Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 45
Uma Escolha


Notas iniciais do capítulo

Hey, tigers!
Estou de volta mais uma vez no mês para compensar Dezembro sem postar. Depois dos pedidos de vocês, não pude negar dois capítulo em Janeiro, e aqui está!
Amei todos os comentários no capítulo anterior, e nos outros. Bem vindos todos os novos favoritos e agradeço por tê-los aqui em Caçada.
Espero que gostem do capítulo, pois acabei me empolgando um pouco.
Boa Leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/474262/chapter/45

Meus pés estavam estancados na entrada de pedras da casa. Tudo em minha volta parecia acontecer em câmera lenta, e eu me sentia apenas uma espectadora dos acontecimentos. O vento da madrugada jogava meus cabelos para frente, e algumas folhas começaram a grudar em minhas roupas.

Meus olhos viam imagens, mas minha mente não conseguia entender o que se passada. Eu via Ren, com os cabelos longos sendo bagunçados pelo vento e o porte elegante enquanto andava carregando nos braços um corpo desmaiado. Suas feições ao subir as escadas eram uma mistura de medo e angústia, e a cada minuto ele focava os olhos azuis no rosto da menina.

Kelsey

Minha mente sussurrava aquele nome em meus ouvidos, mas aquela palavra para mim parecia nada mais do que um conjunto de letras sem significado.

Virei a cabeça quando os gritos roucos de Kadam encheram meus ouvidos. Não conseguia entender o que ele falava para a neta, mas sua expressão estava séria e centrada, enquanto ele segurava o pulso da menina no colo de Ren.

Eu tentava buscar na memória o que havia acontecido durante a viagem de carro do vilarejo até a casa, mas tudo parecia muito confuso, e apenas consegui fechar os olhos e encher meus pulmões com uma lufada de ar.

Minhas pernas fraquejavam e meus olhos queimavam com o início de lágrimas que ameaçavam sair. Sabia que precisava correr até Ren e ajudar, mas simplesmente não conseguia, portanto, apenas assisti enquanto três pessoas entravam na casa, amparando a menina desmaiada.

Abri os olhos e levantei minha cabeça até encontrar a lua brilhando com magnitude no céu. Era uma noite espetacular, com as estrelas enchendo a imensidão negra como eu nunca tinha visto antes.

“Eu quero que você seja minha”

Aquelas palavras entraram em meus ouvidos como se fossem carregadas pelo vento, e institivamente um grito formou-se em minha garganta. Suor escorria por minha testa e comecei a tremer como se estivesse febril.

Podia ouvir com clareza o riso maligno envolvendo meu corpo, e não consegui mais manter minhas pernas erguidas. Senti-me caindo no chão, entretanto o momento da queda nunca aconteceu, pois, braços fortes ampararam meu corpo antes que ele pudesse tocar o solo.

− O que houve, bilauta? – Aquela voz grossa e sedutora fez meu coração bater mais forte, e eu balancei a cabeça, piscando os olhos enquanto tentava focar o rosto do homem que me tinha nos braços.

− Kishan? – murmurei, encontrando duas órbitas douradas me estudando com certa angústia. Os braços do príncipe me apertaram com mais força, e só assim percebi que eu tremia com mais frequência, além de bater os dentes como se nevasse.

− Você está tão quente... – ele disse, mas para si mesmo do que para mim, e seus lábios gelados tocaram minha testa de forma afetuosa.

Todo o corpo majestoso de Kishan me envolveu como um cobertor quentinho. O príncipe havia sentado no chão, deixando minha cabeça deitada contra seu peito enquanto suas mãos vasculhavam meu corpo, em busca de algum ferimento que pudesse estar causando a febre.

Por alguns minutos, senti-me como uma garotinha, e tudo o que eu queria era ser cuidada pelo tigre negro em minha frente. Nada de magos, maldições, magia ou batalhas.

− Eu não posso ser fraca, Kishan – balbuciei, sentindo a respiração quente do príncipe batendo em minha nuca. – Se eu for fraca, ele acabará com todos nós.

Kishan entendeu de quem eu falava, pois senti cada músculo de seu corpo se contraindo, e pude jurar que ouvi seus dentes rangendo. Seus dedos longos tocaram meu queixo com leveza, fazendo-me levantar a cabeça até encontrar seus olhos de pirata, os quais mais pareciam uma mistura de fúria e paixão.

Soltei um suspiro alto e ruidoso.

