When Heaven's Falling & Hell's Rising escrita por Elyza Borges, Jenny Lopes, Yanna Nenevê


Capítulo 2
Capítulo 02 – Family Is Not About Blood.




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O Camaro LT 75 estacionou em frente de um motel barato na entrada da cidade sob os raios de um sol já alto no céu. Melizza passara a noite inteira bebendo em um bar qualquer na cidade vizinha. Não queria dormir, não queria pensar. Já havia se acostumado em ter um copo de cerveja como sua companheira nessas horas. Um caçador não pode se dar ao luxo de querer muito mais. Ela precisava de um bom banho, um café forte e voltaria a estrada. Subiu para o quarto que já havia alugado no dia anterior. Todas as suas esperanças estavam esgotadas. A sua energia também. A sensação de culpa que ela sentia não iria deixá-la com a água morna do chuveiro, mas era um primeiro passo.

Tomou um banho rápido, o que serviu para aliviar o cansaço. Já era a segunda noite em claro e em dois dias, Melizza havia dormido pouco mais que duas horas apenas. Mas isso não era importante. Na verdade ela já estava acostumada. Um bom banho já era útil. Vestiu uma calça jeans preta com uma blusa sem manga da mesma cor, uma camisa xadrez aberta por cima e um par de coturnos. Juntou suas coisas na mochila velha que carregava com as roupas que iria mandar para a lavanderia e desceu. Já era quase meio-dia e ela ainda não havia comido nada desde o dia anterior. Não que ela estivesse fome, na verdade estava sem ânimo e apetite. Mas precisava de um bom café, disso ela não tinha dúvidas.

Melizza deixou as roupas em uma lavanderia pelo caminho e dirigiu até encontrar alguma cafeteria. Pediu café e uma torrada simples. Sua cabeça latejava. Talvez pelo porre da noite anterior. Mas não era isso que a fazia sentir tão mal. Seu tio, a culpa, a dor, tudo isso lhe atormentava. Melizza não demonstrava, ela era forte e havia aprendido que caçadores não combinam com cenas dramáticas. Não há espaço para demonstrações de fraqueza, em cada sombra um inimigo espera a brecha perfeita para atacar. Não era a primeira vez que a culpa por uma atitude errada lhe pesava nos ombros. Mas pela primeira vez Melizza sabia que estava sozinha.

As paredes de vidro transparente lhe permitiam visualizar as pessoas do lado de fora, indo e vindo em suas rotinas diárias. Logo na esquina à frente avistou uma banca de jornal. Ler jornais em busca de trabalho era a sua antiga rotina, já que na América do Sul Melizza tinha uma base que lhe mandava os casos. Era tudo organizado, talvez até demais. Ela pensou em levantar e ir até lá, mas o garçom se aproximou trazendo o pedido.

— Obrigada. — ela disse. — Eu poderia pedir um favor?

— Claro. — o garçom assentiu, era um garoto bem jovem, olhos azuis cristalinos e cabelos bagunçados.

— Se não for abusar demais, poderia me trazer um jornal ali da banca? — pediu meio sem jeito. — Gosto de ler enquanto tomo café.

— Claro, busco sim. — ele sorriu.

Melizza observou enquanto ele ia até a banca pela parede de vidro e voltar com o jornal nas mãos. Depois que entregou a ela, ele se afastou. Melizza desviou o olhar para os artigos de capa. Nada muito interessante. Ou ela não estava muito concentrada. De qualquer forma, entre um gole e outro ia lendo algumas notícias da região até que seu olhar parou em uma matéria na página policial: Terceiro suicídio em um mês é registrado na cidade. Melizza continuou lendo. E pareceu-lhe suspeito o modo como as pessoas estavam se matando. Todas elas cortando a jugular com cacos de vidro. Sangraram até a morte. Deixaram apenas uma carta de despedida um tanto ácida – como se desabafassem todas as frustrações de uma vida inteira – e o rádio ligado em uma frequência inativa.

Outras pessoas não veriam nada de anormal nisso. Melizza sim. As coisas nunca eram o que pareciam. Melizza terminou o café e metade da torrada, voltando ao motel no qual havia se hospedado. Com sorte o transito estava tranquilo. Depois de chegar, sentou-se atrás do laptop. Precisava ocupar a mente e uma pesquisa e um caso eram as respostas.

Homem se suicida depois do rompimento do relacionamento, era o primeiro dos três suicídios. Acontecera há pouco mais de três semanas. Segundo o artigo, o homem foi encontrado em casa depois de ter estourado a jugular. Uma poça de sangue banhava o chão. Havia junto a ele um pequeno bilhete direcionado a sua ex-namorada onde falava dos seus sentimentos a respeito do rompimento – e mais ainda, falava de como sua mente estava confusa. Ouvia coisas, via coisas e tinha a certeza de que sua vida havia acabado. Por isso colocou fim em todo o tormento deixando apenas o chiado de um rádio ligado.

Melizza continuou a procura do segundo caso. A segunda casa ficava cerca de dois quilômetros de distância da primeira. Jovem paraplégico comete suicídio. O mesmo esquema, jugular cortada com cacos de vidro de um aquário. O rapaz se suicidou em seu quarto na casa onde vivia com os pais deixando apenas a carta de despedida, como no primeiro caso, dessa vez falando sobre como era triste a situação na qual se encontrava. Segundo a mãe, o rapaz tinha depressão. Ele estava “desgastado mentalmente” – e Melizza perguntou-se se isso significava que o rapaz andava vendo coisas, pois ele não escreveu nada de forma direta e sim metáforas. E mais uma vez o rádio estava presente. O suicídio do jovem se deu seis dias depois do primeiro.

