Suas pálpebras parecem pesar toneladas mas lentamente a visão começa a entrar em foco. Sander acordou em sua cama, embora não soubesse como chegou ali. O sono ainda o atingia, mas tinha plena consciência de que evento iria se realizar dali a algumas horas. A colheita o aguardava.

O pensamento fez o sono esvair de seu corpo. Reclinou-se na cama um pouco rápido de mais e a vertigem o atingiu em cheio mas se pôs em pé. Precisava de um banho com urgência. O cheiro de suor e serragem que sentiu de si próprio era insuportavelmente forte. Olhou para o colchão vendo as marcas de terra que suas mãos encardidas e as roupas lamacentas deixaram. A porta se abriu em um estrondo com Héstia correndo para ele.

– Sander! - Ela o abraçou com o rosto fortemente pressionado contra sua barriga. A irmã parecia não se importar com o cheiro. - Você vai cuidar da menina loira? Ela é muito bonita! Promete que vai cuidar?

Não sabia do que a irmã estava falando. Mas ainda estava muito aéreo para discutir e não queria ter mais nenhuma surpresa. Apenas despenteou os cabelos negros da irmãzinha e disse:

– Claro! Vou cuidar dela. Não se preocupe.

A irmã suspirou aliviada. Por um instante Sander temeu que ela tivesse tido mais algum sonho. A irmã saiu correndo com os passos ligeiros ecoando pelos corredores. Sander decidiu que não iria pensar muito naquilo e saiu para o banho.

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Se sentiu renovado. A sujeira já não se notava mais, muito menos o cheiro de suor. Corria pela estrada de chão para um último encontro com seus amigos antes da colheita. De longe conseguia visualizar a antiga estação de trem que agora é usada como uma feira de frutas e legumes. Seus amigos o aguardavam sentados no degrau superior de embarque onde Samantha acenou para ele.

– Como anda este coraçãozinho para a colheita? - Ela perguntou. Apesar de não saber se sentia medo, ansiedade ou tristeza em relação a isto, Sander apenas mentiu:

– Bem. Eu acho. Meu nome não está lá muitas vezes. Seis apenas. - Inclinou a cabeça para trás e pensou por um momento. Incluiu na contagem as duas vezes que retirou as tésseras para sua família, o que garantiu que o seu nome aparecesse na bola de vidro mais duas vezes. - É. Seis vezes. - Confirmou.

– Isso não significa muita coisa. - Disse Timotty. - Lembram daquela garota no ano passado. Como ela se chamava? Lavínea! Era a primeira vez dela na colheita. - Ele fitou os próprios pés por um momento com o canto da boca retraído. - Coitadinha. Morreu lenta e dolorosamente na arena.

– Timotty! - Protestou Annye dando uma cotovelada no garoto. - Todos nós temos chances de ir. Muitas chances para falar a verdade. Agora todos temos dezesseis anos. - Ela largou um suspiro profundo. - Acredito que tivemos apenas sorte até agora. Mas algum dia ela acaba.

– E eu que sou o desagradável. - Indagou Timotty incrédulo.

Parte de Sander sabia que Annye tinha razão. Em cinco anos, nenhum dos seus três amigos haviam ido para os jogos. Supondo que sobreviveriam. Mas enquanto os anos passam, maiores ficavam as chances de serem tirados da bola de vidro.

– Olha só quem vem vindo. - Timotty fez um gesto em direção da garota que se aproximava. - Cara, um beijo dela e eu me oferecia como voluntário para os jogos.

– Sai dessa Tim. - Annye deu um soco de leve em seu braço. - Nem sua mãe te beija.

Todos riram. Mas eu ainda fitava a menina que se aproximava. Alexandra Dhremer. A filha do prefeito, a menina mais cobiçada do distrito. Sempre simpática com aquele sorriso estampado no rosto angelical. Sander tentou puxar qualquer assunto com ela na escola, mas o que a filha do prefeito iria querer com um lenhador?

Ela passou por eles e fez um gesto de cumprimento. Sander pode sentir seu perfume e retribuiu o gesto. Timotty acenava com um sorriso forçado no rosto. A garota passou em passos largos com os longos cabelos loiros ondulando ao vento sobre suas costas... cabelos loiros... Foi aí que se deu conta. Alexandra era a única garota loira do distrito que estava apta a participar dos jogos. E sua irmã a advertira quando ele acordou " cuide da garota loira".

Sua visão embaçou novamente e ele cambaleou se apoiando em Samantha. Agora fazia sentido. Sua irmã sonhara novamente aquela noite.

– San? - Disse Samantha preocupada. A garota passou seu braço sobre o pescoço e o apoiou para que não caísse.

– Cara. Eu sei que ela é bonita, mas não é pra tanto. - Disse Timotty erguendo as mãos como se estivesse se rendendo.

– Não... não é isso. Eu estou bem. Só... só preciso voltar para casa. - Sander agora mal podia sentir as suas pernas.

– Vamos. Eu te levo. - Samantha deu meia volta ainda com Sander apoiado em seu pescoço.

Quando estavam a uma boa distância dos outros, Sander sentiu uma tremenda necessidade de dividir o que estava sentindo com alguém. Confiava em Annye e Timotty também. Mas não tanto como confiava em Samantha.

– Samantha. - Começou a dizer com a voz falhando. - Héstia sonhou de novo.

Samantha apenas o fitava com os olhos azuis céu. Seus rostos estavam tão próximos que Sander podia sentir a respiração da garota. Ela sabia o que aquilo queria dizer. Héstia era famosa no distrito por seus sonhos e em uma certa época fora considerada uma bruxa. Mas meu pai conseguiu convencer todos de que aquilo não passava de uma besteira. Pois Héstia fazia de tudo para tentar avisar as pessoas dos perigos. Porém poucas entendem ou ao menos escutam a garotinha.

– Sonhou com o que exatamente? - Ela questionou.

– Comigo.- Respondeu Sander perdendo mais ainda o sentido das pernas. - Comigo indo para os jogos junto com Alexandra Dhremer.