− Ouça-me, bilauta.— A raiva tomava conta de sua voz, e Kishan teve de respirar fundo algumas vezes antes de prosseguir. – Você é forte. Você é a garota mais forte que já conheci; no seu lugar, aposto que qualquer outra já teria desistido. E você é mais forte que Lokesh...

Tentei protestar, mas as palavras não saiam de minha boca. O suor começava a molhar meu vestido e imagens do nosso pequeno confronto com Lokesh voltaram em minha mente.

− Apenas escute – ele disse, com firmeza, ainda me forçando a olha-lo nos olhos. – Lokesh pode dominar os ventos ou a natureza, pode até mesmo usar as palavras para te atingir, mas ele nunca vai ter esse amor enorme que você possui.

Pisquei algumas vezes, e tive que obrigar meu peito a respirar, pois aquelas palavras me deixaram atônita. Quis responder e tocar o rosto anguloso de Kishan com os dedos, mas meu corpo ainda não respondia.

− O seu amor e os seus sentimentos fazem de você uma guerreira que Lokesh nunca será. – Seus lábios tocaram minhas bochechas, limpando as lágrimas que ficaram empoçadas ali. – Não se deixe enganar, Mia. Lokesh teme você, pois consegue ver que é a única ameaça ao poder dele.

− Kishan... – sussurrei com carinho, agarrando o tecido de sua camisa com força, sentindo meus músculos começando a funcionar.

− Além de tudo isso, você tem a mim, e eu nunca deixarei você sozinha – ele disse baixinho, como se aquilo fosse um segredo entre nós dois. – Você tem Ren, Kadam e Nilima, e todos estão prontos para lutarem com você. Mia, você não está sozinha, agora, nós somos sua família.

Mais lágrimas começaram a descer por meu rosto, mas estas não eram de medo, mas sim de alegria e paixão. As palavras de Kishan conseguiram tocar meu coração, e eu suspirei pesadamente, abrindo um sorriso vacilante para o homem em minha frente.

− Eu amo você, já disse isso? – disse, com o pouco de voz que saída de minha boca. Minha garganta raspava e uma sede enorme tomava conta de mim.

− Nunca é demais ouvir isso. – Ele brincou, beijando a ponta de meu nariz com um sorriso iluminado no rosto. – E, Mia, até mesmo os melhores guerreiros têm que liberar a agonia uma certa hora, ou isso começará a te corroer por dentro.

Eu sabia do que ele falava, pois até aquele momento eu não tinha permitido meu corpo liberar todo o medo, a frustração e a revolta que tomavam conta de mim desde o encontro com Lokesh. Não queria parecer fraca, com medo de acabar sucumbindo pela força do mago, contudo, as palavras de Kishan conseguiram demolir o muro que eu havia construído em volta do coração.

Com um gemido, deixei que as lágrimas rolassem com liberdade, tornando agora uma enxurrada que molhava a camisa de Kishan. Meus dedos tremiam e eu comecei a soluçar; afundei a cabeça contra o peito do tigre e permiti que ele me protegesse de tudo a nossa volta.

− Eu amo você também, bilauta.— Kishan sussurrava calmamente aquelas palavras para mim, enquanto acariciava minhas costas com uma mão e a outra afagava meus cabelos bagunçados.

Meus olhos ardiam com tamanha força com que as lágrimas saiam, entretanto, já não estava mais febril, mesmo que os tremores continuassem. Tentei respirar com calma, mas meu corpo parecia uma avalanche de sensações e sentimentos.

− Obrigada... – Consegui murmurar aquelas palavras por trás dos soluços, e mesmo baixo, soube que Kishan havia escutada, pois me apertou mais forte em seu abraço e começou a murmurar palavras em híndi que sempre me acalmavam.

Confesso que ficamos naquele momento por alguns minutos, até que meus músculos pararam de tremer, e mais nenhuma lágrima saiu de meus olhos. Senti-me leve pela primeira vez desde que a batalha contra Lokesh começara. Meu corpo era capaz de flutuar, como se eu houvesse dormido por dias afim.

Suspirei pesadamente três vezes e soltei a camisa de Kishan, passando os dedos por meus cabelos revoltos, jogando-os para trás. Olhei para meu príncipe por alguns segundos, antes de sorrir e selar nossos lábios em um beijo.

Sua boca fria, contra a minha, quente, era uma sensação extasiante e todo o meu corpo se arrepiou. Kishan contornou meus lábios com a língua, e quando finalmente aprofundamos o beijo, deixei que ele sentisse todo o meu agradecimento e amor naquele simples contato.

