Passado, Presente e Futuro escrita por Blue Butterfly


Capítulo 3
Presente de encontros


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ^^



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–Onii-chan!!!

A voz aguda e feminina chegou até os seus ouvidos. Ele franziu a testa, lembrando que deveria se portar como se nada tivesse acontecido no dia anterior. A menina apareceu na cozinha, tinha cabelos castanhos curtos, olhos grandes e um sorriso perpétuo no rosto.

–Está atrasada, monstrenga – ele avisou jogando a panqueca no ar.

–Eu não sou uma monstrenga, onii-chan – a menina reclamou.

Ela tentou ser o mais rápida possível, desferindo o que ela imaginou ser um chute certeiro na perna de seu irmão. E falhou horrivelmente, o menino já sabia antecipadamente o que ela faria e com um suave mover de pernas escapou do chute irritado e empurrou a irmã menor pela testa.

–Hoje não, monstrenga. Um dia, quem sabe.

A menina fez um careta, ia chutar de novo o irmão quando ouviu os passos tranquilos de seu Oto-san, ela rodopiou, abrindo um sorriso enorme. Fujitaka adentrou a cozinha, atraído pelo cheiro de café da manhã, Touya era um bom cozinheiro, sempre fazia o seu melhor para ajudar o pai, desde que Nadeshiko se fora, o pai e o filho cuidaram da irmã mais nova, principalmente o irmão. Touya era muito novo, não tinha nem dez anos quando a mãe morreu, Sakura tinha completado três anos no mês anterior e Fujitaka tinha acabado de conseguir seu novo emprego. Ele não teria tempo suficiente para cuidar dos filhos e chegou a pensar em procurar a família de Nadeshiko, mesmo que eles não o aceitassem, Fujitaka acreditou que aceitariam seus filhos.

Foi então que Touya mostrou uma maturidade muito superior a sua idade, ele pegou para si a responsabilidade de cuidar da irmã e da casa, estando presente quando o pai não estava. Ele garantiu que Sakura tivesse uma infância feliz e segura, sempre estava presente quando a menina mais precisava, como na noite em que ela acordou chorando com medo da tempestade, ou na noite que invadiu o quarto do irmão, aterrorizada e envergonhada por ter molhado os lençóis. Naquela noite, Touya trocou os lençóis da irmã e lavou os lençóis sujos, sem reclamar nem por um segundo, e nunca usou esse fato para brincar com a menina.

Ele também dividia as atividades da casa com Fujitaka, como preparar as refeições e manter a casa limpa. E em tudo isso, manteve suas notas sempre acima da média. Quando ficou maior, Sakura entrou naturalmente no cotidiano da família Kinomoto, recebendo suas atividades e ajudando a tornar mais fácil o dia-a-dia daquela família.

–Bom dia, Oto-san – Sakura cumprimentou.

–Bom dia, Sakura-san. Touya-san?

O rapaz se virou, encarando seu pai. Trazia o semblante sério de todos os dias, mas o pai podia sentir que ele estava quebrado por dentro. Touya balançou a cabeça numa espécie de bom dia e voltou a lançar as panquecas. Ele serviu seus familiares e comeu com rapidez, tinha dormido um pouco demais na noite anterior e se não corresse, chegaria atrasado. Ele deveria avisar a irmã, mas preferiu vê-la se atrasar novamente, Sakura sempre se atrasava.

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Ele acordou com o som do despertador. Sentou na cama, afundando um pouco no colchão macio, bocejou algumas vezes antes de se espreguiçar e abrir os olhos. Piscou, fazendo um rápido reconhecimento do quarto, a sua frente estava um enorme espelho que mostrou seu rosto delicado, ele tocou os cabelos prateados, achando graça de tudo, é claro que ele sabia quem era, mas aquele dia as coisas pareciam tão… diferentes. Piscou novamente, gostando do tom de âmbar que havia em seus olhos.

–Olá – ele disse ao espelho acenando para sua própria imagem.

Riu infantilmente de seu ato e deitou novamente, fitando o teto, com cuidado retirou os óculos para massagear seus olhos, tentou ouvir o som de mais alguém na casa, mas se lembrou de que os avós estavam viajando e só voltariam na semana seguinte, com um suspiro, se pôs de pé e abriu o guarda roupa, olhando seu novo uniforme, a ideia de uma nova escola o animou ao invés de deixá-lo nervoso, mas ele achou aquilo natural, coisas novas deveriam deixá-lo feliz, não é?

