When Heaven's Falling & Hell's Rising escrita por Elyza Borges, Jenny Lopes, Yanna Nenevê


Capítulo 1
Capítulo 01 – Bobby’s Secret.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472310/chapter/1

Interestadual 229, Dakota do Sul.

Entrada de Sioux Falls.

It's gotta be a heaven somewhere. Can you save me from this hell? Can anybody out there feel me? Cuz I can't seem to feel myself. — cantarolava junto com a música que tocava no rádio do carro no volume máximo. — Losing my way. Keep losing my way. Keep losing my way. Can you help me find my way?

Desligou o rádio quando viu a placa “Welcome To Sioux Falls”.

Suspirou. Era a segunda vez que Melizza entrava naquela cidade. Antes como uma menina assustada com tudo o que estava acontecendo ao seu redor. Agora era diferente. Agora ela não tinha medo de nada.

Era até engraçado como as lembranças lhe vieram tão claras a mente. Naquela entrada da cidade ainda haviam os mesmos carvalhos e a cerca frouxa de uma chácara abandonada. Fazia tanto tempo desde a primeira vez. Tantas coisas já haviam se modificado drasticamente em sua vida... Melizza havia conhecido ali a sua essência, o que trazia no seu sangue, ali tudo havia começado.

Não era mais uma cidade pequena – não como lembrava, apesar de sair de casa tão poucas vezes na época – agora haviam inúmeros restaurantes, lanchonetes, lojas, fast-foods... Tanta coisa havia se instalado por ali. Ela lembrava das ruas, mas tudo era bem vago. Com medo de se enganar, resolveu ligar o GPS.

O Camaro LT 75 cinza metálico seguiu em direção ao Ferro Velho Singer a toda velocidade. Algumas coisas lhe roubavam a atenção – como a nova decoração da praça antiga, algumas vitrines de lojas novas ou uma loja utilidades feitas de madeira. Tudo estava tão diferente e modernizado que acabava despertando sua curiosidade. A jovem de cabelos castanhos, olhos também castanhos e pele clara, seguia com todo o foco. O seu destino não estava mais tão longe.

Virou na terceira esquina, seguiu alguns segundos à frente e.... Não entendeu o que sua visão alcançou. Ainda estava ali a placa enferrujada, a cerca de arame torta, os carros velhos e sucatas paradas. Mas a casa não estava inteira. O lugar parecia abandonado há tanto tempo. Melizza desceu do Camaro e sentiu a sua garganta apertar. Lembrou-se de quando brincava por ali, se escondendo entre os carros e as carcaças do que um dia foi um carro. Rufus sempre se animava em distrai-la, brincar com ela enquanto Bobby estava resolvendo assuntos mais sérios.

De fato Bobby não tinha o mínimo jeito com garotas. Garotos eram mais fáceis de distrair. Eles brincavam e se sujavam com óleos, com lama, não havia tempo ruim para eles. Garotas não eram sempre assim, nem sempre se interessavam em aprender mecânica – embora Melizza fosse uma feliz exceção, carros eram fascinantes para ela – e Bobby não sabia como lidar com situações femininas. Rufus sim. E era óbvio que se devia ao fato de Rufus ter tido uma filha. Mas Melizza não era nenhum enigma. Depois de tudo, os simples momentos de lazer estavam bons para ela e foi justamente naquele pátio repletos de sucatas que ela teve alguns desses bons momentos. Mas agora estava confusa.

Onde ele estava?

Onde seu tio estava?

— Hey, moça?! — algum tempo depois Melizza ouviu uma voz feminina por perto e acordando de seus pensamentos, virou-se.

Haviam duas mulheres. Uma loira, de olhos claros, aparentava ter uns quarenta e poucos anos. A outra era morena, olhos verdes bem fortes, aparentava ter bem mais que a primeira, talvez uns cinquenta ou sessenta anos. Ambas a olhavam com curiosidade. Melizza franziu a testa.

— Sim?

— Desculpe, nós achamos estranho alguém vir aqui e rondar essa casa. — disse a loira levantando o olhar para a velha casa dos Singer, por um momento notou-se incomodada com a visão, como se uma lembrança ruim aflorasse. — É que há algum tempo que ninguém aparece por aqui. Só queríamos ver se precisa de ajuda?!

— Eu... — hesitou. — Quem são vocês? Vocês moram por aqui?

— Sou Marcy Ward, moro aqui há uns quatro anos. — se apresentou a loira.

— E eu sou Sara. — disse a outra, imediatamente Melizza lembrou-se quem era ela, algumas vezes havia brincado com a filha mais velha da tal mulher. — E eu acho que sei quem você é.... — Melizza percebeu a loira, a Marcy, fitando Sara com atenção. — Você é a garotinha?! A sobrinha do Robert! Você deveria ter uns seis ou sete anos...