Suas mãos grandes penteavam meus cabelos para trás, enquanto as minhas deixavam uma carícia leve em seu peito, sobre a camisa.

Naquele momento, eu poderia explodir, pois meu peito se expandiu e eu sorri entre o beijo, mordiscando de leve os lábios de Kishan.

Quando finalmente separamos nossos corpos, minha mente tomou consciência de tudo o que havia acontecido no pequeno vilarejo.

A menina que eu pensava ser apenas uma assombração, era real, e minha mente não conseguia uma explicação para sua aparência tão idêntica à de Kalika. Lokesh havia aparecido e ameaçado machucar todos, a não ser que eu me entregasse.

E agora, eu tinha um baile para ir com o homem que me causava asco.

Lembrava-me da viagem de volta. Tudo tinha sido muito confuso, com Ren, Kishan e Kadam discutindo fervorosamente na língua nativa, ao mesmo tempo em que eu e Nilima tentávamos reanimar o corpo desmaiado de Kelsey.

Depois da rápida troca de palavras com a garota de olhos castanhos, seu corpo havia desmaiado contra o chão. Amparada por Ren, cujos olhos estavam cheios de lágrimas, Kelsey começou a ficar pálida e sua pulsação, muito fraca.

Em alguns momentos da viajem, seus lábios balbuciaram palavras desconexas, contudo, entre elas, ouvi meu nome sendo chamado várias vezes e apertando a mão gélida da menina com força, prometi a mim mesma não sair do seu lado.

− Kelsey! – Aquelas palavras saíram de meus lábios com surpresa, e antes mesmo de meu cérebro funcionar, meus músculos já haviam me colocado de pé.

Ainda bamba, senti as mãos de Kishan me apoiando, e olhei para ele um tanto exasperada, olhando para onde Ren entrara com o corpo de Kelsey, minutos antes.

− Kadam está cuidando dela – Kishan respondeu, entrelaçando nossos dedos em um aperto reconfortante. − Ela parece estar muito fraca e Ren está quebrando alguns móveis no próprio quarto.

Ao ouvir as palavras, reprimi um ofego e obriguei minhas pernas a começarem a andar. Em poucos segundos, nós dois já estávamos dentro da casa, contudo, o primeiro andar estava silencioso como um templo.

Sabia que nas mãos de Kadam, Kelsey seria muito bem cuidado, entretanto, o homem ao meu lado também poderia ajuda-la. Mordi os lábios sem paciência, pois minha conversa com Ren não poderia ser atrasada.

− Kishan, acho melhor você ajudar Kadam – disse, virando-me para ele que parecia concentrado em seus sentidos de tigre. – Seus conhecimentos podem ser úteis.

− Você está realmente bem? – ele perguntou, tomando meu rosto em suas mãos e estudando-me com os olhos inquisitivos.

− Melhor do que nunca, graças a você – murmurei, a acariciando seu rosto com um sorriso bobo estampando minhas feições.

Apoiando-me nos ombros largos do tigre, fiquei nas pontas dos pés para selar nossos lábios em um beijo rápido. Um sorriso malicioso formou-se no rosto de Kishan, e suas mãos escorregaram até minha cintura, apertando-a de leve.

Balançando a cabeça, afastei-me do tigre tentador e passei um dedo sobre o contorno de seus lábios, que ainda estampavam o sorriso de lado que eu amava.

− Cuide de Kelsey por mim – murmurei, vendo-o concordar com a cabeça, correndo até a escada, subindo os degraus de dois em dois.

Respirei fundo uma única vez, ouvindo um barulho muito baixo de algo sendo quebrado, e soube que era Ren. Puni-me mentalmente por ter contado ao príncipe sobre o pequeno encontro com Kelsey em meu aniversário.

Contudo, nem mesmo eu tinha certeza do que meus olhos viram no dia.

Chegando ao segundo andar, ouvi vozes baixas vindo de trás da porta de meu quarto. Eles conversavam em híndi, mas todos pareciam tranquilos, o que me fez respirar com mais calma.

Parei na última porta do corredor, olhando para a madeira esculpida com esmero antes de tocar na maçaneta.

A imagem que tomou meus olhos deixou-me ainda mais assustada do que na noite em que Lokesh causou as alucinações no príncipe de olhos azuis cobalto. Ren estava parado de costas para mim, no meio do quarto. Ele não vestia mais a camisa, e a pele brilhava de suor. Os músculos subiam e desciam seguindo o ritmo de sua respiração acelerada.

