Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 43
Festival das Luzes


Notas iniciais do capítulo

Hey, tigers!
Quem aí esperou muito pelo capítulo de Novembro? Bem, sinto muito pela demora, mas esse mês tive o vestibular da Unesp e acabei me focando nos estudos.
Mas! Não deixei vocês na mão, e aqui está o capítulo do mês.
Quero agradecer a todos que comentaram e favoritaram, mais uma vez, você é que fazem Caçada ser o que é!
Espero que todos gostem,
Boa Leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/474262/chapter/43

Não tinha certeza se estava realmente acordada ou ainda dormindo. A claridade do Sol me cegava e demorei alguns segundos até perceber onde eu estava. Piscando milhares de vezes, finalmente vi que o quarto onde eu estava não era o meu.

Olhei para a janela aberta que exibia a paisagem linda da colina onde ficava a casa dos pais de Kishan. Contendo um sorriso maroto em meus lábios, olhei para o lençol branco completamente abarrotado sob meu corpo nu.

Aquilo realmente não foi um sonho.

Olhei em volta, buscando encontrar o tigre negro com olhos de pirata, mas eu estava sozinha naquele quarto pequeno e aconchegante. Sem me importar em estar com o corpo completamente nu, joguei minhas pernas para fora da cama, espreguiçando-me sem conter meu sorriso de prazer.

Imagens da noite anterior tomavam conta de meus pensamentos, e por alguns segundos, senti meu corpo esquentar com as memórias. A pele de meu braço estava arrepiada, mas eu não conseguia para de reviver os momentos de desejo que passará com Kishan.

Seus beijos, seus toques e suas palavras ainda conseguiam me deixar louca mesmo depois de tudo.

Passei as mãos pelos meus cabelos apenas para confirmar o que eu já sabia: todos os fios estavam um tanto grudentos de suor e embaraçados.

− Duvido que eu consiga encontrar um banheiro aqui – brinquei, sem vontade nenhuma de deixar que a água de um chuveiro levasse do meu corpo aquele cheiro maravilhoso que Kishan havia deixado em mim.

O perfume de Kishan estava por todo o quarto, e eu aceitaria de bom grado ficar naquele cômodo pequeno pelo resto da vida.

E provavelmente eu teria ficado caso meus olhos não tivessem capitado uma pequena flor de cerejeira em cima de algumas roupas, as quais repousavam na cadeira da escrivaninha de madeira.

Brinquei com as pétalas macias por alguns segundos antes de tocar nas roupas limpas e dobradas. Entendi aqueles shorts jeans simples e a camisa de botão branca e levinha como um pedido para que eu me trocasse.

− O que mais ele pensou? – Perguntei para mim mesmo assim que abotoei a última casa da camisa, trançando meus cabelos e colocando a delicada flor presa nos cachos castanhos.

A ansiedade percorri todo o meu corpo, e desci as escadas de dois em dois degraus, olhando para os lados em busca do par de olhos dourados que eu amava.

Um cheiro maravilhoso de chocolate quente vinha da cozinha, portanto não me demorei muito procurando por Kishan na área da sala, onde as velas que a iluminavam ontem, já não estavam mais ali.

A cozinha era a única parte da casa consideravelmente grande, com móveis de madeira e uma mesa para quatro pessoas. Na parede oposta, algo que se parecia muito com uma lareira esquentava uma chaleira rústica de ferro preto.

Mas sem dúvidas, a parte que mais chamava a atenção naquele lugar, eram as portas duplas que davam uma ampla visão do jardim e da colina. Ignorei os pães e o bolo que pareciam deliciosos de cima da mesa, e apenas me dei ao trabalho de apreciar a vista que mais parecia uma pintura.

O dia estava ensolarado, e a brisa calma que entrava pelas portas me faziam querer colocar os pés descalços da grama verdinha do jardim.

E eu estava pronta para sair correndo como uma criança pela colina, quando algo chamou minha atenção.

Um pouco fora do meu campo de visão, eu conseguia ver uma árvore de cerejeira completamente florida. Seu topo rosado poderia chamar minha atenção pela beleza, mas algo ali era o que realmente prendia minha visão.

