When Heaven's Falling & Hell's Rising escrita por Elyza Borges, Jenny Lopes, Yanna Nenevê


Capítulo 3
Capítulo 03 – The Nightmare Time.




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Edenwald, New York.

O vento soprava os galhos na janela enquanto Nora Welsen subia pelas escadas em direção ao quarto dos filhos. Já passavam das dez da noite e o bairro todo já estava em silencio. Só se ouvia o vento. Ao chegar no segundo andar, empurrou a porta entreaberta revelando o quarto na penumbra. Cissylia e David já estavam deitados em suas camas. Nora sorriu e andou em direção da filha mais velha.

— Escovou os dentes? — perguntou sentando-se na beira da cama, em resposta a garota já sonolenta balançou a cabeça positivamente, então Nora beijou-lhe a testa. — Boa noite Cissy!

— Boa noite mãe. — Cissylia sorriu.

Nora se ergueu e cobriu a filha bem. Virou-se para David quando ele tossiu. Não era um bom sinal. O garoto havia apresentado aquela tosse feia há quase uma semana. E mesmo os xaropes não funcionaram. David era um garoto forte, muito ativo, mas agora andava quieto demais. Nora cruzou o quarto, indo até a cama de David. Parou ao seu lado tocando-lhe a testa. Graças a Deus não tinha febre.

— Amanhã vamos ver o motivo dessa tosse. — disse de forma suave, beijando o filho e cobrindo-o, David balançou a cabeça positivamente. — Boa noite, meu bem.

— Boa noite! — sussurrou o garoto fechando os olhinhos.

Nora saiu do quarto, encostando a porta. Não demorou a se recolher. Aquele dia havia sido complicado no trabalho e além disso Nora cuidava sozinha da casa e dos dois filhos desde que James Welsen havia morrido – na época, deixando-a com uma filha de cinco anos e um filho recém-nascido. Agora com os dois mais crescidos Nora trabalhava em uma fábrica de cerâmica da cidade. Depois de um dia cansativo, tudo que ela queria era descansar.

O vento se tornou cada vez mais forte e Cissylia ficou ouvindo por algum tempo o som dos galhos, contando quantas vezes eles batiam no vidro. Ela fechou os olhos e sentiu seu corpo relaxar, mas por algum motivo havia perdido o sono. O irmão David, por outro lado, dormiu mais depressa.

Logo estava no mundo dos sonhos.

E lá estava ele, de pé, diante de algumas arvores muito juntas. Olhou para cima, para as copas cheias de passarinhos. Eles cantarolavam felizes. O céu estava azul e as nuvens eram feitas de algodão branquinho. Era um dia lindo. David olhou com atenção, por entre as arvores havia um estreito caminho para o meio da floresta. E talvez se tratasse de uma linda floresta, cheia de animaizinhos amigáveis – é o que se espera de um sonho infantil – e por isso David não hesitou em adentrá-la.

E caminhou.

Cada vez mais dentro. Procurava algo além arvores e vegetações rasteiras, mas era só o que havia. Não importava para que lado ele caminhasse ou para onde olhasse, tudo era quieto. Quieto demais. E de repente as coisas ao seu redor foram sombreando como se uma nuvem passasse a frente do sol. Um vento gélido começou a soprar. Tudo que antes parecia tão convidativo, agora tinha uma áurea assustadora. O garoto tentou ter alguma noção do caminho de volta, mas estava perdido. Encarou o céu. O azul agora era negro. Obscuro. Tudo ao seu redor se tornava mais denso.

Pesadelos eram isso, não eram? Não passavam de sonhos ruins. E era só um sonho.

De repente um grito rouco surge no meio do nada. O garoto se encolheu. Tudo estava tão escuro a sua volta. As sensações eram muito reais. O garoto sentiu que pisadas se aproximavam, estavam ao seu redor de alguma forma. Olhou para todos os lados. E em meio as arvores pode visualizar um par de olhos bem amarelos e brilhantes lhe encarando.

David correu.

O máximo que conseguia correr em meio àquela floresta, ele correu. Suas pernas eram pequenas e não eram tão rápidas quanto ele gostaria. Sua consciência infantil já havia se perdido. David já nem via por onde andava. Era apenas um ser humano lutando pela sua sobrevivência.

De repente, bem à sua frente estava um ser desfigurado. Torto. Um monstro. E ele abriu a boca o máximo que pode. David sentiu o ar faltar.

E não era em sonho, era real.

Cissylia inclinou-se na cama ao ouvir a respiração falha e difícil do irmão. David parecia estar engasgando. Quando a garota vislumbrou a direção da cama do irmão mais novo, ela teve que tapar a boca para não gritar. Havia alguém ali sentado à beira da cama. E não era sua mãe. Não parecia nem ser humano. Embora da altura de uma pessoa, era um ser magro – pele e osso praticamente – sem cabelos, sem roupa nenhuma.

E ele tocava a cabeça de David, fazendo o garoto se contorcer.

De repente parou. David não se mexeu mais. E a critura olhou para Cissylia com o seu par de olhos amarelos reluzentes. Tudo ficou escuro para a garota que só voltou a acordar na manhã seguinte com a agitação no quarto.

David estava morto.

[...]

Dois dias depois...

Danville, Illinois.

Depois de um dia merecido de descanso após saírem de Nebraska, o Camaro e o Impala estavam na estrada novamente. Se hospedaram em uma pousada rural por um dia - ideia de Dean que pôs como desculpa a saúde de Sam, mas a coisa não era apenas relacionada a isso.

Eles estavam literalmente sem rumo no momento.

Dean não queria, de forma alguma, contar para Melizza sobre certos detalhes. Detalhes como o bunker, Kevin, as tabuas, ou o ex rei do inferno trancado sob seu poder. Ainda era uma total desconhecida para chegar a esse ponto. Mas as férias forçadas a desagradou – e a ele também, Dean nunca pensou que era tão ruim acordar com as galinhas, literalmente – Melizza odiava estar parada, sem caçar. Era isso que a movia. Fora que os três não se viam. E era óbvio, era como se fugissem dela. Melizza não os viu o dia inteiro, nem mesmo no almoço ou no jantar. Só no dia seguinte, no café da manhã, onde trocaram bem poucas palavras. Não que Sam não insistisse com Dean. Queria conversar, conhecer a garota. Ela era sobrinha de Bobby, isso já era mais do que suficiente para ele. Mas Dean era escorregadio e sempre procurava um jeito de mudar de assunto. Não era o momento.

Simplesmente não era.

O Impala estacionou em frente a uma lanchonete junto ao Camaro. A situação era bem estranha para eles. Além de Bobby e John, os Winchester nunca haviam trabalhado desse jeito com alguém. Dean estava incomodado com isso. Melizza também não estava tão confortável, desde que saíra do grupo de caça quando adolescente ela sempre caçara sozinha. Mas era o preço a ser pago de todas as formas.

Era a primeira vez desde a decisão que eles se reuniam para lanchar. Era terreno instável para Dean. Melizza não havia dado sua palavra que não diria nada sobre Ezekiel a Sam, embora tivesse o ajudado a mentir na noite na casa abandonada. Isso rondava a cabeça de Dean a cada vez que Melizza se aproximava. Respirou aliviado quando o telefone dela chamou, fazendo-a sair de dentro da lanchonete. O Winchester aproveitou para ligar para Kevin no Bunker.

— Ok... Nos avise se tiver novidades. Tchau. — em seguida finalizou a ligação.

— E ai, o que o Kevin disse? — indagou Sam.

— Nenhuma novidade sobre a tabua. — respondeu, depois ficou pensativo. — Eu começo a achar a dificuldade do Kevin com essa tabua está meio relacionada a queda dos anjos. Sem anjos no céu, sem aquele motorzinho divino que ajudava na leitura da palavra.

— Pode ser. — Sam concordou. — Ou talvez seja coisa do Metatron. Ele pode ter dificultado as coisas ao escrever essa tabua.

— Faz sentido. — o mais velho disse agora voltando a sua atenção para as fatias de bacon em seu prato.

— Você vai contar para a Melizza sobre isso?

— Sobre? — Dean se fez de desentendido.

— Kevin, a tabua, o bunker... — respondeu o caçula. — Você sabe que em algum momento ela vai ter que saber se ela vai nos ajudar...

— Não acho que seja o momento. — disse ao irmão. — Nós não a conhecemos ela ainda o bastante para isso. E eu estava pensando em ligar para o Garth. — mudou de assunto, o que deixou Sam um tanto impaciente, Dean estava muito estranho. — Quem sabe ele tem algum caso, alguma coisa que possa nos dar tempo enquanto o Kevin resolve o problema com a tabua...