— Sete. — disse Melizza.

— Você cresceu tanto. — Sara tinha aquela voz surpresa. — E quase não mudou nada! O mesmo rostinho!

— É.... Mas pelo visto esse lugar mudou! — Melizza olhou em volta. — O que foi que aconteceu aqui? Onde está meu tio?

Sara imediatamente baixou o olhar. Marcy encarou a garota, mas não tinha tanta tristeza no olhar quanto Sara. Estava mais para indiferente. Melizza estreitou o olhar, sentiu seu interior tremer.

— Sinto muito, criança. — disse Sara com pesar na voz. — Houve um problema na fiação há um ano e meio, mais ou menos. Seu tio, ele morreu.

Era como se Melizza tivesse levado um soco na barriga. Por um segundo viu o mundo rodar. O ódio e a dor fervendo em suas veias. Bobby Singer era a última pessoa que restava para chamar de família. Como se sentia culpada! Há alguns anos atrás ela havia deixado o continente, se aventurado pela Europa, ela sabia que o tio estava em uma cadeira de rodas e ignorou-o, abandonou-o como ele a abandonou uma vez. Ora, era o apocalipse! E ela pensou mais no seu orgulho e no rancor, pois agora ele havia praticamente adotado os Winchester, causadores do fim iminente. Ela deveria ter mandado tudo se danar e ficado ao seu lado. Só lhe restava o remorso. O resto agora estava em cinzas, literalmente.

Melizza não aguentou ficar ali mais um segundo. Sara ficou bastante preocupada com o jeito com que a jovem foi embora. Acelerando o Camaro, Melizza apenas dirigiu. Sentia seu sangue ferver. A culpa, o ódio, a sede de vingança! Bobby era um caçador e caçadores raramente morrem por causas naturais. Problemas na fiação nunca eram problemas na fiação. E ela ia descobrir.

Isso também estava no seu sangue.

Como se começa uma boa investigação? Com pistas. Juntando o que se sabe e começando a montar o quebra-cabeças. Assim ela ia saber quem ou o que havia matado seu tio. Melizza estacionou em frente a uma praça onde crianças riam e brincavam, corriam umas atrás das outras e não tinham ideia de todo o mal que se escondia pelo mundo. Inocência era um tesouro, mas ás vezes podia assinar seu atestado de óbito. A garota limpou os olhos embaçados e pegou o celular. A ideia era pesquisar por sites e jornais que noticiassem o incêndio. Achou meia-dúzia de informações, embora valiosas. Não haviam encontrado um corpo.

E então Melizza sentiu uma ponta de esperança nascer.

Havia a possibilidade de Bobby estar vivo.

Caçadores eram assim. Quantos ela conhecera que fingiram a própria morte? E por bons motivos, como despistar uma criatura ou problemas legais. Bobby era esperto – ela sabia, embora nunca houvesse tido contato com ele caçador, ouvira falar tanto sobre como ele ajudava... Era um ótimo disfarce. E se Bobby estivesse vivo, só havia um jeito de descobrir.

E ela ia.

Ela não era simplesmente Melizza Russo Singer.

[...]

Lebanon, Kansas.

Bunker dos Homens das Letras.

Dean entrou no salão principal com um sanduiche recém-preparado em um prato e sentou-se na mesa. Era início da tarde e o bunker estava um tédio, um silencio total e ensurdecedor aos ouvidos de Dean. Kevin havia acordado cedo e iniciado a tarefa cada vez mais difícil de traduzir a tabua dos anjos. Crowley estava, claro, trancado – e ele não era uma companhia agradável de todas as formas. Castiel havia deixado o bunker na noite anterior e Dean estava agoniado por isso. Nunca pensou em deixar o amigo na mão. Não depois de tudo pelo que já haviam lutado juntos desde o dia em que Castiel desceu ao inferno para buscá-lo. E apesar dos erros que ele cometeu, o ex anjo havia se sacrificado por todos eles. Havia caído por eles. E agora estava sozinho enquanto facções de anjos querem sua cabeça em uma bandeja de prata.

Mas Sam era a sua prioridade de qualquer forma e a qualquer custo.

E falando em Sam, ele ainda estava dormindo. Talvez fosse um bom sinal. Logo ele estaria curado e todas as incertezas se acabaram. Sam seria o Sam de novo. Sem Ezekiel, sem as feridas dos testes, sem sangue de demônio. Pela primeira vez pura e simplesmente o Sam.

Dean quebrou sua linha de pensamentos quando o irmão surgiu, descabelado e sonolento como uma criança. Como Dean ainda lembrava de Sam, dos tempos em que dormiam no Impala enquanto John ia de cidade em cidade. O mesmo olhar curioso que ele fazia quando se perguntava em que parte do país estavam.

