Passado, Presente e Futuro escrita por Blue Butterfly


Capítulo 2
Passado recente


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem. Boa leitura ^^



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A lua brilhava no céu cheia de esplendor e glória, um jovem percorria as ruas de uma pequena cidade no Japão, seus passos ecoavam na noite fria, era pequeno demais para estar andando sozinho pela rua uma hora daquelas, mesmo que Tomoeda fosse uma cidade pacata, mas ele não parecia temer. Parou em frente a uma casa e esperou pacientemente, podia ouvir uma risada pequenina e aguda – o riso de uma menininha – enquanto um garoto pequeno corria pelas escadas atrás da garotinha.

–Sua monstrenga – ele falava com certa ternura.

O menino suspirou ao sentir a magia. Ele imaginou que aqueles dois teriam algo mágico, principalmente a menininha, mas o rapaz… Não esperava aquilo, muito menos que fosse uma magia tão forte e… atrativa? A porta da casa se abriu, um homem alto, usando um óculos redondo, saiu para fora, seu olhar estava levemente desfocado, imerso em uma realidade que o faria acreditar que estava em sua sala, estudando alguns artefatos antigos, e não ali, se dirigindo para o menino.

Quando postos frente a frente, uma estranha vibração tomou conta deles, por mais estranho que fosse, o menino via a sua frente o adulto que ele poderia ter se tornado se tivesse escolhido crescer e se o último feitiço tivesse sido executado com menos pressa. Fechou os olhos, o menino tinha todas as lembranças de seu passado, lembrava da mansão na Inglaterra e do jardim imenso. Ele ainda morava lá, mas a casa já não era a mesma, dessa vez havia água quente – um tremendo avanço quando lembrava o que seu antigo eu precisava fazer para tomar um banho quente. O homem a sua frente não tinha nenhuma dessas lembranças, na verdade, tudo o que sabia sobre si é que ele existia – sem pais, sem família, com um passado meio apagado, meio estranho – efeito da magia feita as pressas. O menino bufou, seria tudo tão diferente se o antigo eu tivesse tido mais tempo…

Outra diferença entre eles era a magia. O menino tinha magia acumulada, era um poço de poder, já o homem parecia completamente vazio desse poder, mas era apenas uma impressão, ele era tão mágico quanto o garoto, mas com a capacidade de passar essa magia para outros – para seus dois filhos, por exemplo. Parecia humano, e de fato o era, puramente humano, sem emanar magia, mesmo sendo, de certa forma, um ser mágico.

–Olá – o menino cumprimentou com um sorriso.

–Olá – o homem respondeu com outro sorriso.

Não era preciso formalidades, afinal eles estavam como de frente a um espelho, o menino estendeu um livro para o adulto.

–Chegou sua vez de ficar com ele.

O adulto o pegou, na capa havia símbolos da lua e do sol e uma fera alada com duas presas a mostra. Eles voltaram a se encarar. Era o momento da despedida, durante suas vidas, eles se encontraram poucas vezes, o adulto não se lembrava de nenhuma dessas vezes, mas sempre que ele corria perigo, o menino parecia para protegê-lo. Mais uma vez sorriram.

–Adeus, Clow garoto – o adulto disse com ternura.

–Adeus, Clow homem – a criança respondeu com um sorriso.

Eriol deu as costas para Fujitaka Kinomoto, voltando para a noite enluarada. Ele seguiu seu caminho, não deveria ir para muito longe, a casa que ele escolhera ficava a algumas quadras dali, um lugar comum, grande o bastante para que a condição de seu futuro morador não chamasse atenção, pequena o bastante para que ele não se sentisse tão sozinho. Eriol abriu a porta, mas antes de entrar olhou para o pequeno jardim que ficava na frente da casa, ele não foi capaz de negar isso ao futuro morador, ele sabia o quanto as flores e a grama o acalmavam, também se preocupou com o telhado: era resistente, com alguns locais propícios para que um ser humano pudesse se sentar e mirar o céu com segurança.