— Dean, por que você foge do assunto? — Sam encarou o irmão atentamente, Dean bufou. — Como vamos conhecê-la se está a evitou todo o tempo?

Dean abriu a boca para responder, mas fechou quando viu Melizza caminhando em direção à mesa com passos firmes. Ela parou à frente dos dois, sentando-se na cadeira. Um sorriso brincalhão surgiu nos lábios dela enquanto os observava cautelosa, ao mesmo tempo.

— Temos um trabalho. — anunciou.

— Como assim temos um trabalho? — Dean estranhou, franzindo a testa.

— Um caso. — deu ênfase como se Dean fosse um idiota.

— Eu entendi essa parte. — retrucou secamente. — Pode explicar mais do que isso? Como vê, não estou equipado com a minha bola de cristal no momento. — finalizou com sarcasmo.

Foi a vez dela franzir a testa.

— Um dos meus contatos me ligou. — começou a explicar. — Um policial avisou a ele sobre algumas mortes estranhas em toda a região norte de New York. Pelo que ele disse, as últimas foram registradas em Edenwald. E como esse caçador está na América do Sul e sabe que estou aqui no país, me ligou pedindo ajuda.

— Ok, mas o que é exatamente que está acontecendo? — Dean perguntou.

— O meu contato vai me mandar um e-mail com detalhes, mas contou meio por cima que há dois dias um garotinho apareceu morto pela manhã. Pelo que se sabe ele estava doente, a mãe do garoto disse que estava debilitado há quase uma semana. Ontem a irmã do garoto apareceu morta. E aparentemente foi a mesma coisa. Doze crianças morreram no último mês do mesmo jeito.

— Shtriga? — Sam perguntou lembrando-se de um caso que há alguns anos ele e Dean cuidaram, no geral eram situações parecidas.

— Foi o que eu pensei à princípio. Mas adultos também foram atacados, só que em menor quantidade. — pausou pensativa.

— Ainda é uma possibilidade. — disse Sam. — Uma Shtriga com novos hábitos. Há algum tempo que os monstros não agem tão naturalmente.

— Bom, temos um padrão mínimo de uma morte por semana. E em sua maioria, crianças. — Melizza afastou certos pensamentos sobre aquele tipo de trabalho, era horrível ter essa noção. — Eu acho melhor pegarmos a estrada, chegamos lá em quatro horas.

— É melhor você ir. — Dean disse fazendo os outros dois o encararem. — Você vai e nos encontramos depois. Eu e o Sam...

— Nós não temos nada para fazer, por que não poderíamos ir? — Sam cortou.

— Não vejo necessidade de três pessoas em um caso simples. — ele disse para Sam, depois encarou Melizza. — Acho que a Melizza se vira muito bem sozinha. E além disso temos que resolver outros problemas...

— O que? — mais uma vez Sam interrompeu. — Não temos nenhuma pista para deter Abaddon ou de como resolver o problema dos anjos, não vejo motivo para não irmos juntos. Já pegamos a estrada por muito menos. Eu acho que é uma ótima chance para nos conhecermos melhor.

— Isso ai. — Melizza parecia se divertir com o desentendimento e gostar de ter Sam ao seu lado, sorrindo cinicamente para Dean, provocando-o. — Seja mais sociável Dean! Eu juro que não mordo! Não sem pedir, pelo menos!

O Winchester sorriu exageradamente, fuzilando-a com o olhar.

— Mas se você não quiser, Dean... Eu e a Melizza podemos ir e depois nós nos encontramos... — Sam disse dando de ombros.

— Não, acho que podemos ir juntos. — deu-se por vencido, porém estava muito contrariado em aceitar aquilo.

Dean estava furioso e Sam podia sentir isso em seu irmão. Mas não fazia sentido agir assim com Melizza – não para Sam. O caçula queria conhecê-la. Bobby iria gostar que os três se ajudassem, se apoiassem. Bobby havia ajudado tanto que Sam isso como uma obrigação. Dean estava exagerando na desconfiança. Não que ele confiasse logo de cara na garota, mas Dean estava mantendo dela uma distância absurda.

Dean tinha suas razões – as que Sam nem desconfiava.

— Toma. — Dean jogou as chaves do Impala para o irmão enquanto os três iam em direção ao estacionamento após o lanche. — Enche o tanque porque com a gasolina que tem não chegamos nem na metade do caminho...

Sam assentiu, caminhando passos à frente e dobrando a esquina em direção ao posto de gasolina logo ao lado. Melizza estava mais à frente de Dean em direção ao Camaro, mas Dean parou fazendo ela arquear a sobrancelha embora virada de costas para o Winchester.

— E então?

Ela girou nos calcanhares.

— O que?

— O que quer?

Melizza olhou em volta antes de encará-lo novamente.

— De quem?

— Não se faça de boba, você sabe perfeitamente do que estou falando. — disse sério, Melizza cruzou os braços. — E por favor, não me venha com essa de que quer fazer amigos. Na verdade duvido muito que tenha trabalhado em um caso com mais alguém na vida, todos sabem que você se orgulhava de caçar sozinha. Era o que se sabia sobre Leah Agnel, pelo menos. E para ajudar com o negócio dos anjos não é necessário que você nos siga para cima e para baixo.

— Pelo menos você não é tão idiota, percebeu que eu não estou aqui pela sua linda cara. — ela ironizou.

— É claro que não. — Dean continuou sério. — Abre o jogo... Fala o que é que você pretende?!

— Está claro como o dia, Winchester.

— Verdade? Porque eu só vejo sombras!? — Dean ironizou.

— O fato é que noventa por cento das confusões nas quais vocês se metem não afetam só vocês. E eu não posso me dar ao luxo de dar as costas, porque se as coisas darem errado eu vou me culpar. — disse convicta, seu tom era bem mais sério e firme. — Não posso fingir que isso não está acontecendo. Então eu vou ficar por perto e pronta caso essa bomba exploda ou... Eu vou contar ao Sam.

— Está me ameaçando? — estreitou o olhar.

— Não, estou resolvendo isso como uma caçadora. — disse com calma. — Você só vê o fator emocional de salvar o seu irmão da morte e caso as coisas pirarem, saírem do controle...

— Eu sei o que eu faço! — cortou.

— E eu confio mais no que eu mesma faço! — ela retrucou.

Os dois se encararam.

— E então?

— Ah, relaxa Winchester! — ela adquiriu o costumeiro tom cínico. — Não é você que tem a plena certeza que tudo vai dar certo? Então... Quanto arrumar toda a bagunça que você fez, eu vou embora rapidinho. Saiba que nem eu fico feliz em ver a sua cara todos os dias.

Dean deu alguns passos em direção a ela. O olhar fixo, o rosto sério e intacto.

— Eu vou ficar de olho em você. — disse com a voz baixa e perigosa, Melizza já estava acostumada com tentativas de intimidação, mas teve que admitir que algo em Dean era diferente e admirável nesse quesito. — E se você ousar pensar em colocar meu irmão em risco...

— Você mesmo o colocou, não se deu conta disso? — ela cortou-o.

Mais uma vez se encararam.

— Hey...! — chamou Sam que acabara de voltar, parando ao lado do Impala. — Tudo bem ai?

Só então aquele clima se quebrou.

— Sim! — disseram em coro, Dean de um jeito bem mais irritado que Melizza.

— Só estávamos conversando. — sorriu falsamente indo em direção ao Camaro.

Dean fez o mesmo enquanto tentava relaxar. Sam achou melhor não perguntar, o humor de Dean não estava nada bom. Melizza também não estava nada bem naquela situação, mas seus instintos lhe mantinham firme na decisão. Tentando não pensar nisso – e também em Bobby, lembrança da qual estava fugindo – ela ligou o rádio no volume máximo e se manteve pouco à frente do Impala.

When the days are cold, And the cards all fold, And the saints we see, Are all made of gold, When your dreams all fail, And the ones we hail, Are the worst of all, And the blood's run stale, I want to hide the truth, I want to shelter you, But with the beast inside, There's nowhere we can hide, No matter what we breed, We still are made of greed, This is my kingdom come, This is my kingdom come...

Mas era inevitável.

As coisas das quais ela estava fugindo, coisas sobre Bobby e sobre ela mesma, essas coisas assombravam como malditos fantasmas sussurrantes. E estes não iriam embora com sal. O mais irônico e insuportável nisso tudo era o fato de que as duas pessoas que ela sempre viu como os culpados estavam próximos, bem mais do que ela queria. Ela teria que ficar ao redor dos dois. Não confiava neles de jeito nenhum, ainda mais sabendo o que ela sabia. E uma parte dela pedia a ela que revelasse a Sam, mas as coisas iam além – e ela sabia, os Winchester eram uma caixinha de surpresas.