Encostado no tronco da cerejeira, de costas para mim, estava Kishan. Tudo o que o príncipe usava era uma calça jeans escura, fazendo-me pensar que talvez ele tivesse voltado até a casa, enquanto eu dormia, para pegar roupas limpas e comida. Seus braços estavam cruzados, mas ele parecia muito relaxa, pois nenhum músculo de suas costas morenas estava contraído.

Aquela imagem fez meu coração palpitar, e mais uma vez imagens da noite passada invadiram minha mente. Mordi o lábio inferior, lembrando das marcas vermelhas que acabei deixando nas costas de Kishan. Felizmente, pelo o que eu podia ver daquela distância, nenhum arranhão sobrara.

Meu corpo vibrou, e só percebi que eu caminhava em sua direção quando meus pés descalços tocaram a grama úmida e verde. Notei pela mudança na postura de Kishan que ele havia sentido meu cheiro, e pude jurar que mesmo de costas, o tigre sorria de forma marota.

− Achei que dormiria até mais tarde – ele disse, ainda sem se virar para mim.

− Não seja convencido – brinquei, já há poucos passos de seu corpo majestoso. – Você não me cansou tanto assim.

Minhas mãos envolveram o peito de Kishan, e deixei de bom grado que meu corpo se colasse ao dele em um abraço apertado. O corpo do príncipe estava quente – como sempre – fazendo-me sentir em casa.

Seus dedos longos e firmes envolveram os meus, e ficamos naquele abraço carinhoso por alguns minutos até que Kishan finalmente se voltasse para mim. Um suspiro ficou preso em minha garganta quando olhei para o rosto sorridente dele.

Um pequeno resquício de uma barba por fazer começava a surgir em seu queixo e bochecha; os olhos de pirata brilhavam mais do que nunca, e ele estampava um sorriso de lado que faria qualquer um derreter.

− Não me importo em tentar mais uma vez te deixar cansada – ele ronronou, fazendo-me revirar os olhos enquanto ria baixinho. – Estou sempre as suas ordens, minha rainha.

Balancei a cabeça tentando segurar o riso e rapidamente tomei seu rosto em minhas mãos, puxando-o para mim em um beijo breve. Kishan acariciou meu rosto com o dele, fazendo com que a barba me deixasse com cócegas.

− É bom ver que você está de bom humor – murmurei, sentindo os braços deles se prenderem ao redor de minha cintura. Senti o peito de Kishan contra minhas costas, e a o queixo apoiou-se em minha cabeça.

− Seria impossível eu não estar – ele sussurrou contra meu ouvido, fazendo encolher em seus braços. – Você me fez completo.

− Podemos te deixar completo sempre que necessário – brinquei, ouvindo sua risada rouca contra meus cabelos embaraçados.

Deitei minha cabeça contra o peito de Kishan e fechei os olhos, sentindo o vento morno contra meu rosto e os dedos do príncipe acariciando meus braços.

Naquele momento, nada se passava em minha cabeça. Nem maldição, nem Lokesh ou os possíveis desafios que ainda estavam por vir. Por alguns segundos apenas me imaginei vivendo ali para sempre com Kishan; era algo bom de se pensar.

− Enquanto você dormia eu decidir visitar alguém que a muito tempo não via – ele disse, fazendo-me franzir o cenho e olha-lo de forma questionadora.

Ninguém morava perto de nós. A localização da casa era estratégica para garantir o isolamento dos príncipes, impedindo que qualquer pessoa normal descobrisse sobre a maldição.

− Sobre o que você está falando, Kishan? – perguntei, passando os dedos pelo ângulo de seu rosto onde alguns pelos começavam a nascer.

− Acho que é uma boa hora para você conhecer meus pais – ele disse, entrelaçando seus dedos aos meus, puxando-me para a clareira atrás da casa.

Meu coração parecia pronto para sair de meu corpo sozinho, e minha garganta estava fechada. Sabia que algumas lágrimas chatas estavam prontas para sair, pois meus olhos ardiam e eu estava ofegante, mesmo que tivéssemos dado apenas alguns passos.

− Kishan, não acho que... – Tentei terminar a frase, mas foi interrompida por Kishan, que selou nossos lábios rapidamente.

− Quero fazer isso há muito tempo – murmurou, com os lábios colados aos meus, deixando-me ainda mais ofegante.

