Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 18
Descobertas


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Mais um capítulo de Caçada!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/474262/chapter/18

Não me lembro exatamente como fui parar na biblioteca, apenas sei que desci as escadarias gritando como uma depravada, enquanto Kishan tentava acompanhar meu ritmo estranhamente acelerado.

Luzes começaram a se acender, e como se a casa estivesse pegando fogo, senhor Kadam e Nilima apareceram pela porta da biblioteca, com os olhos inchados, cabelos bagunçados e roupões sem serem amarrados.

− Por Deus, o que está acontecendo aqui? – O velho homem perguntou, passando as mãos pelos cabelos grossos.

Percebi que todos olhavam para Kishan, como se ele estivesse devorado um coelhinho inocente, mas tudo o que ele fez foi dar de ombros e apontar para mim, que estava a ponto de subir em cima da mesa de mogno e pular, com o meu caderninho de desenho colado junto com corpo.

Eu estava fazendo exatamente isso, só que no chão.

− Mia, o que houve? Por que está acordada a essa hora? – Senhor Kadam soltou um longo bocejo. – E por que nos acordou a essa hora?

Não conseguia falar normalmente, minha língua se enrolava com as sílabas e meu coração batia rápido demais, fazendo minha respiração ficar ofegante, e eu sabia que minhas bochechas deviam estar coradas, mas minha mente trabalhava muito rápido, repassando todas as imagens que se encaixavam como quebra-cabeças, onde na caixa devia vir intitulado: “A Maldição do Tigre”.

− Senhor Kadam, eu sei! – Gritei, correndo até junto do homem e apontando para que ele olhasse o desenho do amuleto de Damon em meu caderno, junto com algumas anotações em minha letra ilegível.

− Mas o que é isso...? – O homem grisalho procurou seus óculos de leitura dentro dos bolsos do roupão, ajeitando-o no rosto antes de tomar minhas anotações em mãos.

Minha boca queria colocar para fora todas as informações que bombardeavam meu cérebro, mas meus olhos repousaram naquele enorme mar dourado, onde eu não me importaria de acabar me afogando. Kishan demonstrava sua enorme falta de entendimento, fazendo uma careta aflita, que implorava-me em silencio para acabar com todo aquele suspense.

Meu coração descompassado encheu-se de alegria ao pensar que finalmente aquela maldição poderia ser quebrada, e ele finalmente poderia se livrar do fera que o mantinha aprisionado. Mas, logo senti minha garganta apertar, com a ideia de perder definitivamente meu tigre negro de olhos dourados.

Eu estava tão acostumada com o animal, que a forma tão constante de Kishan humano ainda me incomodava de certa maneira, e uma gotinha de egoísmo manchou toda a alegria que me consumia, e me senti a pessoa mais horrível do mundo naquele momento.

Felizmente, toda aquela confusão se esvaiu no momento que senti alguém me balançando pelos ombros.

− Senhorita Mia, está tudo bem? – A voz grossa do senhor Kadam parecia angustiada, e assim que minha visão clareou, percebi que tanto Nilima quanto Kishan também olhavam para mim daquela forma.

− Oh, me perdoe, eu apenas... – Corei instantaneamente, sentindo todos aqueles olhares sobre mim, principalmente os da pessoa que dominava meus pensamentos.

− Ela deve estar cansada, vou agora mesmo preparar uma xícara de café quente e... – Nilima se apressou a dizer, mas antes que ela saísse da sala, abanei meus braços freneticamente em uma tentativa de chama-la de volta.

− Nilima, não precisa. – Disse, da maneira mais calma que consegui. – Eu estou bem, apenas me perdi em algumas coisas, mas vocês precisam me escutar... eu... realmente não sei como dizer isso.

Os três formavam um círculo em volta de mim, e pareciam tão centrados e nervosos em minhas palavras, que nada seria capaz de tirar atenção deles.

E finalmente, respirando a maior quantidade de oxigênio possível, comecei a falar.

− Eu sei como quebrar a maldição. – Silêncio tomou conta da biblioteca no momento em que disse aquelas palavras, e encolhi meus ombros, pensando que havia dito algo estúpido pois todos me olhavam incrédulos.

