Tristan Frey

Everlyn estava com um humor terrível. Afinal, ela teve que ficar com a perna toda engessada tudo por causa de um tornozelo e Will fazia questão de atazaná-la sobre como ela não deveria espiar pessoas, pois isso acabava em coisas ruins como pés torcidos.

Ed e eu sabíamos que ela simplesmente tinha ido dar uma volta no parque. Ela sempre gostou de fazer isso. No orfanato, seu lugar preferido era o playground que era um dos únicos lugares ao ar livre.

Ah, e também tinha a questão da aposta. Ed e Ever apostaram para ver quem iria conseguir ficar uma semana sem refrigerante. Porque eu estava reclamando outro dia sobre como os dois andam consumindo uma quantidade exagerada de refrigerante.

— Eu não tomo tanto assim, Tris — o maldito apelido me fez estremecer.

— Nem eu — disse Ed tomando um gole enorme de H2OH!

Ever olhou pra ele cética.

— Eu acho que você deveria argumentar quando você não estiver tomando refrigerante.

— Bem, não sou eu que tomo quase um litro à noite.

— Não sou eu que tomo Coca-Cola de café-da-manhã.

— Aposto quinze dólares que você não é capaz de ficar uma semana sem tomar refrigerante.

— Eu aposto o mesmo.

Minha carteira agradeceu por esta uma semana.

Will estava fora, algo sobre ter que comprar uma nova camisa azul, já que Ever botou fogo na última (mas ela alega que foi porque Will prendeu seu All Star na lâmpada do corredor. Pra cada coisa que Will faz, ela queima uma roupa dele. Na vez antes dessa, quando ele colocou pó-de-mico em suas pernas, ela queimou uma bermuda).

Ed estava dormindo (conte-me uma novidade) e eu e Ever estávamos assistindo Doctor Who, enquanto a comida japonesa que pedimos não chegava.

Ela iria tirar seu gesso só daqui a duas semanas. Até lá, nada de andar, ou seja, eu terei que gastar combustível pra ficar levando essa menina pra cima e pra baixo.

Oh, beleza.

Um pouco antes de a comida chegar, Ed acordou e veio falar conosco. Everlyn o ignorou, já que estava com seu mau-humor. Eu e ele ficamos conversando sobre quando nós tivermos dinheiro qual videogame deveríamos comprar.

A comida chegou, mas Will ainda não tinha chegado. Achei chato não esperar por ele, mas Ever e Ed começaram a falar que não tinha problema.

Um pouco tempo depois, Will chegou ensopado. Não sei como porque não estava chovendo.

— Foi tomar banho no rio? — perguntei, segurando o riso afinal sua cara era impagável.

Ele bufou e sentou-se para comer. Everlyn ficou mais mal-humorada ainda.

Aí você se pergunta, mas mesmo que o Will estivesse enchendo o saco dela, afinal não era nenhuma novidade, porque ela estava tão mal-humorada? Bem, ela meio que culpava ele por ter torcido o tornozelo. Aí você se volta a perguntar, o que ele tem a ver com isso? Ever sempre foi assim, meio criança, então ela sempre tentava colocar a culpa em algo ou alguém antes de admitir que a culpa fosse dela. E dessa vez, o culpado da vez era William.

— Na verdade — ele disse ignorando o olhar afiado de Ever — eu estava a comprar minha camisa quando um brutamonte brotou na minha frente querendo comprar a única camisa que tinha o meu tamanho e a cor que eu queria. Então eu comecei a brigar com ele pela camisa, é claro que eu venci afinal eu sou muito forte e sensual, mas ele, não admitindo a derrota, tacou uma garrafa cheia de água em cima de mim e saiu correndo.

— E eu sempre pensei que eram mulheres que brigavam por coisas como roupas — Ever murmurou.

Eu e Ed quase ficamos roxos de tanto segurar a vontade de rir. Will lançou-lhe um olhar cortante.

Ninguém disse mais nada e continuamos comendo. Depois de Doctor Who começou a passar na televisão um documentário sobre anfíbios. Ed começou a mudar de canal para tentar encontrar algo de interessante. Ever sentou-se ao seu lado, falando algo sobre como estava quente hoje.

