Caminhos Cruzados - Davi e Megan escrita por Alexia Lacerda


Capítulo 3
Capítulo 3 - Bagunças em comum


Notas iniciais do capítulo

Respirem fundo! hahaha Esse capítulo será a partida para uma bela jornada



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Davi se pegou imaginando como tudo seria se ele realmente cumprisse a promessa que fez há poucas horas atrás, na sala dos professores. Se desse o máximo de si e demolisse os outros candidatos, usufruindo de sua inteligência e praticidade. Afinal, todos que o conheciam sabiam que ele era um gênio. Sabiam que os problemas mais difíceis e complicados eram resolvidos em poucos segundos, se ele assumisse o comando. Que seus dedos teclavam na mesma rapidez que uma arma metralhadora atirava.

Mesmo que os outros não gostassem de comentar, ele era o crânio em pessoa. Sabia como usar essa esperteza a seu favor, até mesmo quando se metia em encrencas. Cada movimento calculado. Cada pensamento em seu lugar. Rita sabia que o filho era um grande homem, mas sentia medo de dizer isso abertamente. Era óbvio que se o fizesse, o perderia. Era como lhe dar asas e admitir que a hora de voar já chegou. Precisava de mais tempo.

Seu filho era tudo em sua vida. Mesmo que fosse osso duro de roer, era impecável em todos os sentidos. Ela tinha a consciência que ele nunca teria chance de crescimento profissional da ONG, mas era tudo que podia oferecer. Passou a vida toda cuidando daquele garoto. Dedicou todo o tempo que conseguia para educá-lo e aprender como ser uma boa mãe.

No fim das contas, eles eram como queijo e goiabada. Uma combinação perfeita. Funcionavam muito bem quando se uniam e enfrentavam todos os problemas de cabeça erguida. Davi era seu xodó, jamais permitiria que algo ruim lhe acontecesse. Diante a isso, encontrou um dilema terrível. Deixá-lo participar do reality e abrir as portas para que voasse, sabendo que não o teria mais por perto... ou não concordar, mantendo-o em uma gaiola, o privando de seguir seus sonhos e garantindo que ele não a abandonaria? Precisava pensar, embora a resposta lhe parecesse óbvia.

— Como... como assim? — ela gaguejava, ao perceber que o filho estava bastante entusiasmado com a decisão. Ela tinha acabado de sair do banho, quando o encontrou sentado na mesa se jantar, suado do intenso dia de trabalho, com as pernas tateando o piso da cozinha.

— Eu vou para o Rio! — ele repetia, com um sorriso estampado no rosto, enquanto a agitação já lhe subia à cabeça. — Pro Rio, mãe! Não é demais?

— Você... tem certeza?

— É a chance da minha vida! Eu não posso desperdiçar algo assim! Não sem tentar...

— Mas filho, isso é confirmado?

— Saiu em todos os jornais hoje de manhã. Eles não estão de brincadeira.

— E porque no Brasil? Quer dizer... Jonas está pirando?

— Não faço ideia! — disse ele, fazendo um ruído que mais parecia um uivo. — Se ele estiver pirando, não importa, está me dando de presente o emprego que eu sempre sonhei. Se lembra mãe? Desde pequeno... virando do avesso todas as vezes que ele anunciava um produto. Todos aqueles holofotes... aquele reconhecimento. Hoje eu percebi que não sirvo pra ser um professor... pelo menos, não pelo resto da vida.

— Do que é que está falando? Você é um excelente profissional.

— Profissional talvez, mas não um bom professor.

— Deixa de exagero! Você tá é mudando os fatos! Falando essas coisas só porque ficou animado com a ideia de entrar naquele reality. Mas deixa eu te dizer algo... tua realidade é outra. O teus alunos te veneram e te enxergam como ídolo. Tua casa é esta. O teu país é este! E eu sou a tua mãe. Essa vida aqui... — ela disse, apontando para o chão da casa. — ... é a sua. Não tente ser quem não consegue.

Davi sentiu a garganta queimar de agonia. O estômago embrulhar de desgosto. Ela ficou calada na espera de reação, mas não houve uma. Ele não tinha mais nada a falar. Nenhuma palavra teria qualquer importância depois daquela última frase. Rita fora breve e clara, não haviam perguntas a se fazer.