Ás vezes Dean esquecia que Sam crescera.

— Por que tanto silencio? — Sam perguntou estranhando o bunker tão quieto.

— Kevin está traduzindo a tabua. — Dean respondeu. — Deve ter se enfiado em alguma das salas procurando um lugar tranquilo.

Depois abocanhou um pedaço do sanduíche enquanto Sam coçava a cabeça.

— E o Cas?

Dean fitou o irmão enquanto mastigava, engoliu para depois responder.

— O Cas foi embora.

Sam estreitou o olhar.

— Que? Como assim ele foi embora? — perguntou confuso. — Dean, o que foi que aconteceu?

— Ele achou que assim nos protegeria. O bunker não aguentaria um ataque dos anjos e ele resolveu ir para algum lugar mais seguro. — explicou ou mentiu da melhor maneira possível.

— E como ele pode estar mais seguro sozinho? — Sam estava um pouco aflito agora, Castiel era presa fácil humano e sozinho.

— Chegar até nós dois ou ao Kevin seria moleza para os anjos. O Castiel sabe como se virar, se encaixar da melhor forma sem levantar suspeitas.

— Desde quando? — Sam franziu a testa.

— Desde que devemos um voto de confiança a ele. — Dean disse óbvio.

Sam mexeu os ombros e Dean notou que ele estava tenso.

— Eu não entendo. Eu juro que não entendo, Dean. — Sam molhou o lábio, não era aquela uma atitude normal de Dean. — Como pode deixar ele sair assim?

— Se o Cas ficasse aqui tanto ele quanto nós estaríamos em risco. Não é nada legal, mas foi o melhor que deu para fazer. — o mais velho continuou tentando ao máximo esconder a insegurança. — E nós precisamos fazer o melhor possível nessa situação, Sam. Precisamos acreditar que o Cas sabe se cuidar, porque os problemas estão ai e não podemos ser babá dele.

Sam abriu a boca para responder, mas um telefone começou a tocar. Um toque polifônico, antigo, não era do celular dele. Nem Dean o reconheceu de imediato. Se tratava de um antigo celular, ele deduziu. Não o usava há muito tempo, só os antigos contatos tinham aquele número – e a maioria deles havia morrido. Ele o encontrou dentro de uma das caixas que estavam espalhadas pelas estantes. O guardou junto com alguns objetos antigos e outros telefones velhos dos dois. Já havia parado de chamar quando Dean finalmente o encontrou.

Olhou para a tela estranhando o número. Não lembrava a quem ele pertencia. E atendeu hesitante, isso não parecia ser nada bom.

— Alô?

Dean? — a voz masculina pareceu-lhe conhecida. — Dean, sou o Matt. Você se lembra? Matt Andrews, de New Orleans.

Sim, Dean lembrava.

Um pouco antes de ir buscar Sam em Stanford para irem atrás de John, Dean e Matt haviam cuidado de um caso em New Orleans. A princípio Dean foi resolver apenas um caso de voodoo por lá, mas conheceu Matt Andrews, um caçador da cidade, jovem em uma família de caçadores. Caçaram juntos um poltergeist que estava infernizando um hospital enquanto Dean conduzia as investigações. Um cara legal, Dean lembrava. O típico caçador que não pensava em ter outra vida, só fazia o que sabia fazer melhor. E fazia bem. Depois disso perderam o contato. Dean apenas lembrava de ter enviado a eles – e a outros da sua agenda – seus números novos antes de trocá-los. E ele fez isso até bem pouco antes de ir para o Purgatório. Isso explica Matt ligar para seu número antigo.

— Claro que lembro! Matt! Inacreditável, cara. Algumas vezes eu tentei falar com você, mas nunca consegui.

Aconteceram algumas coisas desde aquele tempo. — disse ele. — São nove anos, se não me engano. E eu parei de caçar.

— Você parou de caçar? — Dean se surpreendeu. — Isso explica o sumiço. Mas eu tenho que admitir, você era uma das pessoas que eu menos esperava sair da vida de caçador.

É, mas não tem nada de incrível nisso. — disse sem muita emoção. — Eu sai porque acabei me ferrando numa caçada. Um lobisomem acabou me deixando em uma cadeira de rodas.

Dean abriu e fechou a boca.

— Isso eu não sabia, sinto muito.

Eu também. Mas... Foi por isso que eu acabei me distanciando. Foram tempos difíceis para mim.

— Eu imagino. — Dean lembrava bem como Bobby havia reagido ao ficar numa situação parecida.

Mas nem tudo é ruim. Acabei casando. Tenho uma família. Isso é sorte grande na vida de alguém que caçava desde os dez anos.