− Mia, você tem certeza do que acabou de falar? – A voz do senhor Kadam era baixa, calma e controlada, como um diretor que estava pronto para dar um mês de detenção à um aluno.

Mordi fortemente meu lábio inferior, passando as mãos pelos meus cabelos bagunçados antes de olhar mais uma vez para Kishan, que parecia em estado de choque.

− Pelo menos, fez sentido quando pensei pela primeira vez... – Sussurrei baixinho, coçando meu braço em um ato nervoso. – No momento as coisas se encaixaram.

Não entendi no momento o que estava acontecendo, apenas senti braços fortes me arrastando pela biblioteca até que eu acabasse sentada na poltrona vermelha em que eu costumava sentar quando vinha ajudar senhor Kadam em suas pesquisas.

Demorei para perceber que Kishan tinha me levado até lá, e agora estava sentado na mesa ao meu lado, com os braços cruzados sobre o peito, fazendo com que a blusa preta de algodão que sempre vestia marcasse mais seu peito.

− Mia, explique isso direito. – A voz de Kishan, normalmente calma, estava mais grave e parecia que ele respirava com dificuldade.

− Eu... – Meu peito subia e descia descompassadamente. – Só estava lendo um livro sobre uma deusa indiana e depois que Kishan contou sobre como Lokesh lançou a maldição, eu criei essa hipótese.

− O que esse livro falava? – Kadam estava sentado em sua poltrona de sempre, enquanto Nilima roía as unhas atrás do avô.

− Era sobre a lenda da formação da Índia e sobre o amuleto de Damon, que de acordo com o livro, tinha poderes, ou algo do tipo, que protegeriam os reis presenteados com o amuleto. – Tomei mais um lufada de ar. – Kishan contou que Lokesh banhou os amuletos com o sangue dos irmãos antes de lançar a maldição, e o estranho interesse dele sobre os colares me fez pensar que ele vai muito mais além do que um pedaço de metal que tem a fonte da juventude.

− Mia, você acha que... – Kishan me olhava intensamente, tão quanto do jeito em que ele me olhou na varanda, quando eu estraguei o nosso provável beijo.

− Acho que se talvez Lokesh tenha usado o medalhão para colocar a maldição, nós podemos usá-lo para quebra-la. – Finalizo minha ideia, deixando que minhas mãos, que antes balançavam freneticamente, caíssem em meu colo.

− Kadam, o que você acha? Parece fazer sentido... – Kishan murmura, passando a mão pelo queixo.

−Não só parece fazer sentido, pode ser verdade, afinal. – Arregalei meus olhos. – Estive tão envolvido com complicadas tradições, magias e maldições que mal percebi que a resposta era simples, e pendia em meu pescoço.

− Oh, Deus! – Nilima finalmente se pronunciou, fazendo com que todos nós voltássemos para ela. – Isso é demais para uma noite, preciso de um chá, e vocês de café.

E com isso, ela saiu apressada da biblioteca, passando as mãos pelos cabelos escuros e longos, enquanto tentava fazer seu roupão se fechar. Quando a porta foi fechada com um estrondo, voltei meu olhar para Kadam e Kishan, que pareciam concentrados em uma discussão centrada.

− ...como vamos descobrir o que ele fez para lançar a maldição, Kadam? Não temos conhecimentos sobre feitiços. – Kishan argumentava, apertando as mãos em volta de seu próprio pescoço, olhando para o teto. De onde eu me encontrava, podia ver seus músculos contraídos.

Levantei-me em um pulo, colocando meu caderninho de desenhos em cima da mesa, e sem mesmo entender meu ato, levei minhas mãos até os ombros de Kishan, apertando levemente aquela região, sentindo todo seu corpo relaxar. Seus olhos dourados encontraram-se com os meus, e meus pelos da nuca se eriçaram.

− Precisamos ter calma, Kishan. – Sussurrei, como se houvesse apenas nós dois no cômodo. – Precisamos saber o que esses amuletos são realmente capazes de fazer, o que tanto eles interessam à Lokesh. Nem sabemos se eles “funcionam” sozinhos, e nem aonde estão as outras partes.