O terceiro havia acontecido na noite anterior há sete quilômetros do ponto inicial. Jovem se suicidou após briga em família, dizia em um blog de notícias locais já que o jornal englobava tudo e deixava as informações muito vagas. E o mesmo se repetia. A mesma forma de se suicidar, a mesma forma de se despedir com a carta direcionada aos pais – e essa deixava bem claro que via e ouvia alguma coisa sobrenatural, falava sobre vultos e sussurros que mostravam-lhe a verdade de que ninguém naquela casa a amava. Estariam fantasmas induzindo pessoas a se matarem? A ligação entre os três era bem óbvia: O rádio, a proximidade das casas e a fraqueza emocional.

Melizza juntou os textos. O mais importante era pesquisar o local das casa. Seria a próxima coisa a ser feita.

[...]

Poucas horas depois.

— Acorda, Bela Adormecida! — disse Dean em voz alta bem perto do irmão mais novo, fazendo-o acordar de sobressalto.

— Mas que... — Sam não terminou de falar, a claridade da janela lhe deixou um pouco tonto.

— Qual é, Sammy? — Dean agora parecia preocupado. — Você nunca foi assim. Nunca dormiu tanto assim. Parece mais comigo... — a julgar pela hora, mais de meia tarde, era realmente estranho. — O que foi?

— Eu só... Estava cansado. — Sam deu de ombros, logo após bocejou. — Só precisava recarregar a bateria.

Dean estreitou o olhar.

— E agora está tudo bem?

— Sim, sim, claro que sim! — Sam levantou-se e entrou no banheiro, logo depois o barulho da água da torneira foi ouvido. — E ai? — perguntou lá de dentro. — Alguma ideia para irmos atrás da tal Leah? Ou Melizza, sei lá.

— Eu pensei que podíamos voltar ao bar. — Dean sugeriu. — Talvez alguém lá saiba dela. É um bar de caçadores...

— Ok, e você acha que vão dizer alguma coisa dela? — Sam encarou-o na porta do banheiro. — Para nós?

— Se tivermos sorte. — Dean finalizou pensativo.

Dean esperou Sam tomar banho e se vestir e os dois saíram em direção ao bar outra vez. Sam conversava sobre algumas coisas no carro, mas Dean realmente não prestava atenção. Sam estava diferente – e Dean queria acreditar que fosse efeito da cura. Dormia demais, andava mais cansado que o normal. O mais velho só queria que tudo acabasse logo, essa preocupação constante era um saco.

O Impala estacionou diante do exótico bar. Dean e Sam desceram e entraram – o bar estava bem mais vazio por causa da hora, mas estava aberto. Sentaram-se em uma das mesas e logo um garçom veio atendê-los.

— O que desejam?

— Eu quero café. — Dean pediu prontamente, com um sorriso meio cínico. — Bacon, ovos fritos e panquecas.

— Um café para mim também. — Sam pediu. — Só isso.

O garçom balançou a cabeça, anotando.

— Vou trazer.

— Hey, espera ai! — chamou Dean. — Eu queria saber se você sabe de um cara que trabalha aqui... Esguio, mais ou menos da minha altura, cabelo escuro... Ele é recepcionista, estava aqui ontem no final da tarde.

— O Joe? — o garoto concluiu. — Joseph Kent. O que querem com ele?

— Precisamos falar com ele. — Dean limitou-se a dizer, Sam encarou-se sem entender o que Dean pretendia. — Sabe que horas ele chega por aqui?

— Ele está lá dentro, eu vou chamá-lo.

O garoto se distanciou, entrando em uma porta atrás do balcão. Passou por eles em seguida a loira que havia servido à mesa no dia anterior. Ela parou bem perto enquanto arrumava algumas mesas. Dean quase desviou sua atenção para ela.

— O que você vai fazer? — sussurrou Sam.

— Falar com Joseph Kent. Ontem parecia conhecer a garota. — Dean respondeu ao irmão em tom óbvio.

Não demorou muito para que Joseph saísse da mesma porta em que o garçom entrou, se direcionando os Winchester. O rosto inexpressivo. E claro, era mesmo o cara do dia anterior.

— Olá, querem alguma coisa de mim? — perguntou ao chegar à mesa.

— Sim. — Dean pigarreou, depois continuou. — Você sabe, a senhorita Agnel... Nós queríamos saber se você sabe onde ou como podemos encontrá-la.

Ele encarou-os por um momento.

— Sinto muito, eu não posso ajudar.

— É sobre um trabalho. — Sam continuou. — É muito importante.

— Nós precisamos realmente falar com ela. — Dean acrescentou.

— Eu não posso ajudar vocês, cavalheiros. — ele disse sério, com uma cara de poucos amigos. — Mas devo dizer que se vocês não sabem como encontrá-la, ela não quer que a encontrem.

O olhar sugestivo dele foi o bastante. Saiu sem dizer mais nada. Dean bufou, era uma ideia estupida, mas aparentemente a melhor que havia tido.

— E agora? — Sam indagou.

Dean abriu a boca para responder, mas uma garota – a loira – se aproximou. Na verdade foi na direta direção deles. Os Winchester levantaram o olhar ao mesmo tempo. Ela era inegavelmente bonita. Longos cabelos loiros e olhos verdes, com traços meio escandinavos.

— Vocês querem saber daquela garota que estava com vocês ontem?

— É... — Dean estava meio abobalhado. — É isso mesmo.

— Mitchie, não é? — Sam perguntou, ela balançou a cabeça positivamente. — Então, Mitchie... Sabe dela?

— Ela já veio aqui algumas vezes. — comentou a loira. — É uma amiga do Joe, uma velha amiga eu acho. Ela passou por aqui hoje. Eu não me enganaria, ela tem aquele jeito meio bruto... Nada simpática. Eu até diria um pouco azeda...

— Sim. — Sam cortou, a garota falava sem parar. — Sabe se ela vai voltar?

— Provavelmente. O que eu sei é que... — baixou o tom de voz. — Ela está em um trabalho!