− Ren... – sussurrei, dando um passo para trás com o susto que o príncipe acabara me causando.

Como um animal, ele virou o rosto e sua expressão era ameaçadora. Os olhos azuis não brilhavam mais da forma brincalhona e provocativa, e tudo o que eles refletiam era raiva. Um barulho de rugido saiu dos lábios de Ren, e eu arregalei os olhos.

Por alguns minutos ficamos daquela forma, eu tentando decidir se continuava ali ou saía correndo, e Ren olhando-me de forma animalesca enquanto rugia baixinho.

“Você é garota mais forte que conheci”

As palavras de Kishan voltaram em minha mente, algo fez com que meu peito enchesse. Cerrei os punhos e soltei o ar de meus pulmões, dando o primeiro passo em direção ao homem de olhos azuis.

Ren olhava para mim, e naquele ponto, eu já não conseguia mais distinguir o que se passava por seus olhos ou pensamentos. Sem me intimidar com a respiração agitada e a forma feroz que seu corpo estava, passei meus braços por sua cintura e o abracei com força, sem me importar com o suor que descia por seu peito.

− Ren, eu sinto muito – murmurei contra sua pele oliva, sentindo algo molhado caindo em meu coro cabeludo.

Olhando para cima, encontrei as órbitas azuis, vermelhas e inchadas, enquanto lágrimas recomeçavam a cair dos olhos de Ren. Apertei seu corpo contra o seu e senti os músculos do príncipe relaxando e finalmente, ele retribuiu o abraço.

− Como isso é possível, Mia? – ele perguntou, e sua voz estava frágil, como uma criança magoada. Sentia sua respiração quente contra meu pescoço, e soube que ele escondia o rosto ali.

Estar nos braços de Ren era algo reconfortante, coisa que sempre sonhei em ter quando mais nova.

Um irmão, era tudo o que eu sempre pedia quando apagava as velinhas no meu aniversário. Alguém com quem eu pudesse ter uma ligação tão forte como Ren e Kishan tinham.

− Eu não sei, Ren – confessei, afagando seus cabelos compridos como uma forma de consolá-lo. – Mas já passamos por tantas coisas, sei que vamos descobrir.

− Ela é Kalika – ele disse um tanto exitante, como se aquelas palavras fossem proibidas. – Será isso alguma forma de me punir?

Balancei a cabeça freneticamente, soltando-nos do abraço e puxando Ren até ele estar sentado na cama. O príncipe suspirou cansado, passando as mãos pelos cabelos úmidos antes de focar os olhos em mim.

Ajoelhada em sua frente, tomei suas mãos nas minhas, ao mesmo tempo em que tentava organizar meus pensamentos.

− Por que isso seria uma punição, Ren? – perguntei retoricamente, fazendo-o olhar fundo em meus olhos. – Você nunca fez nada de ruim, pelo contrário, é apenas uma pessoa que coisas ruins aconteceram.

− Mas por que isso aconteceria agora? – ele questionou, apontando para a porta do quarto, como se Kelsey estivesse do outro lado. – Não aguentarei ver algo acontecendo com Kalika outra vez.

Sorri, sentindo o amor que ele ainda semeava pela garota apenas no tom sofrido de suas palavras, e apertei um pouco mais suas mãos nas minhas.

− Eu vejo isso como uma segunda chance, Ren, uma segunda chance de você viver o que lhe foi tirado, no passado – murmurei, abaixando os olhos para encarar nossas mãos apertadas umas nas outras.

Os olhos de Ren se arregalaram em surpresa, e ele parecia considerar aquela hipótese pela primeira vez. Um resquício de sorriso surgiu em seu rosto marcado, mas ele balançou a cabeça e secou as lágrimas em suas bochechas.

Os braços de Ren foram parar em minha cintura e ele me levantou no ar como se eu pesasse menos que uma pena. Ele me apertava contra seu corpo e eu sabia que minhas palavras haviam trazido de volta o tigre branco de sempre.

Feliz.

Rindo, apoiei minhas mãos nos ombros do príncipe e fechei os olhos, enquanto Ren dizia algumas palavras em híndi com certa euforia. De volta ao chão, o tigre branco tomou minhas mãos nas suas e as beijou como agradecimento, fazendo-me sorrir.