Na clareira atrás da casinha havia mais uma cerejeira florida, entretanto, aquela árvore era diferente de todas. Seu tronco era largo e não muito alto, mas a copa era vasta ao ponto de cobrir sozinha a clareira toda, como um grande guarda-chuva.

Algumas poucas flores caiam ao nosso redor, e o dia ali parecia mais fresco e menos iluminado.

Perto das raízes da cerejeira, uma placa de metal estava pousada sobre o chão, enfeitado com muitas pedras brilhantes, os quais imaginei serem safiras devido ao azul que refletiam. Fascinada com tamanha beleza, dei alguns passos em direção à lápide, deixando Kishan para trás.

Palavras em híndi tomavam conta de quase toda a placa de metal, mas consegui decifrar facilmente os nomes de Deschen e do rei Rajaram. Senti meus joelhos fraquejarem, e sem muita demora estava sentada em frente à lápide dos pais de Kishan e Ren, sem ao menos saber como reagir.

− Como eu disse, minha mãe teria adorado conhecer você – Kishan disse, tocando em meu ombro de forma acolhedora. – Vocês duas são muito parecidas. Nunca pensei que conheceria alguém tão cheia de esperança como minha mãe.

− Obrigada – respondi simplesmente, pois naquele momento eu estava completamente sem palavras.

Olhei ao lado e percebi que muitas flores de cerejeira se acumulavam na grama, portanto sem mais espera, comecei a coloca-las ao lado da lápide em uma tentativa de enfeitá-la. Kishan sentou ao meu lado, e apenas ficou observando meu trabalho lento e cuidadoso; seus lábios se mexiam, mas nenhuma palavra saia, o que imaginei ser sua forma de conversar com os pais.

− Seus pais estariam muito orgulhosos em ver como você e Ren estão – murmurei quando a última flor de cerejeira foi posta.

Procurei pela mão de Kishan e senti nossos dedos se entrelaçando; seus olhos prenderam os meus e tudo o que eu via naquelas órbitas douradas era carinho e paixão. Sorri um tanto acanhada, mas rapidamente senti dedos em meu queixo, fazendo-me levantar o rosto. O perfume de Kishan tomava conta de mim mais uma vez, e deixei que minha mão livre acariciasse o peito moreno e musculoso em minha frente.

− Você gostou do seu presente de aniversário? – ele murmurou, com os lábios já tocando nos meus de forma provocativa.

− Está brincando? – Ri baixinho, deixando uma mordida leve em seu queixo. – Esse com certeza foi o melhor presente de todos.

Os olhos de Kishan brilharam com minha resposta e suas mãos me puxaram para seu coloco, e em um piscar de olhos nossos corpos estavam colocados. Minha respiração se acelerou, mas minhas mãos curiosas não deixavam de acariciar a pele exposta do corpo do príncipe.

− Eu amo você, bilauta. – Suas mãos brincaram com os fios soltos de meu cabelo, enquanto os lábios me provocavam com beijos por todo meu rosto.

− Eu sempre amei você, tigre – provoquei, tomando seus lábios nos meus em um beijo intenso e cheio de paixão.

Os braços de Kishan me apertaram de forma calorosa, e meu corpo respondeu de forma intensa. Meus pensamentos estavam fora de si e tudo o que queria era me conectar mais uma vez com o príncipe de olhos dourados.

Com as pernas em volta do tronco de Kishan, empurrei seus ombros até que seu corpo estivesse deitado sobre a grama verde. Senti o príncipe sorrir entre nosso beijo, mas não cortei nossa ligação.

Meus dedos brincavam com seus cabelos sedosos, enquanto as mãos de Kishan acariciavam minhas pernas descobertas pelos shorts. Colei meu tronco ainda mais contra o do príncipe, e ouvi um gemido muito baixo saindo de seus lábios.

Como uma reação em cadeia, as mãos de Kishan foram até os minúsculos botões de minha camisa, desabotoando o primeiro enquanto descia seus lábios até a pele de meu pescoço. Toda minha pele estava arrepiada e meus pensamentos vibravam, eu estava em êxtase mais uma vez.

− Ei, vocês dois! Procurem outro lugar para fazerem isso! – A voz de Ren fez com que eu soltasse um ofego de surpresa e rapidamente pulei do peito de Kishan, caindo na grama enquanto tentava fechar os três botões da camisa que já estavam abertos.