[...]

Edenwald, New York.

Os nomes das vítimas haviam chegado por e-mail a Melizza, enviadas pelo seu contato – uma pesquisa bem rasa, nenhuma outra informação além dessa. Sam tentava montar um quebra-cabeças com o que tinham. Padrões além dos que já conheciam. Enquanto isso os carros seguiram pelas ruas estreitas da cidade em direção ao Hospital Geral. O que já se sabia é que as vítimas só apresentavam o mesmo padrão até então: Todas morreram dormindo e todos apresentaram uma saúde fraca nos dias anteriores. A questão era saber o que mais os ligava e o que poderia estar fazendo isso?!

— Agentes Jones, Abraham e Thompson. — Dean apresentou enquanto os três mostravam os crachás falsos. — Fomos enviados pela secretaria de saúde de New York para estudar os casos de morte que vem acontecendo...

— Já estava mais que na hora! — resmungou o doutor. — Dr. Jonas Brandon ao seu dispor... — o doutor apertou a mão dos três. — Eu estou cuidando dos casos que aconteceram ultimamente. Então... O que acham? Vírus em mutação, algum tipo de bactéria?

— É bem por ai. — Dean assentiu forçadamente.

— O que pode nos dizer sobre as vítimas, doutor Brandon? — Melizza indagou.

— O que eu sei é que parecem mortes sem explicação. Fogem de tudo o que já conhecemos. — pausou. — No último mês foram doze crianças nessa região e houveram outros casos antes. Segundo os familiares, as crianças apresentaram tosse, em alguns casos febre e ficaram mais quietas que o normal, tudo isso pelo menos uma semana antes das mortes. Mas nem todos os casos foram assim, o que é preocupante.

— Como assim? — Melizza perguntou interessada.

— Por exemplo, a última morte foi de Cissylia Welsen, uma garota de nove anos, ela não apresentou nenhum tipo de fraqueza. Seu irmão sim. Ela morreu na noite seguinte após a morte do irmão. — explicou.

— Se repete isso de irmãos mais novos e mais velhos...? Se um dos irmãos fica doente, o outro cai em seguida? — Sam perguntou ao médico. — É um padrão?

— Não. — respondeu. — Não que eu saiba.

— E as análises? Alguma conclusão? — o caçula voltou a perguntar.

— O resultado das análises nos levam a crer que se trata de uma bactéria, todas as vítimas tinham um tipo de gosma amarelada no sangue. — respondeu. — Nós encontramos altas doses de ibotênico além das estranhas presenças de dióxido de titânio, laurilsufato de sódio, estearato de magnésio e muita quinoleína nessa substancia.

— Isso estava nas crianças? — Sam se surpreendeu.

Dean parecia não ter entendido bem do que estavam falando. E Melizza também não era boa com termos técnicos.

— Por isso achamos que só uma bactéria seria capaz de carregar essas coisas, agora resta saber que tipo de bactéria e como parar essa epidemia... — o médico disse. — E então, por onde desejam começar?

— Como podemos falar com a família das crianças? — perguntou.

[...]

— É simples. — dizia Sam enquanto os três desciam a ladeira, os carros haviam ficado no início da rua onde moravam os Welsen, já era fim de tarde. — Alguns remédios para certas doenças são feitos a partir dessas substancias, a maioria deles é para tranquilizar. Há quem use essas substancias em pó, junto com tipos de ervas especificas, para produzir chás para causar sonhos mais vividos. No caso do Ibotênico, ele é encontrado em cogumelos e é altamente alucinógeno.

— Ou essa aqui é a cidade dos chapadões ou não sei como tudo isso foi parar na corrente sanguínea das vítimas. — Dean comentou.

— Temos que descobrir o que pode ter acontecido. — Sam disse. — Mas com certeza tem a ver com sono e sonho.

— Isso descarta a possibilidade de Shtriga? — Dean perguntou ao caçula, mas Sam não sabia ao certo.

— As vítimas estavam doentes. — comentou Melizza pensativa. — E se foram a algum médico e tomaram algum remédio?

— Nesse caso o médico teria culpa no cartório. — Dean concluiu.

Chegaram a porta da casa 37, cuja fachada era branca com porta e janelas azuis e com grades de ferro. Bateram. Dean deu uma olhada no Impala que estava ao lado do Camaro de Melizza. A rua era tranquila, mesmo assim estavam em New York e cuidados eram sempre bem-vindos. Segundos depois a porta se abriu e quem os atendeu foi uma mulher de cabelos curtos e claros, olhos curiosos, não parecia ter dormido bem a noite.

— Nora Welsen? — perguntou Sam.

— Não. Sou a irmã dela, Blanca. No que posso ajudar?

— Somos agentes da secretaria da saúde de New York. — Dean se apresentou e todos mostraram os crachás. — Precisamos falar com a senhora Welsen sobre o que aconteceu... Sobre as mortes.

A mulher juntou os lábios.

— Ah... Um segundo! — e saiu, voltando logo depois. — Podem entrar.

Dando passagem aos “agentes”, Blanca fechou a porta quando os três estavam na sala. E inevitavelmente o olhar deles parou nas fotos sobre a lareira. Em uma delas, uma garotinha de cabelos loiros que deveria ter uns três anos, ao lado de um homem de barba rala e uma mulher de cabelos curtos e claros que lembrava muito a que os atendera. Em outra foto estava a mesma garotinha, agora estava mais crescida, em seus braços um garotinho de cabelos loiros e cheio de cachos. Haviam outras fotos e em cada uma eles estavam maiores. Mas logo a distração deles foi quebrada quando uma mulher – a mesma da foto – se aproximou. Essa estava bem pior que a outra. Os olhos cheios de olheiras e o rosto inchado. Ela tinha o olhar triste.

— Nora Welsen? — Melizza perguntou e ela balançou a cabeça positivamente.

— Nós somos os agentes Jones, Abraham e Thompson. — Sam apresentou-os, em seguida continuou. — Sei que não é um bom momento. Sentimos muito pelo que aconteceu com seus filhos. Mas precisamos fazer algumas perguntas, nós estamos tentando entender o que aconteceu.

— Eu entendo. — ela disse e estava rouca.

Dean, Sam e Melizza sentaram-se no sofá maior logo à frente da janela por onde entravam os últimos raios de sol do dia. Nora sentou-se na poltrona à frente e ao seu lado Blanca, que parecia apoiar muito a irmã.

— Bem... — Melizza respirou fundo. — Pode nos contar o que aconteceu? David, seu filho mais novo, ele estava doente?

— Com tosse. Eu estranhei desde o começo, mas achei que ia ser um resfriado qualquer. — ela tinha a voz pesada. — O David sempre foi ativo. Brincava e fazia bagunça pela casa inteira. Ai ele foi ficando mais quieto, mais pálido. — a voz de Nora falhou. — Então o encontrei pela manhã em sua cama, com as cobertas no chão, e ele estava morto. Eu... Eu não entendo. Na noite anterior ele tossia, mas não tinha febre...

— Ele não falou sobre nada? — Dean perguntou com cuidado. — Não sei, talvez sobre monstros no armário... Algum tipo de alucinação?

— Não. — Nora estreitou o olhar, confusa.

— E Cissylia? O que aconteceu? — Sam indagou.

— Cissy! Eu não entendo... Ela estava bem, muito bem. — Nora parecia segurar as lágrimas, o que era bem normal dadas as circunstancias. — Ela não estava doente, só assustada... Assustada com a morte do irmão. Ela... — pausou. — A Cissy, ela não saiu da minha volta naquele dia. E de noite eu deitei ao seu lado para ver se ela descansava, havia sido um dia pesado para ela que ainda era uma criança. Ela não queria dormir. — as lágrimas escorreram em seu rosto. — E nunca mais acordou.

— O que pode estar acontecendo? — foi Blanca quem perguntou. — Isso não é normal. Eu sou enfermeira e nunca ouvi falar de algo assim.

— Ainda não sabemos bem. — Melizza disse e foi sincera sobre isso. — Sabem se alguma das crianças tiveram contato com alguém que já estava infectado e morreu? Houveram doze mortes na região. Doze crianças.

— Eu soube. — Blanca disse. — Mas acho que não...?!

— Não, não mesmo. — Nora respondeu fungando e limpando o rosto. — Nunca tiveram contato com nenhuma dessas famílias. Eu nem as conheço.