— Trabalho? — Dean indagou, não sabia até onde a garota conhecia as coisas por ali.

— Eu não sei sobre o que é, mas foi o que ouvi... Um trabalho — Mitchie olhou para os lados assegurando-se que Joseph não estava por perto. — Eu também ouvi ela perguntar sobre uma lenda da cidade.

— Uma lenda? Que tipo de lenda? — Dean continuou indagando.

— Não é uma lenda tipo lenda urbana. — deu ênfase. — É tipo uma história que foi transformada em lenda. Uma história real segundo Kent. A história da família Rush.

— E como é essa história?

— Eu não sei, não sou daqui. — disse Mitchie. — Só ouvi falar disso hoje. Nem é uma informação útil, mas é o que eu sei.

— Obrigado Mitchie, ajudou sim. — Dean sorriu.

— Mas eu fiquei curioso... — disse Sam franzindo a testa. — Por que você quis ajudar?

— Porque acho que vocês são policiais. — pareceu sincera. — E eu não gosto dessa tal Leah. Ela é estranha. — Mitchie levou a mão na gargantilha apertando um crucifixo que antes estava escondido dentro da blusa. — Tem aquelas coisas tatuadas, símbolos satânicos... Você sabe, pentagramas...

Sam e Dean sorriram forçadamente. O garçom então se aproximou da mesa com os pedidos, fazendo Mitchie se afastar com um aceno rápido.

— É, eu acho que chamar ela para sair não rola. — ironizou Dean.

Os dois tomaram o café, depois voltaram para o Impala. Dean dirigiu até o hotel – Sam precisava fazer a pesquisa e o sinal de Wi-fi na cidade era péssimo. Não demorou muito para chegar a história da família Rush, foi relativamente fácil se comparada a outras tantas intermináveis pesquisas que Sam já fez. Não era uma lenda, era um fato. Um fato marcado na história da cidade. E esse fato rendeu a possível lenda.

— Então, é o seguinte... — Sam começou fazendo Dean encará-lo com atenção enquanto tinha uma lata de refrigerante em mãos. — Pelo que se sabe a família Rush viveu na cidade há uns cinquenta anos. O casal tinha três filhos, mas um deles, o mais novo, era diferente.

— O nosso diferente ou o diferente normal? — indagou Dean.

— Nada de sobrenatural. O garoto nasceu deformado. Algo genético. — explicou Sam. — A família se envergonhava disso, desde pequeno o manteve em casa e com o passar do tempo alguns problemas mentais se tornaram visíveis, ai piorou a situação. Os vizinhos disseram que eles o trancaram em alguma parte da casa e já não falavam sobre ele. Era como se ele não existisse.

— Meio Corcunda de Notre Dame essa história. — comentou Dean franzindo a testa em admiração.

— Os vizinhos que moravam lá naquela época relataram que os pais do garoto ligavam o rádio no volume máximo para que não ouvissem os gritos. Só que um dia perceberam que o rádio estava ligado initerruptamente por muito tempo. Eles entraram na causa e encontraram todos mortos. — pausou, corrigindo-se depois. — Quer dizer, não todos. Só os pais e os dois filhos mais velhos. Eles já estavam mortos há pelo menos cinco dias quando os encontraram.

— Puxa... Um rádio fica todo esse tempo ligado e só acham estranho no quinto dia? — Dean disse meio pasmo, meio irônico. — E o garoto?

— É ai que começa a lenda. — disse Sam. — Os vizinhos acreditavam que era culpa do garoto, que de alguma maneira ele havia escapado e havia matado os país em um surto. Mais ninguém poderia ter feito isso, a casa estava fechada e nenhum movimento foi visto. O problema é que o garoto simplesmente sumiu. E nunca mais foi visto em parte alguma. Mas muita gente passou a acreditar que ele havia se matado e passou a assombrar a casa. Cinco anos depois, cerca de cinco suicídios chamaram a atenção dos moradores da rua. Um depois do outro, todos antes relataram ver vultos e ouvir vozes, depois se mataram. Essa crença fez os vizinhos se mudarem, em poucos meses virou uma rua fantasma. Aposto que é isso que essa garota foi caçar ou está investigando.

— Como pode ter tanta certeza? — Dean estreitou o olhar com curiosidade.

— Em todos esses anos houveram vários suicídios com os mesmos padrões em uma área de dez quilômetros. — disse Sam voltando-se ao computador. — E os últimos três foram registrados nesse mês. Um homem, um garoto paraplégico e uma jovem. Todos eles passando por um momento difícil, seja o rompimento de um relacionamento, depressão ou a separação dos pais. Estouraram a jugular e deixaram cartas de despedida, alguns deles citando ter visto ou ouvido coisas...

— Mas como o espirito do garoto iria para tantas casas assim? — Dean cortou Sam, indagando. — Quer dizer, espíritos podem assombrar casas, objetos e até pessoas que tenham alguma ligação forte... Eu só não vejo o motivo que faria o espirito ir a tantas casas assim quando quer.

Sam parou pensativo.

— Eu acho que sei como. — concluiu o caçula.

[...]

O Impala estacionou pouco antes da casa abandonada. Sam e Dean desceram. Mais à frente havia um Camaro cinza metálico – e Dean poderia apostar que era de Melizza. Os dois olharam em volta, o lugar era o cenário perfeito para histórias de fantasmas. Quase não podia-se ver os fundos da casa por causa da neblina densa que cobria todo o redor. Não havia qualquer tipo de iluminação ou outras casas por perto. Tudo era coberto por um matagal. A casa era de madeira antiga e não era muito pequena, mas estava bem desgastada. Não dava para entender como ela ainda estava em pé, na verdade. O cheiro naquele lugar era bastante forte, quase insuportável, como o de vários animais podres.