− Onde você estava? Não consegui sentir sua presença – rosnou Kishan, passando as mãos pelo cabelo e se levantando com a agilidade de um gato.

Enquanto isso, eu continuava lutando para que minhas roupas voltassem à um estágio apresentável.

− Talvez você precise melhorar seus instintos de caça, irmão – zombou Ren, recebendo um soco no ombro de Kishan, e rapidamente os dois estavam envolvidos em algum tipo de luta de brincadeira.

Quando Ren conseguiu prender Kishan, usou uma das mãos libres para bagunçar os cabelos do irmão. Tudo o que eu conseguia ouvir era alguns rugidos do príncipe de olhos dourados, portanto apenas revirei os olhos enquanto me colocava de pé.

− O que faz aqui, Ren? – perguntei, estudando a postura relaxada do homem de olhos azuis, o qual vestia jeans claros e uma blusa verde-água larga. Ele parecia finalmente bem de verdade, e suspirei agradecida por aquilo.

− Bom dia par você também, flor do dia – respondeu Ren, soltando o irmão que o empurrou para longe de forma brincalhona.

− É bom ver que você também está de bom humor – rebati, brincando com os fios soltos da barra dos shorts.

− Essa é a primeira noite sem pesadelos, acho que estou pronto para qualquer coisa – Ren disse, enquanto Kishan parecia muito concentrado em encontrar uma forma de pegar o irmão desprevenido.

As palavras de Ren deixaram meu coração pesado, e lembranças do dia em que ele estava completamente fora de si fizeram com que minha garganta se fechasse, mas eu simplesmente abri um sorriso para o príncipe de olhos azuis.

− Eu imaginei que você passaria o dia escrevendo aqueles seus poemas sentimentais – rosnou Kishan, fazendo com que o irmão rolasse os olhos, e eu tive que esconder meu sorriso com as mãos. – Lembro-me perfeitamente de ter dito que queria um pouco de privacidade com a Mia hoje.

Minhas bochechas coraram e eu não consegui mais olhar para os dois príncipes. Ren ria um tanto descontrolado, deixando-me ainda mais envergonhada por perceber que ele sabia sobre o meu presente de aniversário.

− Nilima e Kadam saíram para comprar algumas coisas em um vilarejo próximo – explicou Ren, vindo até onde eu estava para me puxar em um abraço apertado. – Fiquei entediado depois de um tempo.

− Já que você está aqui, vamos tomar café – resmunguei, olhando para Kishan que piscou para mim e sorriu. – Estou faminta.

− Não imaginei que você deixaria Mia assim, irmão – zombou Ren, fazendo com que eu arregalasse os olhos enquanto Kishan gargalhava animado.

− Ren! – protestei, bufando de vergonha. Rapidamente dei meia-volta e comecei a andar com passos firmes de volta para a cabana enquanto os dois pareciam trocar rugidos e risadas. – Vocês dois são impossíveis! Estou começando a me arrepender de ter feito vocês dois amigos.

− Mia! Não fique brava conosco! – gritou Kishan, mas eu pude ouvir que ele ainda ria, então apenas revirei os olhos, mesmo que um sorriso estivesse em meu rosto.

Estava a poucos passos da entrada da casa quando dois vultos passaram por mim. Um enorme tigre branco e um negro corriam pela campina e se enrolavam um no outro como dois gatinhos brincando, o que me fez rir.

O tigre de olhos dourados estava hiperativo, pulando de um lado para o outro enquanto tentava não ser pego pelo outro. Ren rugia e balançava a cauda com euforia, mas tudo o que eu consegui perceber era quanto o tigre branco estava mais sadio desde o dia em que o resgatamos.

Cruzei os braços e fiquei assistindo aos dois irmãos, até meu estômago roncar alto, e eu me lembrei do maravilhoso bolo que estava na cozinha.

− Eu sei que os dois podem ficar nisso o dia inteiro, mas eu realmente estou morrendo de fome! – gritei, fazendo com que dois pares de olhos se voltassem para mim de forma travessa.

Kishan rugiu e balançou a cauda preguiçosamente, e eu não precisei de mais para saber o que aconteceria em seguida. Rindo, corri em direção à cozinha enquanto dois enormes tigres me perseguiam rugindo.