− Obrigada, priya— ele disse, apertando meus pulsos de forma carinhosa. – Você realmente é muito especial.

Meu peito se encheu de felicidade, mas instantaneamente algo surgiu em minha mente e fechei os olhos, mordendo com certa impaciência meu lábio inferior. Suspirei algumas vezes, tentando buscar palavras para confessar.

− Ren, eu queria me desculpar por não ter contado antes – murmurei, olhando para o chão, enquanto sentia os olhos azuis cobalto me encarando sem entender.

− O que quer dizer, Mia? – Ren perguntou, apertando nossas mãos como se me estimulasse a falar.

− Hoje não foi a primeira vez que vi Kelsey. – Minhas palavras eram baixas, e eu me sentia uma criança confessando alguma arte. – No dia do meu aniversário, eu vi essa menina no bar em que fomos. Eu esbarrei nela e simplesmente não consegui acreditar no que meus olhos viam; fui atrás dela, depois, mas a menina tinha desaparecido. Quis contar para você, naquela noite, mas nem mesmo conseguia acreditar nos meus olhos, não podia dar-lhe falsas esperanças.

Mordiscando a parte interna da boca, foquei meus olhos em um quadro atrás de Ren, evitando sua provável expressão de desapontamento, contudo, para minha surpresa, uma risada melodiosa tomou conta do quarto, fazendo-me franzir o cenho e buscar os olhos azuis do tigre branco.

− Mia, eu nunca ficaria bravo com você por causa disso – Ren disse, colocando as mãos na cintura para enfatizar suas palavras. – O que disse só mostra como está sempre tentando nos proteger, e isso me deixa admirado.

Abri um sorriso envergonhado para Ren, mas por dentro, consegui respirar com mais tranquilidade, e senti como se o último peso em minhas costas tivesse saído.  Meus lábios se separaram para liberar algumas palavras, entretanto, fui interrompida pela porta do quarto abrindo de supetão.

Girei sobre os calcanhares apenas para encontrar o rosto de Nilima, cansado e suado, mas com um sorriso feliz no rosto. Seus cabelos imaculados, agora estavam bagunçados e grudentos, mas ela ainda parecia uma princesa.

− Ela acordou. – Suas palavras fizeram tanto eu quanto Ren prenderem a respiração. – E está chamando por Mia.

Aquilo me bastou para agarrar a mão de Ren e sair correndo até meu quarto, o qual estava com a porta aberta. Lá dentro, senti a familiar sensação de tranquilidade, e meus olhos encontraram o de Kishan, que sorria para mim; ele e Kadam seguravam uma bacia com água e alguns vidros de ervas.

No centro do quarto, minha cama estava bagunçada como sempre, e o edredom negro como o pelo do tigre estava jogado no chão, todo dobrado. Os lençóis brancos pareciam um tanto molhados, mas no meio deles, o corpo já mais vivo de Kelsey repousava, sentado com uma xícara de chá nas mãos.

− Kelsey! – Minhas palavras saíram eufóricas, como se não visse a menina por muito tempo.

− Mia! – ela suspirou com alívio, e percebi seus olhos brilhando com alegria. – É muito bom ver um rosto familiar.

Quis rir, pois nem mesmo nós nos conhecíamos direito, mas imaginei que acordar com três estranhos a rodeando a deixou um tanto assustada. Percebi que Ren ainda estava ao meu lado, segurando minha mão, quando o nosso aperto ficou mais forte, e eu tive que reprimir um ofego de dor.

− Kalika? – ele sussurrou, dando um passo vacilante em direção à cama da menina. Kelsey voltou os olhos castanhos para Ren, e eles pareciam curiosos e um pouco assustados, pois seu corpo todo se contraiu.

− Meu nome é Kelsey – ela respondeu gaguejando, mas tentando com muito empenho deixar a voz firme. – Por que vocês insistem em me chamar dessa forma?

Um silêncio tomou conta do cômodo, e todos pareceram olhar para mim. Minha mente trabalhava muito rápido, mas não conseguia pensar em nada para dizer naquele momento, portanto, simplesmente andei até a cama e sentei-me na beirada.

− Desculpe por isso – gaguejei, tomando das mãos da menina a xícara já vazia. Pelo aroma do chá, pode perceber que era camomila. – Como disse, você nos lembra alguém que conhecíamos. Está se sentindo melhor?