Torcendo o nariz, Dean iniciou o caminho até a porta. Sam o seguiu. Como eles já esperavam, a porta estava entreaberta. Sam segurou uma lanterna e Dean a outra, ambos com um revolver carregado com balas de sal – eram muito úteis se o assunto era fantasmas. Os dois entraram logo no que parecia ser, ou ter sido, a sala da casa. Estava tudo muito escuro, só o que puderam ver era os possíveis moveis cobertos com lençóis brancos, todos empoeirados. Cortinas nas janelas que esvoaçavam por causa dos vidros quebrados. Objetos jogados pelos cantos e um forte odor, o mesmo de antes, parecia estar presente por todo o lugar.

— Cadê uma boa faxineira quando se precisa dela, hein? — Dean perguntou em tom baixo e irônico enquanto iluminava os cantos do lugar.

Sam passou à frente do irmão entrando em outro cômodo igualmente escuro. O mais velho o seguiu. Era um corredor estreito e úmido, com uma porta que dava para a parte do quintal, mas que estava em péssimo estado. No final do corredor uma escada para o segundo andar da casa. Sam e Dean se entreolharam antes de começarem a subir ao mesmo tempo. As tabuas rangiam, então eles subiram lentamente. Chegaram a um novo corredor, menos estreito que o primeiro, com duas portas. A primeira, totalmente quebrada. Era um quarto grande e tinha uma cama de casal enferrujada, além de outros objetos jogados no chão. O segundo tinha a porta entreaberta. E ao se aproximarem dele, ouviram passos lá dentro.

Esperaram o momento certo, então entraram.

Ao mesmo tempo que a luz de uma lanterna foi parar nos rostos deles, as deles iluminaram o rosto de Melizza. Ela os encarava de olhos arregalados, respirava pesadamente devido ao susto e teve que morder o lábio para não gritar.

— O que fazem aqui? — ela cerrou os dentes com a voz fria.

— O mesmo que você, admirando a paisagem! — Dean ironizou.

— Não é brincadeira. — disse ranzinza. — Fora daqui, esse é um trabalho meu.

— Não seja possessiva. — Dean disse com um leve sarcasmo, mas depois sua expressão se tornou séria. — Na verdade estávamos te procurando. Procuramos a tarde inteira. Nós precisamos conversar.

— Pois nós podemos tomar um café com biscoitos enquanto assistimos Glee e fazemos tricô. — foi sua vez de ironizar. — Mas agora estou meio ocupada. — deu ênfase, Dean deu um riso abafado que a fez fitá-lo. — Qual é a graça, Winchester?

— Nada. — Dean deu de ombros, em seguida estreitou o olhar. — Você tem um humor bem parecido ao que seu tio tinha.

Os dois se encararam.

— Do que está falando?

— Sobre Melizza Singer. — respondeu Dean. — Você sabe quem ela é!

— Não, eu não sei. — mentiu de forma péssima.

Melizza já sentia-se tremula. Os nervos à flor da pele. Como aqueles dois idiotas foram capazes de invadir a sua privacidade? Como chegaram a verdade? Talvez os dois conhecessem muito bem Bobby para achar alguma brecha, embora tivesse quase certeza que ele nunca a havia mencionado.

— Sim, você sabe. — Dean insistiu, Sam encarou o irmão hesitante, já não tinha certeza se aquele era um bom momento. — E conhece muito bem. Quase como se fosse parte de você.

Foi tudo muito rápido. Dean sentiu algo golpear seu estomago e acabou dando passos para trás, batendo as costas na parede. Melizza havia lhe dado um chute ágil e inesperadamente. Ela o fuzilava com o olhar. Antes mesmo de que ele se esquivasse de um novo golpe Sam segurou-a pelo braço. Melizza sentia que ele a pressionava, remexia em coisas que não era da sua conta, seu sangue fervia. Mas ela sabia que aquela havia sido uma atitude tola. Como caçadora Melizza – ou Leah – não cedia a impulsos. Mas naquele momento se sentia tão acuada, a magoa pela morte de Bobby e pelo distanciamento deles, a culpa que embora ela tentasse jogar nos Winchester – ela sabia – era só dela, tudo isso martelando na sua cabeça... Só o que queria era dar uma surra naquele idiota, mas quando Sam segurou seu braço ela percebeu que essa não era a sua forma de agir, não costumava atacar como uma menininha frustrada. Respirou fundo, soltando-se.

— Você é maluca! — reclamou Dean.

Ela não o encarou.

— Depois falamos sobre isso, Dean. — sugeriu Sam tentando manter a calma entre os dois.

De qualquer jeito um som os chamou a atenção lá embaixo, um som como um ruído de rádio.

Merda! — Melizza resmungou.

Imediatamente tirou duas bolsinhas pequenas de sal da jaqueta jeans, jogando uma delas para Sam e com a outra em mãos, começou a fazer um círculo. Sam fez o mesmo. Os três ficaram dentro do círculo desenhado no chão enquanto os sons continuavam.

— Então é isso... — Dean começou, iluminava o quarto com a lanterna, atento a tudo ao seu redor. — O espirito usa e controla a estática do rádio para sair por ai.

— Isso significa que ele deve ter morrido logo após a morte do resto da família, quando o rádio estava ligado. — Melizza acrescentou também atenta.

— O espirito atormentado ficou preso a estática. — concluiu Sam. — Temos que achar o corpo, salgar e queimar.

— Mas como? — Dean perguntou ao irmão. — Se nem a polícia na época achou o corpo ou soube o paradeiro...?

— Porque os polícias não achavam que o garoto estava aqui. — Melizza disse, pela cara de Dean ele não havia entendido nada. — Os parentes disseram que Mikael Rush já havia morrido há muito tempo. Era o que os próprios pais desse garoto diziam. Mas os vizinhos sabiam que não era bem assim. Eu acho que os polícias tiveram preguiça e encerraram o caso.