− Mia tem razão, Kishan. – Kadam passa a mão pelo rosto, suspirando. – Sabemos que eles tem algum tipo de poder, e que dois deles estão conosco, mais dois estão com Lokesh, mas o quinto ainda é um mistério. Eles provavelmente servem como “ingredientes” para algumas magias, mas não sabemos a “receita” em si.

Balançava freneticamente a cabeça, concordando com todas aquelas metáforas que senhor Kadam estava usando, enquanto ainda tentava acalmar Kishan, que parecia elétrico ao meu lado.

− Mas como vamos descobrir essa... – Um ofego saiu dos lábios de Kishan, e eu sabia que seu tempo como humano estava chegando ao fim. Rapidamente ele voltou-se para mim, pegando minhas mãos e as apertando com carinho. – Obrigada por isso, bilauta.

E em um piscar de olhos, o homem em minha frente deu lugar ao tão conhecido tigre negro, e eu sorri de maneira tímida, passando as mãos pelas orelhas peludas do animal, ouvindo-o ronronar baixinho.

− Não à o que agradecer, Kishan. – Sussurrei, antes de voltar-me para Kadam. – O senhor acha que encontraremos algo relacionado à maldições como essa em um algum livro?

− Meus livros contam histórias de culturas e costumes, mas magia é um tanto mais complicado e perigosa. – Kadam une as mãos. – Elas não são facilmente encontradas em simples livros...

Mordi meu lábio com força, tentando segurar lágrimas chatas que se acumulavam em meus olhos. Sentei-me no chão, ao lado de Kishan, vendo meu tigre se aproximar e deitar-se, com a cabeça apoiada em minhas pernas. Envolvi seu grande pescoço com o braço, e abaixei a cabeça.

− Vamos conseguir. – Murmurei tão baixo, que aposto que apenas Kishan ouviu, e sua reação foi rugir baixinho, balançando a longa cauda.

Quando olhei para cima mais uma vez, percebi que Kadam não estava mais em sua cadeira, e se movimentava pela biblioteca de maneira rápida, olhando para todos os lados.

− Onde deixei aquele papel? – Ele perguntava a si mesmo, coçando a cabeça.

− O que está procurando, senhor Kadam? – Minha voz estava rouca, e tive que limpar minha garganta.

− Algum tempo atrás estava procurando por algumas informações sobre a maldição, quando encontrei com um mago muito idoso, que morava no meio da floresta indiana. – Ele dizia rapidamente. – Ele dizia saber sobre o que eu queria, mas só iria revelar na hora certa. Na hora pensei que ele estava mentindo.

Tanto eu, quanto Kishan, nos remexemos ansiosos no chão, e deixei que a esperança tomasse conta do meu coração dividido.

− O senhor acha que...? – Não terminei minha frase, segurando um sorriso.

− Temos que tentar tudo. – Kadam tirou um papel amarelado, que parecia um pergaminho, do meio de alguns livros, voltando rapidamente para onde nós nos encontrávamos, me entregando o papel, que continha apenas uma frase escrita, em uma caligrafia bonita.

“O tigre e o pardal, juntos, quebrarão a maldição.”

− Tudo bem, o tigre com toda certeza é Kishan ou Ren... – Olho para Kadam com um ponto de interrogação na cara. – Mas o que seria o “pardal”?

− Suponho que seja você, senhorita Mia. – Ele diz, calmamente.

− Eu? Mas que metáfora é.... – Estava a ponto de começar uma discussão comigo mesma sobre a terrível comparação que fizeram para mim, mas fui interrompida por Kadam.

− Não temos tempo para metáforas agora, Mia. – Sua voz era firme. – Você e Kishan precisam encontrar esse ancião e fazê-lo contar tudo o que sabe sobre a maldição.

Coloquei uma mecha ondulado do meu cabelo atrás da orelha, tentando acalmar a batalha interna que acontecia comigo, pensando na louca aventura que eu estaria embarcando caso aceitasse.

