O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 54
Capítulo Cinquenta e Quatro


Notas iniciais do capítulo

Para quem achou o último capítulo minúsculo *cof cof*, esse aqui é gigantesco, e dedicado ao fã-clube Logan/Anna (fundado pela Filha de Atena, vale dizer) *u*



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Cinquenta e Quatro

Anna quase sorriu antes de disparar sua primeira pergunta, e Logan vagamente se perguntou se seria aquele sorriso que ela abriria antes de bombardear nuclearmente um vilarejo inocente.

– Você acredita em Panspermia?

QUÊ.

– Perguntou se eu acredito no quê?

– Panspermia – Anna repetiu, gesticulando com o pincel. – Você sabe, aquela teoria em que a vida no planeta Terra veio do espaço, que todo mundo acha que é de autoria do Hermann von Helmholtz mas, que, na verdade, remonta a cinco séculos antes de Cristo, porque Anaxágoras era um verdadeiro gênio.

QUÊ.

– Você nunca brincou disso? – Logan perguntou, exasperado. – Tem que me fazer perguntas pessoais normais – explicou, devagar. – Sabe, se eu tenho animais de estimação, já fiquei bêbado, fugi de casa... Não se acredito em... – a palavra lhe fugiu, frustrando-o. – Tanto faz, é a minha vez.

Por algum motivo, notou que Anna de repente parecia muito fora do lugar. Ela havia até brevemente encolhido os ombros, como se pedisse desculpas. Sem querer, lembrou-se de todas as vezes em que Apolo havia lhe dito que Anna era diferente, que não entendia muito de como o mundo das pessoas normais funcionava.

Achou melhor fazer uma pergunta qualquer.

– Já gostou do Apolo?

Para seu espanto, Anna bufou, revirando os olhos. Logan a encarou, curioso.

– O que foi?

– Eu não posso te fazer uma pergunta interessante, mas você pode me perguntar algo retardado assim?

– É – confirmou, só para irritá-la. – Mas por quê, acertei? – conferiu.

– Não, é claro – Anna contrapôs, parecendo sinceramente incrédula. – Agora me deixe pensar em algo.

Era estranho que alguém com um QI tão alto tivesse que parar para pensar por um motivo tão bobo, mas, na pequena pausa que se seguiu, Logan se viu imaginando como ela honestamente poderia nunca ter gostado de Apolo.

Não que seu primo fosse a maravilha toda que as garotas achavam – ele sabia que poderia ser muito melhor, por favor – mas, ainda assim, Apolo sempre havia tratado Anna como uma verdadeira princesa. Era, praticamente, o único garoto com quem ela tinha contato próximo; por Deus, talvez o único ser humano que a conhecia e gostava dela ainda assim.

Como Anna poderia nunca, jamais, ter tido uma quedinha por ele?

– Vem cá, já gostou de alguém alguma vez?

Anna o olhou, sem entender.

– É a minha vez de fazer a pergunta.

– Mas você tem o quê, dezenove anos? – Logan insistiu. – Não pode nunca ter gostado de alguém.

Anna curvou o canto dos lábios com escárnio.

– Eu não acho que isso realmente te diga respeito, mas a verdade é que poucas coisas--

Ah, ele não tinha tempo para aquilo.

– Já te beijaram? Não, espera, você não gosta de garotos?

Anna primeiro o encarou como se não acreditasse no que via, e então revirou os olhos, assumindo sua pose altiva.

– Considerando que a maioria é de imbecis como você, seria realmente difícil que--

– Ah – Logan a interrompeu de novo, mas, dessa vez, seu tom era depreciativo. – Então ninguém é bom o bastante para você?

– Cale a boca – Anna ordenou, a voz séria.

Logan observou bem seu rosto, que de repente parecia feito de mármore. Rígido e sério, como se conhecesse o segredo do mistério da origem do universo, completamente cheio de si. A Anna não faltava confiança, não faltava medo.

Então por que ele tinha a sensação de que com aquilo era diferente?

– Acertei um ponto sensível?

Aqueles lábios finos – claros, sem maquiagem alguma – se curvaram.

– Eu não me importo com o que quer que você pense.

Anna Blake era um prodígio. Uma violinista excelente e uma artista incrível, em primeiro lugar em tudo o que fizesse. Tinha um futuro brilhante esperando por ela, e jamais se importaria com a opinião de um cara normal como Logan Wright, que observava os dias correrem ao estreitar os olhos para protegê-los do Sol enquanto velejava.

Então por que aquilo parecia uma mentira?

– Faça a sua pergunta, então. É a sua vez.

Anna o encarou como se ele a houvesse subestimado.