Os dentes rangeram e ele cerrou o punho. Deu meia volta e caminhou de volta ao quarto, sem vontade alguma. Fechou a porta atrás de si e virou a chave, encostando a cabeça na madeira. Pôde escutar o som dos passos de Rita até ali, e com algum esforço, que ela também fungava com o nariz. Devia estar chorando... mas isso não o surpreendia, ela chorava por tudo. Esses dias, quando estavam assistindo o Rei Leão com uma menina pequena, sua mãe chorou com a morte de Mufasa. Ele não poupou risadas, mas também foi comedido nos zombamentos.

Mas a amplitude emocional de sua mãe não vinha ao caso. A questão é... Rita se arrependia das palavras pouco depois de ter feito o estrago. E assim, de nada adiantava. Ele se sentia inútil e fracassado todas as vezes que começavam uma briga. Ficando dez vezes pior quando terminavam.

Realmente... talvez ele não fosse capaz de enfrentar algo dessa proporção. Talvez não tivesse todo o talento necessário, ou toda a garra e carisma para vencer. Ele não passava de um pé rapado, e sua mãe se encarregava de não deixá-lo esquecer isso. Davi sentiu o sangue ferver nas veias. Os dedos formigarem e a auto-estima se quebrar em mil pedaços.

— Davi.... — disse ela, com a cabeça também estava encostada na porta. A voz saiu num sussurro prolongado. — Filho... me desculpa.

Ele se afastou dali, andando de ré a passos lentos enquanto se atirava na cama.

"Desculpas não anulam o que foi dito ou feito." - ele recordou, em silêncio.

— Filho! — exasperou, aumentando o tom de voz. — Por favor... abre a porta pra gente conversar.

"Conversar pra quê? Você já esclareceu tudo." - pensou mais uma vez, tentando conter a raiva.

— Se você não quiser... tudo bem. — ela suspirou, escutando o barulho da porta da casa se abrindo e um "olá" receptivo no tapete de entrada. Olhou por cima do ombro e se deparou com um homem bastante másculo e cabelos negros, acenando para ela. Era o tutor de Davi e, na maioria da vezes, mais que amigo e conselheiro.— O Herval acabou de chegar... só isso que tenho a dizer. Venha jantar!

O jovem bufou. Escutou o som dos passos se afastando e acendeu o abajur. Com a luz ligada, uma troca de olhares começou a acontecer por ali. Davi olhava para o computador. Computador olhava para Davi. Era amor antes de ser. Antes nerd que alcoólatra.

Se sentou na cadeira e começou a digitar com uma velocidade fascinante, entrando em um site de notícias, afim de saber o que acontecia pelas redondezas de Recife. A princípio, encontrou apenas algumas promoções de lojas do centro e informações sobre um acidente de rodovia que o deixou com o terror no olhar. Mas... nada muito relevante. Assim, atualizou a página. Um título de fofoca lhe chamou a atenção.

"Enteada de Jonas Marra, Megan Parker, se recusa a falar com jornalistas"

Sentiu uma pontada no peito, aquele sobrenome ficava seguindo seus passos. Clicou no link e uma página se abriu. Pelo o que se notava, ela não havia gostado nada de ser fotografada. As fotos a mostravam saindo da uma academia de ginástica. Enquanto rolava a página para baixo, os cliques começaram a ficar interessantes. As expressões do rosto da garota eram iradas. Sobrancelhas finas que fechavam seu cenho a medida que tentava fugir dos paparazzis e jornalistas. O cabelo comprido e loiro, preso em um rabo de cavalo, reluzindo de acordo que corria. Um vídeo logo em baixo, de poucos segundos, uma gravação dela correndo e de quando a alcançavam, pedindo que falasse.

— Megan Parker! O que você tem a dizer sobre a polêmica decisão de seu padrasto?

— Eu não sei do que estão falando! Me deixem em paz!

— Como não sabe? Ei! Megan! Pare de correr! Dê umas palavrinhas conosco.

— Eu já disse para me deixarem em paz!

— Qual sua opinião sobre a mudança para o Brasil?