O interior estava empoeirado, mas ele limparia tudo antes que o próximo morador chegasse, havia uma sala relativamente grande, uma cozinha maior ainda, com vários armários para guardar mantimento, dois quartos do mesmo tamanho ocupavam o andar superior, uma pequena lavanderia, três salas de banho: uma para cada quarto e outra no andar de baixo e, como não poderia faltar, uma biblioteca. Eriol foi para a biblioteca, as prateleiras estavam vazias, havia somente um enorme volume na pequena mesa de leitura, ele esperava que o morador entendesse o que aquele livro significava.

Ele fez as contas em sua cabeça, ainda era cedo demais para o novo morador, teria que esperar mais um ou dois anos, no máximo três. Sim, três anos seria o suficiente, ele poderia voltar dali três anos e terminar seu trabalho. Com um pequeno sorriso, ele saiu da biblioteca, dizendo algumas palavras mágica que lacraram a porta, aquele seria um lugar exclusivo, apenas uma criatura poderia ter acesso aquele lugar.

Eriol saiu pela porta, sem olhar para trás.

A casa permaneceu trancada pelos anos seguintes, por efeito da magia, ninguém se interessou em comprá-la ou saber porque ela vivia fechada, as pessoas tinham a impressão que um casal de velhos morava ali, mas ninguém tinha certeza ou pensava no assunto a fundo.

Até que, numa noite em que a lua estava em seu brilho total, um menino de cabelos negros e óculos redondos surgiu, ele atravessou o jardim com calma, certificando-se que o lugar permanecia do jeito que ele planejara. Ele entrou na casa, trazia na mão alguns utensílios de limpeza, ele poderia ter se livrado da sujeira com magia, mas se recusava a fazer isso, primeiro porque mais magia chamaria a atenção de alguns curiosos e ele não queria isso, segundo por que sentia o coração bater mais calmo sabendo que faria isso pelo próximo morador. Ele limpou cada canto, tirando as teias de aranha e garantindo que o chão de madeira refletisse cada mínimo detalhe da casa. Não era bom em decorar as coisas, por isso o máximo que fez foi colocar alguns jarros de flores pelos lugares. Os móveis chegaram no dia seguinte, os adultos acharam estranho que um menino estivesse coordenando toda aquela mudança, mas não disseram nada.

Quando a noite chegou, a casa estava pronta, a geladeira cheia e as luzes acesas. Eriol foi para o quarto destinado ao futuro morador, sentou na beirada da cama, tinha escolhido um jogo de lençóis azul e branco, e encomendado da Inglaterra uma colcha de frio prateada, a peça parecia fluida e ornava perfeitamente com o futuro morador. Eriol fechou os olhos, se concentrando. Diversos feitiços e mantras passaram por sua mente, até que o certo chegou e ele se concentrou ainda mais. Um anjo se materializou em sua frente, adormecido. Seus cabelos eram tão longos que caiam pelo quarto, fios prateados e lisos, seu rosto estava tranqüilo, como se estivesse tendo bons sonhos, o menino não resistiu e tocou o rosto do anjo com suavidade. Ele era tão lindo...

–Que a verdadeira forma dê espaço para o irreal, que a lua se esconda em seu castelo imortal, e que a neve cubra o coelho de olhos de âmbar – Eriol murmurou.

O anjo fechou as asas ao redor de si, como se pudesse entrar dentro de um casulo, e aos poucos um menino começou a surgir, cabelos prateados e curtos, rosto doce e tranqüilo. Um pequeno sorriso pairava em seu rosto delicado, esse menino sempre sorriria. O garoto estremeceu, despertando. Ele olhou para Eriol com calma, como se soubesse exatamente o que estava fazendo ali e qual era a sua função.

–Olá, coelhinho – Eriol cumprimentou tocando o rosto do menino com ternura.

Como resposta, ele abriu um sorriso gigantesco e feliz. Uma criatura feliz.

–Seu nome é Yukito Tsukishiro – Eriol contou com certo orgulho pela escolha do nome – Sabe o que significa?

–O coelhinho da neve no castelo da lua – o menino respondeu, falando pela primeira vez. Era uma voz suave, que faria qualquer um se sentir bem e sorrir ao ouvi-la.