— Você está certo, cara. Nem todo mundo tem essa chance de sair dessa vida, de reconstruir as coisas. Se você conseguiu, apesar de tudo, valeu a pena.

Bem, eu não liguei para batermos um papo piegas. — disse Matt, brincalhão como sempre, fazendo Dean abrir um sorriso. — Eu preciso te dar um recado.

— Recado?

Há uma caçadora. Ela quer ajudá-los nesse negócio dos anjos. — pausou. — E sim, eu sei que os anjos caíram. Tenho acompanhado pelos jornais. É instinto de caçador, sabe como é?! — Dean sabia muito bem. — Ela me perguntou sobre você, seu irmão e Bobby. Eu disse a verdade, não sabia de vocês desde o pós-apocalipse. E disse a ela que tentaria fazer contato. Ela quer ajudar e acredite, a garota é boa.

— Quem é essa garota?

Você deve ter ouvido falar dela. Todo mundo do nosso tempo ouviu. A menina dos olhos do Canadá, Leah Agnel.

Dean piscou algumas vezes. Era quase inacreditável.

Desde seu tempo de garoto quanto viajava com John enquanto Sam tinha alguns dias de menino normal em Stanford ele ouvia falar em Leah Agnel, o prodígio na caça. Nunca havia visto ou falado com ela, mas diziam que morava no Canadá e mesmo sendo jovem, era uma ótima caçadora. Quase uma lenda. A última vez que ouvira algo sobre ela estava no Roadhouse. Jo a citava e usava de exemplo quando tentava convencer Ellen a deixá-la caçar. Para Ellen era um exagero as histórias que se ouvia sobre Agnel. Talvez parte delas fossem invenção. Ela não tinha nem metade da experiência que os velhos caçadores já tinham para ser tão extraordinária assim. Depois disso Agnel virou uma lenda que ninguém mais citava. Acreditava-se que ela tivesse morrido. As coisas não foram fáceis depois disso.

— O que acha sobre isso? — Dean estreitou o olhar, Sam observava a conversa do irmão e já estava curioso.

Acho que deveria aproveitar essa ajuda. Eu tenho visto a confusão que anjos estão fazendo ao redor do mundo, Dean. Quanto mais ajuda, melhor. — disse o ex caçador. — Eu ajudaria se não fosse... O óbvio!

— E agora, vai dar meu número ou...

Não, não. Ela me pediu que, se caso conseguisse contato, eu avisasse a você que ela está indo para Omaha, Nebraska. Há uma pousada que é também o bar onde alguns caçadores frequentam, O’Neal In Road. É melhor você ir até lá. Só precisam perguntar por ela. — pausou. — Eu não sei onde você está, mas se for pegar a estrada é melhor fazer isso agora. Você ainda usa aquele Impala?

— Sempre.

Grande carro. E grande memórias. Foi bom falar com você, Dean. Mas agora eu tenho que ir. Estou no trabalho, imagine você... Trabalho em um mercado.

— Foi ótimo saber de você, cara. Mantenha contato.

Sem dúvidas. Até logo...

— Tchau.

E finalizaram a ligação.

— E então? — Sam estreitou o olhar para Dean.

Dean explicou ao irmão de forma resumida o que Matt havia dito. Contou o que sabia sobre Leah Agnel também, Sam, antes de ir para Stanford, não costumava conversar com outros caçadores. Era quieto, extremamente reservado. E depois, com tudo o que acontecera com Jessica, John e as crianças com poderes – que eram os principais assuntos que os levava ao Roadhouse – ele com certeza não prestara atenção no que Jo falava sobre a caçadora.

— E ai? Acha que devemos ir?

— Ela é uma caçadora... E uma das melhores se bem me lembro. — respondeu ao irmão. — Acho melhor deixá-la a par da situação. Você sabe, quanto mais caçadores ficarem de olho nessa suruba angelical, melhor. Eu vou e....

— Você vai não, nós vamos. — Sam cortou.

— Você pode ficar e ajudar o Kevin. — negou Dean. — Ficar de olho no garoto.

— Acho que não é agora que o Kevin vai precisar de babá. — retrucou com certa ironia, Dean havia dito o mesmo sobre Castiel e de certa forma o “ex anjo” era até mais indefeso que o profeta. — Você vai encontrar uma desconhecida, nem sabemos o que essa garota quer de verdade. Eu vou com você, Dean.

O mais velho fitou o irmão com atenção.

— Realmente acha que já é o momento de... Voltar para a estrada? — estreitou o olhar, estava terrivelmente inseguro sobre a saúde do irmão. — Quer dizer, há menos de duas semanas você estava ferrado por causa dos testes.