Pelo canto dos olhos, vi Kishan se aproximar do irmão, em uma tentativa de conter qualquer reação descontrolada que ele pudesse ter. Nilima voltou ao quarto segurando uma bandeja com várias xícaras e um bule enorme no meio, enquanto isso, Kadam permanecia imóvel do outro lado da cama, estudando Kelsey como se ela fosse um enigma.

− Não lembro porque passei tão mal – ela confessou, passando a mão na testa franzida, como se forçasse a mente a lembrar. – Mas estou com um pouco de dor de cabeça, acho que foi efeito do sonho maluco que tive.

Sua risada forçada começou e morreu em um piscar de olhos. Mais uma vez o silêncio tomou conta do quarto, e meus músculos estavam contraídos. Eu olhava para a xícara em minhas mãos como se aquele pedaço de porcelana pudesse responder as milhares de perguntas em minha mente.

Olhei para Ren, e o príncipe tinha o punho cerrado, mas sua respiração era funda, em uma tentativa de controlar os sentimentos que atravessavam os olhos azuis. Em desespero, busquei as duas órbitas douradas, e assim que eu e Kishan nos encaramos, soube que independente do que aconteceria dali para frente, ele estava me apoiando.

− Do que você se lembra, Kelsey? – perguntei, entregando a xícara vazia para Nilima e passando uma nova, e cheia, para a menina deitada ao meu lado, que não pensou duas vezes antes de começar a tomar.

− Você e eu estávamos conversando quando as pessoas começaram a gritar e correr – ela começou a narrar, e sua mão tremia um pouco, pois o líquido de sua xícara balançava. – Um homem de termo apareceu e começou a falar com vocês, e lembro como o ar parecia ter vontade própria.

Um arrepiou passou por meu corpo, mas reprimi as lembranças da noite e apenas apertei a perna de Kelsey, estimulando a menina a continuar falando.

− Acho que devo ter batido a cabeça no chão, ou talvez minha pressão caiu, mas a última coisa que lembro é de ver dois tigres enormes – ela riu, balançando a cabeça como se suas palavras fossem bobagem. – Acredito que sonhei a maior parte disso e apenas passei mal por não ter comido direito no almoço.

Soltando todo o ar de meus pulmões, olhei para Kadam, buscando apenas a confirmação para poder contar a verdade à menina que me olhava com os enormes olhos curiosos. Era inevitável ter aquela conversa com Kelsey, mas soube que apenas eu poderia fazer isso, afinal, eu era a única pessoa em que ela confiava.

− Acho melhor eu ter uma conversa a sós com Kelsey agora – murmurei, olhando para Ren em busca de alguma compreensão. Felizmente o tigre confirmou com a cabeça e começou a seguir o irmão para fora do quarto.

Kadam foi o último a deixar o quarto, e antes de fechar a porta, ele voltou-se para nós, abrindo um de seus sorrisos fraternais.

− Quero que saiba que está em boas mãos, senhora Kelsey – ele disse, olhando para ela de forma firme. – E acredite no que Mia diz, é importante.

Depois que a porta se fechou, ficamos em silêncio por alguns segundos. Meus olhos voaram até a sacada de meu quarto, e no meio da escuridão pude ver os olhos dourados de Kishan, enquanto seu pelo se misturava com a madrugada, ao seu lado, o tigre branco parecia cauteloso.

Agradeci por ter os dois por perto, pois precisaria dos tigres em breve.

O som dos lençóis se mexendo chamou minha atenção, e quando voltei meus olhos para Kelsey, ela estava sentada, com um travesseiro no colo enquanto observava o quarto.

− É muito bonito – ela murmurou, como se tentasse puxar assunto, o que me fez rir.

− Obrigada, é meu quarto – disse, tocando de leve na cama, na tentativa de me acalmar. – Kelsey, eu sei que tudo isso pode parecer loucura, e você tem o direito de achar, porque eu também achei que era, mas só peço que me ouça e tente ser coerente.

− Vocês me ajudaram e cuidaram de mim, o mínimo que posso retribuir e ouvir o que você tem a dizer sobre o que aconteceu hoje – ela respondeu, de forma séria, sem nenhum sarcasmo na voz, ou descrença nos olhos.

− O que você lembra, não foi um sonho. – Comecei a dizer, ajeitando-me na cama em busca de uma posição confortável. Depois de tudo, meus músculos começavam a doer. – Os tigres que você viu, são Ren e Kishan. Kishan você conheceu, ele estavam aqui quando acordou.

Kelsey franziu a testa por alguns segundos, até finalmente balançar a cabeça como se permitisse que eu continuasse.