Ficou contente com a variedade de mantimentos que encontrou nos armários e não teve dúvida do que comer – escolheu muito de cada coisa e se serviu com um sorriso no rosto. Notou um embrulho de tamanho médio em cima da mesa, havia uma pequena nota perto onde ele pode ler: “lanche para o primeiro dia de aula de Tsukishiro Yukito” que fez o menino sorrir com o cuidado de seus avós por ele. Quando terminou, ele rumou para a escola, caminhando com calma, ainda precisaria se apresentar ao diretor, de modo que duvidava que poderia chegar na primeira aula, o menino virou a primeira esquina e teve a oportunidade de ver algo que o fez sorrir mais ainda naquela manhã: ao longe, uma garotinha de patins fazia seu melhor para acompanhar um rapaz de bicicleta, enquanto gritava para que ele a esperasse. O menino de cabelo prateado não teve tempo de perceber que o garoto na bicicleta usava o mesmo uniforme que o dele e continuou seu caminho com calma, olhando com cuidado ao redor para decorar o caminho certo e voltar para casa em segurança.

O colégio Seijo, num primeiro olhar, pareceu enorme, até que Yukito percebeu que o que ele achava que era um colégio só, na verdade eram dois, no primeiro crianças entravam e conversavam, barulhentas, no segundo, adolescentes risonhos e adormecidos faziam um esforço sobrenatural para chegar no horário.O sinal tocou quando Yukito atravessou pela primeira vez o portão, fazendo com que os alunos que ainda estavam no pátio corressem para suas salas. Com um sorriso ele seguiu seu caminho rumo à diretoria.

O diretor foi muito bondoso com o menino, tratando com delicadeza o motivo que levara o garoto a se transferir naquela época do ano. Yukito não choramingou pela perda dos pais e manteve o sorriso tranquilo no rosto, fazendo com que o diretor o considerasse um garoto corajoso. A conversa inicial tratou de assuntos como a carga horária, as aulas especiais que ele precisaria frequentar até igualar seu currículo com o da turma, datas de provas e horários, além dos clubes que estariam dispostos a aceitar o menino se ele se interessasse por algum esporte. Seria ferir os bons costumes e a formalidade se o diretor demonstrasse, mas ele estava animado com o garoto que via a sua frente, ele parecia ser forte, saudável e com disposição para praticar vários esportes, era um pouco magro, mas após ver passar por aqueles corredores os mais variados tipos de alunos, o diretor sabia quando via a sua frente um atleta.

O garoto estava certo, só foi dispensado quando estava quase começando a segunda aula, o diretor não o levou, mas pediu que um de seus assistentes acompanhasse o menino e explicasse ao professor o motivo dele chegar naquele horário. Eles pararam em frente a uma sala, o assistente do diretor pediu permissão e entrou, explicando a situação ao professor. O sensei balançou a cabeça várias vezes, seu semblante ficou triste quando foi informado que o menino tinha acabado de perder os pais e olhou com certa pena a figura esguia que mirava o corredor com curiosidade, com um suspiro ele viu o assistente se afastar para chamar o aluno,o sensei olhou para sua classe, havia dois lugares vagos naquele dia e ele decidiu que seria melhor se o garoto se sentasse ao lado de Kinomoto, ele era sério o bastante e saberia respeitar a perda do novo colega de classe.

–Classe – o sensei chamou – Temos um novo colega nessa manhã, quero que conheçam Tsukishiro Yukito.

Yukito entendeu a deixa e entrou na sala. Assim que ele invadiu o campo de visão das meninas, um leve suspiro foi ouvido. Uma delas chegou a murmurar, assombrada com a visão “ele… ele parece um anjo”. Os meninos trocaram alguns olhares entre si, lidar com a concorrência de Touya já era chato, agora aparecia mais um? Mas de todas as opiniões que surgiram, a mais espantada foi a do jovem Kinomoto.