— Podemos dar uma olhada no quarto das crianças? — pediu Dean.

Blanca e Nora se entreolharam por um breve momento.

[...]

Não encontraram nada no quarto onde David e Cissylia dormiam que, de alguma forma, pudesse explicar o que havia acontecido. Entretanto Sam já tinha algo em mente quando procuraram uma pousada no começo daquela noite. A lua brilhava no céu quando os dois carros pararam diante de uma pausada latina, bem mais em conta que os motéis da cidade. Alugaram dois quartos, um ao lado do outro. O caçula começou a noite em frente ao laptop – o que não era, definitivamente, algo novo – enquanto Dean tomava um bom banho. Melizza foi buscar comida e quando voltou, bateu à porta dos Winchester. Queria ajudar Sam se precisasse, mas as coisas já estavam mais adiantadas do que ela esperava.

— Eu acho que já sei o que está rolando... — anunciou Sam, fazendo a atenção de Melizza e Dean desviarem-se do peixe frito que estavam comento. — E o que está causando as mortes.

— Como assim? O que descobriu? — Melizza deixou o alimento sobre a mesa, atenta a Sam.

— Eu pesquisei sobre o começo dessas mortes tentando achar na morte zero a possível causa. — começou a explicar. — O problema é que há registros dessas mortes há bem mais tempo, em todas as décadas e em todo o continente. Aqui, elas começaram há cerca de um ano. No começo isoladas, parece que só agora chamaram mais atenção. Algo bem parecido aconteceu em 2003 no nordeste de New York. Antes de um apagão na região uma criatura foi vista nas proximidades rurais. Outros documentos foram encontrados citando a mesma criatura. — Sam pausou. — Em 1964, em 1880, em 1691, várias notas de suicídios e mortes que são bem parecidas a essas. Uma doença enfraquece a pessoa e uma substancia é encontrada no sangue da vítima sempre depois da morte que acontece cerca de uma semana após esses sintomas de fraqueza. Não é uma coisa do nada, é o resultado das visitas do Rake.

— Rake? Fala sério, cara... Um Rake na zona urbana? — Dean disse incrédulo, não era o perfil daquele tipo de criatura. — Se aqui fosse zona rural tudo bem, o Rake não pega o elevador ou almoça no Biggerson’s. Isso não faz sentido!

— Bom, pode não parecer o tipo de ataque ideal para um Rake, mas há alguns anos lembro que o Samuel falou sobre um Rake na Flórida...

— Samuel? — Melizza indagou.

— Nosso avô materno. — Dean respondeu. — Uma longa história, acredite.

— O crescimento das grandes cidades pode ter gerado essa mudança no hábito alimentar dos Rakes. Eu não me surpreenderia se Wendigos fossem os próximos a largar a vidinha tranquila deles nas colinas e florestas. — completou Sam.

— Ok... Então, supondo que seja um Rake, o que sabemos sobre ele? — Melizza perguntou, ela nunca havia ouvido falar de um Rake, pelo menos não de um nos últimos anos.

— Rakes são criaturas bem parecidas aos Wendigos. — começou Sam.

— Tirando a coisa toda do canibalismo. — acrescentou Dean com ironia.

— Diz a lenda que assim como os Wendigos, Rakes eram pessoas humildes que na escassez de alimentos decidiram procurar outros meios para se alimentar. O caminho deles não foi o canibalismo e sim a magia. Eles procuram uma bruxa e fazem um tipo de pacto com ela e então ela faz o feitiço que os envolve. A partir desse momento a pessoa começa a sugar e se alimentar da energia da vítima enquanto ela dorme. A princípio ela precisa de permissão e nunca usa a mesma pessoa mais de uma vez...

— Depois as opções vão acabando. — comentou Dean. — Afinal, quem deixaria uma pessoa sugar a sua energia através de um feitiço?

— Ai o próprio feitiço modifica quem está usando-o, transformando a pessoa, ela fica cada vez mais sedenta. — Sam continuou. — Até que ele começa a usar os sonhos e pesadelos para sugar a energia vital, deixando-a cada vez mais fraca, até que o Rake vem e o mata. Sempre no sétimo dia.

— Mas nem todos apresentaram doenças, o que nos leva a outra parte da lenda sobre as visitas do Rake. — Dean disse pensativo.

— Em 1964 aconteceu um caso em uma zona rural do México. — Sam lia alguma coisa na tela do laptop. — Uma garotinha adoeceu com os mesmos sintomas, o convencional não funcionou e na sétima noite a garota morreu. Mas na mesma noite algo aconteceu. Pelo que disseram o pai da garota foi vê-la e algo que ele viu dentro do quarto o deixou em choca. Ele descreveu como um ser esquelético com grandes olhos amarelos. Ele ficou tão chocado que precisou de calmante e não parava de relatar sobre o que viu, só dormiu depois de medicado. Na manhã seguinte a esposa o encontrou morto.

— Quando alguém vê o Rake se alimentando fica marcado. — concluiu Dean.

— Então a garota viu o irmão sendo morto pelo Rake. — Melizza comentou.

Dean balançou a cabeça em concordância com a garota, continuando a sua linha de raciocínio.

— Rakes preferem crianças porque elas são mais sensíveis aos sonhos vividos, ou nesse caso, pesadelos. Mas o Rake também se alimenta de adultos ás vezes, só que o grande problema com eles é que lembrar do que sonharam é mais fácil e é isso que causa o suicídio. Lembrar desses pesadelos deve ser uma tortura.

— A questão é como matamos essa coisa? — Melizza indagou. — Porque acho que com fogo não vai rolar...

— É a grande questão. Eles não morrem como os Wendigos e tem grande poder psíquico. Temos que ter cuidado se nos aproximarmos. — Dean concluiu.

— Eu vou fazer algumas pesquisas, tentar saber mais sobre o assunto. — disse o caçula por fim espreguiçando-se.

Seria uma longa noite.

Não demorou para que Melizza fosse para seu quarto. Depois de acumular o seu cansaço – cansaço esse de muitos dias – ela desabou na cama. Não era essa a sua intenção. Ela pretendia ajudar Sam falando com seus contatos, mas o sono foi bem maior e já não era sem tempo, na verdade em quase sete dias Melizza não havia dormido mais que doze horas ao todo. Estava exausta.

Dean ajudou Sam por um tempo. Após a morte do Bobby, Sam havia digitalizado grande parte dos arquivos que ele tinha. E eram muitos. Divididos entre os HDs dos computadores de Sam e Dean. O mais velho acabou caindo no sono algum tempo depois. Não demorou ao mesmo acontecer com Sam que ultimamente se sentia muito mais cansado do que o normal. Talvez Dean estivesse certo sobre se preocupar com as marcas dos testes – Sam concluiu – havia algo diferente e isso ele não podia negar. Foi essa a sensação que teve ao acordar com os raios do sol pintando o céu.

O sono de Melizza não foi, nem de longe, tranquilo. Um caçador tem costumeiros pesadelos. Ora com um fantasma, ora com demônios. É normal. Mas o pesadelo de Melizza começou com a imagem de Bobby exatamente como nos tempos em que viveram alguns meses em Sioux Falls. A barba rala e o boné manchado de graxa. E depois tudo mudou. Mudou para uma sensação que ela já conhecia. A dor na região do estomago a acordou naquela manhã. E por sorte não se tratava do Rake – sonhos induzidos por Rakes não permanecem como uma lembrança, o que não era o caso. Ela se lembrava muito bem.

A garota tomou um banho e enquanto se arrumava em meio a bagunça das suas malas, ligou a TV. Nada de TV a cabo, teve que se contentar com alguns canais abertos. Deixou em um noticiário qualquer. E foi esse noticiário que acabou lhe chamando a atenção. Saiu em direção ao quarto dos garotos, batendo na porta. Sam abriu e encarou-a meio surpreso. Ela parecia apressada.

— Posso entrar?

— Claro. — Sam saiu do caminho, ao passar pela cama do irmão sacudiu Dean que ainda estava dormindo. — Dean!? Dean, acorda!

O mais velho abriu os olhos.

— Mas que porra, Sammy!

E Sam fez sinal para que ele visse Melizza. Parada no meio do quarto enquanto os observava, Melizza até reprimiu uma risada. A cara de Dean era hilária, meio zangada e bastante curiosa.

— Eu tenho que falar com vocês. — disse ela cruzando os braços, com a postura de sempre.

— O que foi? — Sam pareceu preocupar-se. — Aconteceu alguma coisa?

Ela balançou a cabeça positivamente.