— Maravilha! — Dean exagerou no sarcasmo.

— Os locais diziam que ele ficava preso no sótão. Eu vasculhei o sótão, era o lar de ratos com certeza... Mas não de uma criança assim. — pausou. — Quer dizer, não havia sinais... E eu já olhei a sala, o quarto dos pais, a cozinha, um dos dois banheiros, não encontrei nada ainda.

— Nós precisamos ver o resto da casa. — concluiu Sam um pouco tenso.

Os três se olharam e ao mesmo tempo perceberam um silencio total. Isso nunca era bom. Com os revolveres preparados e carregados com balas de sal, os três desceram as escadas novamente. Tudo estava quieto, quieto demais. Estavam no estreito corredor outra vez. Nenhum só ruído além dos seus passos e dos rangidos do assoalho velho.

O último lugar da casa a procurar acabou sendo o mais óbvio. O porão ficava no fim do mesmo corredor – e era uma pequena porta oposta a escada que levava ao andar de cima – eles só não desceram antes porque realmente não sobre sua existência. Era inevitável, eles tinham que fazer. A maioria das pessoas evitaria, mas caçadores já estavam acostumados ao constante clima de terror. Melizza e Sam destrancaram a porta enquanto Dean dava cobertura. Atrás daquela porta a escuridão era densa, bem pior que no resto da casa. As lanternas se tornaram pequenos focos de luz.

— Eu apostaria que a diversão está toda ai embaixo. — Melizza brincou, tentava ver alguma coisa

— Ok, eu vou na frente. — Dean anunciou. — Vocês me seguem!

— Hey, hey! Calminha ai bonitão! — Melizza impediu-o de passar com o braço, Dean a encarou sem entender. — Esse trabalho é meu. Eu não sei se você está acostumado a dar ordens, mas...

— Você é louca? — Dean franziu a testa. — Isso não é questão de liderança.

— Não? Pois me parece que você quer estar à frente de tudo...

— Vamos deixar para discutir isso depois. — Sam se meteu, o seu tom era baixo. — Melhor nos concentrarmos em não morrer.

Dean e Melizza se entreolharam e Dean seguiu em direção a porta logo depois. Melizza bufou dando-se por vencida, descendo logo após o Winchester. Sam os seguiu por último. Os três desceram pela escada de ferro que estava um pouco frouxa e entraram na total escuridão. O ar estava bastante úmido, se ouvia gotas pingando em algum lugar como um vazamento de canos. Aquele era um espaço pequeno, o chão era de terra batida e não havia mais que alguns barris e caixas amontoadas por toda a parte. Com a ajuda das lanternas notaram que havia uma parede divisória feita de madeira bem forte e trancada com algumas cordas. Na madeira havia apenas uma abertura – bem pequena, por sinal – com grades finas porém firmes. Segundos depois de estarem lá embaixo os três já puderam sentir o ar frio invadindo os seus pulmões.

— Fiquem atentos. — disse Melizza com a arma em punhos.

— Vem, Sam... Me ajuda aqui! — pediu Dean enquanto desamarrava a porta. — Me ajuda a abrir essa porta!

Sam imediatamente começou a ajudar o irmão enquanto Melizza estava atenta, usando a lanterna para olhar em todas as direções. Ela caminhou até a abertura da parede, iluminando pelas grades lá para dentro. Definitivamente alguém havia estado ali por um tempo. Haviam dois colchões no chão, cobertores rasgados e alguns panos, todos podres e cheios de bichos. O cheiro era quase insuportável. Melizza fez a volta ao redor daquela outra parte do porão com a luz da lanterna enquanto Sam e Dean se apressavam para abrir a porta que a mantinha fechada e, para seu espanto, acabou encontrando um rádio velho em uma prateleira alta, provavelmente para impedir que o garoto alcançasse. Ficava logo abaixo de uma pequena janelinha que possivelmente dava para o chão do quintal. Agora estava toda tapada com terra, mas antes talvez servia para que alguma corrente de ar entrasse para o porão. Se podia ver que era um rádio a pilhas, todo danificado por causa do tempo. Obviamente o som que eles haviam ouvido não vinha dele, era um ruído fantasma.

Dean resmungava coisas enquanto ele e Sam se esforçavam com as cordas que já estavam podres e a porta que estava emperrada. Enquanto Melizza observava o lugar que mais parecia um quarto do pânico sentiu um sopro no seu pescoço. Arrepiou-se engolindo a seco. Por instinto girou nos calcanhares com o revolver pronto e atirou no que estava bem a sua frente. Fantasmas eram uma imagem transparente – talvez não tanto quanto nos filmes – densa e que se dissolve com agilidade, indo de um lado para o outro em questão de segundos. Aquelas balas de sal eram uteis, mas não o mandaram embora definitivamente. A presença do espirito ainda era sentida. E embora o intervalo entre virar-se e atirar tivesse sido curto, Melizza pode ver sua aparência. Era um garoto de uns dez, onze anos. O rosto se assemelhava com o de alguém que teve paralisia facial. O lábio superior levantado, os contornos tortos, os dentes trincados e um olhar vazio. Os braços eram tortos, as mãos e os dedos também. Não era uma visão muito agradável, mas era bem mais triste pensar que tudo era culpa de uma atitude ignorante dos pais que excluíram o garoto por vergonha. Toda aquela raiva contida. O garoto havia passado todos os anos que vivera como um animal enjaulado, não era de se admirar o fato dele ficar preso em suas próprias magoas após a morte.

Finalmente os Winchester conseguiram abrir a porta, revelando o esconderijo e lar do garoto quando o mesmo era vivo. Mais uma vez o espirito apareceu, agora bem diante de Dean.

— Cuidado! — gritou Sam atirando no fantasma que sumiu no ar.