Bufando, apoiei-me nos joelhos quanto finalmente adentrei na cozinha, com o barulho da chaleira avisando que a água já estava fervendo. Senti algo molhado em minha perna e assim que olhei, vi Kishan ao meu lado ronronando como um gatinho.

− Vocês dois são loucos – murmurei, passando a mão nos pelos da cabeça do tigre negro, descendo até seu torso. Senti Kishan se arrepiar e sorri, indo até a lareira para tirar a chaleira fervente do fogo.

Encontrei algumas xícaras bem guardadas em um dos armários; usei algumas das coisas que Kishan trouxera para mim e fiz um enorme chocolate quente, servindo-me de uma fatia de bolo para acompanhar.

Fui seguida pelos dois tigres até a sala, onde sentei-me em um dos divãs cor de terra. Com a enorme cabeça peluda de Kishan em meu colo e o corpo de Ren esparramado ao meu lado, levei a xícara até a boca, deliciando-me com o chocolate.

O bolo tinha uma grossa cobertura de chocolate, e imaginei que ficarei elétrica pelo resto do dia, mas não resisti e passei o dedinho ali, apenas para chupar o chocolate do dedo como uma criança.

Ouvi um resmungo do tigre negro e apenas ri, enchendo meu dedo com mais cobertura para que ele pudesse lamber. Ren pareceu querer experimentar também, e acebei tendo que dividir meu café da manhã com dois tigres famintos.

− Vocês já pensaram como vamos conseguir os três últimos amuletos? – perguntei baixinho, tomando o último gole de chocolate quente da xícara.

Os tigres, até então tranquilos, se remexeram no divã e Kishan olhou para mim com os olhos dourados como se tentasse me falar alguma coisa. Ren rugiu baixinho e suas orelhas mexiam freneticamente.

Eu precisava melhorar a minha linguagem felina.

− Sabemos que eles podem estar com Lokesh – murmurei, e o nome daquele homem em minha boca fez meu estômago revirar. – Mas tenho medo de como vamos consegui-los.

Kishan acariciou minhas pernas com seus pelos negros, em uma tentativa de me acalmar, e eu sorri, acariciando suas orelhas felpudas. Ren parecia concordar comigo, pois balançava a cauda com fervor.

− Tenho medo do que ele pode fazer com vocês dois. – A verdade era que eu não tinha medo do que Lokesh poderia fazer comigo, isso realmente não me importava, mas ele era um bruxo forte e não mediria esforços para acabar com os dois irmãos mais uma vez.

Os dois tigres estavam prontos para se manifestarem quando um barulho de motor chamou minha atenção. Coloquei a xícara vazia sobre uma pequena mesinha e me levantei, sendo seguidos pelos dois príncipes.

Saindo do Jeep vi Nilima e Kadam; instantaneamente um sorriso se formou em meu rosto, e corri em direção aos dois para lhes dar um abraço.

− Imagino que tenha tido uma ótima noite, senhorita Mia. – Eu sabia que provavelmente não tinha contado a Kadam sobre o meu presente, mas mesmo assim acabei corando, o que fez Nilima rir.

− Quero que me conte tudo depois! – ele murmurou contra meu ouvido, fazendo-me rir baixinho enquanto os dois tigres me observavam.

− Estávamos no vilarejo a alguns quilômetros daqui e acabamos descobrindo que...− Kadam começou a falar, mas foi interrompido pela neta, que parecia pronta para dar pulinhos de alegria.

− Hoje é o dia do festival das luzes! – Nilima praticamente gritou tamanho seu entusiasmo, mas eu apenas a olhei de forma questionadora.

− Na nossa cultura, o chamamos de Dawali, o dia para comemorar a vitória do Bem contra o Mal – explicou Kadam. – É um festival religioso, mas muito bonito de se ver, imaginamos que talvez a senhora Mia gostaria de ir.

Nilima olhava para mim com expectativas, o que me fez rir. Olhei para os dois tigres que também pareciam bem eufóricos, então apenas dei de ombros em uma forma descontraída, sorrindo.

− Acho que adoraria ir – respondi, fazendo Nilima bater palmas de alegria.

Quando percebi, já estávamos dentro do Jeep, indo em direção à casa principal. Estava sentado nos bancos de trás, com dois príncipes – já em suas formas humanas – de cada lado. Nilima não parava de falar por nenhum segundo sobre o que ela estava pensando para me vestir.