– Só para que você volte nesse assunto depois de me dar uma resposta que, honestamente, não me interessa nem um pouco?

Logan levantou as sobrancelhas em falsa casualidade.

– Algum problema com esse assunto?

Anna o encarou como se ele fosse densamente estúpido.

– Até mesmo um cérebro precário como o seu pode responder a essa questão, eu tenho certeza.

A verdade é que não, Logan não podia. Anna era bonita, a seu modo. Devia conhecer outros nerds, também, se era enxadrista profissional e campeã em videogames, além dos seus colegas músicos e artistas. E até seus concorrentes em competições de física, ou seja lá o que ela fizesse nas férias de verão, poderiam ser namorados em potencial.

Como poderia ter uma vida amorosa completamente nula? Talvez fosse embaraçoso admitir, mas, não, o cérebro de Logan não poderia responder àquilo.

– Não – admitiu, esperando que ela visse que estava sendo sincero. – Não sei por que você teria algum problema com esse tipo de coisa.

Anna o observou bem, julgando-o por um longo minuto. Seus olhos cinzentos eram terrivelmente avaliativos, e ela parecia pesar a veracidade de suas palavras. Quando suas sobrancelhas finalmente relaxaram, contudo, sua expressão foi de surpreendente pesar.

Apoiando os braços nos próprios joelhos, desviou sua atenção para o pincel que ainda tinha em uma das mãos. Desenhou pequenos círculos no ar com ele, e Logan esperou fervorosamente que ela estivesse pensando em como respondê-lo, e não em como silenciá-lo para que nunca mais fizesse perguntas.

– Eu nunca me dei bem com outras pessoas – ela finalmente começou, baixinho. Aquilo parecia que iria se assemelhar a uma confissão ou a um desabafo, o que certamente seria melhor do que uma tentativa de perfurar sua garganta com a parte de madeira do pincel. – Meninos ou meninas, tanto fazia. Não é que eu não quisesse, elas só... nunca gostaram de mim. Hoje eu vejo que eu era estranha. Se alguém houvesse me dito para agir diferente, para disfarçar... eu teria conseguido, mas ninguém nunca... – Anna fechou os olhos, respirando fundo. Quando os reabriu, pareciam ter o peso de décadas. Não era a primeira vez que Logan a via mais velha do que provavelmente era. – Eu deveria ter percebido sozinha.

– Está falando de quando era criança?

– De lá para cá, nada mudou muito – Anna fez um círculo maior com o pincel. – Mas eu ficava mais chateada quando pequena. Detestava ir à escola, odiava qualquer lugar que tivesse pessoas da minha idade. Teria passado anos trancada em casa, lendo e tocando, se pudesse... – abriu então um pequeno sorriso, que não era dirigido a ele. – Ou se Apolo houvesse deixado.

– Mas você nunca gostou dele.

Não era uma pergunta.

– Não – Anna replicou, suave. – Apolo... ele não era para mim. Acho que teve um tempo em que... não sei, talvez eu tenha gostado dele – cedeu. – Mas éramos muito pequenos, e eu já sabia que não iria servir para ele. Apolo era normal, era cheio de vida. Se divertia como todo mundo, um dia teria uma vida completamente diferente da minha.

Logan havia precisado de um pé na bunda para perceber que estivera saindo, por toda a sua vida, com o tipo de garota errada. Anna havia percebido isso quando pequena, evitando qualquer tipo de sofrimento futuro (ou talvez não. Olhando-a assim, traçando círculos no ar naquele ateliê empoeirado e sujo, alguém poderia ser perguntar sobre o que era sofrimento de verdade).

– Vocês tinham quantos anos?

– Eu não sei. Éramos crianças. Seis, sete.

Não valia a pena olhar para Anna enquanto a garota fazia o seu melhor para não encará-lo de volta. Logan acabou soltando um suspiro conformado, observando as próprias mãos. Sua pele ainda estava bronzeada, as costas das mãos chegando a ainda descascar das queimaduras. Havia calos nas palmas e entre os dedos, e também machucados e cortes.

Seu último barco ficara pronto não fazia menos de três semanas. Era um tipo básico, multicasco, do tipo preferido dos iniciantes, e o velho Phil planejava vendê-lo por pelo menos oito mil a um conhecido. Mas Logan havia pedido que o mantivesse na oficina, que esperasse pelo seu retorno.

Correndo o polegar por um dos maiores calos, percebeu que aquele era o primeiro projeto quase que inteiramente seu. Depois do fim do namoro, passara dias e noites polindo o casco, serrando a madeira, pintando, polindo, consertando, dando os nós certos, escolhendo a melhor vela. (Trabalhando, não via o rosto de Sarah, não ouvia suas palavras, sequer se lembrava de sua voz.)