Ouviu-se o barulho da porta de entrada do porão batendo.

— Filho da mãe! — Dean disse ríspido e bastante tenso. — Vamos logo...

Sam e Melizza começaram a vasculhar o local. O chão também era pura terra e não havia nenhum esconderijo aparente, nenhum tipo de buraco no solo ou algo desse tipo. Foi Sam que percebeu na parede, abaixo da prateleira onde estava o rádio, uma tabua solta.

— Aqui! — disse ele se aproximando.

Melizza e Dean olharam em sua direção. Sam retirou a tabua com cuidado e um cheiro forte se espalhou pelo ar. Um esqueleto se fez visível. Estava meio torto, com certeza o garoto dobrou para caber ali. Aparentemente havia usado um caco de vidro para se matar, pois era o que tinha em suas mãos. Havia um pouco de carne ainda, morta e podre. Melizza torceu o nariz, buscando em sua jaqueta um frasco com gasolina que entregou a Sam enquanto ela mesma jogava o sal que estava em outro saquinho sobre o cadáver. O nervosismo surgiu logo depois. O isqueiro de Sam não funcionava, nem o de Dean, nem o dela. O dela nunca havia lhe deixado na mão. Era uma corrente de ar frio que apagava o fogo toda a vez. Enquanto isso o fantasma aparecia uma, duas, três vezes. Dean já havia dado tantos tiros que sua arma havia descarregado. Melizza cedeu a sua.

— Droga! — reclamou Dean, impaciente por brincar de esconde-esconde com o fantasma. — Vamos logo!

— Calma! — respondeu Melizza bastante irritada.

O espirito pegou Dean desprevenido, jogando-o contra a porta de madeira, mas Sam foi rápido em atirar no mesmo que sumiu no ar. Melizza achou melhor ir no outro lado do porão, lá não tinha a corrente de ar que estava apagando o fogo e se fosse preciso usaria um pedaço de papel ou de pano para finalmente colocar fogo no cadáver. Mas poucos segundos depois Sam e Dean ouviram um grito.

— Melizza! — Dean chamou, correndo na direção da porta.

O que viu foi Melizza presa a parede com o fantasma apertando sua garganta e visivelmente ela quase não conseguia respirar. Dean deu dois tiros com cuidado na direção do espirito que, como sempre, desapareceu. Melizza caiu, passando a mão na garganta e tossindo. Conseguiu achar seu isqueiro que havia caído no chão, mas em seguida a porta bateu deixando Dean e Melizza de um lado e Sam do outro.

— Sammy! — gritou Dean com desespero.

Sam virou-se percebendo que estava trancado. O fantasma apareceu bem ali na sua frente e como um reflexo, Sam atirou. O espirito do garoto sumiu, mas numa fração de segundos reapareceu bem ao seu lado. Um impulso jogou o revolver no chão e o fantasma colou-lhe na parede, apertando sua garganta da mesma forma que estava fazendo com Melizza. Do outro lado, Dean e a garota tentavam abrir a porta. Foi ai que tudo aconteceu.

Pela abertura foi possível ver o fogo. As chamas iam até o teto. Não era o típico incêndio, mas parecia um fogo controlado. Então segundos depois tudo acabou. A porta se destrancou. Quando Dean e Melizza entraram o corpo havia virado cinzas. Sam estava de costas e o fogo sumia como se ele o controlasse.

— Sam? — Dean se arriscou a perguntar.

— Está tudo bem, Dean. Eu salvei seu irmão de novo. — o tom de voz de Sam era diferente.

Ele virou-se para os dois. O rosto inexpressivo. O olhar sem brilho encontrou os olhos curiosos de Melizza.

— Que diabos...?

Só então Dean percebeu que Melizza agora sabia do segredo que colocava em risco a vida do Sam. Isso era grave. Ele abriu a boca para respondê-la. Teria que inventar algo urgente, mas parou ao ver que Ezekiel se aproximava dela com os olhos cravados nos dela. Sem dizer nenhuma palavra Ezekiel parou em frente a Melizza e estendeu a mão, tocando-lhe a testa. Dean imediatamente percebeu que a intenção do anjo era apagar a sua memória. Melizza sentiu uma pressão, mas nada aconteceu. Ezekiel tirou a mão da testa dela pasmo e ela sorriu.

— Pois é, eu já me precavi. — disse levantando a manga da blusa e revelando uma série de tatuagens.

Símbolos. Vários deles. Alguns de proteção, como o pentagrama. Esse Dean já conhecia bem, ele e Sam também tinham ele tatuado. Impedia a possessão. Os demais eram de várias culturas. E um deles – Ezekiel reconheceu – um símbolo antigo dado aos judeus através dos profetas. Limitava alguns poderes dos anjos, entre eles o ato de limpar a memória.

— Eu vou adorar saber o que diabos está acontecendo! — ela estreitou o olhar para Dean que estava tentando encontrar uma boa desculpa. — Seu irmão está possuído por um anjo! Por que seu irmão está possuído por um anjo?

— Deixa que nós conversamos. — Dean disse dando um olhar sugestivo ao anjo e puxando a garota. — Você... Cuida do resto.

Ezekiel assentiu.

Melizza estava meio pasma com o que tudo aquilo podia significar. Entrando na outra metade do porão, Melizza parou perto de escada encarando Dean.

— Então? — Melizza notou Dean hesitar. — Eu sou uma caçadora e eu sei que todas as confusões nas quais vocês se meteram quase acabaram com o mundo. Essa situação já é por si só estranha. Tem um anjo no seu irmão, Dean. E isso não é uma coisa boa.