— Outra morte. — respondeu. — Acabei de ver na TV. Um garoto. Eles já estão chamando de surto causado por bactérias. Temo que essa mídia toda atrapalhe a investigação.

— Seria uma boa ideia ir até a casa do garoto. — sugeriu Dean. — Quem sabe há alguma pista que nos leve ao Rake ou, ao menos, a confirmação de que se trata mesmo de um.

Todos os três concordaram.

Pela tarde já estavam na frente da casa 89 da rua White River. A casa dos Parker era grande, com grandes vidrais e gramado verdinho. A maioria das pessoas só pensem em bens materiais, mas ter do bom e do melhor nem sempre quer dizer que tudo está e ficará bem. Os Parker eram a tradicional família da rua. Cristões fervorosos. Benjamin Parker era banqueiro e sua mulher Jessica arquiteta, com um filho único, Jonathan. A dor que eles sentiam – claro – era incalculável. Esse era o bem mais precioso que tinham. E agora não tinham mais.

— Jonathan era um bom garoto. — Benjamin disse aos três “agentes” enquanto eles estavam sentados em sua sala, ao seu lado Jessica em estado de choque, com os olhos vidrados de calmantes e os cabelos embaraçados que lhe caiam aos olhos. — Inquieto como qualquer garoto de dez anos, mas de uns dias para cá estava adoentado. Achávamos que podia ser um resfriado encubado.

— Vocês levaram ele ao médico? — perguntou o loiro de olhos verdes, Dean.

— O irmão da Jessica é pediatra. Ele o examinou, disse que estava tudo bem e que o Jonathan ia melhorar. — respondeu. — Mas hoje cedo Jessica foi vê-lo e ele estava morto.

Baixou a cabeça.

— Nós sentimos muito. — Sam disse com pesar.

Benjamin assentiu e Jessica fungou, totalmente alheia a conversa. Ou ignorando apenas. Mas todos os três apostariam que era por causa dos remédios. Isso se percebia pelo olhar.

— Além da febre e da tosse, o seu filho apresentou algum outro sintoma? Falou a respeito de alucinações, pesadelos? — Melizza perguntou cuidadosa.

— O que isso tem a ver? — o pai estranhou.

— Tem a ver com o tipo de bactéria que pode estar causando tudo isso. — Sam mentiu e não se sentia bem com isso devido a situação pela qual o casal estava passando.

— Não, eu acho que... Não. — seu olhar automaticamente foi para a mulher, por alguns segundos esperou que ela se pronunciasse caso soubesse de algo, mas Jessica apenas se levantou ao ouvir uma buzina em algum lugar lá fora. — Acho que não, ele não disse nada sobre isso. E perdoem a minha mulher, estamos os dois muito abalados com o que aconteceu. Jessica foi a primeira a vê-lo morto, a dor que ela está sentindo é indescritível.

— Nós entendemos. — Sam disse compreensivo.

— Será que podemos ver o quarto do seu filho? — o pedido de Dean deixou-lhe confuso.

No que diabos um quarto poderia ajudar em uma morte assim? Não era nenhum cenário de crime – pensou Benjamin, que apesar de não entender, permitiu. Sam ficou na sala, com certeza dizendo coisas reconfortantes. E isso confortou Dean por saber que o velho Sam ainda estava lá. O Sam que sempre buscava apoiar os outros. Depois do “Sam sem alma”, na situação em que estavam, Dean sentia que enfim havia um bom sinal.

Ao entrar no quarto Dean tirou o EMF do bolso do casaco. Era o seu medidor de frequências eletromagnéticas caseiro. Era divertido fabricá-los. Antigamente eles passavam mais despercebidos, afinal quem não andava com um pequeno rádio a pilhas por ai? E era com o que se pareciam, um rádio a pilhas. Mas agora com os novos – e menores, e mais finos – eletrônicos, era bem difícil ver alguém com aqueles rádios.

Bom, alguém além de Dean.

Melizza torceu o nariz ao ver o pequeno aparelho. Pegou o seu próprio do bolso, que era um pouco mais robusto. Dean franziu a testa. Nenhum dos dois, porém, teve algum sinal captado. A cama ainda estava desarrumada, mas nem mesmo ao seu redor encontraram qualquer coisa.

— Está tudo limpo. — reclamou Melizza. — Aliás, a gente esperava encontrar o que?

— Existem algumas lendas que dizem que o Rake deixa rastros de lama seca ao lado da cama da vítima. — contou Dean. — Outros dizem que as marcas de lama ficam no espelho, se houver um no lugar.

Melizza automaticamente olhou em direção ao espelho em um canto da parede, indo até o mesmo checá-lo.

— Nada. — disse por fim. — Onde ouviu falar sobre isso mesmo?

— Lendas que ouvi na minha juventude. — disse o Winchester ainda olhando o espaço atentamente. — Sabe, de caçada em caçada...

— Talvez esteja limpo porque estamos em New York.

Dean teve que admitir, ela tinha razão. Estavam em New York, afinal. Já saiam do quarto quando Jessica o adentrou. Melizza e Dean a encararam curiosamente e ela lhes devolveu o olhar. Parecia mais sana agora.

— Desculpe. Nós viemos olhar o.... — Melizza se deteve. — Estávamos saindo.

— Não se preocupe. — Jessica se pronunciou pela primeira vez, abaixou o olhar e cruzando o quarto, parou em frente a uma pilha de roupas. — Eu só vou pegar algumas coisas que Peter esqueceu aqui ontem.

— Peter? — Dean indagou.

— É, um amiguinho do Jonathan. Ele esteve aqui ontem, mas quis ir embora no meio da noite. — explicou. — Como se adivinhasse...

— Ele quis ir embora? — Melizza enrugou o rosto. — Teve um pesadelo?

— Não sei. Talvez. — estava visivelmente mal por estar naquele lugar, mas por causa dos remédios agia com calma. — De qualquer jeito, foi melhor...

Dean e Melizza trocaram um olhar expressivo.

Se estivessem certos, as coisas não iam nada bem.

[...]

— Nós não temos certeza de nada. — disse Melizza. — Mas é bem provável que o garotinho tenha visto o Rake, se foi mesmo o Rake.

— O que quer dizer que ele vai atacar o menino hoje à noite. — desviando a sua atenção do laptop, Sam os encarou, estavam de volta ao quarto da pousada. — O que sabem sobre o menino?

— Peter Mason, onze anos. — Dean contou. — Estudava na mesma escola do Jonathan. Eu e a Melizza demos uma sondada na senhora Parker, mas não deu para descobrir muita coisa.

— E como vamos ter certeza de que ele viu o Rake? — Sam indagou. — Não dá para ficar na dúvida!

— E como vamos matar essa coisa se o Rake for mesmo o nosso monstrinho da vez? — Melizza aproveitou para perguntar.

— Isso eu já estou dando um jeito. — Sam baixou o olhar para o computador. — Acho que vocês devem ir à casa dos Mason e tentar descobrir antes que a coisa toda aconteça.

A garota levantou o olhar para a janela logo atrás de Sam. O sol começava a se pôr. Era – definitivamente – a hora de agir, pois caso o garoto dormisse, não teria volta.

— Espera... E você? — Dean perguntou.

— Eu acabo a minha pesquisa e de acordo com o que descobrirmos, encontro vocês! — disse o caçula. — Só me mantenham informados.

— Não vou deixar você aqui sozinho. — Dean hesitou, Sam franziu a testa sem entender. — Pode precisar de ajuda! A Melizza pode cuidar disso...

— E ela pode precisar de ajuda também. — Melizza abriu a boca para protestar que não precisava de ajuda, mas se calou quando Sam continuou. — E Eu posso fazer minhas pesquisas sozinho, Dean. Isso vai ser rápido. Estou esperando um telefonema... Um contato que está me ajudando a saber o jeito de matar o Rake. — deixou suspenso na esperança que Dean percebesse que estava falando de Kevin. — Então eu acho que podemos nos dividir assim e será bem mais rápido se trabalharmos em grupo.

Claro que Sam não sabia o que se passava pela cabeça do irmão, mas Melizza percebeu que Dean não estava tão seguro assim. E isso era ruim. Muito ruim.

Dean suspirou.

— Ok. — assentiu. — Nos mantenha informados também.

— Só... Poderiam deixar um dos carros? — Sam perguntou meio sem jeito. — É que se eu precisar encontrar vocês, vai ser meio estranho pegar um taxi.

Dean encarou Melizza expressivamente.

— O que? Negativo! — ela franziu o cenho. — Desculpa Sam, mas eu fiquei um bom tempo longe do meu carro... Além disso, ninguém mais dirige ele.