− Nós vamos dançar tanto, Mia! – disse Nilima, olhando para mim pelo espelho retrovisor, enquanto Kishan brincava com os dedos de minha mão. – E eu não vejo a hora de encontrar alguns parceiros...

Com aquele comentário não consegui segurar o riso, vendo que a mulher de cabelos escuros agora corava. Vivendo com o avô desde sempre em busca de uma solução para a maldição dos príncipes, era fácil imaginar que o contato de Nilima com o sexo oposto não era tão frequente.

− Acho que Mia pode ficar apenas na parte da dança – comentou Kishan, fazendo com que Ren risse baixinho, cutucando o irmão com o braço que descansava em minhas costas.

− Imagino que seria muito bom para você encontrar algumas garotas para dançar, Ren – provoquei, fazendo o príncipe de olhos azuis corar brevemente.

− Sempre posso recorrer à Nilima, ela é uma ótima parceira. – A voz do príncipe com olhos de cobalto estava sem jeito, o que me fez rir baixinho e cutucar Kishan.

Só percebi que já estávamos de volta quando senti Nilima me puxando escada acima, em direção ao meu quarto. Olhei para trás e encontrei Kishan e Ren rindo de mim e acenando, fazendo-me revirar os olhos.

Estar de volta ao meu quarto era reconfortante, e olhei para a decoração escura por alguns segundos, como se tivesse passado anos sem entrar ali. Nilima parecia um furacão dentro do meu closet, abrindo gavetas e puxando roupas dos cabides.

Olhei toda a sua ação de longo, sentada em uma das poltronas do quarto.

Imaginei que não precisávamos nos arrumar tão cedo, afinal o festival era de noite, mas realmente não queria acabar com a euforia de Nilima.

− Você nunca pensou em começar uma vida normal? – perguntei a ela, brincando com o tapete felpudo. – Apenas procurar um trabalho normal e conhecer alguns homens?

O barulho vindo do closet parou, e vi a mulher alta e magra vindo em minha direção. Podia imaginar Nilima morando em uma cidade grande e sendo alguma empresária famosa, conquistando a todos com seus cabelos longos e lisos e a pele oliva.

− Por algum tempo eu pensei em deixar meu avô – ela murmurou, sentando-se na ponta da minha cama. Ela não olhava para lugar nenhum, e imaginei que aquele assunto era um tanto triste para ela. – Morei com Kadam desde muito nova, eu ainda era uma menina de cinco anos quando mudei para essa casa.

− Cinco anos? – perguntei sem entender muito bem. Sabia que Nilima ajudava Kadam desde sempre, mas não imaginei que o velho homem havia criado aquela menininha.

− Eu tenho mais quatro irmãos, todos mais velhos que eu. Minha família era muito pobre, pois toda a fortuna deixada por Kadam para nossos familiares acabou sendo usado da forma errada. Minha mãe acabou adoecendo pouco depois do meu nascimento, e por causa disso éramos obrigados a trabalhar nas plantações de chá com meu pai. – A voz de Nilima começava a ficar embargada, e rapidamente eu me levantei, indo até a mulher e sentando-se ao seu lado. Tomei uma de suas mãos nas minhas em uma tentativa de reconfortá-la.

− Nunca imaginaria algo assim, Nilima – murmurei, mas ela apenas sorriu de forma fraca e suspirou.

− Certa noite, esse homem apareceu em casa querendo conversar com meu pai; no dia seguinte soube que eu seria levada embora e me desesperei. Esse “homem” era Kadam, ele sabia da situação de necessidade que passávamos e ofereceu cuidar de um dos netos para ajudar meu pai – ela explicou, sorrindo no momento em que citou o nome do avô. – Papai não queria que eu sofresse muito, afinal eu era a única menina de todos os irmãos, a acabei tendo que partir.

− Kadam salvou você – disse, entendendo que a família de Nilima não havia tido uma vida muito fácil.

− Ele me educou e deu todo o amor e conforto que eu nunca tive antes – Niliam disse, acariciando o topo de minha mão. – Nunca mais precisei voltar para aqueles campos de chá, onde o trabalho era quase escravo. Mas confesso que durante minha adolescência, cansei-me de viver presa e imaginei que fugindo de Kadam teria uma vida diferente.