–Por favor, seja o castelo da minha lua – Eriol pediu tomando as mãos do menino nas suas.

Yukito balançou a cabeça num sim. Com um pequenino gesto em sua cabeça, Eriol fez com que ele voltasse a dormir. O resto da noite ele passou sussurrando lembranças na cabeça do menino, fez com que acreditasse que tinha avós que viajavam muito, que seus pais tinham morrido em um acidente, por isso estava naquele lugar, com um feitiço ensinou a ele tudo sobre a escola e um pouco sobre o mundo. Repetiu inúmeras vezes o nome do rapaz, para que ele jamais se esquecesse.

–E tente se aproximar de Sakura Kinomoto. Eu não tenho certeza, mas acho que ela será especial para você

Depois que a última lembrança foi implantada na mente do garoto, Eriol se afastou. Seu coração estremeceu, ele não queria ter que ir embora, seu antigo eu sofreu muito quando teve que dizer adeus ao seu anjo, dizer adeus a quem ele tanto amara. A única esperança que o pequeno mago tinha é que, muito em breve, a lua e seu castelo achariam alguém que pudesse amá-los.

Mas antes de fechar a porta, Eriol se aproximou do menino adormecido, retirou do meio de suas vestes óculos semelhante ao que ele trazia em seu rosto, tão antigos quanto seu antigo eu, e depositou no rosto do novo morador.

–Ele… Nós gostaríamos que você ficasse com isso. Boa noite, Yukito. E seja bem vindo ao mundo.

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–Eu estou indo para a Inglaterra.

O rapaz congelou, confuso. Segundos antes eles estavam bem, ela sorria e dizia como ele era bom, estavam abraçados perto do templo, em paz com o mundo e com tudo que poderia haver de mágico. Ele sabia que ela era especial, havia uma áurea doce ao seu redor, e ao mesmo tempo fria, como se a magia que a cercasse estivesse acompanhada pelo gelo. Do nada, ela soltou aquela frase.

–Como assim? Algum problema?

Na cabeça do rapaz, a Inglaterra era longe demais para ela ir apenas a passeio. E até onde ele sabia, ela não tinha nenhum parentesco naquele país.

–Tenho que continuar estudando Touya Kinomoto.

Ele acharia divertido se não fosse aquele momento, ela tinha um jeito especial de dizer seu nome completo que sempre o animava, como se fosse uma piada interna.

–Está falando sério?

–Nunca brincaria com seus sentimentos – ela respondeu sorrindo – Consegui uma vaga na universidade, tenho que ir.

–Quanto tempo? – ele perguntou com uma voz fria.

–Não sei. Mas não espere por mim – ela respondeu com o mesmo sorriso.

–Você… Você não… – ele lutava para achar as palavras certas – Você não me ama?

A voz saiu num sussurro, sua cabeça doía, ele não podia entender, desde quando ela queria tanto estudar? O que teria ocorrido de tão errado a ponto dela querer partir? Ele achava… quando eles se beijavam… aquela noite… Era tudo mentira?

–Eu te amo, Touya Kinomoto – ela respondeu com mais seriedade – E por isso devo ir. Mas não se preocupe, quando nos encontrarmos de novo, você estará amando outra pessoa, e essa será a pessoa certa para você.

Ele não queria ouvir. Ele não conseguia acreditar. Outra pessoa?

–É mais fácil dizer que não sente nada por mim – ele grunhiu com certa fúria – Ao invés de tentar me enganar.

–Mas eu estou falando a verdade…

–Quando você parte? – ele interrompeu, tremendo.

–Amanhã – ela disse com um leve tom de tristeza, via o quanto estava machucando aquele garoto – Eu sinto muito – ela tentou com suavidade.

–Não, você não sente.

E ele lhe deu as costas, esperava que ela fosse chamá-lo de volta, e quando começou a se afastar, que ela corresse até ele e pedisse desculpas. Que pedisse que ele fosse com ela, por mais que fosse difícil abandonar a família, ele achou que poderia…

Mas ela não fez nada, permaneceu em seu lugar vendo o rapaz se afastar. Kaho deu um suspiro leve, ele era tão lindo. Ombros largos, muito alto, cabelos pretos e lisos que viviam caindo em seus olhos, um rosto sério, nunca tinha sorrido para ela, e uma magia forte que o circundava. Ele via muito mais do que deveria, e tentava de todas as formas ajudar aqueles que os seres humanos comuns não conseguiam enxergar.