Will foi se trocar (afinal ele ainda estava ensopado). Eu, é claro, tive que limpar a cozinha sozinho. Acabei lembrando de Tawaret, ela sempre brigava com as outras crianças por não nos ajudarem a limpar as coisas.

Quando eu, Ever e Ed nos conhecemos éramos os mais jovens. Havia mais onze órfãos no Sunlight. Seis garotas e cinco garotos. Três das garotas já tinham dezessete anos, então no ano seguinte já haviam saído do Sunlight. Outras duas tinham quinze anos e a última tinha quatorze. Dos garotos, três já tinham dezesseis anos, um tinha quinze e o outro tinha treze.

Nós éramos muito apegados a um, chamado Luan Grayson. Ele tinha quinze anos. Era como um irmão mais velho (bem mais velho) para nós. Ele ajudava a Ed engolir seu orgulho e pedir desculpas quando ele arranjava alguma briga. Ele sempre conversava comigo e incentivava Ever a tocar o piano, sempre a ouvindo tocar e comprando algumas partituras.

Ele foi embora quando ele fez dezoito. Ever chorou e Ed ficou calado por dias. Antes de ir embora ele falava sobre como queria ir para Europa. Seria muito legal se o encontrássemos em Londres.

Everlyn começou a discutir com Will sobre alguma coisa (sim, ele já tinha se trocado).

— Me deixa ouvir Three Days Grace — reclamou Ever.

— Por quê? — exclamou William — não, vamos ouvir Slipknot.

— Mas Vermilion parte 2 é uma música TÃO calma. Eu quero ouvir algo mais agitado.

Sério. Olha o assunto que eles estavam discutindo.

Will acabou ganhando e aumentou o som da TV na música do Slipknot.

Meus pensamentos voaram até Eliza Campbell (sim, é a menina vestida de mulher-maravilha que estava comigo na festa). Ela veio de New York para estudar artes plásticas. Adorava HQs e lia uma quantidade considerável de mangás. Gostava de música eletrônica e rock.

Sim, eu sei tudo isso sobre ela. Afinal, depois da festa ela me deu seu número e nós começamos a conversar bastante pelo celular. Combinei que eu ia encontrá-la amanhã na faculdade (afinal, hoje é domingo).

Ever entrou de repente na cozinha, procurando algo no armário. Fiquei curioso.

— O que você quer, Ever?

— Uma caneca escura, aquela preta, sabe, que tem estrelinhas desenhadas?

Algo ela estava aprontando. Bem, desde que não seja comigo...

— Terceiro armário, da esquerda para a direita.

Ela sorriu diabolicamente quando achou, abriu a geladeira, pegou a garrafa de Coca-Cola. Mas... Ela não podia tomar refrigerante.

Engoli minha pergunta para não receber uma resposta afiada dela. Afinal, Ever odiava quando as pessoas perguntavam o óbvio. Por exemplo, estava chovendo e alguém falava: “Nossa, está chovendo!” E Everlyn devolvia “Não não, querida, é apenas a baba de Jesus”. Uma vez ela falou isso para uma crente, e digamos que a mulher não ficou feliz.

Ela guardou a Coca-Cola, pegou mais duas canecas, enchendo uma de café e a outra de...ÁGUA COM TERRA??

Fiquei olhando pasmo, enquanto ela saía equilibrando (não sei como) as três canecas.

Ed estava praticamente jogado no sofá enquanto ouvia a música. E Will estava assistindo o clipe.

Ela entregou uma caneca para cada eles.

Nenhum deles olhou para dentro da caneca, sem imaginar o que poderia estar lá dentro.

Ed começou a tomar e arregalou os olhos.

— MAS ISSO É...

Everlyn sorriu.

— Coca-Cola.

Antes que Ed pudesse falar algo, Will começou a cuspir algo de sua boca.

Algo como terra com água.

— Mas o que diabos...

Everlyn deu um sorriso mais largo ainda.

— Isso é por você ter tirado da minha música e isso é por eu não aguentar mais essa maldita aposta.

Ela saiu rindo da sala. Os dois olhavam atordoados e ao mesmo tempo irritados.

Isso não ia prestar.

Os dois olharam para suas respectivas canecas. E começaram a cochichar, provavelmente montando um plano maligno. Se eu fosse Everlyn começaria a dormir com a porta trancada.