— E há duas semanas haviam anjos no céu. E há duas semanas o Castiel ainda tinha poderes. Dean, em duas semanas muita coisa mudou. — suspirou. — E eu mudei bem mais do que esperava. Pela primeira vez na vida eu estou bem.

Dean desviou o olhar.

Aquela era uma péssima situação. Mentir para Sam era uma coisa que todos os ossos do seu corpo lhe diziam que era errado. Mas tudo que importava era curá-lo. Era mantê-lo vivo. Ainda era sua obrigação cuidá-lo e ele iria mantê-lo a salvo.

Sam estava realmente sentindo-se bem. Havia dormido muito bem – e isso não acontecia há muito tempo. Nunca havia se sentido tão seguro. As coisas nunca estiveram tão claras. Desde pequeno Sam convivera com fantasmas – e não os que John caçava, seus próprios fantasmas. Mesmo quando estava ao lado de Jéssica ou Amélia, nunca havia se sentido como agora.

Agora Sam estava limpo.

— Não importa o que Crowley insinuar, Kevin... — Dean começou, pela terceira vez, a dar a recomendação mais importante.

— Eu sei, Dean. Vou ficar longe dele. — repetiu enfadado.

Seria cômico se não fosse trágico. Quando era pequeno a senhora Tran lhe dizia para não falar com estranhos, agora Dean lhe dizia para não falar com demônios. Kevin já estava cansado. A tabua dos anjos era bem mais complicada do que o profeta esperava. Ele acompanhou Dean e Sam até a porta. O silencio instalou-se no bunker e ele preferia assim.

Minutos depois ouviu apenas o som do motor do Impala.

Dean e Sam Winchester estavam de volta a estrada. A poeira era tão familiar. A verdade era que nenhum dos dois podia negar o quanto estar de volta fazia-lhes bem. A certa altura da viagem Dean ligou o rádio. Aquilo era voltar ao passado, aos bons e velhos tempos. Pelo menos para Dean que, por um momento, acabou esquecendo-se de tudo que havia lhe atormentado nos últimos dias. Ali estavam eles, os filhos de John Winchester, como sempre estiveram. Dean dirigindo sua adorada Baby ao som do rock clássico. E ao seu lado, seu copiloto. Tudo estava bem outra vez.

Omaha, Nebraska.

Pouco mais de cinco horas depois o Impala parou em frente ao O’Neal In Road, um bar de estrada um pouco exótico – foi a melhor palavra que Sam achou para descrevê-lo. Não era exatamente como o Roadhouse. As paredes da frente eram roxas e as luzes bem coloridas, extremamente exageradas. Haviam vários tipos de carros ali estacionados, entre clássicos e modernos. Dean passou o olhar por alguns, claro que os clássicos lhe chamavam mais a atenção – os outros, para ele, eram carrinhos de plástico sem graça. Os dois foram em direção a entrada do lugar e o olhar de alguns caras sentados na extensão do balcão pararam em Dean, imediatamente o Winchester se mexeu desconfortável.

— Tem certeza que isso é um bar de caçadores? — cochichou para o irmão no momento em que um homem em uma mesa lhe deu uma piscadela.

— Parece que sim. Há um hotel de beira no Canadá com o mesmo nome. Eu dei uma pesquisada e o cara que abriu o hotel, Josh Sabbath, era caçador por lá. O filho mais velho administra o hotel e acho que a filha dele se mudou para cá. Ela deve ter aberto o bar como uma continuidade ou expansão. — explicou Sam em seu costumeiro tom extremamente técnico.

Dean piscou algumas vezes.

Como Sam sempre sabia dessas coisas?

— Obrigado, Wikipédia.

Sam revirou os olhos.

— Olá, cavalheiros. Desejam uma mesa? — perguntou o recepcionista pegando os dois de surpresa, era um cara todo engomadinho, incrivelmente sem graça.

— É, nós... — Sam pausou, não sabia exatamente o que dizer. — Estamos aqui para encontrar uma moça.

— Ela marcou com a gente. — acrescentou Dean exageradamente expressivo.

O cara enrugou a testa.

— Uma dama? E como ela é? Talvez eu possa ajudá-los.

— Ahn... — Sam encarou o irmão ainda mais perdido. — Nós não sabemos, ela marcou com a gente por telefone. O nome é Leah, Leah Agnel.

Imediatamente a postura do homem mudou. Sua expressão tornou-se mais séria e ele encarou os garotos firmemente.

— A senhorita Agnel está esperando. — disse em tom frio. — Sigam pela direita e dobrem, a mesa escolhida é a mais afastada, a última ao lado da parede.

Em seguida se distanciou.

— Sinistro. — Dean comentou baixo, para que só Sam ouvisse.