Abrir mão de seu amor não foi fácil, ele era fiel, verdadeiro, protetor, um pouco ciumento, corajoso, introspectivo… Mas ela teve um sonho, várias vezes, e nesse sonho, ele sorria. Ela não conseguia vê-lo sorrir, mas sabia que ele o estava fazendo, havia outra pessoa ao seu lado que devolvia o sorriso. Por isso, mesmo que fosse duro, a certeza que ele ficaria bem aquietava seu coração e deixava mais fácil ela dar o próximo passo em sua missão.

Enquanto ela voltava para o templo, o rapaz deixara de andar e simplesmente passou a correr. Ele queria esquecer as últimas cenas, queria que aquele dia fosse apenas um sonho ruim, queria acordar com o despertador tocando loucamente, o sol batendo em seu rosto por ele ter esquecido a janela aberta. Seus passos o guiaram de volta para casa. Ele nunca se abriu com ninguém a não ser seu pai e Kaho. Mas a última tinha acabado de destruir seu coração e ele estava sem rumo. Touya sempre teve medo de se entregar, perder a mãe não foi fácil, nunca seria fácil perder quem se amava, mas não era só aquilo. Era como genética, ele não tinha escolha, nasceu sério, muito reservado e de poucos, quase nenhum, sorrisos, sempre maduro demais para sua idade, não tinha amigos, apenas conhecidos, pessoas com quem podia conversar sobre o time de futebol ou sobre um exercício da escola – não que ele iniciasse qualquer tipo de conversa, na maior parte das vezes ele apenas respondia.

Era popular entre as garotas da escola, mas não tirava proveito, não via nada que lhe chamasse a atenção, elas podiam ser bonitas e educadas, mas sempre faltaria um algo a mais. Um “não sei o que” que ele tinha encontrado nela…

–Kaho…

Ele parou na porta de sua casa, tremendo de mais para conseguir se sustentar, e caiu. Os tremores apenas aumentaram, não era só a perda de uma namorada, era a perda de uma das poucas pessoas que sabia a verdade sobre ele. Que sabia que ele via coisas que os outros não viam.

–Touya!

Fujitaka Kinomoto olhava perplexo o filho caído. Abaixou para pegar o menino e o ouviu balbuciar o nome da namorada, temeu pelo pior, sabia da natureza do filho, de como ele era fechado e como sofria em silêncio. Para estar naquele estado, algo muito ruim teria que acontecer. O mais velho pegou o rapaz nos braços, torcendo para que a filha mais nova não acordasse, Touya jamais se perdoaria se a irmã o visse naquela condição. Ele correu com o menino até o quarto dele, depositando o filho com todo cuidado em sua cama.

–Touya – ele chamou com carinho.

No meio de seus tremores, ele pareceu engasgar. Fujitaka temeu, sem entender o que estava acontecendo, até o que menino se ergueu e abraçou o pai com força. Chorando. O rapaz que só chorara no enterro da mãe estava chorando novamente, como se fosse uma criança desamparada. Fujitaka abraçou o filho com mais força, sabendo que nunca seu menino precisara tanto dele como naquele momento.

–Ela… ela se foi – Touya balbuciou entre lágrimas.

Fujitaka permaneceu em silêncio, não havia muito a se dizer, se ele falasse, provavelmente Touya pararia de se abrir.

–Ela… Me deixou…

Foi só o que ele disse pelo resto da noite. Touya chorou, chorou muito, chorou pelos anos que não tinha se permitido chorar, e quando as lágrimas terminaram, ele não largou seu pai. No dia seguinte, ele teria que voltar a ser o mesmo, mas naquela noite, ele se permitiu sofrer como se fosse completamente humano.


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Notas finais do capítulo

E ai? Por favor, comentem para saber o que vocês estão achando ^^



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