Phil nunca havia visto um barco ficar pronto tão rápido, e também tão bonito. Suas cores eram cinza, branco e azul escuro, e um bom apreciador poderia até pagar dez ou doze mil por ele. Logan poderia comprá-lo, talvez, se Phil não lhe pagasse pelos próximos três meses e mantivesse o preço em oito mil.

Ao erguer a cabeça para encarar o teto, notou pela primeira vez que Anna estava o olhando. Encarou de volta, perguntando com os olhos o que estaria errado.

– Achei que soubesse disso tudo – ela lhe disse. – Você, de todas as pessoas.

Havia se distraído tanto pensando no barco e em Sarah que quase havia se esquecido da história de Anna. Observou a garota, comparando o tamanho dos seus problemas: e, quando se faz isso, sempre se chega à conclusão de que os outros sofrem menos.

– Anna, você é um gênio. Quando for uma artista premiada e bilionária, o mundo todo vai perceber o quanto foi burro de não ter gostado de você antes.

Esperava que a garota se impressionasse pela verdade sincera e bruta, mas Anna apenas balançou a cabeça lentamente, parecendo pensativa.

– O que quer dizer com isso? Não funciona assim. – Comprimiu os lábios. – Está relativizando a minha situação.

Relativizando. Logan respirou fundo, exasperado.

– É, estou.

Anna não o respondeu por um tempo. Sentou-se melhor, abraçando os próprios joelhos e pondo pincel de lado.

– Você estava pensando em alguma coisa – finalmente disse. – O que era?

– Nada.

– Eu tenho direito a uma pergunta.

– Disse que não se interessava pela resposta – Logan a lembrou. – E, além do mais, estamos quites. Você começou me fazendo uma pergunta, e então eu te fiz... – parou de repente, amaldiçoando-se ao se lembrar de que havia feito uma porção de perguntas.

Não precisou nem olhar para Anna para sentirseu sorriso vitorioso.

– Várias. Você me fez várias perguntas, então me deve algumas respostas para o jogo ser justo. No que estava pensando? – repetiu.

Logan não havia falado sobre Sarah com ninguém, nem mesmo com Apolo. Mas será que Anna havia dito a alguém o que havia acabado de lhe confessar?

– Eu passei a minha vida toda fazendo tudo errado – acabou admitindo, embaraçado, sem nem saber se aquela era a melhor forma de começar. – Só para começar, deveria ter continuado na faculdade, eu estava até gostando. Mas daí tinha menos tempo para trabalhar na oficina, para sair, para ir para--

– Oficina? – Anna o interrompeu.

– Eu construo barcos – Logan explicou. – Ajudo, na verdade. – Menos o último, ele é meu por inteiro. – Para pesca, para iatismo.

– Eu não sabia – Anna murmurou, quase que para si mesma.

– Não importa. E eu também só saía com as garotas erradas... – lindas, espertas, divertidas, bronzeadas e com o cabelo loiro de Sol. – Tem muitas delas na praia.

– Erradas?

Havia Anna sequer conhecido uma garota assim? Logan não poderia imaginar pessoas mais diferentes. Anna era pálida, pequena, régia e decidida. Não tinha o menor senso de humor, não parecia achar a vida nada divertida. Sarah gargalhava fácil, desfilava seu bronzeado em biquínis e shorts jeans e passaria o resto da vida daquele jeito, no que ela chamava de “aproveitar cada segundo”.

– É. Erradas.

Porque Logan adoraria aquilo. Adoraria ter aquela falta de preocupação, aquele desprendimento, o descompromisso com tudo exceto com a própria felicidade. As bebidas, as festas, as tardes preguiçosas e as noites curtas. Mas também gostava de outras coisas. Gostava do seu trabalho na oficina, estava gostando das aulas na faculdade. Largar o curso havia sido a maior burrada da sua vida, e só via isso agora.

– Minha primeira namorada séria terminou comigo há um tempo – contou, em um tom quieto, talvez de segredo. – Disse que eu estava diferente.

– Se você relativizou a minha situação com o seu coração partido depois de o primeiro término, vou bater em você – Anna o avisou, muito séria, e Logan não teve escolha que não sorrir. – E você está diferente? – ela perguntou de repente, com ligeira crítica. – Parece o mesmo de sempre.

Pareço? Tinha vontade de voltar para a faculdade e também de pegar um barco e fugir. Vontade de se casar e também de não sair com mais ninguém, de envelhecer em uma varanda voltada para o mar e de correr o risco de morrer aos vinte e cinco em um acidente em competições de iatismo.

