Só Que Platônico escrita por Gaby Molina


Capítulo 9
Capítulo 9 - Kalopsia


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472947/chapter/9

Jared

— Você tá feliz demais. Merda acontece quando você fica feliz demais.

Ignorei Akio e continuei sorrindo, observando a avenida sem muito movimento, esperando uma chance de vê-la.

—... Dawson, sério, suas expectativas estão altas demais.

— Não estão, não — retruquei. — Eu não tô esperando nada dela. Só estou feliz que eu pude ajudar.

— Dawson, ela gosta do Carstairs. Ela já deixou óbvio várias vezes que ela gosta do Carstairs.

— Se ela gostasse do Carstairs — encarei-o. — Ela teria corrido e contado as coisas para ele, e não para mim.

Akio revirou os olhos e ergueu os braços.

— Tá, Jared. Que seja.

Levantei-me do banco.

— Caralho, Akio. Por que você não pode simplesmente ficar feliz por mim?

— Não seja idiota. Isso não tem nada a ver com felicidade.

Bufei e saí andando para dentro da escola.

* * *

— Ei! Blue! — pela primeira vez, tomei coragem de chamá-la no almoço em vez de esperar que se sentasse ao meu lado.

Blue fitou-me de esguelha e seguiu na direção contrária. Achei bem estranho, pois tinha certeza de que ela havia me visto, portanto, imaginei que algo a mais acontecera entre ela e os pais. Automaticamente, senti o impulso de ir atrás dela, pois estava começando a ficar arrogante o bastante para acreditar que podia fazê-la se sentir melhor. Então, eu fui.

Ela estava andando rápido, mas consegui emboscá-la na fila da cantina.

— Ei, cê tá bem? — toquei em seu braço para anunciar minha presença.

Blue não olhou para mim, mas assentiu.

—... Qual é. O que houve?

Blue

Percebi que ele não se contentaria com respostas genéricas, então esbocei um sorriso e virei-me para fitá-lo.

— Ainda estou um pouco pra baixo com o negócio dos meus pais, é isso.

Era bem claro que eu estava mentindo, mas havia essa parte de Jared que estava tão desesperada para acreditar em mim, crer que eu não mentiria olhando nos olhos dele, que ele o fez.

O melhor plano era evitá-lo até que o assunto deixasse de ser relevante, mas não fora possível, então eu recorrera ao Plano B.

— Ah — seu olhar era caloroso. — Eu imaginei.

Jared

O silêncio pairou por um minuto antes que Brandon viesse interromper. Pude sentir o nervosismo de Blue quando ele a puxou pela cintura, mas ela não o afastou.

— Belo dia, não é mesmo, Dawson? — Carstairs me fitou com um sorriso satisfeito que não compreendi.

— Concordo — tentei ficar de boa.

Brandon estranhou minha naturalidade e fitou Blue por um minuto. Ele riu.

— Ah, entendi — disse ele. — Você não contou. Posso fazer as honras?

Blue não respondeu. Eu queria que ela o fizesse. Eu queria ouvir da boca dela.

— Blue? — tentei não soar magoadinho. Sabia que não tinha motivos para estar.

O silêncio voltou, mas, dessa vez, foi mais pesado. Foi então que Akio apareceu e me puxou para longe. Fui reclamando no caminho, mas ele só me soltou quando saímos do refeitório.

— Akio, na moral, não tô precisando dos seus sermões — revirei os olhos.

— Sermões? — ele ergueu uma sobrancelha. — Cara, eu só quero te ajudar. Acredite ou não, eu não fico bem porque você está mal.

— Tá tudo bem — dei de ombros. — A gente não namora nem nada. Ela... e o Carstairs... não é nada.

— Dawson, ela gosta do Carstairs. É sério que você não vê isso?

A verdade era que pouco me importava se ela gostava do Carstairs, porque o que eles tinham não era nada comparado à noite anterior. A nós.

— Tá tudo bem, Akio. Eu espero por ela.

Akio riu.

— Mano...

— É sério. Não tô bravo nem nada. Se ela precisa ir para longe a fim de notar que deveria ficar, eu espero.

— Tem um termo grego pra isso: Kalopsia. É a ilusão de as coisas serem mais bonitas do que realmente são.

Revirei os olhos. A completa falta de apoio me incomodava muito.

— Bem, você e a sua kalopsia podem ir chupar um pinto.

Ignorando os protestos, saí andando sem direção.

* * *

Fiquei no colégio depois da aula para os ensaios. Cheguei mais cedo, pois não queria encontrar Akio no corredor, e fiquei sentado na beirada do palco. Era curioso ver o teatro tão vazio. Fitava todas aquelas poltronas e imaginava-as cheias de desconhecidos me assistindo provavelmente fazendo papel de trouxa. Ainda não me acostumara com a ideia de estar em frente a uma plateia. Não me acostumara com a ideia de estar em frente a nada.

Depois de algum tempo, Blue juntou-se a mim.

— Ei — disse ela, um pouco incerta.

Sorri.

— Ei.

Minha amistosidade pareceu tranquilizá-la um pouco.