A magia. Ele podia sentir, qualquer ser com a mínima capacidade sentiria, era como se ela pulsasse, viva, fluida, gélida, misteriosa… e encantadora; uma sinfonia harmoniosa tocada por algum estranho instrumento grave, ela cercava o menino, formando uma aura ao seu redor. Kinomoto se esforçou, havia uma forma naquela áurea, não era apenas um amontoado de magia escorrendo do garoto, com mais atenção, ele teve um vislumbre de algo que se assemelharia a asas. O olhar de Touya encontrou o olhar do menino, que sorriu abertamente para ele, seu rosto era delicado, uma pele excessivamente branca, olhos de âmbar curiosos e transparentes, como a alma pudesse ser vista abertamente através deles, tudo em perfeito equilíbrio.

Os alunos deram boas vindas ao novo aluno, Yukito se inclinou diante deles, agradecendo adequadamente a acolhida, o professor indicou o lugar que ele deveria tomar, evitando a apresentação costumeira que os novos alunos faziam. Normalmente, os alunos vinham no começo dos semestres, e não no meio, como aquele menino, e a maioria dos novos alunos vinha porque a família tinha se mudado para Tomoeda, e não por que a família já não existia mais. O garoto parecia tão frágil, pequeno, quebradiço, que tocou o coração do sensei, assim como tocara o do diretor, e ele preferiu proteger o menino de uma apresentação delicada. Com uma expressão calma e confiante, Yukito quebrou o olhar que sustentava com o garoto moreno e foi até sua carteira, sentando-se com uma graciosidade incomum, ele retirou seu caderno novo, era todo branco e trazia na capa um estranho desenho preto de inúmeras penas formando um par de asas, por um breve momento, Yukito hesitou ao ver aquela imagem, buscou em sua memória, mas não se lembrava de ter comprado o caderno. Deveria ter sido um dos presentes de seus avós.

Somente quando o sensei voltou a falar sobre a matéria, é que Yukito se permitiu olhar ao seu redor. A sua direita havia uma menina que prontamente sorriu para ele, muito simpática, na sua frente estava um garoto de cabelos castanhos claros, quase amarelos, muito alto e magro, ele achava que atrás havia uma menina, mas não tinha certeza, e a sua esquerda estava o garoto moreno, ele ainda estava olhando para Yukito com uma expressão terrivelmente séria, meio mal-humorada, tinha um cabelo preto que caia levemente sobre seus olhos escuros. O novo aluno sorriu para o garoto sério por alguns segundos, sem esperar que o outro devolvesse o gesto, e voltou sua atenção para o professor.

Touya deu o seu melhor para prestar atenção na aula, mas simplesmente não conseguia, sua cabeça parecia um vulcão se preparando para explodir, as recordações da noite anterior assombravam cada um de seus pensamentos, uma vontade louca de sair correndo, ir até o aeroporto e impedir a ida de Kaho sufocava-o cada vez mais.

E havia aquele menino esbanjando magia bem ao seu lado, a sinfonia – pois Touya sentia a magia como uma espécie de música – entorpecia um pouco os seus sentidos, era agradável, mas ele não se deixaria enganar, não era comum um ser mágico tentar interagir com um ser humano, sempre que os encontrou, era por que eles precisavam de ajuda e apelavam aos seres humanos especiais como Touya como seu último recurso. Por isso, aquele garoto sentado no meio de uma sala lotada de humanos era um perigoso enigma, ou pelo menos foi assim que o moreno classificou o garoto pela primeira vez.

Quando o sinal tocou, sensei pediu para que Kinomoto e Tsukishiro ficassem um pouco mais, frustrando alguns sonhos que certas garotas alimentavam a esperança de apresentar a escola para Tsukishiro ou tentar uma conversa com Kinomoto – apesar de todas as suas recusas, a maioria delas ainda mantinha a esperança.

–Kinomoto-san – o sensei começou – Você pode ser o instrutor de Tsukishiro-san até que ele se acostume com o ritmo da escola?

Ser o instrutor de alguém era ajudar com as matérias, estar sempre presente caso houvesse uma troca de salas, não deixar que o novo aluno almoçasse sozinho nos primeiros dias até que ele fizesse amizade com alguém. Não era a primeira vez que isso havia sido pedido para Kinomoto, mesmo assim ele não ficou muito feliz com o pedido, apesar da curiosidade que a magia do outro lhe inspirava, ser babá de alguém estava longe de ser uma de suas atividades favoritas. Mas ele jamais poderia recusar um pedido de sensei, por isso acenou a cabeça num sim. Quando o sensei saiu da sala, deixando-os sozinhos, Yukito abriu um sorriso simpático para o garoto moreno, percebendo como ele era bem mais alto.