— Isso não tem nada a ver com o que já aconteceu, tem mais a ver com a vida do Sam, com salvar a vida dele. Meu irmão estava morrendo. Ele se feriu com os testes para selar o inferno, testes que estavam na Tábua da palavra de Deus. E ele se feriu de uma forma irreversível. Ezekiel surgiu como resposta as minhas orações. E eu não sou muito de rezar, por isso é quase um milagre. — pausou, Melizza arqueou a sobrancelha. — Ezekiel é um bom soldado. Ele está curando meu irmão por dentro, mas enquanto isso o Sam não pode saber.

— O que?

— Sam pode expulsá-lo. E se expulsá-lo, ele morre. Não está pronto para isso. Eu não posso correr esse risco. — Dean dizia de uma forma ansiosa.

— Eu não entendo. — Melizza balançou a cabeça. — Como ele pode estar nele sem Sam saber? Como ele disse sim ao anjo?

— Eu dei um jeito. — Dean não queria entrar em mais detalhes. — Sei que nós não nos conhecemos, mas eu quero te pedir que não diga nada ao Sam. Eu não posso correr o risco de perder o meu irmão.

— Dean...

— Eu não sou de implorar, Deus sabe disso. — ele interrompeu-a. — Mas eu sei que você não me deve nada para fazer isso por lealdade ou amizade. Eu só te peço, por favor... Não... Não diga nada ao Sam. Ele não suportaria, não aceitaria depois do que aconteceu com Lucífer e todo o resto.

— Dean, tem certeza do que está fazendo? — ela o encarou, séria. — Se você mesmo disse que Sam não aceitaria, acha que ele vai te perdoar? Acha que isso vale a pena? — ela pausou, Dean respirou fundo. — E como você disse, você e eu não nos conhecemos... Mas como caçadora eu pergunto se você sabe todos os riscos que está correndo em relação ao seu irmão?! Você sabe, mal se pode confiar e acreditar no que morre com uma faca de cozinha, imagina no que não.

— O que eu sei é que eu não vou deixar meu irmão morrer. — Dean respondeu convicto. — Isso vale a pena. Eu perdi a minha mãe e eu perdi meu pai, o Sam é a única família que me resta. — os dois se encararam. — E você sabe como é ficar completamente sozinho?

— Dean? — a voz de Sam desviou a atenção dos dois.

Vinha do outro lado. Dean correu até lá e Melizza o seguiu. Lá encontraram Sam caído ao lado da parede com o olhar perdido. Era humano outra vez. E Melizza notou, ele parecia não ter ideia do que havia acontecido. Não havia fumaça nem marcas do fogo, só o corpo em cinzas. Era como se nada tivesse acontecido.

— Sammy, você está bem? — Dean perguntou preocupado.

— Sim... — ele olhava ao redor confuso. — Eu acho que sim. O que aconteceu?

— Ahn... — Dean olhou para trás, para Melizza, depois voltou a olhar Sam. — O fantasma, ele...

— ... Te tirou do ar, Winchester. — Melizza disse em tom de brincadeira. — Está precisando treinar. Dean e eu conseguimos colocar fogo e o Gasparzinho se foi, fim da história.

Dean estava surpreso e aliviado, Melizza havia guardado o segredo.

[...]

Mais tarde...

A manhã já estava chegando ao fim e a temperatura era agradável. Apesar disso o céu nublado e as nuvens pesadas anunciavam que choveria em breve. A noite havia sido agitada para os Winchester e para Melizza – ou Leah, eles ainda não sabiam como chamá-la ao certo. Os garotos chegaram no motel quando os raios do sol já surgiam no horizonte. Descansaram por pouquíssimas horas. Dean teve a impressão de ouvir Sam roncar levemente na cama ao lado, mas ele mesmo não dormiu. Se antes a situação de Sam já era delicada, agora era compartilhada com uma estranha. O que lhe garantia que era seguro? O fato de ser a provável sobrinha do Bobby com certeza não era.

Enquanto dirigia até seu motel, Melizza observou o céu ganhando cor. Algo não estava bem agora. Se fosse antes, ela com certeza sairia da cidade sem mesmo pensar duas vezes. Agora não. Agora ela queria pensar. E sabia que tinha algum tempo para isso. De volta ao motel, Melizza jogou-se na cama. Só então sentiu o cheiro de purificador de ar barato que sozinho não conseguia disfarçar o fedor de fumaça de cigarro e bebida que já estava impregnado naquele quarto. Típico.

Estava inquieta, cochilou por apenas alguns minutos. Ela tomou um banho rápido e dirigiu até o motel onde sabia que os Winchester ainda estavam hospedados, passando antes por um fast-food. Bem mais que seus tormentos e crenças pessoais, seu instinto estava na jogada. Eles estavam no mesmo barco agora, por mais que lhe custasse admitir.

Melizza estacionou o Camaro atrás do Impala. Sam e Dean arrumavam algumas coisas no porta-malas. Admiraram-se. E Dean até ficou um pouco tenso. Ele não fazia questão de saber mais nada. Não se sentia seguro como antes. Melizza já havia feito um favor grandioso, ele não podia exigir nada nem pressioná-la. Mas ali estava ela, com um copo de café nas mãos e um sorriso quase inocente. Eles pararam enquanto ela fazia a volta até eles.

— E ai? — Sam perguntou simpático. — Tudo bem.

— Igual há seis horas atrás. — ela respondeu, mas sem soar ríspida. — Já estão de saída?

— É... — Dean estava visivelmente incomodado, o que fez Melizza encará-lo. — Acho que por aqui já deu.

— Novo trabalho?

— Não, não ainda. — o caçula respondeu distante do dilema do outro. — Mas já estamos definitivamente de volta a estrada.

— Isso é bom. Eu também já estou indo, passei aqui porque temos uma conversa pendente. — ela disse fazendo os irmãos a encararem. — E eu cumpro a minha palavra...

— Nós sabemos que não é da nossa conta. — Sam disse sem jeito. — Mas isso é importante. O Bobby era como um pai. Essa resposta é o mínimo que devemos a ele.