De um segundo para o outro, ela parou de correr. A respiração era ofegante e a voz saiu esbaforida.

— Do que estão falando? — ela perguntava, furiosa. — Parem de mentiras.

— A notícia saiu hoje de manhã! Conte-nos o que sabe.

A garota parecia quase entrar em desespero, o lábio superior tremia.

— Eu não tenho nada a dizer. Só... não venham atrás de mim. — ela disse, tentando parecer tranquila, enquanto saía de vista a passos largos.

Davi observava aquilo tudo com cara de espanto. Era muito falta de consideração que esse vídeo tivesse ido para a mídia. A garota estava assustada, coitada, tinha o direito de se calar. Pareciam tê-la gravado lá pelas duas ou três horas da tarde, devido ao sol forte. Estava irritada. Era nessas horas que ele via os "contras" de ser famoso. Eles não deveriam pressioná-la, mesmo que fosse seu trabalho. Se fosse com ele... desceria a porrada em todos. O mais incrível é que ela realmente não sabia o que responder, parecia não ter a mínima noção do que se tratava. E quando contaram a ela... era de cortar o coração de qualquer um.

Bom... pelo menos não é só ele quem tinha problemas. Acabara de ver uma outra garota tão frustrada quanto ele. Provavelmente não da mesma forma, mas a tal Megan estava estressadinha. E ele tanto quanto. Vendo o rosto trêmulo da menina, sentiu vontade de abraçá-la. Dizer que a entendia. Parou para analisar o que acabara de pensar e fez cara de nojo. Estava ficando patético.

Pelo o que tudo indicava, Jonas Marra também não era tão perfeito como ele idealizava. Não consultar a própria enteada antes de tomar uma decisão dessas não era sábio, tampouco gentil. Ele podia pensar assim, afinal, nem participaria do reality. Acabava de ver os sonhos passando diante dos seus olhos, janela afora... voando para longe, indo para um outro gênio de tecnologia. Não ele.

Olhou para a foto da socialite mais uma vez. E depois mais uma. Mesmo que estivesse acabado de suar, ela era bonita. Megan tinha... uma pele legal. Olhos tristes e maçãs do rosto salientes. Era magra e esbelta, mas suas características foram desconsideradas depois que ela relutava para fugir das perguntas. Sua vida não devia ser muito calma... mas ele apostava que não era difícil. Considerando as fotos da mansão em que morava, ganhava tudo na mão.

Queria se convencer de que era apenas mais uma metida no mundo, entretanto, uma voz esquisita lhe falava para não se deixar enganar pelo o que transparecia. Assistiu ao vídeo mais uma vez, certamente a terceira, e concluiu que por trás de toda aquela fortuna... Megan Parker era uma garota frágil. Tinha sentimentos como qualquer outro mortal e já teve um coração partido. Todos já tiveram.

Davi estava começando a se sentir imundo. Noites de verão não são bondosas.

Tomou um banho correndo e voltou para o quarto, se certificando que a mãe ainda conversava com Herval. Colocou um pijama e deitou na cama, acionando a potência máxima do ventilador. Assim, soube que adormeceria melhor. Tentava esquecer as palavras da mãe, mas elas ainda o assombravam. "Não tente ser o que não consegue". E o eco logo depois.

Sabia que apesar de tudo, o sol ainda nasceria amanhã. Seria mais um dia de trabalho. Menos um até as inscrições. Não havia anda a fazer a respeito. Se precisasse decidir algo... deixaria para amanhã. E depois de amanhã, até que ficasse na estreita de escolha rápida e indolor. Só assim ele teria uma boa noite de sono. Só assim ele não se atrasaria na manhã seguinte.

Afundou a cabeça no travesseiro e deixou que o vento lavasse sua alma. E antes de adormecer completamente... uma imagem se formou na sua sua mente. Uma garota. Os cabelos irreconhecíveis. Um sobrenome polêmico. Olhares tristes. Megan. Só Megan... tinha certeza que era melhor chamá-la assim. Talvez a bagunça de sua vida parecesse um pouco com a dele. Talvez eles não tivessem só uma coisa em comum. Talvez um dia eles pudessem se conhecer. Talvez... talvez.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Então comentem, amores. hahahaha me deixam tão feliz.