Dean devolveu-lhe um olhar um pouco impaciente.

— Toma. — Dean jogou as chaves do Impala para o irmão.

Um sorriso brotou nos lábios de Melizza, mas ela não deixou que Dean se desse conta disso. Irritar o Winchester mais velho tinha lá a sua graça.

— Eu dirijo, nada de dar chilique. — avisou ela em tom despreocupado quando se aproximaram do Camaro metalizado no pequeno estacionamento da pousada e abriu a porta do carona, indicando que Dean embarcasse. — Todos a bordo!

Torcendo o queixo e muito contra a gosto, Dean deu a volta entrando no carro – e esperou pela partida que não aconteceu. Olhou confuso para Melizza.

— O cinto! — ela disse.

— Fala sério! Você é cheia de frescura! — resmungou colocando o cinto.

— Não querido, sou precavida. E não quero que a sua cabeça dura quebre meu vidro caso haja um imprevisto. — retrucou.

— Bom... Pelo menos vou ter alguma segurança já que é você que vai dirigir. — a voz dele era carregada de sarcasmo. — A casa dos Mason é....

— Na rua Beverlly Mills, número 22. — interrompeu-o. — É, Dean... Fiz a minha lição da casa. Não sou iniciante.

— Ok, então toca para lá antes que eu me arrependa! — disse secamente.

— Claro, doçura. — ela riu, ligou o carro em seguida.

Enquanto o carro saia do estacionamento, Dean visualizou o seu querido Impala pela janela. Teve vontade de pular daquele maldito carro e correr até a Baby, só assim fazer seu trabalho do jeito que sempre fez. Depois que saíram do pequeno estacionamento Dean relaxou um pouco mais. Melizza era atenta e concentrada até o que ele via. E o carro não era tão desconfortavel, nem mesmo aquele forte perfume impregnado no interior dele. Não era enjoado como o das garotas que conheceu pelo bar. Era bastante atraente, aliás. Encarou Melizza por um breve momento e ela agora estava mais confiante. Os cabelos castanhos claros sob a luz do sol eram fios dourados, os olhos vivos e brilhantes – que de repente lhe encararam, fazendo-o ficar tenso.

A imagem de Bobby era estranhamente nítida agora em sua lembrança.

— Que foi? — indagou levantando a sobrancelha.

— Nada... — Dean respondeu com um pouco de incerteza. — Nada! Só estava pensando...

— Pensando?

— No Bobby. — ela desviou o olhar com a resposta. — E em outras coisas. Mas nada importante.

Melizza soltou o ar, voltando-se série para o caminho à sua frente. Levou a mão no rádio em qualquer faixa. Eis o melhor jeito de evitar uma conversa indesejada.

“You were my conscience, So solid now you're like water.”

Paramore. Uma ótima banda – ela adorava. Encarou Dean surpreso quando ele baixou o volume do rádio.

— Fala sério! — mais uma vez resmungava o Winchester. — Vai me dizer que você é da onda alternativa? Isso não é rock!

— É, eu sou alternativa. Ou sei lá, chame como quiser. — ela se aborreceu. — E gosto dessa música.

— Eu vou ser obrigado a ouvi-la? — ele parecia ultrajado.

— É, vai sim. — ela deu de ombros. — Meu carro, minhas regras. E nesse caso, minhas músicas.

Estendendo a mão para aumentar o som, Melizza ignorou a cara azeda de Dean e começou a cantarolar: “I'll stop the whole world, I'll stop the whole world from turning into a monster, Eating us alive. Don't you ever wonder how we survive? Well now that you're gone the world is ours...”

A viagem não demorou muito mais para a alegria de Dean. Duas músicas depois o Camaro estacionou diante da casa dos Mason no finalzinho da tarde. Não era comum uma visita de agentes naquela hora – e por isso, claro, a senhora Mason estranhou quando Melizza bateu a sua porta.

— Agente Nahay Jones. — se apresentou. — Enviada pela secretaria de saúde de New York para estudar os misteriosos casos de morte que vem acontecendo na cidade.

— Ah, sim. — Ana Mason assentiu. — Eu soube. E soube o que aconteceu com o pequeno Jonathan. Ele e o meu Peter eram amiguinhos desde o jardim. Dei o meu apoio e estive com a Jéssica essa manhã. Estou em choque!

— Pois é, sei inclusive que Peter iria passar a noite na casa de Jonathan ontem e.... Bem, é sobre isso que quero falar. — Melizza pausou, ainda estava parada à porta de Ana Mason que levantou o olhar para o Camaro onde Dean estava, o povo ali costumava ser desconfiado, depois voltou a devolver a atenção a agente a sua frene. — Você sabe que especula-se um tipo de bactéria causadora disso?

A cor fugiu do rosto de Ana.

— Entre. — pediu a mulher.

[...]

Dean encaro a tela do celular.

Melizza havia entrado na residência dos Mason há pouco mais de cinco minutos. Combinaram que só um deles entraria. Aquela não era uma hora boa para uma visita de qualquer gênero. Desceu do carro e encarou a casa que era uma casa como qualquer outra, igual a todas daquele bairro: Dois andares, mas não muito grande, um pequeno jardim e várias flores espalhadas. Logo acima uma janela grande com sacada – provavelmente o quarto dos donos – e dando a volta pelo quintal, encontrou a janela que pertencia ao quarto do garoto. Dizia isso devido a cortina estampada com bolas de futebol em tom de azul. Ficava logo acima da garagem e não era alta, caso – claro – precisassem subir até lá. Desceu o olhar para a garagem cuja luz estava acesa. Se aproximou devagar, vendo a pequena e magricela figura de um garoto sentado ao lado do carro, em uma banqueta. Ao seu redor alguns lápis de cera e papeis. Ele parecia inquieto. Dean entrou pelo espaço entreaberto, surpreendendo o garoto.

— Não, não se assuste. — disse prontamente diante dos olhos assustados. — Eu...

— Está com a moça que está lá dentro? — perguntou. — Ela disse que o colega dela havia ficado a sua espera no carro. Mamãe me mandou para cá, disse que era conversa de adultos.

— É, é isso mesmo. — Dean balançou a cabeça. — Meu nome é Evy Thompson e você deve ser o Peter, não é?

O garoto assentiu.

— Eu acho que eu sei o que querem aqui. — disse Peter convicto.

— Sabe?

— É sobre o Jonathan. — respondeu. — Mamãe disse que ele morreu e está no céu com os anjos agora.

Dean balançou a cabeça no ar afastando a verdade de seus pensamentos. Pena que não era bem assim. A figura inocente que as crianças tem dos anjos – se os conhecessem de verdade, provavelmente fariam parte dos seus pesadelos.

— Sinto muito pelo seu amigo. — disse o Winchester. — Eu soube que ontem à noite você estava na casa dele e quis vir para casa. Vocês... Brigaram?

— Não. — negou prontamente, não encarava Dean.

— Algum motivo especial?

— Não. — novamente negou, mas parecia incerto. — Só quis voltar.

— Tem certeza? — indagou com cuidado.

— Sim, foi só um pesadelo.

— Que tipo de pesadelo? — indagou mais uma vez.

Peter coçou a cabeça encarando Dean, levantou-se com certa energia:

— Um pesadelo ruim! — disse aborrecido. — Pensei ter visto... Ah, esquece!

— Pode me contar!

— Mamãe mandou eu parar de pensar nisso. — o garoto disse. — Você vai dizer o mesmo!

— Pode confiar em mim, Peter. — Dean encorajou-o.

— Se você rir de mim... — pausou. — Eu acordei no meio da noite. Queria ir ao banheiro, eu e o Jonathan tomamos muito suco de maça... Acontece que quando me ergui na cama eu vi aquela... Coisa! — dizia com cuidado. — Era magra, bem magra, ossuda. Estava sentada ao lado do Jonathan. Ai ela me viu e sumiu. Eu acordei depois disso, desci e liguei para o meu pai. Quer dizer, eu até tenho uma leve impressão de que eu não acordei. Eu estava acordado! Quer dizer, parece que não foi um sonho. — agora ele tentava explicar em meio a sua confusão de pensamentos. — Mas foi, não foi?

— Eu acho... Que sim. — Dean estreitou o olhar.

— Enfim, foi por isso! — Peter deu de ombros. — Jonathan e eu nunca brigamos, jamais! Eu vou sentir falta... Dele.

— Eu sei. Sei como é perder um amigo. — Dean pôs a mão em seus ombros em forma de apoio, foi então que seu celular tocou e na tela o nome “Sam” piscava.