— Eu sei. — ela balançou a cabeça impaciente, aquilo lhe lembrava de coisas e ela não desejava lembrá-las agora ou desistiria. — Tenho certeza que o Bobby foi bem mais uma família para vocês do que... — um ar de rancor pairava ao seu redor, mas ela sabia que só ela poderia senti-lo. — E mesmo que um lado meu queira mandar vocês para o inferno. Eu acho que deveria ter feito isso antes... Eu deveria ter tido coragem antes. — desviou o olhar. — É muito mais difícil do que pensei, mas... É, é isso. Eu sou Melizza Singer.

Por um momento nenhum dos três disse nada.

— Isso é maluquice! — Dean estava surpreso, mesmo sabendo que essa era a resposta mais possível. — Quer dizer, o Bobby nunca falou da família...

Melizza abriu um sorriso amargo.

Era de se esperar alguma coisa ao contrário?

— O Bobby, ele sabia que você era caçadora? — indagou o mais novo.

— Não. Eu não queria que ele soubesse. É a razão do nome falso. — disse com sinceridade. — Provavelmente nunca suspeitou.

— Mas ele nunca procurou saber? — Sam franziu a testa surpreso. — Ou... Não sei, não telefonou?

— Não. — Melizza balançou a cabeça negativamente. — Mas eu também nunca fiz o contrário, até agora...

— Nós sentimos muito. — Dean disse com pesar na voz.

— Nós sabemos como é.... — Sam acrescentou.

— Mas não foi só para isso que os procurei. — Melizza disse depois de respirar fundo. — E não é só para isso que estou aqui. Eu não devia nenhuma explicação a vocês, mas...

— O que foi?

— Eu quero ajudar. — embora todos os seus nervos fossem contra essa atitude, Melizza continuou. — Eu realmente quero ajudar. Eu sou uma caçadora. Aprendi que não há tempo para o luto. O trabalho não espera. E há muito trabalho. — ela pausou. — E eu sei que vocês são a ancora desse navio e é melhor ajudarmos uns aos outros antes que essa porra afunde de vez.

Melizza gostava de ser curta e grosa.

— Não temos nada ainda. — Dean titubeou. — Nem sabemos por onde começar.

— Eu só quero estar por perto. Não estou pedindo que confiem em mim, dizendo que vou virar um chaveirinho ou nada disso. Eu só quero...

— Pode vir com a gente. — Sam pegou Dean de surpresa, o mais velho olhou o caçula um pouco torto. — Não que saibamos para onde vamos, mas toda a ajuda é bem-vinda.

— É, é claro. — Dean concordou contra a vontade, abrindo um sorriso torto.

Melizza não estava tão tranquila com isso e ela também percebeu de imediato o quanto Dean havia ficado insatisfeito, mas isso não importava. Já dentro do carro um Dean inquieto estava confuso com a atitude de Sam. Incomodado. Ele quase conseguia ler no rosto de Melizza que a intenção era outra.

— Eu não acho boa ideia ela na nossa cola. — resmungou ao irmão que estava no banco do carona, em seguida levantou o olhar ao retrovisor observando logo atrás o Camaro. — Eu não confio nela. Não é só porque ela é sobrinha do Bobby que devemos confiar. Antes ela estava toda seca, cheia de segredinhos. Agora resolve confiar na gente?

— Dean, relaxa! — Sam ponderou.

— Relaxar? Sam! — Dean estava estupefato. — Não é porque ela é sobrinha do Bobby, não é porque ela é do sangue dele, que podemos considerar. Família é mais que isso. Tem que fazer por merecer.

— Eu sei, Dean. Você me disse isso. — Sam cerrou os dentes meio impaciente, o que era óbvio para ele era que Dean não estava raciocinando. — Mas isso não é sobre pertencer a família... Não a nossa... Nem ser digno ou não de confiança. Eu não estou falando nisso.

— Ah, então eu não sei do que pode ser.... — Dean estreitou o olhar. — Porque eu não vejo outro motivo para andar com essa garota para cima e para baixo se não temos confiança nela!

— Não é só sobre isso. Devemos isso ao Bobby agora que sabemos sobre ela. Ficou claro que ele quis, acima de tudo, protegê-la dessa vida na qual por infeliz coincidência ela se meteu.

— E o que pretende? — o mais velho perguntou. — Que sejamos guarda-costas dela? Sam, essa não é uma boa hora.

— Essa é sim a hora. Dean, que diabos?! — Sam não entendia a atitude do mais velho, Dean nunca agiria assim. — Nós sabemos como é estar na cara da morte a cada segundo nesse trabalho. Ellen, Jo, o próprio Bobby... Quantas vezes na nossa infância pensávamos que o nosso pai era o super homem e que nunca o destruiriam? Se eu posso ajudá-la em alguma coisa sabendo que ele se esforçou para mantê-la bem, eu farei. Farei por todas as vezes que ele me ajudou. Mas a verdade aqui é outra... Tem outro motivo, não tem? — ele fitou Dean. — E é um motivo muito forte para não querer ela por perto!

— Eu não confio nela. — Dean respondeu, mas Sam não acreditou que fosse só isso. — Mas... Vamos ver como isso vai ser.

Dean ligou o carro e acelerou. Parecia que os problemas só aumentavam.

Melizza ligou o carro e preparou-se para segui-los. Dean não estava tão errado, ela não queria só fazer amizade. Seu instinto lhe dizia que os Winchester atraiam problemas e a situação de Sam com certeza era um. Se a barreira se rompesse ela queria estar por perto. Por mais que odiasse estar na presença dos dois. Por mais que tudo o que houve com Bobby lhe agoniasse. Dessa vez as coisas não estariam fora do controle.


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Notas finais do capítulo

Erros? Nos puxem as orelhas!!!



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