− Acho que todos passamos por essa fase de rebeldia. – Ri baixinho, deixando o clima do quarto um pouco mais leve.

− Depois de um tempo percebi quão ingrata eu estava sendo por ter aqueles pensamentos. Não me arrependo de morar aqui, pois esse é o meu lar agora, e sou grata pela vida que tenho. – A história de Nilima deixou meus olhos ardendo, e tive que respirar fundo algumas vezes para não deixar lágrimas caírem.

− Nunca imanei algo assim... – murmurei, mas acabei sendo interrompida por Nilima, que em um salto, voltou para ocloset, trazendo no cabide um lindo vestido indiano com um tecido laranja cheio de desenhos.

− Não vamos pensar em coisas ruins – ela disse, enquanto eu continuava deslumbrava com o vestido. – Hoje é Dewali, e se pensarmos em coisas positivas, os deuses abençoarão nossas vidas.

Sorrindo, toquei no tecido leve do vestido, e rapidamente fui em direção ao banheiro para tomar uma ducha demorada e relaxante, pois sabia que mais uma vez começaríamos a maratona de embelezamento de Nilima.

Agradeci por termos começado a nos arrumar tão cedo, pois assim que saí enrolada em toalhas do banheiro, Nilima começou a me maquiar e pentear meus cabelos. Fiquei realmente impressionada como ela conseguia destacar meus olhos na maquiagem leve e iluminada, mas o que mais gostei foi o coque grego em que meus cabelos foram presos, deixando algumas mexas onduladas emoldurarem meu rosto.

− Nilima, não sei como você consegue me deixar bonita todas as vezes! – Praticamente gritei quando ela terminou de me arrumar, fazendo com que mulher de cabelos longo sorriso orgulhosa.

− Você já é linda, Mia, não é uma grande dificuldade – ele respondeu, e eu levantei da penteadeira com um salto, abraçando-a com força. – Agora vá colocar o vestido, imagino que já esteja quase na hora.

Não coloquei nenhuma joia a mais, o colar que ganhei de presente de Nilima e o amuleto de Damon me bastavam, juntamente com a pulseira do tigre negro e o delicado anel de rosa em minha mão direita.

Deixei que o tecido alaranjado escorregasse sobre meu corpo, e quando finalmente me olhei no escolho, suspirei. O vestido ia até a metade de minhas pernas e tinha um ar hippie com o tecido solto e estampado. Girei uma única vez, sorrindo para o meu reflexo.

− Espero que vocês já estejam prontas. – A voz de Kishan me fez pular, e eu olhei em direção à porta, de onde a voz do príncipe vinha.

Por alguns segundos tive quase certeza de que parei de respirar, mas meu coração palpitante confirmou que eu ainda continuava de pé. Kishan havia tomado banho, pois seus cabelos estavam baixos e um pouco úmidos, além disse, seu perfume misturava-se com o cheiro de sabonete de ervas.

Ele havia feito a barba e um sorriso arteiro estampava seu rosto perfeito. Ele vestia um conjunto de algodão leve e folgada, a cor vermelha queimada destaca a cor de seus olhos, e a gola aberta em “V” deixava parte de seu peito a mostra.

Dei alguns passos até parar em sua frente, e comecei a brincar com os bordados dourados nas barras da manga.

− Você está linda, bilauta – ele sussurrou, passando os dedos em meu pescoço como um carinho.

− Acho que quem deveria estar falando isso era eu – rebati, fazendo-o rir baixinho e de forma rouca.

Os braços de Kishan já me puxavam para um beijo, quando a porta de meu quarto se abriu mais uma vez de supetão, e vi os olhos cobalto de Ren nos observando de forma marota.

− Não era minha intenção atrapalhar mais uma vez, mas estamos saindo – ele disse, fazendo Kishan bufar e revirar os olhos, enquanto tomava minha mão na sua e nos levava para fora do quarto.

Nilima nos seguiu usando um vestido longo e cor de terra, com muitos bordados coloridos; seus cabelos estavam presos em uma trança longa e com grampos, deixando-a muita parecida com uma deusa.

O Jeep ficou na garagem, e o mesmo sedan que nos levou até o Taj Mahal ganhou a estrada apertada e cheia de buracos até o vilarejo de Kanahi. Ao meu lado, Ren brincava com a manga bordada de sua camisa de algodão, muito semelhante à de Kishan, só que azul céu.