Um ótimo momento para Sam dar notícias.

[...]

Melizza viu Dean andar em sua direção e ficou mais tranquila. A conversa havia sido bem pouco produtiva sem o garoto por perto. Ana deixá-lo em observação, já estava agoniada pela mera possibilidade de que Peter corresse risco de vida. De qualquer jeito a caçadora não pode conversar a sós com ele e ao voltar para o carro, Dean havia sumido.

— Podia ter avisado que ia dar uma voltinha! — ela estava escorada no Camaro agora. — Não que me deva explicações, mas estamos trabalhando juntos...

— Sam está vindo. — disse ignorando o comentário. — Ele já sabe como matar o Rake.

Melizza franziu a testa.

— Bom, eu não consegui falar com o menino.

— Mas eu sim. Ele estava na garagem quando eu dei a volta. — contou. — Sem dúvidas foi um Rake. Ele falou sobre essa coisa que ele viu, não tem certeza se estava sonhando ou acordado, mas tudo se encaixa.

— Então o Rake virá por ele hoje. — ela concluiu. — Como vamos pegá-lo? Nós temos que acabar com o Rake antes que ele chegue ao menino!

— Sam vai nos dar detalhes quando chegar. — Dean disse coçando a nuca. — Mas não vai ser fácil de qualquer jeito.

Melizza dirigiu com o Camaro até o final da rua – eles não poderiam permanecer estacionados em frente à casa dos Mason todo o tempo. Sam não demorou. Já era noite quando os três estavam reunidos e à espreita.

— Nós pesquisamos mais a fundo sobre os Rakes. Já em antigas culturas como a Inca eles eram citados como Esqueletos Andantes. — Sam explicava. — Eles ficavam atentos aos sinais, abatimentos e cansaços súbitos, então faziam rezas para que esse espirito se afastasse. Mas em um livro antigo sobre criaturas que são resultado de magia, descobri que depois de repetir algumas palavras, deve-se usar uma estaca feita de madeira virgem e acertá-lo no coração. As palavras ou reza o enfraquecem. A lança termina o serviço.

O caçula entregou as estacas para o irmão e a garota.

— Acho melhor darmos a volta pela rua detrás. — sugeriu Dean. — Ai podemos montar guarda e ficar de olho no quarto do garoto.

E assim o fizeram.

Se antes o tempo parecia voar, agora parecia ter pausado. Cada minuto parecia demorar muito para passar naquele silencio que se fez entre os três. Sam estava esforçando-se para memorizar as palavras e Dean cuidava para que as estacas estivessem bem afiadas na hora certa.

— Café? — Melizza veio de dentro do seu carro com uma térmica.

— Não, obrigado. — Sam balançou a cabeça agora escorando-se no Impala ao lado da garota, Melizza encarou a casa cujas luzes já estavam todas apagadas e suspirou quando o vento bateu em seu rosto. — Nervosa?

— Um pouco. — ela foi bem sincera. — Acho que em uma situação dessas não tem como não ficar.

— Leah Agnel não tem nervos de aço. Eis um furo de reportagem! — Dean disse brincalhão, o que deixou Sam um pouco surpreso.

— Não é isso. É que tem uma criança envolvida. — ela disse mais séria. — Não gosto quando isso acontece. Nenhuma criança deveria se envolver com isso ou saber que os monstros não são exatamente como nos filmes da Disney. — Sam acabou respirando fundo também e silenciosamente ele e Dean concordaram, a verdade dita por Melizza valia para os dois. — Mas a vida é dura. Lamentar não adianta. Precisamos agir! E então... Quais vão ser as palavras mágicas para que o Rake vire pó?

— Sabe latim? — foi uma pergunta até bem boba vinda de Sam.

— Eu estudei em um colégio católico. Se não soubesse provavelmente não teria me formado. — ela disse tirando o pedaço de papel das mãos do Winchester.

— Como era o colégio? — Dean perguntou. — Quer dizer, eu e o Sam sempre mudávamos de escola. Sinceramente deve ser bem chato ter ficado durante toda a adolescência no mesmo lugar...

Sam encarou o irmão, reprovando-o.

— Chato. Rígido. — ela bocejou. — Eu odiava aquele lugar.

Dean bocejou logo depois. Dizem que se alguém boceja perto de você, você vai bocejar também. Os três encararam a rua silenciosa. Não havia mais movimento nenhum nem mesmo dentro da casa. O quarto do garoto estava iluminado pela penumbra de um abajur, com a cortina abaixada. Dean tomou um gole do café que Melizza trouxe e se juntou aos dois na espera. Um Rake não era invisível, o desgraçado não iria simplesmente aparecer no quarto. Ele precisava entrar na casa e normalmente entrava pela janela do quarto da vítima.

Estranhamente o ar ficou mais pesado – embora nenhum dos três tenha notado a princípio. Dean e Melizza bocejavam constantemente, sentiam seu corpo mais pesado e cansado. Sam demorou um pouco para sentir tal cansaço. Uma dor se instalou em sua cabeça de forma aguda. Aos poucos foi vendo tudo embaçado. E em um piscar de olhos já estava de acordado, a tempo de ver Melizza e Dean deslizando pela lataria do Impala até o chão.

— Dean! — o caçula correu até o irmão ajoelhando-se, com alguns tapinhas no rosto fez com que Dean entreabrisse os olhos. — Melizza? Hey, hey, acordem! Dean? — estendia a mão até a garota na mesma situação, nem ela nem Dean reagiam.

Sem querer seu olhar parou no relógio de pulso do irmão. Da última vez que vira as horas eram pouco mais de nove e meia, isso quando Melizza trazia o café. O relógio marcava dez horas agora – de alguma forma ele perdera a consciência por alguns segundos. E era nítido que Dean e Melizza haviam sido mais afetados pelo que quer que seja. A primeira razão que pensou foi o Rake. Eis uma óbvia explicação, o Rake estava por perto. Provavelmente na casa. Droga, não tinham tempo algum para esperar. Sam estava decidido em entrar na casa sozinho caso a ideia que teve não funcionasse. Levou a mão na térmica de café e jogou parte no Dean, parte em Melizza.

— Mas que droga é essa? — Melizza exclamou voltando a si.

Provavelmente a temperatura do café estava um pouco morna. Mas nada que a causasse queimaduras. Dean também se pôs de pé, atordoado.

— Eu acho que a presença do Rake ia nos fazer cair no sono. Talvez tenha nos visto ou algo assim. — disse Sam.

— Rake?

— Acho que ele passou por aqui.

Merda! — Dean juntou os dentes. — Vamos logo!

Com a adrenalina e a pressa – e o medo de que já fosse tarde – eles começaram a agir. Dean escalou a parede enquanto Sam e Melizza fizeram a volta. A ideia era arrombar – com a melhor das intenções – e encurralar o maldito monstro. O Winchester mais novo se concentrou cuidadosamente na parte das câmeras de segurança e Melizza, habilidosa, abriu a porta. Precisavam de sorte.

Esforçando-se para manter-se firme na grade da janela, Dean não conseguia ao menos olhar para dentro da janela. Seu corpo estava muito pesado e um súbito cansaço mental e físico lhe dominou. Um impulso natural lhe fez entrar no quarto pela janela, sem esperar mais. O garoto, claro, acordou de sobressalto. Mas os olhos de Dean estavam grudados na figura esquelética que se pôs de pé. Sentiu seu estomago se contorcer no vazio só de olhar para aquela figura. Estava sem força nenhuma, do contrário teria vomitado.

O garoto gritou assustado. Soava frio. Nesse instante Sam enfiou o pé na porta, ele e Melizza entraram por ela e encontraram um Dean sob o controle do Rake.

— Dean, não o olhe nos olhos! — ordenou Sam, mas Dean permaneceu fixado nos olhos amarelados e brilhantes do monstro e sentia suas pernas cada vez mais bambas.

Corrupta est anima, et dissipationes... — Melizza começou a proferir, mas foi interrompida quando Ana e Edward Mason entraram no quarto.

A primeiro momento nenhum dos dois entendeu. Arregalaram os olhos ao verem a porta quebrada e a “agente” acompanhada de um desconhecido ali no meio da noite. Só então visualizaram melhor a cena: Peter encolhido sobre a cama, com os olhos vidrados de medo na figura logo no centro do quarto. Era um ser digno dos filmes de terror – dos quais não eram muito fãs, diga-se de passagem. Uma onda de frio passou pelo corpo deles e ambos balançaram como se estivessem à beira de um desmaio. Melizza também começou a se sentir mal, isso porque o monstro virou-se na direção dos quatro, deixando Dean de joelhos logo atrás de si. Aliás, Dean já tinha uma aparência amarelada. Sam assustou-se. E pelo que via, Melizza e os Mason iam pelo mesmo caminho. A dor aguda voltou e junto a ela, Sam teve uma leve vertigem. Mas ainda estava de pé – e isso era estranho, embora se esforçasse para não pensar nisso naquele momento.