Talvez precisasse de alguém com quem conversar sobre tudo aquilo. Ninguém mais velho que fosse lhe dar sermões de experiência, nem ninguém mais novo que não o entendesse. Precisava de alguém como...

Observou Anna com renovada atenção. O nó em seu cabelo estava se soltando, talvez dela ficar com a cabeça contra a parede daquele jeito. Cachos loiros – a pontinha de um deles ainda suja de tinta – cairiam sobre um de seus ombros quando o aperto finalmente se desfizesse, e ele não veria um centímetro de pele, seus ombros muito cobertos pelo suéter manchado de respingos e de limpezas do pincel.

O ar cheirava a tinta, a poeira e a solvente, e Logan precisava de alguém como Anna.

– E você? Está chateada pelo que me contou?

A pergunta a fez mordiscar o lábio inferior e, sim, Logan percebeu a beijaria. E ela ainda parecia pequena o bastante para ser posta no colo, ou para se deitar sobre ele no sofá, a cabeça debaixo do seu queixo. Estalou os dedos de uma mão, esperando com ansiedade que ela o respondesse.

– Faz diferença?

Levantou uma sobrancelha, em seu tom mais sério.

– É claro que faz.

Mas Anna estava negando com a cabeça.

– Não, não faz, não de verdade. Esqueça isso. Eu não me importo, estou bem assim. Eu não saberia conviver com outra pessoa nem se alguém fosse insano o bastante para tentar – acrescentou, talvez tentando fazê-lo concordar, naquelas implicâncias que tinham um com o outro.

Mas dessa vez Logan a encarou, porque ele tentaria. Porque ele a levaria para sair e a beijaria pela primeira vez, tentaria ter paciência quando ela escorregasse para o jargão da física nuclear, talvez a beijando quando sua fala ficasse muito incompreensível.

Apolo havia a ganhado com anos de paciência, atenção e carinho. Por que ele não conseguiria? Na condição de superior a Apolo, contudo, e levando em conta a diferença de seus objetivos, esperava até ser mais rápido.

Começando devagar, é claro.

– Ainda bem que você não guarda bebidas aqui – disse, fazendo com que Anna erguesse as sobrancelhas em surpresa. – Se estamos assim sóbrios, bêbados já estaríamos pintando todas as nossas frustrações.

Para seu alívio, Anna abriu um pequeno sorriso.

– A tristeza é uma boa ignição para a Arte – o informou. – Seriam bons quadros. E eu não tenho bebidas aqui porque não bebo.

Quê? Logan a encarou, indignado.

– Que tipo de artista é você?

– Nada de mais perguntas suas – Anna o repreendeu. – Eu ainda tenho direito a algumas antes de voltarmos à sua vez.

Logan riu, e então se pôs de pé. Estendeu as mãos para ajudá-la a se erguer, também, ignorando seu ar de confusão. Segurou-a pelos pulsos, puxando-a para cima – mas, mesmo quando Anna firmou os pés no chão, não a soltou.

– Você mesma disse que teve um dia cheio – explicou. – Eu vou te deixar descansar um pouco.

– Vai encontrar um táxi a essa hora? – Anna perguntou, atentando para detalhes desimportantes.

– Eu vou pegar o metrô até o centro, lá consigo um – Logan a tranquilizou. Nem havia pensado naquilo, mas se parecia com um bom plano. – Você tem um quarto lá em cima, não tem?

Apolo havia vagamente mencionado aquilo, chamando o ateliê de dois andares de Anna de possível laboratório químico mais perigoso do estado. A garota assentiu, não parecendo ver naquilo nenhuma brecha para um convite ou uma insinuação.

– Vou ficar bem. – Fez uma pequena pausa, parecendo estranhamente grata. – Você pode voltar quando quiser. Se quiser, é claro – corrigiu-se, mais humana do que ele alguma vez já a havia visto.

Logan deu uma olhada rápida pelo ateliê.

– É, ainda faltam algumas paredes. – Virou-se para ela, e Anna tinha um pequeno sorriso nos lábios. – Vou voltar.

Anna assentiu, parecendo silenciosamente satisfeita. Logan então a soltou, com o cuidado de quem testa as águas em um dia de chuva. Chuva... seus olhos eram a tempestade mais terrível de todas, e ele não fazia ideia de como não havia notado aquilo antes.

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Notas finais do capítulo

Eu disse que era enorme! U-U O que acharam, meus amores? Isso significa que teremos mais capítulos dos dois até o fim da história... mas coisa pouca, porque o objetivo é Appirtie (Deus, esse nome é realmente ridículo). Mil beijinhos da Maeve! *-*