— Escuta, sobre mais cedo...

— Tudo bem — cortei-a. — Não estou chateado nem nada. Afinal, nem namoramos. Não assumiu compromisso algum comigo. Entendo isso, e espero que seja feliz.

Blue pareceu um pouco surpresa.

— Eu... Obrigada, Jared. Mesmo.

Ainda assim, parecia que algo a incomodava. Decidi deixar para lá.

—... Eu vou... pegar meu roteiro na mochila.

— Te vejo no palco — pisquei para ela. Ela esboçou um sorriso e se afastou.

Demorou em torno de dez segundos até que uma criatura raivosa de quatorze anos viesse falar comigo, deveras irritada.

— Onde levou minha irmã ontem?! — Kaya me encarou, muito séria.

— Quê? Não a levei a lugar algum. Só conversamos no seu quintal.

Kaya bufou, como se minha singela existência a incomodasse profundamente.

— Pare com isso! Ela ficou fora até tarde! Muito tarde. E disse para a mãe que estava com você, então ela nem ligou... Eu achei que você seria bom para ela, Jared!

Uma parte de mim pensou em entrar na mentira de Blue para ajudá-la. Outra, menos ingênua, decidiu refletir por um minuto. Blue mentira para os pais, dizendo que ia sair comigo na noite anterior, após o jantar? E aonde fora, realmente?

Apesar de a resposta me ser muito óbvia, não a delatei.

— Fale com sua irmã, sim? — foi minha resposta a Kaya, e então afastei-me.

Blue

— Então, é, eu acho que essa parte aqui poderia ser um pouco mais... — fui desenrolando minha opinião, ignorando os olhares fulminantes de Jared, afinal, estávamos em roda, na frente de todo o elenco.

Quando Tina começou a falar, Jared me encarou e soltou a bomba:

— Você me levou pra comer na sua casa para poder mentir para eles quando quisesse sair com Brandon.

Não soou como uma pergunta. Respirei fundo.

— Acha mesmo que planejei tudo? Eu te chamei para jantar de última hora.

— Não. Eu acho que você viu uma oportunidade, e a agarrou. Sem pensar em como isso foi uma puta falta de respeito.

— Não era para você descobrir... Eu só... precisava sair dali, e sabia que meus pais não permitiriam se soubessem aonde eu ia...

— Eu queria ser essa pessoa, Blue. Para quem você corre quando precisa escapar. Mas fui ingênuo, não fui?

Antes que eu pudesse responder — sequer sabia a resposta? —, Tina nos interrompeu.

— Menos, por favor? — pediu, e estava certa. Não estávamos sendo educados.

Apenas assentimos. Jared continuava não olhando na minha cara.

—... Está bem. Esperem aí um minuto, todo mundo. Vamos fazer uma atividade — ela se levantou e correu para a coxia.

Todos ficaram em silêncio. Não sei direito por quê. Não era um silêncio calmo, no entanto. Consistia numa mistura de ansiedade e tensão; ninguém sabia direito o que esperar daquilo.

* * *

Tina voltou com muitas folhas de papel e canetas e saiu distribuindo.

— Ótimo. Quero que cada um escolha um colega com o qual contracena e escreva no papel uma coisa que gosta e uma que desgosta sobre esse colega, para que possamos melhorar nossa comunhão.

Sem pensar muito, escrevi sobre a garota que interpretava a ama de Julieta. Foi bem simples. Depois, Tina fez com que lêssemos o que escrevêramos em voz alta. Não saíram muitas brigas. Os desgostos eram coisas como perfeccionista, impaciente... Nada muito sério.

Até a vez de Jared.

— Bem — ele se levantou. — Naturalmente, eu escrevi sobre Blue Monroe. — ele esperou alguns segundos antes de começar a ler. — Sei que deveríamos escrever apenas uma coisa, mas me estendi um pouco. Espero que não se importem — ele não esperou uma resposta. — Eu gosto de sua risada. De suas piadas. De sua confiança inabalável. Do jeito que me chama de Jerry. Eu não deixaria mais ninguém me chamar assim. Gosto de seus All Stars azuis, de seu nome, de seu gosto musical, de sua imprevisibilidade. E o que desgosto...

E foi então que a coisa ficou séria.

— Desgosto sua risada tranquila, mesmo quando suas piadas fazem os outros se sentirem mal. Sua confiança excessiva que se torna egoísmo. O jeito que me chama de Jerry, como se eu significasse alguma coisa. Desgosto sua imprevisibilidade, todos os momentos que eu te digo exatamente o que eu sinto e o que eu quero e você usa isso a seu favor. Mas o que eu odeio... Odeio mesmo... Eu odeio o fato de que estou apaixonado por você, porra.

Seria esperado que Jared se levantasse e fosse embora, mas não. Ele sentou-se, imponente, desafiador. Naquele momento, ninguém o viu mais como um garoto bobo e doce que fora arrastado para o holofote. Havia nele uma força e displicência inquestionáveis e, pela primeira vez, quem quis se levantar e ir embora fui eu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Só Que Platônico" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.