rugido, e senti meu corpo sendo arremessado para muito longe do homem de terno preto. A dor de minha cabeça batendo contra o chão duro fez-me fechar os olhos por alguns instantes e eu gemi. Quando finalmente voltei meus olhos para onde Lokesh estava, percebi que o bruxo estava em uma batalha contra o tigre branco, e seu terno estava rasgado no ombro, com marcas de dentes misturadas com sangue.

Olhei para meu próprio corpo dolorido, e arfei quando tentei apoiar-me pelos cotovelos, percebendo que toda a pele naquela região estava arranhada e sangrava, assim como minhas pernas.

− Mia, você está bem? – ouvi a voz fina de Nilima gritando, mas meus sentidos ainda estavam bagunçados devido à queda, e apenas me limitei a balançar a cabeça.

Um rugido tomou o ar, mas não consegui identificar de onde o som vinha. Levantei-me e busquei algum apoio, para que minhas pernas parassem de cambalear como se eu estivesse bêbada.

Pisquei os olhos freneticamente, e quando minha visão voltou a ficar clara, procurei Lokesh em meio a toda confusão. Pude ver Kishan em sua forma humana desferindo socos contra os galhos que o prendiam, Nilima e Kadam pareciam exasperados em volta do corpo flácido da menina de laço azul no cabelo, que estava branca como um fantasma.

Mas o que realmente chamou minha atenção foi o sorriso louco de Lokesh para o tigre branco, que agora tentava lutar com o mago sem muito sucesso. Ren ainda cambaleava, e pude perceber que seu corpo ainda doía devido à arvore.

Minha mente sabia que eu deveria reagir, fazer alguma coisa, mas tudo o que consegui fazer foi esticar a mão em sua direção e abrir a boca.

− Ren! – Minha intenção era gritar, mas minha voz não saiu mais alta que um sussurro, contudo, foi o necessário para chamar a atenção de Lokesh.

− Menina tola! Acabar com sua vida seria muito fácil – ele disse, acertando o tigre branco com um galho retorcido que saía da terra. – Mas talvez algo possa estimular você a ser minha.

No chão, Ren tentava rugir, mas fora surpreendido por Lokesh, que chutou-lhe a barriga com uma força sobre-humana. Gritos ficaram mais intensos em nossa volta, mas meus olhos só conseguiam ver o tigre branco gemendo de dor, enquanto o homem desferia golpes letais no animal caído.

Obriguei meu corpo a responder, e minha pernas começaram a correr em direção a Ren o mais rápido que consegui. Quando percebi, meu corpo formava um escudo em frente ao corpo mole do animal, e eu estiquei os braços em bloqueio ao soco que Lokesh se preparava para dar.

A dor do impacto reverberou por meus músculos e eu trinquei os dentes, sentindo meus pés escorregarem alguns milímetros para trás, entretanto, em nenhum segundo abri minha guarda, recebendo toda a fúria de Lokesh.

− Não ouse tocar um dedo em minha família – rugi, deixando toda a raiva de meu peito sair. Sem saber que onde minha força vinha, afastei o corpo de Lokesh para longe de mim com um empurrão, fazendo-o se desiquilibrar.

− Você me surpreende cada vez mais, Amélia – ele diz surpreso, com os olhos um tanto arregalados. Um silêncio mortal nos encobriu, e um sorriso malicioso se formou nos lábios de Lokesh.

Meu corpo doía, e podia jurar que meus joelhos sangravam assim como meus cotovelos. Meu vestido estava rasgado e cheio de terra, além de sentir os cabelos embaraçados balançando ao meu redor. Mesmo assim, Lokesh conseguiu me olhar com um desejo mortífero.

Continuei sustentando seu olhar, respondendo-o com toda a raiva e asco que se formavam dentro de mim.

− Você é tão peculiar – Lokesh sussurra, como se planejasse em sua mente algo. – Unindo-se a mim, poderíamos ser invencíveis; tomar países e poderes, formaríamos um império!

− Você ainda não entendeu? Você nunca irá vencer! – gritei, fechando as mãos em punho, frustrada. O desejo de Lokesh por mim era doentio, e por alguns segundos quis que nada daquilo estivesse acontecendo.

− Está enganada – ele riu como se eu fosse uma criança muito ingênua, que acabara de dizer alguma bobagem. – Eu sempre venço, e se não posso ter você por boa vontade, acho que terei de usar algumas medidas drásticas.

Em um momento, em estava novamente suspensa no ar. Meus cabelos giravam selvagens em torno de mim, e o vestido em frangalhos remexia-se com a força do vento. Mais uma vez, eu estava sem ação, sendo sufocada.

Assisti Lokesh desfazer a jaula de galhos retorcidos que prendiam Kishan. O homem de olhos de pirata tentou investir contra o mago, sem grade sucesso, pois rapidamente um forte vento envolveu Kishan, bagunçando seus cabelos negros e as roupas estraçalhadas.

Lokesh voltou-se para mim brevemente, e mais uma vez seus olhos brilhavam como joias. No rosto, um de seus sorrisos diabólicos.

− É muito simples, Amélia – ele disse, tombando a cabeça para o lado de forma descontraída. – Ou você se entrega a mim, ou eu matarei seu tigre.

Tentei gritar, mas o ar sufocava minha respiração. Olhei para Kishan, que agora estava suspenso no ar assim como eu; suas mãos arranhavam a própria garganta e ele se debatia com ferocidade.

Lokesh não parecia estar sendo gentil com o tigre negro enquanto o enforcada, assistindo a tudo com um sorriso sombrio no rosto.