− O homem de olhos dourados e meio irônico? – ela perguntou, fazendo uma pequena careta, o qual me fez rir enquanto assentia. Pode jurar que ouvi um pequeno rugido vindo da sacada.

− Os dois irmãos são príncipes, e eles sofreram com uma maldição há trezentos anos; aquele homem de terno que você viu é Lokesh, ele é o mago que fez isso com os irmãos. Os dois estão presos na forma de tigre por doze horas, e só conseguirão acabar com a maldição se conseguirmos desfazer a magia de outros quatro amuletos como este. – Naquele momento, retirei de dentro do vestido o colar onde o Amuleto de Damon estava, mostrando para ela, cujos olhos estavam incrédulos.

− Havia alguma erva alucinógena nesse chá? – ela perguntou, olhando para mim e rapidamente observando a bebida que começava a esfriar em suas mãos. – Você não espera que eu acredite em algo fantasioso como essa história, não é mesmo?

− Kelsey, eu sei que parece loucura, mas...

− Não parece loucura, é loucura! – Sua voz estava aguda e percebi que ela se remexia na cama como se quisesse fugir. – Eu poderia acreditar que você era uma criadora de animais exóticos, ou que os tigres eram seus bichinhos de estimação. Meu Deus, acreditaria até se você dissesse que era uma cientista louca que fazia experiências com animais, mas uma história de magia e maldições?

Suspirei pesadamente, apertando o osso do nariz como se aquilo pudesse acabar com todas as dores em meu corpo. Fechei os olhos e contei até dez, segurando-me para não trazer os tigres até o quarto, pois sabia que ela terminaria de surtar.

− Pelo menos a sua reação foi melhor do que a minha – brinquei, mas para mim mesma do que para Kelsey. – Eu joguei uma pedra em Kishan.

Aquela lembrança me fez sorrir, e agora, pude ouvir com clareza o rugido do tigre negro, que ouvia nossa conversa. Entretanto, não me deixei ir fundo nas lembranças, pois em minha frente, a menina de olhos castanhos me encarava com incrédula.

− Mia, eu agradeço por vocês terem me ajudado, mas eu realmente estou pensando que vocês são sequestradores malucos que contam histórias de contos de fada para meninas americanas. – Suas palavras saíram embaralhadas e ela mexia as mãos com nervosismo, contudo, naquele momento eu ri baixinho, brincando com o anel de rosa em meu dedo. – Se é dinheiro o que vocês querem, sinto dizer que não vão conseguir, eu não tenho mais nenhum parente vivo e faço bicos na minha cidade enquanto tento terminar a faculdade, e...

Interrompi sua avalanche de palavras levantando a mão, como se a silenciasse. Meus dedos saíram do anel em direção à pulseira de tigre negro, que balançava freneticamente na corrente.

− Eu era dos Estados Unidos também, e como disse, eu trabalhava em um circo, até o dia em que esse estranho tigre foi comprado pelo dono. Meus pais morreram quando eu era mais nova, e assim como você, não tenho nenhum parente vivo, então, encontrei no curioso animal preto uma forma de poder desabafar meus problemas. – Não conseguia olhar para os olhos de Kelsey naquele momento, nem mesmo para onde eu sabia que Kishan e Ren me ouviam. – Quando o tigre se transformou em homem em minha frente, eu simplesmente pirei, quis gritar e sair correndo, mas por alguma razão aceitei ouvir o que ele dizia e acabei embarcando em uma viagem para a Índia para quebrar uma maldição e enfrentar um mago poderoso.

Nenhuma palavra saiu dos lábios de Kelsey, mas seus olhos estavam arregalados e a respiração era ofegante, como se garoto tivesse corrido uma maratona. Tomei uma longa lufada de ar, antes de continuar a história.

− Você não acreditaria agora nas coisas malucas que vivi desde que cheguei aqui – disse, rindo baixinho ao mesmo tempo em que corria os dedos pelo cabelo embaraçado. – Lutei com criaturas sobrenaturais, conversei com uma deusa, resgatei Ren de um cativeiro...

− Como isso é possível? – murmurou Kelsey, puxando a ponta da trança praticamente desfeita, em uma ato nervoso.