− Animado? – sussurrei para o tigre branco, cutucando suas costelas de forma brincalhona.

− Estou com uma sensação estranha – ele respondeu, prendendo-me em seu olhar preocupado, fazendo com que um arrepio tomasse meu corpo.

Não consegui tranquiliza-lo, pois, o sedan parou e Nilima me puxava para fora do carro como uma criança indo ver o Papai Noel. A cidade era minúscula e muito simples, com algumas casas feitas de madeira e barro, mas todas elas estavam iluminadas com velas. No centro, uma enorme praça era ocupada por pessoas, e pude ver muitos dançarinos pintados e algumas mulheres fazendo desenhos no chão com as velas acessas.

A música indiana era animada, e alguns casais saltitavam animados ao mesmo tempo em que um grupo parecia orar frente a uma imagem. Pendurados nas árvores várias lanternas em forma de cilindro estavam amarradas, e olhei para aquilo com curiosidade.

− Quando der meia noite, você pode escolher uma lanterna para soltar no céu. Dizem que as lanternas chegam até os deuses, e qualquer que seja seu desejo, eles o realizarão – murmurou Kishan em meu ouvido, envolvendo minha cintura com uma das mãos, levando-me em direção às pessoas dançantes.

− Eu não vejo a hora! – gritei para que ele pudesse me ouvir devido a música alta, mas Kishan apenas sorriu e beijou minha bochecha.

O tigre negro parecia muito inclinado em conseguir me fazer dançar, mas o ritmo acelerado e os passos desconhecidos que as pessoas faziam, deixaram-me um tanto confusa. Perdi as contas de quantas vezes pisara nos pés de Kishan, e não pude controlar o riso.

Consegui ver Nilima, que também dançava, com um homem de cabelos raspados e muito sorridente. Kadam e Ren pareciam ter sumido, e por segundos me preocupei com as palavras do tigre branco. Toquei no amuleto de Damon e suspirei pesadamente, ainda girando nos braços de Kishan.

Horas se passavam e perdi as contas de quantas músicas dancei tanto com Kishan quanto com Nilima. Algumas comidas típicas eram distribuídas para as pessoas do festival, e experimentei as mais exóticas sobremesas que Kishan me oferecia.

A hora de soltar as lanternas estava mais próximas, e foi quando encontrei Kadam no meio da multidão conversando com um outro homem de cabelos brancos e roupas simples. Ren continuava desaparecido e uma sensação de sufoco começou a tomar conta de mim.

− Mia, você está bem? – perguntou Kishan, levando-me para longe das pessoas que dançavam, sem me soltar por nenhum momento.

− Acho que sim – murmurei, passando a mão pelo rosto em uma tentativa de acalmar meu corpo.

− Por que não vai escolher uma das lanternas para você? – Agradeci mentalmente por sua mudança de assunto e tentei me focar na tarefa de escolher uma lanterna bonita para poder soltar no céu.

Muitas garotas e alguns casais se apertavam para poder pegaram as lanternas mais bonitas, mas uma delas me chamou a atenção. Ela estava amarrada em um galho bem distante, e seu tamanho era inferior às outras. Em seu tecido estavam estampados alguns desenhos e escritas em hindi.

Minhas mãos estavam prontas para desamarrar a pequena lanterna, quando dedos finos tocaram no nó ao mesmo tempo que eu. Olhei para o lado e foi como se o tempo tivesse parado; minha respiração ficou pesada e dei alguns passos para trás. Pude jurar que meu rosto estava branco como um fantasma.

Kalika! Meu cérebro não parava de gritar quando meus olhos focaram na menina de olhos castanhos e trança que sorria para mim.

− Você é menina da boate! – gritei, pegando-a de surpresa.

Aquilo não tinha sido um sonho, afinal.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse foi o capítulo de Novembro, o que acharam?
O que será que vai acontecer no próximo capítulo com a volta desse "menina misteriosa"? Vamos ter de esperar até Dezembro, mas prometo que o capítulo do mês que vem vai ser fantástico!
Obrigada pela paciência e espero que tenham gostado do capítulo.
Até a próxima!
Xoxo, Gabi G.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caçada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.