Lágrimas voltaram a escorrer por minhas bochechas, e senti pontadas em meu coração a cada vez que Lokesh fechava ainda mais as mãos, obrigando o vento a sufocar Kishan com mais força. Mesmo se debatendo e tentando puxar algum ar para os pulmões, o príncipe conseguiu focar seus belos olhos dourados em mim, e apesar de toda a situação, eu ainda conseguia ver ali paixão e carinho.

Aquilo apenas fez meu peito doer com mais intensidade, e soluços escapavam de minha garganta.

− Pare – sussurrei como um gemido, sabendo que Lokesh conseguiria me ouvir. – Pare de machucá-lo, eu faço o que você quiser, mas pare.

− Mia, não... – Kishan protestou com os últimos estoques de ar de seu pulmão, e percebi que seus olhos começavam a fechar.

− Desculpe. – Não tive certeza se minhas palavras saíram, mas os olhos de pirata brilharam para mim uma última vez, antes do homem desmaiar, caindo no chão com brutalidade.

Um grito formou-se em minha garganta e foi sufocada pelo ar; debati-me com mais força até ser posta no chão por Lokesh. Ignorei a risada maligna do mago e os gritos desesperados de Nilima, apenas corri até onde o corpo de Kishan estava, imóvel.

A dor de meus joelhos quando joguei-me no chão ao seu lado não era nada comparada com a de meu coração. Deitei a cabeça contra o peito forte de Kishan e deixei as lágrimas molharem sua camisa de algodão.

Um resquício de sorriso formou-se em meu rosto quando a respiração de Kishan bateu em meus cabelos de forma fraca, mas constante. Seu peito subia a descia com certa regularidade, e permiti que meu corpo relaxasse por alguns instantes.

Mas ainda podia sentir os olhos de Lokesh contra mim, e institivamente voltei-me para ele, levantando do chão um tanto bamba.

− Diga logo de uma vez, o que quer de mim? – gritei, buscando por algo ao meu lado para poder ferir aquele homem cruel, mas tudo o que havia no chão era grama e terra.

− Você descobrirá que sou um homem paciente – ele disse, dando de ombros em um ato informal; seus dedos desabotoaram as mangas do terno com classe. – Darei uma festa em Nova Déli, e a quero lá, para finalmente apresenta-la como minha na frente de todos.

Trinco a maxilar e tento não fazer nenhum comentário irônico, com medo de Lokesh fazer qualquer coisa com Nilima e Kadam, então simplesmente afirmo com a cabeça.

− É bom ver que já está aprendendo como se portar. – Ele riu com prazer, balançando a cabeça como se alguém houvesse contado uma piada. – Nos encontraremos novamente no último dia da semana, em Toophaan.

E da mesma forma abrupta como surgiu, Lokesh desapareceu, como se o vento que ele dominava, houvesse desfigurado seu corpo.

Tentando colocar minha cabeça em ordem, voltei minha atenção para Kishan, chacoalhando seu corpo em uma tentativa de acordá-lo. Não tendo sucesso, levei meus lábios até os seus, frios como gelo, e pressionei aquela região com força, sentindo finalmente seu corpo responder ao meu.

Afastei-me de Kishan o suficiente para que ele abrisse os olhos e respirasse fundo, levantando o tronco abruptamente em busca de Lokesh. Com um sorriso cansado, toquei seu rosto anguloso e beijei-lhe a testa.

− Ele foi embora, tudo está bem – murmurei, escorregando meus dedos até seus cabelos negros, apenas para sentir que ele era real. – Não me assuste assim outra vez.

− O que ele fez com você? – ele perguntou, sentando-se ao meu lado e abraçando-me pela cintura.

− Nada, por enquanto – respondi, deitando minha cabeça contra seu peito, deixando que uma pequena onda de tranquilidade tomasse conta de mim, enquanto Kishan murmurava palavras em híndi contra meus cabelos.

Infelizmente, o momento de calmaria durou pouco, pois quando olhei em busca do tigre branco, ele não estava mais no local em que eu o havia deixado. Três pessoas agora faziam uma roda em torno do corpo adormecido de Kelsey, e percebi que Ren estava a ponto de arrancar todos os cabelos negros da cabeça.

− Como isso é possível? – perguntou Kishan como um sussurro, e levantei a cabeça para encontrar seu olhar preso na garota.

− Eu também não entendo. – Balancei a cabeça, sentindo uma pequena dor começar na região de meus olhos.

− Ela está acordando! – A voz de Nilima chamou nossa atenção, e quando percebi, Kishan já me ajudava a levantar, e entrelaçando seus dedos aos meus, caminhamos lentamente até onde Kelsey abria os olhos de um jeito preguiçoso, coçando a testa como se algo a tivesse atingido.

Seus olhos cor de chocolate focaram-se em mim, e percebi que milhares de sentimentos passaram como um raio, mas o que se instalou foi o medo.

− Por acaso eu estava sonhando? – ela perguntou, com uma voz ainda grogue.

− Sinto muito, Kelsey, mas tudo o que você viu foi real – respondi à menina, vendo-a arregalar os olhos. – E isso nem é o começo.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Esse foi o capítulo de Janeiro, pessoal! Espero que tenha valido a pena toda essa espera!
Como disse lá em cima, minha viagem não permitiu que eu postasse ou escrevesse qualquer capítulo, mas tentarei recompensar vocês postando mais alguns capítulo ainda esse mês!
Entao, é isso por enquanto, espero que tenham gostado.
Xoxo, Gabi G.



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