− Não peço que acredite em tudo agora, contarei mais se estiver disposta, amanhã – expliquei, sorrindo de forma reconfortante para a menina. – Tudo o que quero dizer agora é que apesar de todas as aventuras que tenho enfrentado, eu ganhei algo muito melhor: uma família e pessoas que se importam comigo. Também me tornei uma pessoa melhor e mais esperançosa, e juro que se eu tivesse a chance de escolher de novo entre ficar nos Estados Unidos ou seguir um tigre para a Índia, eu não mudaria minha decisão.

Olhei para onde Ren e Kishan estavam, e percebi que eles nos observavam com atenção, enquanto mexiam as caldas eufóricos. Balancei a cabeça negativamente, pois sabia que aquela não era a hora de falar ou mostrar mais nada para Kelsey.

A menina tinha vivido muitas coisas em poucas horas, e tudo o que precisava era de uma boa noite de sono para colocar os pensamentos no lugar, e talvez, começar a aceitar as minhas palavras.

Kelsey estava muda, olhando para as mãos, atônita, e percebi que se perdia em pensamentos, então apenas me levantei, com a segunda xícara fazia em mãos. Acariciei suas mãos com um sorriso fraternal, antes de começar a me afastar.

− Durma bem, e caso precise de algo, não exite em chamar a mim ou qualquer outro – disse baixinho, indo até onde os tigres estavam escondidos. – E se de manhã ainda quiser continuar aqui e ouvir mais, ficarei feliz em lhe contar.

− Obrigada, Mia – Sua voz estava fraca, mas consegui perceber gratidão nas palavras, e apenas sorri, abrindo a porta da sacada e recebendo o vento morno da madrugada em meu rosto.

Deitados no deck de madeira, Ren e Kishan me observavam como se esperancem um comando para agir, mas eu apenas sorri, agachando-me na frente dos tigres para acariciar os pelos contrastantes dos irmãos.

− Ela não está pronta ainda, mas acredito que uma dormir um pouco ajudará – disse, passando os dedos pelas orelhas felpudas de Kishan, vendo-o ronronar, enquanto Ren remexia a calda com impaciência.

Olhei fundo nos olhos azuis do tigre branco, e toquei seu focinho molhado de forma brincalhona, ouvindo-o resmungar, enquanto o irmão rugia alto como uma risada escandalosa. Levantando-me, abafei um bocejo com as mãos, sentindo meu corpo gritar por algumas horas de sono na cama confortável de Kishan.

− Acho que todos deveríamos ir dormir, mas ficaria bem mais tranquilo se você não se importasse de vigia-la, Ren – pedi de forma inocente, sabendo que o tigre branco estava eufórico por ficar ao lado da menina tão parecida com Kalika.

Com um rugido alegre, Ren pulou na espreguiçadeira ao lado da porta, ajeitando o corpanzil como um gatinho. Acariciei suas orelhas uma última vez, seguindo até a sacada do quarto de Kishan, sendo seguida pelo tigre negro.

Suspirei feliz quando pisei no cômodo que eu já conhecia como a palma de minha mão, e enquanto buscava por uma blusa de Kishan para vestir, percebi que o tigre estava sentado na soleira da sacada, observando meus movimentos com a cabeça tombada para o lado, curioso.

Cansada demais para qualquer vergonha, puxei meu vestido esfarrapado pela cabeça, sem me importar com os olhos dourados de Kishan queimando sobre meu corpo descoberto. Ignorei a sujeira de minhas roupas íntimas, prometendo a mim mesma um banho assim que eu acordasse.

Antes de conseguir vestir a camisa cinza escuro de Kishan, senti braços fortes envolvendo minha cintura, e um arrepio de prazer tomou conta do meu corpo. A respiração quente do príncipe batia em meu pescoço, e deixe-me relaxar em seus braços.

− Você estava falando sério quando disse que escolheria a viajem para a Índia comigo se tivesse outra chance? – ele perguntou, deixando um beijo molhada em meu pescoço, enquanto acariciava minha barriga nua.

Virando para ficar em frente ao homem que eu amava, envolvi seu pescoço com os braços e sorri, beijando de leve seus lábios cheios. Seus músculos tensos relaxaram ao meu toque, e o sorriso de lado reapareceu em seu rosto anguloso.

− Eu sempre escolheria você, Kishan.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse foi o capítulo para compensar Dezembro, espero que não tenha ficado grande devido ao tamanho.
Digam para mim o que estão achando da relação de Kelsey com a Mia até agora, pois muitos comentaram sobre isso no capítulo anterior. Espero que tenham gostado!
Até o próximo mês.
Xoxo, Gabi G.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caçada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.