Os Winchester seguiram na direção indicada. O lugar estava movimentado – eles puderam notar – a maioria das mesas pelo caminho estavam ocupadas. O lugar era todo decorado com lustres e folhagens por dentro. Sobre as mesas, abajures iluminados. Ao fundo tocava Cindy Lauper. Era um lugar realmente exótico.

Ao dobrarem, como indicado pelo recepcionista, Sam e Dean depararam-se com o olhar de uma garota. Com certeza era ela, Leah Agnel. Ela tinha cabelos com um tom castanho claro, levemente ondulados, que chegavam pouco abaixo dos ombros. Os olhos eram castanhos claros, iluminados pela luz do abajur. Tinha a expressão séria. Levantou o olhar para os dois sem mover um musculo da face. Vestia uma calça jeans surrada e uma jaqueta do mesmo tipo, junto a uma blusa xadrez. Por um segundo nenhum dos três disse nada.

— Você é....? — Dean começou, mas foi interrompido.

— Leah Agnel? É, exatamente. — disse sem muita emoção, repetir aquele nome por tantos anos havia se tornado cansativo.

E aquela não era uma situação muito animadora.

— Ahn... Eu sou Sam. — o caçula se apresentou. — Ele é o Dean.

— Os Winchester. — deu ênfase. — Já era hora de sermos apresentados. — ela disse enquanto eles se sentavam. — Hey, Mitchie! Três cervejas, por favor.

A garota de cabelos loiros que estava servindo as mesas assentiu, mas por um momento pareceu incomodada.

Sentados frente a frente com ela, por algum motivo estavam incomodados. Havia algo estranho entre os três. Ela simplesmente não os suportava. Haviam alguns caçadores que falavam nos irmãos Winchester como verdadeiros mestres. Claro que muitos novatos não sabiam coisas de poucos anosatrás. Toda a confusão que haviam causado. Mas tinha que admitir, a genética havia sido generosa com eles. Mais uma vez ficaram em silencio por um momento.

— Eu fico feliz que tenham vindo. — disse a eles, quebrando o silencio. — Minha experiência me diz que caçadores são desconfiados. Digo por mim mesma.

— Matt disse que você quer ajudar... Você sabe, com os anjos. — Dean começou um pouco incerto.

— É, nós podemos começar por ai. — encarou os dois irmãos. — O mundo todo está uma confusão. Anjos, quem diria?! E eu acho que só vocês podem me dar detalhes.

— Que tipo de detalhes? — indagou o mais velho.

— Sobre o que diabos aconteceu, o que derrubou os anjinhos lá das nuvens? — disse em tom óbvio. — Eu sei que vocês sabem. Vocês sempre sabem e estão sempre metidos no meio. Os Winchester que estavam na abertura dos portões do inferno, depois o apocalipse. Eu sei que se alguém sabe de alguma coisa, esse alguém são vocês.

Os dois se mexeram desconfortáveis. Quase surgiu um sorriso nos lábios dela – a tática de ser curta e grossa estava funcionando.

— O que sabemos é que realizaram um feitiço e os anjos caíram. — explicou o caçula. — Eles ainda possuem poderes, mas não podem mais entrar no céu. Por enquanto não sabemos se há um modo de reabrir os céus.

Ela estreitou o olhar.

— Quem realizou esse feitiço?

— Um anjo. — respondeu Dean. — Não sabemos o que aconteceu com ele.

— Muito animador. — ironizou. — E o resto? Demônios? Não gosto dessa calma, nunca é uma coisa boa.

— Surgiu uma nova chefe. Um dos cavaleiros do inferno. — Dean contou.

— Não estavam todos mortos? — ela estranhou.

— Não esse.

A garota coçou a testa. Esse não era totalmente o motivo que lhe trazia ali, mas era bom conhecer a situação que não era nada boa. Antes ela estava na América do Sul e as coisas estavam confusas por lá. Os anjos andavam cometendo vários crimes. Haviam facções no mundo todo. Por algum motivo era óbvio que aqueles dois não haviam contado tudo o que sabiam.

A loira voltou com as cervejas. Ela e Leah se encararam secamente, mas Leah acabou abrindo um meio sorriso irônico. Depois disso a loira se afastou da mesa. As duas provavelmente se conheciam – mas não eram exatamente amigas. Leah voltou a sua atenção aos garotos. A cada segundo a conversa parecia mais vaga – e a garota bem que tentou relaxar com um bom gole da bebida.

— Então, eu fiquei curioso. Pelo que o Dean me contou você é uma das grandes caçadoras de que já se ouviu falar. — comentou Sam, por algum motivo o irmão ficou um pouco tenso, Sam pode notar.