Mas eu tinha que aceitar. Queria ver Kishan livre, queria ajudar Kadam, Nilima e Ren.

Queria ser verdadeiramente útil uma vez na vida.

− Onde vamos encontra-lo, e quando? – Perguntei decidida, ouvindo Kishan rugir baixinho, mas não queria saber naquele momento se ele apoiava ou não minha decisão de “cair de cabeça” naquela aventura.

− Aprecio sua coragem e determinação, Mia. – Kadam sorriu de forma carinhosa para mim. – Mas é uma viajem um tanto perigosa e arriscada para a senhorita, então preciso de um dia para preparar tudo o que vão precisar, e algumas coisas para sua segurança, conforto...

Olhei para senhor Kadam, que anotava freneticamente algumas coisas em um bloquinho, enquanto eu percebia, que dali em diante, eu não teria mais como fugir ou me esconder, pois essa era a chance de eu viver a vida diferente que eu sempre sonhei.

Eu não queria mais me esconder ou fugir.

Olhei para o bilhete em minhas mãos, e reli aquela frase confusa mais algumas vezes, antes de cutucar Kishan, que prestava atenção em Kadam. Tirei-o de meu colo e me levantei, indo até o senhor grisalho, envolvendo-o em um abraço, que o deixou surpreso.

− Obrigada, senhor Kadam. – Sussurrei, vendo-o olhar de forma confusa para mim.

− Pelo o que, Mia? – Ele perguntou, devolvendo meu abraço de forma paterna, fazendo com que meu coração apertasse.

− Por tudo o que tem feito por mim. – Minha voz não passava de uma respiração.

− Eu que agradeço o que tem feito por nós, e por Kishan principalmente. – Ele sussurrou em meu ouvido. – Acho que a senhorita deveria descansar agora, para aproveitar um pouco amanhã, antes de partimos.

− Tudo bem, senhor Kadam. – Sorri abertamente para ele, antes de voltar-me para Kishan, que nos observava. – Vamos dormir, tigre? O dia foi bem cheio hoje, não?

Kishan bufou e balançou a cauda, vindo em minha direção lentamente, enquanto eu acenava para Kadam antes de fechar a porta da biblioteca e dar de cara com Nilima carregando uma bandeja cheia de xícaras e bules.

− O que houve? − Ela perguntou, afobada.

− Acho que o senhor Kadam vai precisar de muito desse café, Nilima. – Disse, rindo baixinho, enquanto acenava também para ela, que me olhava subir as escadas com um olhar confuso.

Kishan estava em silêncio ao meu lado, e sabia que o tigre devia estar perdido em seus próprios pensamentos, então deixei-o deitado no tapete ao lado da minha cama e fui para o banheiro. Passei água pelo meu rosto e olhei meu reflexo no espelho, apenas para ter certeza de que aquilo estava mesmo acontecendo.

− Me sinto em um filme de aventura do Indiana Jones. – Murmurei para mim mesma, já voltando para o quarto e pulando em minha cama, cobrindo-me até o queixo com o edredom preto.

Senti meu colchão afundando ao meu lado, e rapidamente me virei e sorri, encontrando grandes olhos dourados me encarando.

− Acho que vamos ter que colocar uma colchão reforçado em minha cama. – Disse, passando a mãos pela cabeça de Kishan enquanto ele bufava. – Tudo bem, não estou te chamando de gordo ou nada do tipo.

Ri baixinho por alguns segundos antes de deixar que o silencio tomasse conta do quarto. Suspirei baixinho e fechei os olhos, e sem esperar por aquilo, senti o focinho gelado de Kishan tocando rapidamente meu nariz.

− Parece que temos uma maldição para quebrar. – Murmurei, aninhando-me na cama e olhando para o teto.

Em meios à pensamentos de quase beijo com Kishan, maldições, magias e aventuras pela floresta, não deixei de notar que aquela gotinha de egoísmo ainda se encontrava dentro de mim, e eu não tinha certeza se estava realmente pronta para abrir mão do enorme tigre negro ao meu lado, que já dormia profundamente.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caçada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.