–Olá, me chamo Yukito Tsukishiro, muito prazer – o menino pálido começou, estendendo a mão para o outro e mantendo o sorriso inquebrável.

–Touya Kinomoto – o outro respondeu mal-humorado – Bem vindo ao colégio Seijo.

–Obrigada, Kinomoto-san

–O que você está fazendo aqui?

Normalmente, ele não seria tão desrespeitoso com um ser mágico, sempre os tratava com muito respeito e tentava ser o mais dócil possível, mas aquele dia não estava sendo fácil, se aquele ser precisava de ajuda, era melhor dizer de uma vez.

–Como assim? – O garoto Tsukishiro indagou, confuso, mas sem perder o sorriso.

–Por que está aqui? O que está fazendo no colégio Seijo?

–Ah – e a compreensão iluminou seu rosto – Eu estou morando com meus avós – o menino ficou sério por alguns segundos – Meus pais faleceram em um acidente, por isso tive que vir para cá – e então o sorriso voltou – Mas espero que possamos ser bons amigos, Kinomoto-san.

A paciência de Touya se esgotou, o universo estava conspirando contra ele, só podia. Ele não queria lidar com enigmas, não queria problemas, tinha acabado de ser abandonado por uma pessoa que ele amava. De novo. Se o espírito, ser mágico, ou o que quer que o garoto fosse queria brincar de esconde-esconde, ele que brincasse com outra pessoa.

–Quer saber, quando realmente quiser ajuda, me procure, até lá, ficaria feliz se me deixasse em paz.

Essas foram uma das primeiras palavras que Touya disse ao garoto, e as últimas daquele dia.

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Uma menininha passava velozmente pelas ruas com seus patins rosa, seu cabelos castanho e curto balançava com o vento e ela sorria com a sensação de liberdade que pairava naquele dia. Perto de sua casa, olhou para os dois lados da rua, certificando-se que não havia nenhum carro por perto e nenhuma pessoa para testemunhar sua tentativa, caso falhasse, quando se garantiu que não havia nenhum dos dois, ela se concentrou, tomou a velocidade certa e rodopiou, se equilibrando na ponta dos patins e elevando os braços com delicadeza. O que aconteceu a seguir foi o que acontecia todos os dias, há várias semanas.

A menina perdeu o equilíbrio na segunda volta, caindo lenta e perigosamente no asfalto, ela colocou as mãos na frente do rosto, tentando se machucar o menos possível e, principalmente, não dar mais motivos para que o irmão a provocasse, e respirou fundo, pronta para a queda. Que nunca aconteceu.

Duas mãos a seguraram minutos antes que ela tocasse o solo, sustentando-a a alguns centímetros acima do chão. Sakura abriu os olhos querendo ver quem a tinha livrado do tombo e seu coração perdeu uma batida, o rapaz que a segurava era mais velho, deveria ter a idade de seu irmão, usava óculos e tinha lindos cabelos prateados, trazia um sorriso calmo e doce no rosto que deixou a menina extremamente vermelha, e sem que ela pudesse esperar, ouviu um longo “aiaiaiai” ecoar na sua mente.

–Hey, você está bem? – o garoto perguntou devolvendo-a ao chão com cuidado.

Ela balançou a cabeça furiosamente num sim, incapaz de elaborar uma resposta.

–Que bom – ele disse se abaixando para que seus rostos ficassem na mesma altura – Precisa tomar cuidar quando anda de patins, pode se machucar.

Mais uma vez ela só balançou a cabeça.

–Espero que consiga fazer suas voltas em breve, você estava indo muito bem – ele disse surpreendendo-a.

–Ari… Ari… Arigato – ela murmurou corando ainda mais.

O menino se ergueu, deu uma última olhada na garotinha, ela parecia bem o bastante para prosseguir sozinha, com um aceno, ele se distanciou.

–Aiaiaiai – a menina sussurrou segurando suas bochechas vermelhas.

Era a primeira vez que sentia aquilo, ela ainda não sabia nomear, mas quando voltou a patinar, sentiu que podia alcançar as nuvens.


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Notas finais do capítulo

E ai,o que estão achando? Comentem ^^



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