O Rake grunhiu. O som era como o de um animal agonizante na pior das torturas existentes. Peter apertou os ouvidos com as mãos, choramingando.

— Pet-er... — a voz de Ana falhou.

Ela cedeu, caindo perto da porta. Edward já havia cedido ao peso de seu corpo também. Melizza engoliu a seco naquela fração de segundos.

Corrupta... Corrupta... — caiu, embriagada pelo sono.

Corrupta est anima, et dissipationes. Corrupta est anima, et auferes. — assim que se recuperou da tontura, Sam proferiu com a maior rapidez que conseguiu, viu o Rake dar passos em sua direção com o rosto contorcido. — Circa cinere, Septies maledictus animam.

E tirou imediatamente à estaca do casaco, indo de encontro ao monstro. Mas foi menos agiu que o Rake, que movimentou as pesadas mãos, arrancando-lhe seu pedaço de madeira e quebrando-o ao meio. Sam bem tentou pegar o que estava com Melizza, mas o Rake veio lhe atacar. Rakes são diferentes de Wendigos. E raramente usam força física. É mais algo mental graças a magia negra. O olhar do Rake parou nos olhos de Sam e o caçula não se moveu. Não pelo Rake, mas sim pelo estranho ruído – como um chiado de rádio metalizado – que surgiu em sua cabeça. Era insuportável.

Sam não saberia dizer em que momento aconteceu. O Rake tombou ao chão. E ali estava Dean, que golpeou a figura atravessando à estaca no coração. Com a respiração ansiada, Sam e Dean se encararam por um breve momento. Aquele era um problema resolvido.

[...]

Melizza teve uma conversa com os Mason no final daquela madrugada. Estavam atordoados – claro, um ser assustador havia aparecido no quarto do seu filho e causado coisas que nenhum deles pensava ser possível, não era para menos – mas foi uma breve conversa. Dean trocou algumas palavras com Peter enquanto Sam se livrava do corpo do Rake em um terreno baldio perto dali. Os Mason até decidiram enviar o filho para umas férias tranquilas com os avós, mas iria ser um tempo difícil dali para frente para todos. Principalmente para Peter. Os monstros existem e agora ele sabia.

A vida é sempre escuridão quando se perde a inocência.

Estacionados em frente a um posto de gasolina, Sam e Melizza esperavam Dean voltar do mercadinho ao lado. O dia estava nublado naquele começo de tarde. O Rake que infernizava aquela região havia sido exterminado. Agora era a hora de partir e a sensação incomoda estava de volta. Sam pensava que a ideia de ficar dando voltas ao invés de voltarem para o bunker era péssima. Mas nem só isso ocupava a sua cabeça.

Respirou pesadamente.

— Tudo bem, Sam?

— Eu acho que... Sim. Só estava pensando. — disse incerto.

— Sim, isso eu pude perceber. — Melizza ironizou.

— Por que eu não fui tão afetado pelo Rake quanto você, Dean ou os Mason?

Melizza se calou por alguns segundos, pensativa. Ter um anjo dentro de si, essa era a única coisa diferente nele. Essa provavelmente era a resposta.

— Eu acho que deveria agradecer. — Melizza desconversou. — Quer dizer, pelo que estávamos sentindo não iriamos poder fazer a coisa toda. Com certeza nós já seriamos ração de Rake.

Sam sorriu de leve.

Mas ele não estava tranquilo. Não depois do que acontecera no quarto de Peter com o Rake. Havia algo estranho – sempre havia algo estranho. Resolveu ocupar seus pensamentos. Talvez fosse uma boa hora para puxar conversa.

— Sobre o grupo de caçadores que você pertenceu... — Sam começou. — Como era? Quer dizer, não sabia que haviam grupos de caçadores. Como conheceu?

— Eu os conheci em um bar onde fomos festejar a formatura do colégio. — e ele se surpreendeu por Melizza querer falar sobre isso. — Eram seis jovens, soube que eram caçadores depois de ouvir uma conversa de relance. Trabalhávamos em conjunto, ensinando uns aos outros. Aprendi muito com eles.

— E por que saiu?

Ela desviou o olhar e pareceu ficar tensa.

— Era o momento. — se limitou a responder.

Nisso Dean já estava de volta com sacolas nas mãos. Entregou uma a Melizza, eram as coisas que lhe havia pedido que comprasse. Nada mais que besteiras para comer na viagem. E o conteúdo da sacola dos irmãos não era tão diferente disso.

— Então, acho que já dá para pegarmos a estrada. — disse o Winchester. — O legal é que parece que voltamos ao velhos tempos, lembra Sam? Caçar criaturas e salvar pessoas, só anjo e demônio enjoa! — Dean parecia entusiasmado.

— Você fala como isso fosse bom... — Melizza ironizou.

— Eu acho uma maravilha! — exclamou.

— E nem parece que estava lá amarelo, sucumbindo ao Rake. — ela continuou provocando-o.

— Mas fui eu que o peguei de jeito! — ele deu uma piscadela.

Talvez nenhum dos dois tenham notado o brilho azulado que surgiu no fundo do olhar de Sam. Ele mudou drasticamente. A postura relaxada deu lugar a tensão, a expressão tranquila ao rosto inexpressivo. Ele encarou os dois à sua frente.

— Dean!

— Que? — Dean encarou o irmão distraído, depois começou a estranhar a forma como Sam o encarava. — Sam, tudo bem?

— Sim, Dean. — assentiu. — Seu irmão está bem.

— Ezekiel? — Dean compreendeu.

Melizza ficou tensa.

— Precisamos conversar. Mas não é sobre seu irmão. — disse o anjo. — É sobre demônios.

— Demônios? — Melizza perguntou. — O que houve?

Ele hesitou.

— Pode falar, Zeke! — Dean incentivou-o a falar. — Melizza é parte do grupo e pode falar o que for.

Melizza encarou Dean um pouco surpresa, mas era óbvio que não era essa uma completa verdade. O Winchester sabia que não poderia esconder nada dela, que estavam no mesmo barco. Sendo assim Ezekiel continuou.

— Eu ouvi orações. Ouvi anjos comentando sobre isso. — Ezekiel pausou. — E acho que devemos nos preocupar.

— Maravilha! Agora explica isso direito!? — Dean estava impaciente.

— Os demônios libertaram algo muito poderoso dos confins da Terra. — disse o anjo. — E algo muito ruim também. A Terra santa foi corrompida, Dean. A única coisa a ser feita é deter os planos de Abaddon.

— O que foi libertado? Lucífer? — Melizza perguntou.

— Não.

— Então o que? — Dean insistiu.

— Eu não sei.

— Ok, e como vamos saber quais são os planos de Abaddon se nem sabemos o que aconteceu? — Melizza cruzou os braços.

— Só quem pode contar a vocês é Joshua. — explicou Ezekiel.

— Joshua? O anjo que falava com Deus? — Dean lembrou-se de quando Sam e ele foram até o céu em meio ao apocalipse, uma experiência nada divina diga-se de passagem.

— Isso. Ele pode ajudar a montar o quebra cabeças. — assentiu o anjo.

— E onde o achamos? — Melizza indagou.

— Não sei onde ele está exatamente, mas sei onde ele caiu. Ele pode continuar por lá. — disse Ezekiel. — Maryland.

— Maryland? — Dean franziu a testa. — Por que Maryland?

— Lá é o equivalente aos Jardins do Céu. É exatamente por isso que a boca da jaula de Lucífer é por lá. — explicou.

— E vamos até lá e procuramos uma agulha no palheiro? — Dean encarou seu irmão, que naquele momento não era bem o “seu irmão”.

— Eu queria poder ajudar mais. — disse Ezekiel. — Me desculpe.

E a luz azul novamente piscou.

— Não vão começar a discutir por causa disso, vão? — Sam balançou a cabeça.

Era o Sam de novo. Um Sam perdido em um lapso do tempo.

— Que? — Melizza parecia confusa.

— Sobre quem matou o.... — Sam parou, vendo nos rostos do irmão e da garota a insegurança e algo sério, algo que há um minuto não estava ali. — O que foi?

— Temos que ir. — Dean disse sério. — Temos trabalho.


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Notas finais do capítulo

Olá pudins



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