— Nem tanto. A maior parte é história. — ela disse em tom automático. — O meu começo foi relativamente fácil comparado ao de outros. Eu terminei a escola, me juntei a um grupo de caçadores e tive muita ajuda à princípio.

— E por que entrou nessa? — Dean se arriscou a perguntar.

Ela o fitou.

— Isso faz parte da história. — foi simplesmente o que respondeu, deixando um clima seco entre os três. — Mas falando em caçadores, estive na América do Sul pelos últimos anos, mas parece que diminuiu bastante o número deles. Tempos difíceis por aqui?

— Infelizmente sim. — Dean pigarreou. — Perdemos grandes amigos.

— E o Bobby Singer? Eu fui procurá-lo, mas não o encontrei. — a garota arqueou a sobrancelha, expressivamente ansiosa por saber a resposta.

Sam e Dean se entreolharam.

— Bobby? — Dean estranhou. — Você conheceu o Bobby?

— De nome. — a garota pareceu ansiosa. — Mas queria entrar em contato com vocês e sabia que ele era um caminho. — a mentira soou convincente.

— O Bobby morreu. — Sam disse com a voz pesada, um pouco incomodo.

— Sério? — ela soou descrente. — Vamos ser sinceros... Eu sei do incêndio, sei que nenhum corpo foi encontrado.

— Como? — Dean estranhou ainda mais. — O que está insinuando?

— Bobby Singer forjou a própria morte. — disse abrindo um sorrisinho cínico.

Dean encarou o irmão estupefato.

— Tem certeza que não o conhecia? — Sam insistiu.

— Apenas... Respondam. — cortou secamente.

— Eu sinto muito. — Dean disse em tom irônico e seco. — Bobby morreu. E não no incêndio. Foi por um tiro.

Ela fechou a cara.

— O que?

— Depois do incêndio. — Dean continuou. — Ele sobreviveu. Nós estávamos no meio de uma guerra com Leviatãs que escaparam do Purgatório. — pausou. — E o líder dos malditos, Dick Roman, ele... Ele atirou no Bobby.

— Não, isso não é possível... — ela balançou a cabeça, assombrada.

— Infelizmente foi isso que aconteceu. — Dean cravou seus olhos nos dela.

— Sentimos muito. — Sam acrescentou com pesar na voz. — Se você era amiga dele, se o conhecia. Era nosso amigo também. Como um pai para nós.

— Eu nunca vi Bobby Singer na minha vida. — disse ríspida, cerrando os dentes.

Ela levantou-se da mesa, jogando sua parte da conta na mesa. Sem dizer nada mais foi em direção a porta, deixando Sam e Dean atômicos e confusos.

— Mas que... Diabos? — Dean franziu a testa. — Essa garota é maluca?

Sam balançou um pouco a cabeça com o comentário do irmão.

— Aparentemente.

Leah Agnel subiu no Camaro. As lágrimas queriam escapar, mas ela fez esforço para evitá-las. Leah Agnel não havia perdido nada.Leah Agnel era um caçadora sem raízes, nem família, nem amigos. Melizza Singer, por sua vez, sentia o mundo ao seu redor desmoronar. Elas eram uma só, mas só uma delas poderia prevalecer no momento. Melizza secou os lágrimas, levantou seu olhar ao céu azul e pisou no acelerador.

[...]

Californian Motel.

Dean saiu do banheiro abotoando a camisa, acabara de tomar banho. Sam tinha uma aparência séria e concentrada, sentado à frente do laptop, falava ao celular. Segundos depois desligou. Dean franziu a testa.

— O que foi? — perguntou ao caçula estranhando. — Quem era?

— Kevin.

— Problemas no bunker? — Dean se interessou mais ainda.

— Não, ele fez uma coisa que eu pedi. — respondeu ao irmão sem tirar os olhos do monitor. — Sobre Leah Agnel.

— Leah Agnel? — Dean sentou-se na beira da cama. — Que diabos o Kevin tem a ver com essa garota?!

— Tem algo diferente. Algo... Eu não sei, estranho. — Sam levantou o olhar para o irmão. — Você mesmo disse!

— Qual das partes? — ironizou. — Ela é toda estranha.

— Bobby. Bobby é a parte estranha. — respondeu Sam. — Você sabe, a reação dela foi como se eles se conhecessem e fossem amigos. E não há nenhum tipo de registro nas agendas e anotações do Bobby relacionadas a Leah Agnel. Se o Bobby e ela se conhecessem, sendo ela quem é, acho que saberíamos disso ou pelo menos algum contato ele teria.

— Então...?

— Lembrei de ter achado, entre as papeladas que trouxemos da casa do Bobby, recibos e papeis assinados. Dinheiro enviado ao Canadá. Eu tinha quase certeza de ter lido algo assim, então pedi que Kevin olhasse nos arquivos que deixamos no bunker. — pausou. — Ele achou.

— Por que Bobby enviaria dinheiro ao Canadá? — Dean estreitou o olhar. — Eu sei que ele sempre ajudava a outros caçadores, mas bancar...? O Bobby nunca nadou em grana.

— Isso não é sobre ajudar caçadores Dean, é sobre família. — Dean encarou o irmão tentando assimilar o que ele acabara de dizer.

— Do que você está falando?

Sam suspirou.

— Os papeis eram recibos ao Internal College St. Jerome Of Canadá, um colégio interno feminino ao norte do país, tradicionalmente católico. Também pedi que o Kevin tentasse entrar no sistema de rede... Quem sabe descobrir algo mais?! — explicou Sam, em seguida voltou-se ao laptop novamente. — Ele descobriu que os registros relacionados ao Bobby começam em 24 de outubro de 1988 quando uma garotinha foi transferida para lá. Melizza Russo Singer. Tudo muito sigiloso. A partir daí Bobby depositava mensalmente uma quantia para pagar o colégio e qualquer despesa. Isso vai até 1998, quando ela se forma.

Dean piscou quando Sam voltou a encará-lo.

— Espera... Está me dizendo que o Bobby teve uma filha?

— Não, sobrinha. — corrigiu, para alivio de Dean, embora a história ainda fosse confusa. — Melizza era filha de Giovanna e Antony Singer, esse cara era o irmão mais velho do Bobby.

— Bobby teve um irmão? — Dean disse pasmo. — Como assim Bobby teve um irmão? Nunca soubemos nada disso, como isso é possível?

— Eu não sei, o que sabemos sobre a infância do Bobby? — Sam franziu a testa pensativos. — Até onde eu sei Bobby nunca falou dos país ou sobre a sua vida, soubemos da Karen por casualidade.

— Então... Bobby tinha um irmão?! E o que aconteceu com o cara?

— O que tinha no sistema era muito vago, ai eu dei uma olhada nos registros. — Sam continuou. — Achei sobre um acidente no quilometro oitenta de Nebraska. Um carro que ia de Price, Utah, pelo que se sabe com destino a Sioux Falls. No carro haviam três passageiros, Antony Singer, a esposa Giovanna e a filha única de sete anos de idade. Antony e a esposa morreram imediatamente quando o carro se chocou ao caminhão que ia na direção oposta. A criança sobreviveu. Segundo o artigo do jornal, ficou com familiares.

— Você acha que essa garota é....? — Dean ainda estava atordoado e um pouco aborrecido, Bobby tinha que ter contado sobre isso.

— É que... Acho que muito mais coisa se encaixa. — disse Sam. — Na verdade ficam bem óbvias. Sobre Leah Agnel, não se sabe mais nada além do fato dela ser caçadora. E curiosamente descobri que essa Giovanna, a tal mulher do provável irmão do Bobby, chamava-se Giovanna Agnelli Russo.

— Então a sobrinha do Bobby deu uma de Hannah Montana? — Dean ironizou, bufando. — Cara, o Bobby... Ele podia ter confiado na gente!

— Era a família dele, Dean. — Sam relaxou os ombros e fechou o laptop. — Ele aparentemente quis protegê-la dessa loucura toda. O oposto do que o papai fez.

— Proteger da gente? — Dean levantou-se caminhando pelo quarto, era difícil digerir tudo aquilo. — Se alguma coisa acontecesse, poderíamos ajudar. É uma atitude tola esconder isso.

— Eu acho que... Ela não precisaria de ajuda, aparentemente. — Sam ironizou.

— Ela é uma caçadora... Será que o Bobby sabia? — Dean voltou a olhar Sam.

— Eu apostaria que não. — Sam disse com sinceridade.

— Sabe que temos que tirar essa história a limpo?

— Quer ir falar com ela? — Sam indagou.

— Se ela é sobrinha do Bobby mesmo, temos que... Eu não sei. Não dá para só ignorarmos. — Dean não sabia o que responder, queria ter certeza de tudo.

— E o que vamos fazer se for isso?

— Fazer o que o Bobby faria. — disse encarando Sam, sério. — Devemos isso a ele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá amigos do Nyah!
Espero que tenham gostado. Críticas e sugestões são bem-vindas.
Algum errinho de português? Pode nos puxar a orelha!!! Sempre é bom estar atento.
Agora uns detalhes:
A música que a Melizza ouve no começo do episódio é "Losing my way" do Justin Timberlake.
Marcy Ward apareceu em "Weekend at Bobby's" da sexta temporada, episódio quatro.
Esse capítulo se passa após "I'm No Angel", da nona temporada.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "When Heaven's Falling & Hell's Rising" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.